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A interpretação do art. 384 da CLT e o tratamento isonômico entre homens e mulheres

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O artigo 384 da CLT preceitua em seu texto, para a mulher, o direito ao intervalo de quinze minutos antes do início da jornada extraordinária, conforme se infere através da leitura do dispositivo legal inserido no Capítulo III da Lei Celetária, que trata da proteção do trabalho da mulher:

Art. 384.

Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos, antes do início do período extraordinário de trabalho.

Ao tratar da regra em comento, Amauri Mascaro Nascimento, apresentou a seguinte exegese: "Se da mulher forem exigidas horas extraordinárias, para compensação ou em se tratando de força maior, será obrigatório intervalo de 15 minutos entre o fim da jornada normal e o início das horas suplementares (CLT, art. 384)." 1

Com efeito, deixando o empregador de conceder à mulher o intervalo de 15 (quinze) minutos entre a jornada normal e a extraordinária, a teor do art. 384 da CLT, impõe-se penalizá-lo com o pagamento do tempo correspondente, com acréscimo de 50%.

Por certo, o art. 384 da CLT constitui norma de ordem pública, que tem como escopo à proteção a saúde, segurança e higidez física da mulher. Todavia, discute-se a interpretação do dispositivo legal de proteção do trabalho da mulher à luz do Principio Isonômico esculpido no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, que expressamente estabelece que: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

Decerto, muito se discutiu na doutrina e jurisprudência pátrias acerca da constitucionalidade do art. 384 da CLT, uma vez que a interpretação desse dispositivo encerraria o discrímen sexo, o que, por óbvio, é expressamente vedado constitucionalmente.

Na doutrina de Sergio Pinto Martins, o ilustre jurista pondera que:

"O preceito em comentário conflita com o inciso I do artigo 5º da Constituição, em que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Não há tal descanso para o homem. Quanto à mulher, tal preceito mostra-se discriminatório, pois o empregador pode preferir a contratação de homens, em vez de mulheres, para o caso de prorrogação do horário normal, pois não precisará conceder o intervalo de 15 minutos para prorrogar a jornada de trabalho da mulher."2

Nesse mesmo sentido posicionou-se igualmente Alice Monteiro de Barros:

"Considerando que é um dever do estudioso do direito contribuir para o desenvolvimento de uma normativa que esteja em harmonia com a realidade social, propomos a revogação expressa do artigo 376 da CLT, por traduzir um obstáculo legal que impede o acesso igualitário da mulher no mercado de trabalho. Em conseqüência, deverá também ser revogado o artigo 384 da CLT, que prevê descanso especial para a mulher, na hipótese de prorrogação de jornada. Ambos os dispositivos conflitam com os artigos 5º, I, e artigo 7º, XXX, da Constituição Federal." 3

Na jurisprudência, o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, em acórdão de lavra do Eminente Juiz Dirceu Pinto Júnior, posicionou-se no seguinte sentido:

"quanto à não concessão do intervalo previsto no artigo 384 da CLT, entendo que, por não importar em acréscimo de jornada, configura mera infração administrativa. Além do mais, o dispositivo trata de proteção do trabalho da mulher, o qual se encontra revogado em face das disposições constitucionais que asseguram igualdade de direitos e deveres entre homem e mulher. A meu juízo, impossível a manutenção de qualquer norma de proteção, salvo aquelas que se referem a condições especiais da condição da mulher, como a maternidade e o deslocamento de peso. Ante o exposto, reformo o julgado para excluir a condenação ao pagamento de 15 minutos extraordinários e reflexos baseados no artigo 384 da CLT".4

Sem embargo, com a devia vênia à tese defendida por parte da doutrina e jurisprudência pátrias que perfilham entendimento no sentido de ser inconstitucional o texto do art. 384 da CLT, entende-se que a proteção ao labor da mulher quanto a sua duração, configura-se proteção à situação desigual, sem qualquer ofensa ao Princípio Constitucional da Igualdade.

Desnudando a questão, Celso Ribeiro Bastos ensina que:

"homens e mulheres não são, em diversos sentidos, iguais, sem que com isso se queira afirmar a primazia de um sobre o outro. O que cumpre notar é que, por serem diferentes, em alguns momentos haverão forçosamente de possuir direitos adequados a estas desigualdades." 5

E prossegue:

"Embora seja sabido que depende muito da cultura de cada país o reconhecer o que é próprio a cada um dos sexos, o fato é que o direito há de respeitar estas distinções que, embora de base eminentemente cultural, não deixam de ter como suporte uma diferenciação na própria caracterização de cada um dos sexos." 6

Celso Antônio Bandeira de Mello, também se posicionou sobre o tema:

"por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula fácil que interdita, o quanto possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade, assegura que os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos sem especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas para os atingidos." 7

A Jurisprudência das diversas Cortes Trabalhistas Obreiras, também já manifestou pela constitucionalidade do art. 384 da CLT, senão veja-se:

INTERVALO PRECEITUADO NO ARTIGO 384 DA CLT – CONSTITUCIONALIDADE E VIGÊNCIA – NÃO CONCESSÃO – O princípio da isonomia visa a impedir que diferenças arbitrárias encontrem amparo em nosso sistema jurídico, e não cumpre seu objetivo quando é interpretado em termos absolutos, servindo de fundamento para tratamento igual àqueles que são desiguais. Desta forma, considerando a inquestionável diferença física existente entre homem e mulher, o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela atual ordem constitucional, não se havendo falar que sua aplicação viola o artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal. Assim, vigente o referido dispositivo, sua inobservância, deixando o empregador de conceder à mulher o intervalo de 15 (quinze) minutos entre a jornada normal e a extraordinária, impõe-se penalizá-lo com o pagamento do tempo correspondente, com acréscimo de 50%. Recurso conhecido a que se dá parcial provimento. (TRT 23ª R. – RO 00643.2002.021.23.00-9 – Cuiabá – Relª Juíza Maria Berenice – DJMT 25.02.2003 – p. 24)

"BRASIL TELECOM S/A – INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT – O artigo 384 da CLT, que prevê, para a mulher, o direito a intervalo de quinze minutos antes do início da jornada extraordinária, transmuda-se, constatada a sua inobservância, em direito ao pagamento do tempo correspondente como extra. Não se cogita de ofensa ao princípio da igualdade (art. 5º, I, da CF), decorrendo o tratamento diferenciado, no caso, da condição desigual da mulher, relativamente à sua higidez física. (TRT 9ª R. – RO 01356-2001 – (26479-2001) – 2ª T. – Rel. Juiz Luiz Eduardo Gunther – J. 10.07.2001) (Ementas no mesmo sentido) JCLT.457 JCLT.457.1 JCLT.384 JCLT.10 JCLT.448 JCF.37 JCF.5 JCF.5.I".

No mesmo sentido, já se posicionou a Superior Corte Obreira (TST), quando do julgamento do recurso de revista interposto nos autos do processo de nº 12600/2003-008-09-00.3, oriundo do TRT da 9º Região (FONTE: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, www.tst.gov.br).

Naqueles autos, segundo o Ministro Levenhagen, embora a Constituição afirme que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, "é forçoso reconhecer que elas se distinguem dos homens, sobretudo em relação às condições de trabalho, pela sua peculiar identidade biossocial". O relator acrescentou que foi justamente em razão desta peculiaridade que o legislador concedeu às mulheres, no artigo 384 da CLT, um intervalo de 15 minutos antes do início do período de sobretrabalho, no caso de prorrogação da jornada normal.

De acordo com o eminente Ministro, o sentido protetivo da norma da CLT é claro e não afronta o dispositivo constitucional da isonomia entre homens e mulheres, além de contradizer a idéia corrente de que as mulheres têm menos direitos que os homens. Levenhagen registrou ainda que, para levar às últimas conseqüências o Princípio Constitucional da Isonomia seria preciso estender aos homens o mesmo direito reconhecido às mulheres, e não usá-lo com fundamento para extinguir ou negar o direito previsto no artigo 384 da CLT. Para o Ministro, o Princípio da Isonomia se expressa também "no tratamento desigual dos desiguais na medida das respectivas desigualdades".

Com efeito, não parece ser a melhor exegese do art. 384 da CLT mitigar direitos já alcançados sob o fundamento de afronta ao Princípio da Igualdade. Na verdade, a norma deveria ser aplicada indistintamente, tanto para a proteção do trabalho da mulher como do homem, com vistas ao bem estar físico e psíquico do empregado, sem exigir-lhe trabalho contínuo além de suas forças.

Decerto, dever-se-ia sim, com fincas no artigo 5º, I, da Constituição Federal, buscar a igualdade para ampliar o alcance das normas a todos os trabalhadores.

Ademais, havendo controvérsia acerca da suposta desigualdade de tratamento implementada no texto do art. 384 da CLT, nada mais razoável que se lute por ampliar o alcance da norma a todos os trabalhadores. Não se pode cogitar do raciocínio simplista a eliminação da proteção ao argumento de que atende apenas a mulher.

Sobre a questão, Mozart Victor Russomano registra o real sentido da norma do art. 384 da CLT, ressaltando o caráter exegético-ampliativo conferido ao dispositivo legal, que encerra uma norma especial à prorrogação da jornada de trabalho, seja da empregada seja do empregado:

"Já vimos, através dos artigos 59 e 61, os casos em que a jornada de trabalho pode ser prorrogada, mediante a prestação de trabalho em horas extraordinárias e, bem assim, as condições de pagamento de serviço suplementar.

Vê-se, entretanto, através do texto desses dispositivos, que, entre o fim da jornada normal e o início do trabalho extraordinário, não foi, expressamente, marcado nenhum intervalo para descanso.

Poder-se-á, com efeito, entender de modo diferente, conjugando-se o artigo 71, parágrafo 1º, com os citados artigos 59 e 61. Por outras palavras: o serviço extraordinário pressupõe a prorrogação de um turno de trabalho. Assim, o turno de trabalho prorrogado, para efeito das horas extras, normalmente, ultrapassará o limite de quatro horas de serviço contínuo e, ipso facto, por força do artigo 71, parágrafo 1º, será assegurado ao trabalhador um descanso de quinze minutos, no mínimo." 8

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Desta feita, Russomano apresenta uma proposta hermenêutica:

"Será, finalmente, possível – com boas razões – aproveitar-se a regra do artigo 384 para confrontá-la, sucessivamente, com os artigos 5º, 61 e 71, parágrafo 1º, desta Consolidação a fim de reforçar nessa interpretação, acima referida, de que esse intervalo para descanso pode ser devido em qualquer caso de prorrogação do serviço de qualquer trabalhador, sempre que tal prorrogação determinar sua permanência em atividade por mais de quatro horas consecutivas." 9

O Autor conclui, por fim, apresentando a solução plausível como direção interpretativa:

"O artigo 384, pois, seria subsídio para a interpretação exata dos outros dispositivos acima citados, caso sejam considerados expressos, ou para sua aplicação, por analogia, aos casos gerais, caso sejam os primeiros encarados como omissos a propósito."10

Nesta esteira de idéias, a jurisprudência, sensível a esta posição, assim se manifestou:

"TRABALHO DA MULHER. O artigo 384, da CLT, dispondo ser obrigatório um descanso de 15 minutos antes do período extraordinário do trabalho da mulher foi recepcionado pela Nova Carta Constitucional, expandindo seus efeitos também sobre o trabalho do homem. É que o artigo em comento deve ser resolvido em favor do trabalhador, pois o objetivo da norma constitucional, longe de mitigar direitos, visa a ampliação dos mínimos existentes, sendo válida a ilação de que, ante o ditado do art. 5º, I, da Carta Política de 1988, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações." 11

Sem a menor extreme de dúvidas, quando sistemática: "a interpretação será dada ao dispositivo legal conforme a análise do sistema no qual está inserido, sem se ater à interpretação isolada de um dispositivo, mas a seu conjunto." 12

Portanto, à vista do que se expôs, em interpretação sistemática e analógica, tem-se que o preceito contido no art. 384 da CLT deve ser confrontado com o texto dos arts. 59, 61 e 71, parágrafo 1º, da CLT, no sentido de que o intervalo de 15 minutos para descanso entre a jornada normal e extraordinária seja devido em todos os casos de prorrogação de serviço de qualquer trabalhador.

E mais, finalizando, impende reiterar que nada obstante a interpretação sistemática e analógica do art. 384 da CLT confrontado com os arts. 59, 61 e 71, parágrafo 1º, da CLT, não se pode perder de vista que a melhor exegese do art. 384 da CLT é pela sua aplicação indistinta, tanto para a proteção do trabalho da mulher como do homem, com vistas ao bem estar físico e psíquico do empregado, pois direitos conquistados não devem ser mitigados, do revés, devem estar ao alcance de todos.


Bibliografia

1 NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 7º ed. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 534.

2 BARROS, Alice Monteiro de. A Mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 479.

3 BARROS, Alice Monteiro de. A Mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 478.

4 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Volume 24. Nº 1. Janeiro a junho de 1999. p. 241, Proc. TRT-PR-RO 15.798/98, Acórdão 4ª T. 16.250/99, julgado em 26-05-99, publicado no DJPR de 23-07-99.

5 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988: São Paulo: Saraiva, 1988-1989. p. 18.

6 Ob. cit., p. 21.

7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 18.

8 RUSSOMANO. Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. Revista e atualizada. Curitiba: Juruá, 2001.

9 Ob. cit.

10 Ob. cit.

11 TRT-PR-RO 2.659/01. Rel. Juiz Roberto Dala Barba. AC. 29.654/01. DJ/PR 19.10.01

12 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 69.

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Sobre a autora
Maria Fernanda Pereira de Oliveira

Advogada trabalhista. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário. Pós-graduada pela Universidade Gama Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Maria Fernanda Pereira. A interpretação do art. 384 da CLT e o tratamento isonômico entre homens e mulheres. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1745, 11 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11144. Acesso em: 24 nov. 2024.

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