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A legitimidade ativa de sindicatos nacionais para ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX)

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Os sindicatos estão legitimados para instauração do controle concentrado de normas, sempre que puderem exercer, em âmbito nacional, a defesa dos interesses de uma específica classe, categoria ou carreira de servidores públicos.

Duas recentes decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (uma, pelo próprio Plenário da Casa, nos autos da ADI 3.330 – em 02/04/2008 – e outra, monocrática, emanada do Ministro Celso de Mello, no âmbito da ADI 4.064, ajuizada pelo SINPROFAZ – decisão de 1º/04/2008), suscitam, uma vez mais, discussão que, muito embora antiga, ainda não encontrou melhor solução junto àquela Suprema Corte. Trata-se do adequado enquadramento jurídico-constitucional que, em tema de legitimidade ativa para fins de instauração de processos de controle normativo abstrato, deve ser conferido a sindicatos e federações que possuem abrangência nacional.

Pois bem, o ilustre Ministro Celso de Mello, na decisão singular que proferiu na ADI 4.064 (DJE 07/04/2008), determinou o arquivamento da concernente ação direta, por entender que falece, ao SINPROFAZ, legitimidade ativa ad causam para o ajuizamento de processos de controle normativo abstrato.

E essa ilegitimidade ativa derivaria do entendimento, assentado no decisum, de que "as entidades sindicais de primeiro grau, mesmo aquelas de âmbito nacional, como o SINPROFAZ, não dispõem de qualidade para agir, perante o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle normativo abstrato, falecendo-lhes, em conseqüência, em face da regra de legitimação estrita consubstanciada no art. 103, IX, da Constituição, a prerrogativa para ajuizar a respectiva ação direta..." (destaques no original).

É dizer: nos exatos termos em que proferida a mencionada decisão, dentro da "estrutura sindical brasileira", apenas as Confederações Sindicais disporiam, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de legitimidade ativa ad causam, em tema de controle concentrado de constitucionalidade.

Afirmou, ainda, naquela ocasião, o ilustrado Relator, que as duas "hipóteses de legitimação para agir em sede de fiscalização abstrata" consubstanciam "situações que não são intercambiáveis, não se admitindo, por isso mesmo, e para efeito de ativação da jurisdição de controle ‘in abstracto’, que uma entidade sindical de primeiro grau, demitindo-se, momentaneamente, de sua condição sindical, invoque, por uma questão de conveniência processual, a qualidade de entidade de classe de âmbito nacional" (destaques no original).

O fato, contudo, é o de que, inobstante os doutíssimos fundamentos lançados no referido ato decisório, bem assim a remansosa jurisprudência mencionada pelo Ministro Relator, tal posicionamento não consubstancia o melhor equacionamento a ser conferido à controvérsia, pois se mostra incompatível não só com a natureza jurídica de sindicatos de âmbito nacional, mas, também, com o próprio espírito da Constituição Federal de 88, que objetivou uma democratização da jurisdição concentrada, através de sensível ampliação do rol dos concernentes legitimados ativos.


II – O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O INCISO IX DO ART. 103 DA CARTA POLÍTICA: "CONFEDERAÇÃO SINDICAL" E "ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL"

Como se sabe, o art. 103 da Constituição Federal, ao romper com o sistema de monopólio do Procurador-Geral da República, para fins de instauração de processos de controle abstrato de normas, significou sensível democratização do controle concentrado de constitucionalidade, ao estabelecer rol de legitimados simultaneamente amplo e diversificado, que contempla, a um só tempo, autoridades das esferas federal e estadual, bem assim partidos políticos com representatividade no Congresso Nacional e entidades representantes das categorias profissionais.

Esta inquestionável ampliação dos sujeitos ativos do processo de controle abstrato de normas chegou a culminar, no entender do Ministro Gilmar Mendes, com verdadeira inversão do peso e da importância que desfrutavam, então, em nosso sistema de controle de constitucionalidade, a via difusa e a via concentrada, com uma crescente relevância desta última (cf. voto proferido na ADI 3.153-AgR, Rel, p/ acórdão Min. Sepúlveda Pertence).

O espírito, pois, da Constituição da República, foi o de ampliação dos protagonistas deste importante instrumento de defesa in abstracto da Constituição, de sorte a majorar-se o grau de legitimidade democrática das decisões proferidas pela Suprema Corte do país, especialmente quando elas se revestem de natureza nitidamente contramajoritária e quando elas implicam em verdadeira "contra-legislação", com a retirada do mundo jurídico de leis ou atos normativos que contaram, em sua origem, com a aprovação majoritária do Parlamento.

Nesta perspectiva, os incisos constantes do art. 103 da Constituição da República representam verdadeiro avanço em tema de controle concentrado de normas, possibilitando que, em regra, as questões mais relevantes à sociedade possam mesmo ser submetidas de modo direto à apreciação da Suprema Corte, pois provavelmente encontrarão acolhida, no que atine à sua constitucionalidade/inconstitucionalidade, em ao menos um dos mais de nove legitimados para a utilização de instrumentos de aferição em tese da compatibilidade vertical de leis ou atos normativos.

E é nesse contexto ampliativo, democrático, e de valorização do papel do Supremo Tribunal Federal enquanto guardião maior da Constituição da República, que se insere o inciso IX do art. 103 da Carta Política, a conferir legitimidade ativa, em tema de ação direta, a "confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional".

Cabe mencionar, por oportuno, que a determinação do exato sentido e do preciso alcance das expressões contidas no inciso acima referido não foi tranqüila, ao contrário do que pode fazer crer a remansosa jurisprudência que ainda hoje prevalece no Supremo Tribunal.

E a dificuldade residiu, em essência, no adequado enquadramento jurídico-constitucional que deveria ser dado àquelas entidades que, muito embora integrantes da estrutura sindical hierarquizada brasileira, possuem abrangência nacional (dispondo, em conseqüência, de legitimidade para representação em âmbito nacional dos interesses de uma dada categoria profissional ou econômica), mas não se qualificam como Confederações Sindicais, assim entendidas aquelas associações sindicais de grau superior e organizadas com o mínimo de três federações, nos exatos termos do art. 535 da Consolidação das Leis do Trabalho (norma cuja recepção já foi assentada pela Suprema Corte – ADI 1.121, Rel. Min. Celso de Mello).

É dizer: entidades de âmbito nacional integrantes da organização sindical brasileira, diversas das Confederações, poderiam ser enquadradas na noção conceitual de "entidade de classe de âmbito nacional", constante da parte final do inciso IX do art. 103, para fins de legitimação ativa para ajuizamento de ações direta, ou, ao contrário disso, o só fato de possuírem, também, natureza sindical (e, como conseqüência, personalidade jurídica de direito sindical, que é adquirida com o registro da entidade junto ao Ministério do Trabalho) excluiria, automaticamente, a qualificação dos mencionados organismos como típicas entidades de classe de âmbito nacional?

Ou, sinteticamente: os conceitos de organização sindical de âmbito nacional e de entidade de classe de âmbito nacional são EXCLUDENTES E INCOMPATÍVEIS, ou, ao contrário disso, possuiriam uma mesma ontologia, diferenciado-se, unicamente, quanto aos respectivos graus de especialização?

Pois bem, a discussão em torno do tema (qual seja, a possibilidade de que sindicatos e federações nacionais sejam enquadrados como entidades de classe de âmbito nacional para fins de ajuizamento de ação direta) não tardou a chegar ao Supremo Tribunal Federal.

Já no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2 foi suscitada a questão de legitimidade ativa, ou não, da Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino. Em tal oportunidade, o ilustrado Relator, Ministro Paulo Brossard, assentou o que se segue:

"Entendem o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União que à requerente, por ser uma federação sindical, falece legitimidade para pleitear, em ação direta, a declaração de inconstitucionalidade. Ouso discordar dos doutos pareceres. Ela não é uma confederação, como quer a Constituição, art. 103, IX, mas é uma federação sindical de caráter nacional e não existe confederação específica (...). Se a federação em causa não tem a qualificação legal para provocar o Supremo Tribunal Federal à apreciação de inconstitucionalidade em tese através de ação direta, ainda que as federações, como as confederações, sejam associações sindicais de grau superior, a teor do que dispõe a CLT, art. 533 (...), ela estaria habilitada a ajuizar a presente ação com base na cláusula final do aludido inciso IX do art. 103 da Constituição, uma vez que não deixa de ser uma ‘entidade de classe de âmbito nacional’" (sem grifos no original).

Já em 1990, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 209, a questão da legitimidade ativa de entidades sindicais diversas das confederações, mas de abrangência igualmente nacional, voltou a ser debatida com mais acuidade.

Tal ocasião marcou uma mais aprofundada explicitação de um posicionamento que o Ministro Sepúlveda Pertence viria a sempre sustentar em sua atuação perante o Supremo Tribunal Federal: a de que a natureza sindical de determinada entidade NÃO EXCLUI sua qualificação como típica entidade de classe, de sorte que sindicatos e federações nacionais possuiriam legitimidade para o ajuizamento de ações direta, não enquanto confederações (que possuem conceituação legal própria, constante da CLT), mas, isso sim, enquanto verdadeiras "entidades de classe de âmbito nacional", classificação que de modo algum seria incompatível com a personalidade de direito sindical ostentada pela entidade.

Deve-se destacar, no ponto, e por dever de lealdade, que, assim como o Ministro Sepúlveda Pertence manteve-se fiel ao posicionamento acima referido, também o Ministro Celso de Mello, hoje decano da Corte e Relator da ADI 4.064, manteve, ao longo desses anos, uma posição de estrita coerência, sustentando, sempre, uma interpretação do inciso IX do art. 103 da CF que exclui a possibilidade de se enquadrarem, como entidades de classe, aquelas que integrassem a estrutura sindical do país. Tese que, ao fim, viria a prevalecer e cuja rediscussão ora se propõe, já que o Supremo Tribunal Federal tem se mostrado permanentemente aberto a mudanças que se fizerem pertinentes e a análises críticas de seus próprios julgados.

Pois bem, no âmbito da ADI 209, Rel. Min. Octavio Gallotti (em que se reconheceu a legitimidade ativa, para propositura de ação direta de inconstitucionalidade, da Federação Nacional dos Corretores de Imóveis), o Ministro Sepúlveda Pertence, no voto-vista que proferiu, destacou as razões pelas quais, a seu sentir, a natureza sindical de determinada organização de âmbito nacional não a desnatura enquanto verdadeira entidade de classe:

"... Estou em que a restrição à legitimidade das federações nacionais de classe para a ação direta, não obstante a aparente precisão lógico-formal da sua motivação, não é orientação mais fiel, no ponto, às inspirações constitucionais relativas ao acesso das formações sociais intermediárias ao controle abstrato de constitucionalidade (...).

Na perspectiva da legitimação à ação direta que ora nos ocupa, basta-me a evidência de que a constituição de uma federação nacional de classe traz consigo o testemunho da afirmação da identidade da categoria profissional ou econômica respectiva e de sua diferenciação, em plano nacional, em relação às categorias similares, caso reunidas na ‘jurisdição’ sindical da respectiva federação.

Creio ter demonstrado, no voto que proferi na ADI 42, que a legitimação para a provocação do controle abstrato de constitucionalidade não é uma prerrogativa sindical e por isso está aberta a associações nacionais de classe de natureza não sindical.

A federação, ainda que nacional, é uma entidade sindical. Daí, entretanto, não creio se deva extrair razão suficiente para negar-lhe a legitimação discutida se não se lhe pode negar (...) o caráter de ‘entidade nacional de classe’ (...).

Creio, com todas as vênias, que a tese restritiva antepõe obstáculos formais à inspiração substancial de abertura da legitimidade à ação direta, de modo a estendê-la ao maior plexo possível de formações representativas de setores significativos da estrutura plural da sociedade" (sem destaques no original).

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O Ministro Sydney Sanches, ao acompanhar o voto-vista acima mencionado, destacou que;

"Não me parece que o constituinte tenha querido permitir que qualquer entidade de classe de âmbito nacional possa propor uma ação direta de inconstitucionalidade e que, apesar disso, um sindicato nacional ou uma federação nacional não tenha possibilidade de fazê-lo. Quando não há uma Confederação Nacional, admito como autor um Sindicato Nacional, como é o caso.

Não vejo na literalidade um empecilho maior. Fico mais atento ao espírito da norma que inegavelmente quis ampliar a legitimidade ativa na ação direta de inconstitucionalidade, nela incluindo as entidades sindicais e de classe de âmbito nacional".

O fato, contudo, é o de que o posicionamento defendido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, contrário a uma indevida perspectiva lógico-formal que culmina por ignorar a própria natureza jurídica dos sindicatos, restou vencido no Plenário do Supremo Tribunal Federal, consoante se observa do julgamento proferido nos autos da ADI 378, cuja ementa registra que, "(d)eixando a autora de ser uma entidade de classe, para se converter em um Sindicato Nacional, mas sem alcançar o nível de uma Confederação sindical, não tem legitimidade ativa para a ação direta de inconstitucionalidade".

E é exatamente este posicionamento ainda prevalecente na Suprema Corte – como o atestam os inúmeros precedentes mencionados pelo Ministro Celso de Mello na decisão proferida na ADI 4.064 – que deve ser objeto de melhor reflexão e mais aprofundada discussão tanto no âmbito da doutrina, como no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal, para que, ao final, prevaleça a posição defendida pelos Ministros Sepúlveda Pertence e Paulo Brossard, no sentido de que um sindicato nacional jamais deixa de preservar sua condição original de entidade de classe de âmbito nacional.


III – AS ENTIDADES INTEGRANTES DA ORGANIZAÇÃO SINDICIAL E AS ENTIDADES DE CLASSE

Pois bem, em tema de legitimação ativa para instauração de mecanismos de controle concentrado de normas, limitou-se a Constituição Federal, no âmbito sindical, a reconhecer esta relevante prerrogativa às Confederações Sindicais, entidades que possuem definição legal própria (art. 535 da CLT – ADI 1.121, Rel. Min. Celso de Mello) e que ocupam a posição mais elevada da pirâmide hierárquica em que se organiza a estrutura sindical brasileira.

É que, em regra, apenas as Confederações Sindicais podem representar os interesses de determinada categoria profissional ou econômica em âmbito nacional.

E a alta relevância jurídico-constitucional dos instrumentos de controle concentrado, associada à eficácia erga omnes, em todo território nacional, dos provimentos que são proferidos nesta via abstrata, impede que entidades sindicais de atuação meramente local ou estadual possam vir a acionar a jurisdição direta do Supremo Tribunal Federal, para fins de obtenção de decisões que, em algumas situações, podem se revelar conflitantes com os próprios interesses daqueles mesmos membros da categoria, mas que exercem suas atividades em outros locais ou outras unidades da federação.

A idéia, pois, é a de que somente aquelas entidades sindicais de grau máximo, capazes de representar as expectativas e os interesses não apenas de uma parcela (regional) da categoria, mas de toda ela, de forma unitária e homogênea, estão habilitadas ao uso dos instrumentos de tutela em abstrato da Constituição da República.

Ocorre, contudo, que a mesma legislação que confere densidade conceitual à noção de Confederação (Consolidação das Leis do Trabalho – art. 535, recepcionado pela presente ordem constitucional – ADI 1.121), também estabelece que, muito embora as Federações sejam "constituídas por Estados", pode "O Ministro do Trabalho autorizar a constituição de federações interestaduais ou nacionais" (CLT, art. 534, § 2º).

Também assim no que concerne aos próprios sindicatos, que, em sua regra geral, "poderão ser distritais, municipais, intermunicipais, estaduais e interestaduais", mas que "excepcionalmente, e atendendo às peculiaridades de determinadas categorias ou profissões", poderão ser "nacionais" (CLT, art. 517).

Tudo isso, é claro, respeitando-se o princípio constitucional da unicidade sindical, ou o modelo de sindicato único, a impedir a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial (CF, art. 8º, II).

É dizer: muito embora a estrutura hierarquizada da organização sindical brasileira posicione as Confederações como aquelas entidades que, em regra geral, serão representativas dos interesses de toda a categoria ou atividade econômica em âmbito nacional, a própria legislação de regência admite que, excepcionalmente, e em atenção às peculiaridades de cada atividade, possa, o Ministro do Trabalho, autorizar a instituição de sindicato nacional.

Nesta contextura, pergunta-se: tais sindicatos de âmbito nacional, por possuírem aptidão para exercerem a defesa dos interesses e das expectativas de determinada categoria profissional ou econômica em âmbito nacional, qualificar-se-iam, juridicamente, como Confederações Sindicais?

A resposta a tal pergunta só pode ser negativa, pois, consoante já afirmado pelo próprio Supremo Tribunal Federal (ADI 1.121), a noção conceitual de Confederação é legalmente estabelecida e, fora dessa específica moldura legal (art. 535 da CLT), não há que se falar na existência desta entidade de grau sindical superior (ADI 705, Rel. Min. Celso de Mello).

Como conseqüência deste raciocínio, é imperiosa a conclusão de que sindicatos ou federações, mesmo que de âmbito nacional, não se qualificam, juridicamente, como Confederações e, por isso mesmo, não estão legitimados ao ajuizamento de ações diretas, com fundamento na parte inicial do inciso IX do art. 103 da Constituição da República.

Entretanto, a indagação que se mostra relevante ao deslinde da presente questão constitucional é outra, qual seja: sindicatos de âmbito nacional qualificam-se como entidades de classe para fins de instauração de processos de controle normativo abstrato?

Ou, ainda, topicamente (considerada a decisão proferida na ADI 4.064), estaria o SINPROFAZ legitimado ao ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, COM APOIO NA PARTE FINAL DO INCISO IX DO ART. 103, ou, ao contrário disso, a aquisição de sua personalidade jurídica de direito sindical (derivada de seu registro junto ao Ministério do Trabalho) teria o efeito de aniquilar sua personalidade jurídica de direito civil e de desnaturar-lhe enquanto típica entidade de classe?

Qualquer resposta que retire de um sindicato sua original qualidade de típica entidade de classe caminha na contramão das regras e dos princípios constantes da Constituição da República, além de contrariar tudo o que assentado e detalhado pela legislação de regência, qual seja, a Consolidação das Leis do Trabalho.

Pois bem, os sindicatos são, em seu nascedouro, verdadeiras associações profissionais, criadas para fins de "estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas" (art. 511 da CLT).

E essas entidades profissionais, voltadas à representação e defesa dos interesses de determinada categoria, poderão vir a se transformar num sindicato, desde que atendidas as finalidades elencadas no art. 511 e a forma prevista no art. 558 , todos da CLT (art. 512).

É dizer: algumas entidades de classe, ao cumprirem determinados requisitos especiais (art. 515) [01], podem vir a constituir sindicato, mas todo sindicato é e continua a ser uma associação profissional, uma típica entidade de classe.

Os sindicatos são, pois, entidades de classe com um "plus", ou seja, associações profissionais que, por cumprirem outros requisitos específicos detalhados em lei, foram investidas de algumas novas prerrogativas e se tornaram sujeitas ao atendimento de outros deveres [02]. Mas que jamais perderam sua condição originária de entidade de classe, pois sua natureza sindical não é excludente, mas, isso sim, complementar de sua qualidade associativa.

É por esse motivo que deve o Supremo Tribunal Federal superar entendimento que, além de indevidamente restritivo (fundado em razões essencialmente defensivas da Corte), mostra-se incompatível com a própria natureza jurídica dos sindicatos, que se revestem de dupla personalidade: a de direito civil, adquirida com o concernente registro no Cartório competente, e a de direito sindical, adquirida com o registro do Ministério do Trabalho e que não tem o efeito de nulificar a primeira.

Este também é o entendimento do Ministro Xavier de Albuquerque [03], que, ao analisar, em sede acadêmica, a questão da natureza dos sindicatos, teceu as seguintes considerações:

"É de dizer-se, portanto, que o registro civil de entidades sindicais, porque não vedado pela Constituição, pode preceder ao registro sindical; o que não pode, à evidência, é substituí-lo ou dispensá-lo. A investidura sindical é idéia imanente que continua a marcar presença no sistema brasileiro, e nada tem de incompatível com a nova ordem constitucional que, de resto, no plano da inovação – posto ruidosamente celebrada por alguns – mostra-se discreta (...).

(...) Não há, pois, como fugir a algumas conclusões. Ontem, como hoje, para se criar sindicato, é preciso preexistir associação profissional que nele se transforma. Para existir associação suscetível de se converter em sindicato, é necessário que obtenha registro do Ministério do Trabalho. Para que a associação obtenha o registro indispensável, impõe-se que a administração do Trabalho cumpra o dever que lhe incumbe, ao invés de se abster ou se omitir".

Cumpre ressaltar, no ponto, que o entendimento ora preconizado não importa em qualquer interpretação extensiva do rol estrito de legitimados ativos constante dos incisos I a IX do art. 103 da Carta Política. Não!

A solução ora proposta não pretende ampliar os conceitos jurídicos de Confederação Sindical nem muito menos de entidade de classe.

O entendimento aqui esposado limita-se, ao contrário disso, e a partir de um adequado juízo de subsunção, a sustentar que o único enquadramento jurídico passível de ser dado às entidades sindicais de âmbito nacional é aquele que reconhece sua essencial e anterior condição de entidade de classe de âmbito nacional, natureza que jamais deixam de possuir, independentemente de seu posterior reconhecimento como entidade sindical, ou não.

A solução aqui proposta, portanto, visa a questionar a adequação e a propriedade jurídicas de determinada jurisprudência de cunho defensivo, assentada pelo Supremo Tribunal Federal no início da década de 90, quando ainda eram desconhecidas as repercussões derivadas da ampliação do rol de legitimados ativos para o processo de controle concentrado levada a efeito pela Constituição da República de 1988.

O que se pretende, aqui, é suscitar uma nova reflexão a respeito da definição do termo "entidade de classe de âmbito nacional", nos exatos moldes do que se registrou no recurso de agravo regimental interposto nos autos da ADI 3.153. Em tal ocasião, o Supremo Tribunal Federal superou jurisprudência de mais de uma década, no sentido de que "associação de associações" não se qualificaria como entidade de classe, para efeito de incidência da prerrogativa constante da parte final do inciso IX do art. 103 da CF.

Nesse mesmo julgamento (ADI 3.153-AgR), coincidentemente, prevaleceu posicionamento que sempre havia sido sustentado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, no sentido de rechaçar interpretações defensivas que culminavam por excluir, de modo indevido, determinados atores sociais do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade.

Em tal julgado, ainda, ficou assentada a premissa de que "o conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista.." e, neste ponto, ele se mostra inteiramente aplicável à discussão aqui levantada, pois é da natureza mesma das entidades sindicais a promoção, a defesa e a representação dos interesses de uma dada categoria ou carreira.

De se ressaltar, ainda, por oportuno, as observações lançadas pelo eminente Ministro Cezar Peluso, no mencionado julgamento da ADI 3.153 – AgR (de que resultou uma revisão de jurisprudência até então pacificada):

"Parece-me decisivo – isso vem comprovado pelo argumento de confronto com a natureza da confederação sindical – que, para a legitimação, a entidade de classe seja capaz de representar interesses nacionais.

A meu ver, pouco se dá a modalidade societária. Desde que se trate de entidade que tenha capacidade, por sua constituição como confederação, ou não, de representar, defender, tutelar, mediante ação de inconstitucionalidade, os interesses de respectiva classe de âmbito nacional, não há dúvida alguma que está legitimada..." (sem grifos no original).

Os sindicatos, portanto, estão absolutamente legitimados para fins de instauração do controle concentrado de normas, sempre que possuírem a plena aptidão para exercer, em âmbito nacional, a defesa dos interesses de uma específica classe, categoria ou carreira de servidores públicos. É que a natureza sindical de determinado ente jamais pode ter o efeito de nulificar sua natureza associativa de entidade de classe que é anterior e necessária à própria existência de sua personalidade jurídica de direito sindical.

É hora, pois, de se superar mais uma jurisprudência de cunho defensivo, tal como afirmado pelo Ministro Joaquim Barbosa, no voto que proferiu no julgamento do referido recurso de agravo em ação direta (ADI 3.153).

Até porque, consoante assinalado, em seu voto, pelo Ministro Gilmar Mendes, não há mais razão "para justificar esse modelo restritivo que partia talvez até de uma premissa equivocada, que não percebia que o texto de 1988 tinha mudado a própria convivência entre sistema difuso e concentrado" (sem destaques nos original).

É de se mencionar, finalmente, que a tese ora defendida não equivale à assertiva de que sindicatos nacionais se demitirão momentaneamente de sua condição sindical para invocar, "por uma questão de conveniência processual, a qualidade de entidade de classe de âmbito nacional" (trecho da decisão proferida na ADI 4.064). Não é isso o que se propõe!

Propõe-se, unicamente, que os magistérios da doutrina e da jurisprudência reconheçam que o nascimento da personalidade jurídica de direito sindical não demite e não nulifica a natureza originária de entidade de classe possuída por determinada associação. Pelo que estará ela, presentes os demais requisitos impostos pela Suprema Corte (defesa dos interesses de verdadeira "classe", amplitude nacional, sem falar na necessária presença da pertinência temática, a ser aferida em cada caso concreto) incluída na parte final do inciso IX do art. 103 da Constituição Federal, em tema de legitimidade ativa para ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade.

Pretende-se, pois, reinstaurar um já antigo debate jurídico-constitucional, na esperança de que o Supremo Tribunal Federal, à semelhança do que se registrou nos autos da ADI 3.153-AgR, venha a reformar uma já defasada jurisprudência, para, nos termos do que sempre preconizou o Ministro Sepúlveda Pertence (e demais Ministros transcritos na parte inicial deste recurso), reconhecer que sindicatos nacionais podem e devem ser enquadrados na noção mesma de entidade de classe de âmbito nacional, para fins de incidência da parte final do inciso IX do art. 103 da Carta Política.


Notas

  1. "Art. 515. As associações profissionais deverão satisfazer os seguintes requisitos para serem reconhecidas como sindicato".
  2. Parágrafo único do art. 520. O reconhecimento investe a associação nas prerrogativas do art. 513 e a obriga aos deveres do art. 514, cujo inadimplemento a sujeitará às sanções desta lei".
  3. LTR, vol. 53/11, p. 1273/1285. Os trechos acima reproduzidos foram extraídos de transcrições constantes dos votos que o eminente Ministro Celso de Mello proferiu no julgamento do MI 144 e da ADI 1.121.
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Sobre a autora
Maria Cláudia Bucchianeri Pinheiro

advogada. professora de pós-graduação do IDP/LFG. mestra em direito e estado pela Universidade de São Paulo. membro da ABLIRC - ass. bras. de liberdade religiosa e cidadania

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Maria Cláudia Bucchianeri. A legitimidade ativa de sindicatos nacionais para ajuizamento de ações diretas de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1915, 28 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11771. Acesso em: 22 nov. 2024.

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