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O repouso semanal remunerado à luz da Constituição Federal e das Convenções nº 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho

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Resumo: A matéria demonstrada no presente trabalho suscita questionamentos dentre os operadores do direito. A questão é quando é que os empregados que laboram em atividades autorizadas a trabalhar em domingos têm direito de terem suas folgas semanais concedidas. É sabido que esses empregados, por trabalharem em dias de domingo têm o direito de folgarem em outro dia, já que não podem trabalhar sem folga semanal. O presente trabalho visa, portanto, dirimir a controvérsia existente em relação a, nesse caso, em qual dia tem de ser concedida a folga do empregado. Para tanto, o autor buscou na legislação, doutrina e jurisprudência os diversos argumentos relacionados à matéria. Demonstra o autor as duas linhas de interpretação e aponta um argumento jurídico que, embora não seja novo, não vem sendo objeto de discussão no meio jurídico, qual seja: as Convenções da OIT 14 e 106, ratificadas pelo Brasil trazem a determinação de que a folga dos empregados deve ser concedida, no máximo, no transcurso do período de sete dias. Conclui-se, portanto, pela necessidade de se conceder folga aos empregados, no máximo no sétimo dia trabalhado, conforme a doutrina e jurisprudência dominantes e, principalmente, nas Convenções 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho.

Palavras-chave: Repouso semanal. Convenção da OIT. Periodicidade.


1. INTRODUÇÃO

O repouso semanal é um direito dos trabalhadores, previsto pela Constituição Federal de 1988 e por legislação infra-constitucional. Porém, a expressão "semanal" suscita dúvidas nos atores da relação trabalhista e nos operadores do direito. Para alguns, o descanso semanal deve ocorrer de forma a que o empregado não trabalhe sete dias corridos. Para outros, o direito ao descanso semanal significa que o empregado deve usufruir de um descanso no decorrer da chamada "semana civil", entendida essa como o período entre uma segunda feira e o domingo seguinte.

Objetiva esse trabalho demonstrar as diversas correntes de interpretação acerca da matéria, tendo o autor feito uma extensa pesquisa na legislação, inclusive nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil. Compulsou, ainda, o autor, doutrina e jurisprudência a fim de buscar uma solução para a questão.


2. O DIREITO AO REPOUSO SEMANAL

A origem do repouso semanal é essencialmente religiosa. Mesmo antes de haver leis obrigando a concessão do repouso, a força da religião já impunha a observância da suspensão das atividades obreiras em um dia da semana, a fim de que as pessoas pudessem participar das cerimônias religiosas.

Segundo as Sagradas Escrituras, Deus, após criar o mundo, descansou no sétimo dia:

Livro dos Gênesis, capítulo 2, versículos:

1 Assim foram acabados os céus e a terra, com todo o seu exército.

2 Ora, havendo Deus completado no dia sétimo a obra que tinha feito, descansou nesse dia de toda a obra que fizera.

3 Abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que criara e fizera.

Para Arnaldo Sussekind, com o advento da Revolução Industrial, o instituto do repouso semanal passou a se sustentar em outros fundamentos: biológicos, que visam eliminar a fadiga gerada pelo trabalho; sociais, que possibilitam a prática de atividades recreativas, culturais e físicas, bem como o convívio familiar e social; econômicos, que tem por escopo aumentar o rendimento no trabalho, aprimorar a produção e restringir o desemprego [01].

No Brasil, o direito ao repouso semanal remunerado está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XV, que assim estatui: "repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos" (grifo nosso). Aliás, a Constituição anterior, já tratava desse direito dos empregados. Disciplina, ainda, a matéria, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, em seus artigos 67 a 69 e a Lei 605, de 1949.

As normas acima citadas prevêem o descanso semanal, preferencialmente aos domingos; mas, nas atividades autorizadas a funcionar nesse dia, os empregados podem ser escalados para trabalhar, tendo direito de folgar em outro dia da semana. Nesse caso, o empregador é obrigado a elaborar, mensalmente, uma escala de revezamento, de forma a indicar os dias de folga dos seus empregados. A autorização para o funcionamento em dias de domingo pode ser concedida em caráter permanente ou provisório. A autorização em caráter permanente está insculpida no artigo 7º. do regulamento da Lei 605, de 1949, introduzido pelo Decreto 27048, de 1949, que lista as atividades abrangidas por essa autorização. Para as demais atividades fica proibido o funcionamento aos domingos, salvo se cumprirem as formalidades da Portaria 3118, de 1989, do Ministério do Trabalho e Emprego, e obtiverem da autoridade competente, no caso, os Superintendentes Regionais do Trabalho, a autorização de caráter provisório.


3. A PROBLEMÁTICA DO REPOUSO SEMANAL

A dúvida que surge em relação a esse instituto é decorrente da utilização, tanto por parte da Constituição Federal, quando pela legislação infraconstitucional, da expressão "semanal".

Há, no mínimo, duas linhas de interpretação:

  • A primeira é no sentido de que o empregado tem o direito de descansar uma vez, no mais tardar, após o período de seis dias corridos, ou seja, ele não pode trabalhar sete dias seguidos.

Essa é a linha que a doutrina e a jurisprudência dominantes seguem, dentre as quais destacamos:

Arnaldo Sussekind, leciona que o descanso deve ocorrer no máximo no sétimo dia corrido [02]:

[...] Mas, nessa escala, o repouso semanal deverá ser garantido após o período máximo de seis dias, não podendo ser concedido, em determinada semana, depois de sete dias de trabalho.

Na mesma esteira é o ensinamento de Pedro Paulo Teixeira Manus [03]:

Observe-se, então, que apesar da faculdade de o empregador poder alterar o dia de repouso, do domingo para outro dia, ainda assim, haverá de observar o lapso máximo de seis dias de trabalho contínuo para a concessão do repouso semanal. Tal limitação significa que não pode o empregador elaborar escala de repouso semanal que obrigue o empregado a trabalhar além de seis dias seguidos, sem o repouso correspondente, sob pena de pagá-lo em dobro, que é a penalidade pela não observância de tal direito.

A Jurisprudência dominante também corrobora o entendimento doutrinário acima referenciado. Selecionamos recentes julgados do Tribunal Superior do Trabalho. [04]

A segunda linha de entendimento sustenta que o empregado tem direito de gozar sua folga semanal entre uma segunda-feira e um domingo (semana civil), não existindo obrigação legal de a folga ser concedida, no máximo, no sétimo dia corrido. Essa corrente é seguida, por exemplo, pelo órgão central do Ministério do Trabalho e Emprego - Departamento de Fiscalização do Trabalho, ao qual são subordinados tecnicamente os Auditores-Fiscais do Trabalho, encarregados de fiscalizar o cumprimento das normas trabalhistas. O citado departamento aprovou o Precedente Administrativo nº. 46, por meio do Ato Declaratório nº. 4, de 21 de fevereiro de 2002:

Ato declaratório nº. 4, de 21 de fevereiro de 2002

I – aprovar os precedentes administrativos de n.º 31 a n.º 50, resultantes de posicionamentos firmados na Coordenação-Geral de Normatização e Análise de Recursos;

II – revisar os precedentes de n.º 01 a n.º 30;

III – consolidar todos os precedentes administrativos aprovados, conforme anexo I deste ato;

IV - os precedentes administrativos em anexo deverão orientar a ação dos Auditores-Fiscais do Trabalho no exercício de suas atribuições. (grifo nosso)

PRECEDENTE ADMINISTRATIVO Nº 46

JORNADA. DESCANSO SEMANAL REMUNERADO. PERIODICIDADE. O descanso semanal remunerado deve ser concedido ao trabalhador uma vez em cada semana, entendida esta como o período compreendido entre segunda-feira e domingo. Inexiste obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho, sistema conhecido como de descanso hebdomadário.

REFERÊNCIA NORMATIVA: Art. 11 do Decreto nº 27.048, de 12 de agosto de 1949. (grifo nosso).

No entender do órgão central do Ministério do Trabalho e Emprego, não há obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho. O que há é a obrigação de concessão de descanso no decorrer do período compreendido entre uma segunda-feira e um domingo.

Apesar de o ato declaratório dizer apenas que os precedentes devem orientar a ação dos Auditores-Fiscais do Trabalho, na prática, o conteúdo desse precedente significa que, se um Auditor-Fiscal do Trabalho não observar tal precedente e, ao constatar que um trabalhador laborou sete dias corridos, lavrar o auto de infração, esse auto provavelmente será julgado insubsistente na primeira instância ou, em último caso, em sede de recurso administrativo.

Apresentamos, abaixo, uma tabela onde fica demonstrado o regime de escala de revezamento, segundo a segunda linha de interpretação. Saliente-se que a situação abaixo demonstrada é real e acontece em vários empregadores do ramo do comércio, por exemplo.

S

T

Q

Q

S

S

D

S

T

Q

Q

S

S

D

S

T

Q

Q

S

S

D

X

X

X

12 dias trabalhados

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

Observe-se que, no demonstrativo encontra-se evidenciada a possibilidade de o empregado trabalhar até 12 dias seguidos, sem que se infrinja qualquer disposição legal. Como o empregado, em cada período entre uma segunda-feira e um domingo, teve um descanso, não há, segundo os defensores da segunda corrente, qualquer infração legal.

Data venia, não concordamos com esse posicionamento. São inegáveis os prejuízos trazidos aos trabalhadores que laboram nesse regime de jornada. Mesmo o empregado tendo dois dias de folga sucessivos, isso não recompensa o esforço despreendido em 12 dias de trabalho seguidos.

Quanto à alegação de que inexiste obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho, igualmente discordamos. No próximo tópico, tratamos dessa matéria.

São fortes os argumentos que defendem a necessidade de o homem repousar, no máximo, no sétimo dia. O corpo humano precisa descansar, se reconstituir da labuta diária.

O Decreto 27048, de 1949, em seu artigo 11, § 4º, conceitua o que é "semana":

Art 11.. ...

....

....

§ 4º Para os efeitos do pagamento da remuneração, entende-se como semana o período da segunda-feira a domingo, anterior à semana em que recair o dia de repouso definido no art. 1º.

Mas esse conceito é para o efeito do pagamento da remuneração, conforme dispõe o próprio parágrafo citado. E para os outros efeitos, como por exemplo, o de se definir quando é que deve ser concedido o descanso semanal? Se a norma deu a definição do que é semana, mas o fez para um determinado efeito, cabe ao intérprete estendê-lo para os demais, utilizando-se na analogia? Ou quando ele asseverou que a definição valeria para um determinado efeito ele meramente enumerou?

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Nos parece que esse é, data venia, um dos equívocos contidos no Precedente Administrativo 46, que tomou a definição de semana como sendo a do artigo 11, § 4º do Decreto 27048, enquanto que a doutrina e jurisprudência dominantes adotam o entendimento de que o descanso deve ser concedido no máximo, no período de sete dias corridos, afastando, assim, a aplicação da analogia nesse particular. Repita-se: a definição de "semana", contida no artigo 11, § 4º do Decreto 27048, é apenas para o efeito de pagamento da remuneração, não cabendo ao intérprete estender essa definição aos demais efeitos. Sendo assim, vemos como correta a aplicação do entendimento de descanso semanal deve ser interpretado como aquele que deve ser concedido no período de sete dias.

Cabe registrar, assim, que os empregadores que adotam a prática de concederem folga a seus empregados observando a semana civil, mantendo os empregados trabalhando por mais de seis dias seguidos ficam sujeitos em uma eventual reclamação trabalhista ser condenado a pagar em dobro pelos repousos semanais remunerados não concedidos, assim entendidos os que não foram concedidos, no máximo, no sétimo dia corrido. Entretanto, provavelmente esses empregadores não sofrerão sanção administrativa.


4. AS CONVENÇÕES 14 E 106 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT

Como se não bastassem os argumentos doutrinários, jurisprudenciais e fisiológicos, há ainda, um argumento jurídico, baseado no direito positivo, que determina que a folga deve ser concedida no decorrer de cada período de sete dias, conforme veremos a seguir:

O Brasil é signatário das Convenções 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho, adiante detalhadas.

A de número 14, que trata da concessão do repouso semanal nos estabelecimentos industriais, foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Presidencial nº 41721, de 25 de junho de 1957, após o Decreto Legislativo nº 24, de 1956 tê-la aprovado.

Já a Convenção 106, que dispõe sobre o repouso semanal no Comércio e nos Escritórios foi igualmente ratificada pelo Brasil, através do Decreto Presidencial nº 58.823, de 14 de julho de 1966, tendo sido esse ato autorizado pelo Decreto Legislativo nº 20, de 30 de abril de 1965.

Antes de iniciarmos a análise dessas Convenções, cabe um breve estudo acerca do status conferido às Convenções da OIT, após ratificadas pelo Brasil.

Há quem defenda que as Convenções da OIT, após ratificadas pelo Brasil, integram o nosso ordenamento jurídico com força de lei federal.

Nesse sentido, o ensinamento de Maurício Godinho Delgado: [05]

Não há mais dúvida na jurisprudência do país (STF), por décadas, de que esses diplomas internacionais, ao ingressarem na ordem jurídica interna, fazem-no com o status de norma infraconstitucional. Isso significa que se submetem, inteiramente, ao crivo de constitucionalidade; nesta medida, podem ser considerados inválidos, mesmo após ratificados, se existente afronta a regra ou princípio insculpido na Carta Magna brasileira.

Não difere dessa linha, a lição de Alice Monteiro de Barros [06]:

Alguns autores, de cujo ponto de vista compartilhamos, incluem entre as fontes de Direito do Trabalho os tratados e convenções internacionais, desde que ratificadas pelos países. São fontes formais, mas dependem de ratificação. Uma vez ratificadas, passam a integrar o rol de leis internas do respectivo país, perdendo a importância a distinção entre fontes internas e de origem internacional.

Podemos citar, ainda a seguinte jurisprudência do STF:

"Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face de o artigo 105, III, da Constituição que capitula, como caso de recurso especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ocorre com relação à lei infraconstitucional, a negativa de vigência de tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição de 1988, o disposto no artigo 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de tratado." (HC 72.131, voto do Rel. p/ o ac. Min. Moreira Alves, julgamento em 23-11-95, DJ de 1º-8-03)

Por outro lado, para Flávia Piosevan [07], "todos os tratados de direitos humanos, independentemente do quorum de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade". Essa tese é corroborada, segundo ela, por alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal, como é o caso, por exemplo, dos Excelentíssimos Senhores Gilmar Ferreira Mendes [08] e Celso de Mello [09].

E continua Flávia Piosevan:

Cabe, portanto, ao Supremo Tribunal Federal o desafio de reafirmar sua vocação de guardião da Constituição, rompendo em definitivo com a jurisprudência anterior acerca da legalidade ordinária dos tratados de direitos humanos e, a partir de uma interpretação evolutiva, avançar na defesa da força normativa constitucional destes tratados, conferindo máxima efetividade à dimensão material mais preciosa da Constituição -- os direitos fundamentais.

Encontramos, ainda, recente decisão monocrática da lavra da Exma. Ministra do STF Ministra Ellen Gracie [10], que vai no mesmo sentido do acima exposto, ou seja, reconhece o status de norma materialmente constitucional aos Tratados Internacionais.

Que importância prática advém do enquadramento das Convenções da OIT, ratificadas pelo Brasil, como lei federal ou norma materialmente constitucional? Valério Mazzuolli [11] aponta duas diferenças: a primeira é que, sendo norma materialmente constitucional, o Tratado internacional que trata de direitos humanos não poderia ser denunciado, enquanto que a segunda é que o conteúdo desse tratado não pode sofrer alteração por lei ordinária.

Mais recentemente, a Emenda Constitucional 45 incluiu o § 3º no artigo 5º, da Constituição Federal. A partir de então, os Tratados e Convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, passaram a ser equivalentes às Emendas Constitucionais.

Para Valério Mazzuolli, os Tratados Internacionais, ratificados pelo Brasil, sempre tiveram status de norma materialmente Constitucional. Para ele, o que mudou após a introdução do § 3º ao artigo 5º é que se o Tratado Internacional passar pelo trâmite previsto no parágrafo introduzido esse tratado gozará de status de emenda constitucional e, assim, passará a ser norma formalmente constitucional.

A questão que surge, então, é definirmos se as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, sob estudo, tratam de direitos humanos. Para tanto, nos socorremos do artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e ratificada pelo Brasil em 21 de setembro de 1945, que estatui:

Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Todavia, como essas Convenções foram ratificadas antes da vigência da Emenda Constitucional 45, apesar de tratarem de direitos humanos, apenas tem status de norma materialmente constitucional (seguindo a linha moderna).

Definido, então, que as Convenções 14 e 106 da OIT contém normas materialmente constitucionais, adentremos no exame de seus textos afim de retirarmos deles as disposições que interessam à solução da problemática proposta.

Transcrevemos, pois, o disposto no artigo 2º. da Convenção 14 da OIT:

ARTIGO 2º

1. Todo o pessoal ocupado em qualquer estabelecimento industrial, público ou privado, ou nas suas dependências, deverá, ressalvadas as exceções previstas nos artigos presentes, ser beneficiado, no correr de cada período de sete dias, com um repouso, ao menos de 24 horas consecutivas. (grifo nosso)

...

Já a Convenção 106, dispõe, em seus artigos VI e VII:

Artigo VI

1. Tôdas as pessoas às quais se aplica a presente convenção terão direito, sob ressalva das derrogações previstas nos artigos seguintes, a um período de repouso semanal, compreendendo um mínimo de vinte e quatro horas consecutivas, no decorrer de cada período de sete dias. (grifo nosso)

Artigo VII

1. Quando a natureza do trabalho, a índole dos serviços fornecidos pelo estabelecimento, a importância da população a ser atendida ou o número das pessoas empregadas não permitam a aplicação das disposições do artigo 6º, medidas poderão ser tomadas, pela autoridade competente ou pelo organismo apropriado em cada país, para submeter, se fôr o caso, determinadas categorias de pessoas ou de estabelecimentos, compreendidas no campo de aplicação da presente convenção, a regimes especiais de repouso semanal, levando em devida conta tôda consideração social ou econômica pertinente.

Comentando o assunto, Arnaldo Sussekind [12] preleciona:

Descanso semanal – Também no que tange ao repouso semanal, as duas convenções que a seguir resumiremos constituem a regulamentação geral da OIT sobre a matéria.

A Convenção n. 14, de 1921, aplicável às empresas, públicas ou privadas, da indústria da construção e do transporte, e a Convenção n. 106, de 1957, relativa aos estabelecimentos comerciais, instituições e serviços administrativos, públicos ou privados, determinam o repouso dos trabalhadores por um período mínimo de vinte e quatro horas no curso de cada sete dias, o qual, sempre que possível, deve ser geral e recair no dia consagrado ao descanso pela tradição ou costume do país ou região, respeitadas as minorias religiosas. (grifo nosso)

Ora, toda a polêmica existente em relação ao repouso semanal remunerado nasceu, como já explicado no item anterior, exatamente da expressão "semanal", utilizada pela Constituição Federal e pelas normas infraconstitucionais. Mas, se nós observarmos, os artigos convencionais, acima transcritos, não utilizam a expressão "semanal". Na convenção 14 consta a expressão: "no decorrer de cada período de sete dias", enquanto que na Convenção 106, o termo utilizado é "no curso de cada sete dias".

Sendo assim, a nosso ver, data vênia, o Precedente Administrativo, editado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, baseou-se em um argumento falho, qual seja: "Inexiste obrigação legal de concessão de descanso no dia imediatamente após o sexto dia de trabalho".

Como já explicitado, existe sim norma legal, com status de norma materialmente constitucional (Convenções 14 e 106 da OIT), que obriga que a concessão do repouso semanal ocorra, no máximo no transcorrer do período de sete dias, o que significa, segundo nosso entender, que nenhum empregado pode trabalhar por sete dias corridos, sem folga.

É bem verdade que essas convenções só regem as relações trabalhistas de empregados dos ramos do comércio, escritórios, indústria em geral, minas, pedreiras, indústria extrativas de toda natureza, indústria da construção civil, transporte de pessoas ou de mercadorias por estradas ou via férrea ou via fluvial interior, inclusive a manutenção das mercadorias nas docas, cais, desembarcadouros e armazéns, com exceção do transporte a mão. Assim, pelo menos em relação a essas atividades, o empregado teria o direito de não trabalhar sete dias corridos, mas, como já dito, a Jurisprudência e Doutrina, sem sequer citar as Convenções aqui mencionadas, estende esse preceito aos empregados de todos os ramos de atividade.

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Sobre o autor
Luiz Antonio Medeiros de Araujo

Auditor-fiscal do trabalho. Bacharel em Direito e em Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar (UnP)e em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, na UnP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Antonio Medeiros. O repouso semanal remunerado à luz da Constituição Federal e das Convenções nº 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1948, 31 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11914. Acesso em: 23 abr. 2024.

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