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Responsabilidade civil do advogado

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05/11/2008 às 00:00
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Sumário: Introdução. 1 Da responsabilidade civil. 1.1 Histórico da evolução da responsabilidade civil. 1.2 Conceito de responsabilidade civil.1.3 Pressupostos da responsabilidade civil. 1.3.1 Conduta (ação) . 1.3.1.1 Responsabilidade subjetiva e objetiva - considerações preliminares. 1.3.1.2 Responsabilidade subjetiva - culpa como fundamento da responsabilidade civil. 1.3.1.3 Responsabilidade objetiva - responsabilidade civil sem culpa.1.3.2 Dano. 1.3.2.1 Dano patrimonial. 1.3.2.2 Dano moral. 1.3.3 Nexo causal. 1.3.3.1 Excludentes do nexo causal. 1.4 Responsabilidade contratual (negocial) e extracontratual (extranegocial) . 1.5 Sentença criminal e responsabilidade civil. 1.5.1 Execução da sentença criminal condenatória. 1.5.2 Sentença criminal absolutória. 1.6 Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor. 1.6.1 Relação de consumo e responsabilidade civil. 1.6.2 Reparação de danos. 2 Do exercício da advocacia. 2.1 A atividade de advocacia. 2.2 Os direitos do advogado. 2.3 Os deveres do advogado. 2.4 A inscrição do bacharel junto à Ordem dos Advogados do Brasil. 2.5 A sociedade de advogados. 2.6 O advogado empregado. 2.7 Os honorários advocatícios. 2.8 As incompatibilidades e os impedimentos. 2.9 As infrações e as sanções disciplinares. 2.9.1 Infrações disciplinares puníveis com censura. 2.9.2 Infrações disciplinares puníveis com suspensão. 2.9.3 Infrações disciplinares puníveis com exclusão. 2.9.4 Reincidência. 2.9.5 Reabilitação. 2.9.6 Prescrição. 3 Da responsabilidade civil do advogado. 3.1 Introdução. 3.2 Natureza jurídica da responsabilidade civil do advogado e o dever de diligência. 3.3 Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor e a não influência da inversão do ônus da prova contida em seu art. 6º, VIII. 3.4 Erro de fato, erro de direito, erro escusável e erro inescusável. 3.5 Desobediência às instruções do cliente. 3.6 Responsabilidade por conselhos e pareceres. 3.7 A não obrigatoriedade de sempre recorrer da decisão. 3.8 Ajuizamento de lide temerária. 3.9 Violação do sigilo profissional. 3.10 Imunidade judiciária e as ofensas irrogadas a outrem em juízo. 3.11 Responsabilidade pela execução de títulos de créditos emitidos para a retribuição dos serviços.3.12 Atuação na Justiça Criminal e a questão da prisão pelo não pagamento de dívida alimentícia pretérita. 3.13 Responsabilidade do advogado empregado e da sociedade de advogados. 3.14 Perda de uma chance. 3.14.1 A teoria da causalidade adequada. 3.14.2 A perda de uma chance e a teoria da causalidade adequada. 3.14.2.1 Demonstração judicial da perda de uma chance e do dano. 3.14.2.2 Demonstração judicial do nexo causal. 3.14.3 A posição doutrinária acerca da perda de uma chance no direito brasileiro. 3.14.4 A posição jurisprudencial acerca da perda de uma chance no direito brasileiro. 3.14.4.1 A perda de uma chance como modalidade de dano moral. 3.14.4.2 Mera possibilidade não é passível de indenização. 3.14.4.3 A quantificação do dano da perda da chance. 3.15 Perda de prazo. 3.16 Omissão de providências. 3.17 Falta de propositura de ação judicial. 3.18 Pedido não formulado. 3.19 Omissão na produção de prova necessária. 3.20 Extravio de autos. 3.21 Não conhecimento de recurso por falta de preparo. 3.22 A sistemática do agravo de instrumento, a interposição de recurso inadequado, o pedido de reconsideração e o protocolo integrado à luz da perda de uma chance. 3.23 Ausência de contra-razões ao recurso. 3.24 Ausência de sustentação oral ao recurso. 3.25 Não interposição de recursos de natureza extraordinária. 3.26 Execução impossível. 3.27 Ação rescisória não interposta. Considerações finais. Referências. Anexo - Jurisprudências


Introdução

O advogado exerce uma atividade essencial no âmbito judiciário, tanto que a própria Constituição Federal assim estabelece, referindo-se a este profissional como sendo indispensável à administração da justiça. E nada mais justo do que este reconhecimento, uma vez que incumbe ao profissional da advocacia zelar pelos direitos da sociedade e pelos direitos do cliente que o contrata para defender seus interesses particulares.

Todavia, o que se percebe é a transformação da advocacia em atividade mercantil, o que é expressamente vedado pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Isto pode ser percebido se se observar os grandes escritórios de advocacia, que agrupam grande número de advogados que se associam, captando maior número de clientela, ajuizando milhares de ações e obtendo lucros exorbitantes, deixando de respeitar princípios basilares dessa atividade e até mesmo não dando a devida atenção a quem os contrata. Mas não só nos grandes escritórios é possível perceber a "comercialização" da atividade da advocacia, visto que a captação de clientela (geralmente em ações de interesses coletivos, onde há o litisconsórcio) ocorre com freqüência, desrespeitando as disposições da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

Mais do que o desrespeito ao seu próprio Estatuto, o que se tem visto é o desrespeito, por parte de muitos advogados, aos seus clientes. As condutas desonrosas desses profissionais são consubstanciadas em erros grosseiros, como perda de prazo para recurso, não ajuizar ação e deixar transcorrer o prazo prescricional, não tomar providências cabíveis e necessárias, extraviar autos ou retê-los por tempo indevido, entre outros. Enfim, o que parece estar ocorrendo é a valorização da quantidade e o esquecimento da qualidade. Lamentavelmente, captar clientes e receber honorários parece ser o objetivo da atividade, ficando em segundo plano as obrigações e o dever de diligência que todo advogado deve observar.

Talvez esta lamentável realidade seja conseqüência da falta de qualidade do ensino superior. Os métodos adotados para avaliar as instituições de ensino superior não se mostram suficientes e geralmente concedem títulos de qualidade a quem não os comporta, gerando uma ilusão de que o ensino caminha muito bem no Brasil, quando, na verdade, não é isso que se tem. Outro fator importante é a falta de investimentos e o descaso que o governo tem com a educação como um todo, o que acaba por afetar, logicamente, o ensino superior, pois quanto menos instruída for a população, menor será a cobrança de seus direitos.

Enfim, difícil é enumerar os problemas que conduzem à falta de qualidade dos profissionais da advocacia que estão adentrando o mercado de trabalho. E com tanto despreparo, a conseqüência lógica só pode ser a má atuação e a ocorrência dos mencionados erros grosseiros, sendo que esses últimos acabam por gerar danos aos que se utilizam dos serviços do advogado, ou seja, o cliente.

Este trabalho tem por escopo demonstrar as situações mais corriqueiras de erros do advogado no exercício de sua profissão, analisando a sua responsabilidade diante de sua falha, responsabilidade esta que pode ser, além da civil, que é o alvo deste estudo, administrativa e penal.

É preciso deixar claro que este trabalho não visa criticar a advocacia e os profissionais dessa área, mas antes mostrar os problemas no exercício dessa atividade e enaltecer o bom profissional, o qual acaba por ter a imagem muitas vezes prejudicada, assim com acontece com toda a classe de advogados, que fica mal vista perante a sociedade em razão da má atuação de certos colegas de profissão.

O objeto principal a ser analisado é a relação entre o advogado e o cliente e os danos que a atuação desse profissional, seja por conduta comissiva ou omissiva, pode proporcionar ao constituinte. Vale ressaltar que o foco deste estudo é o advogado individualmente considerado e não a sociedade de advogados, nem o advogado empregado, o advogado servidor público ou o advogado que presta assistência judiciária. A relação aqui estudada é a existente entre o advogado que é contratado para defender os direitos de uma pessoa e essa última, a qual passa a ser seu cliente. Mesmo que em alguns trechos do trabalho se comente ou analise alguns aspectos da responsabilidade do advogado empregado, da sociedade de advogados ou ainda de advogado servidor público, ressalta-se que estas formas de atuação não são o objeto em análise, mas, por se tratar de prestação de serviço advocatício, acaba por receber um pequeno tratamento, merecendo algumas considerações.

Feitas estas considerações preliminares, passa-se a apresentar os capítulos deste trabalho, comentando os assuntos abordados em cada um deles.

O primeiro capítulo tratará da responsabilidade civil. Nele será trazido, inicialmente, um breve histórico deste instituto do direito civil. Na seqüência, adentrar-se-á no estudo da responsabilidade civil e apresentar-se-á o seu conceito, o qual é de difícil determinação.

A partir de então, serão estudados os pressupostos da responsabilidade civil, dentre os quais está a ação ou conduta, analisando a responsabilidade subjetiva (fulcrada na idéia de culpa – regra) e a objetiva (que não considera a culpa para restar caracterizada a responsabilidade civil – exceção). Dano e nexo causal compõem os pressupostos necessários para se caracterizar a responsabilidade civil. As excludentes desse último também serão analisadas.

Num momento posterior, serão estudadas a responsabilidade contratual e a extracontratual. Será feita uma análise da eficácia da sentença criminal e sua relação com a responsabilidade civil. E, por último, será trazido ao trabalho um comentário sobre a responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor, já que no terceiro e último capítulo será abordada a questão da responsabilidade civil do advogado e o referido diploma legal.

O segundo capítulo disporá acerca do exercício da advocacia, tendo como alicerce a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil). Assim, constarão no supracitado capítulo os direitos do advogado, os seus deveres (ou regras deontológicas), a forma de inscrição junto à Ordem dos Advogados do Brasil, comentários sobre a sociedade de advogados e o advogado empregado, noções sobre os honorários advocatícios, as incompatibilidades e os impedimentos ao exercício da advocacia e, por fim, serão listadas as punições administrativas que poderão ser aplicadas pela Ordem.

O terceiro capítulo merecerá maior destaque, uma vez que é nele que se encontrará o assunto alvo desse estudo, qual seja, a responsabilidade civil do advogado. No mesmo serão abordadas as situações que podem gerar responsabilidade civil para o advogado que atuar de maneira a produzir um dano ao cliente. Esse dano pode ser conseqüência de uma ação comissiva ou omissiva. Primeiramente serão examinados casos de responsabilidade por condutas comissivas. Num segundo momento, analisar-se-ão os casos em que a conduta omissiva é que irá produzir um dano, isto é, a abstenção de algo que deveria ter sido feito e que, não o sendo, produz um dano ao cliente.

Dentre os diversos aspectos a serem analisados, alguns apresentam importância destacadas. É o caso da não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à relação de consumo existente entre advogado e cliente, enaltecendo a idéia de ser necessária a culpa para a caracterização da responsabilidade civil desse profissional. Outro destaque é a teoria da perda de uma chance, para os casos em que o advogado responde pelo dano que causar em razão de deixar de fazer algo que deveria ter sido feito, perdendo, o cliente, a chance de ver um interesse seu ser defendido mediante todos os meios existentes, possíveis e legais. Essa teoria, por ser relativamente nova, ainda traz discussões sobre a forma correta de sua aplicação, o que se abordará no momento adequado.

Ao término do trabalho, serão anexadas algumas jurisprudências, que trarão julgados realizados acerca da matéria tratada, sobre diversos casos das hipóteses estudadas.

Visto estas preliminares a respeito do trabalho, ter-se-á início a análise da responsabilidade civil do advogado pelos danos que produzir ao seu cliente durante a relação estabelecida entre ambos. É o que se passa a estudar.


1 Da responsabilidade civil

Antes de se iniciar o estudo acerca da responsabilidade civil, faz-se necessário um retrocesso no tempo para trazer alguns aspectos deste instituto, podendo-se dizer que sua evolução se deu quanto ao seu histórico, seus fundamentos, sua área de incidência e sua profundidade.

É natural do ser humano reagir à ofensa que sofra de alguém. Assim já era em tempos remotos, no início da civilização humana, onde o homem vivia em grupos e a força pessoal imperava, sendo que o dano causado era ressarcido por uma ação coletiva baseada na força, na violência, pelo grupo em que o agente causador do dano convivia. Mesmo sem regras claras, pela própria inexistência do Estado, os homens, em seus primórdios, já buscavam a reparação de um dano.

Num momento seguinte, a forma de se reparar um dano sofrido evoluiu, passando, o homem, a utilizar-se da reação individual como meio de solucionar o mal sofrido, tendo como fundamento de sua retaliação a Lei de Talião, a qual pregava o "olho por olho, dente por dente", exprimindo, por meio dessa reação, uma forma de reparar um dano sofrido, sendo a responsabilidade objetiva, não dependendo da culpa. Era a reparação do mal pelo mal, sendo que o Estado apenas intervinha para definir o momento e a forma de retaliação da vítima. Neste ponto, esclarece Maria Helena Diniz, sobre a intervenção estatal nesta forma de reparação do mal sofrido:

Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou. Na Lei das XII Tábuas, aparece significativa expressão desse critério na tábua VII, lei 11ª: ‘si membrun rupsit, ni cum eo pacit, tálio esto’ (se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo). A responsabilidade era objetiva, não dependia da culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado contra a causa aparente do dano. [01]

O próximo estágio evolutivo da responsabilidade civil é o da composição, pois essa forma de reparar o dano era mais conveniente do que a vingança privada, visto que a solução baseada na Lei de Talião nada mais fazia do que produzir um novo dano. Por ocasião da fundação de Roma, no século XI a.C., na tentativa de afastar os efeitos negativos da vingança privada, Lúcio Aquílio propôs e obteve aprovação para que o Estado se sub-rogasse no lugar do lesionado, proibindo a vítima de fazer justiça com as próprias mãos. Essa norma passou a ser chamada de Lex Aquilia de damno e cristalizou a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo ao patrimônio do lesante o ônus da reparação. Surge, neste momento, uma noção de culpa, com fundamento na responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base numa espécie de tabela que estabelecia o quantum a ser indenizado. O grande problema é que esta norma não fazia distinção entre responsabilidade civil e penal.

A Lex Aquilia, do clássico direito romano da época de Justiniano, é apontada como a gênese da atual responsabilidade extracontratual, uma vez que de sua interpretação se extrai o princípio pelo qual se pune a culpa pelos danos provocados injustamente. Assim expõe Silvio de Salvo Venosa:

De qualquer forma, a Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual. [02]

Por este motivo, utiliza-se, até os dias atuais, a expressão responsabilidade aquiliana como sinônimo de responsabilidade extracontratual.

Apenas na Idade Média, com a estruturação da idéia de culpa stricto sensu e do dolo e com a subseqüente elaboração dogmática da culpa, é que se diferenciou a responsabilidade civil da penal.

Mais adiante, o Direito Francês aprimorou as idéias românicas, por dominante influência do jurista francês Domat (Lois Civiles, Livro VIII, Seção II, artigo 1º). Foram estabelecidos princípios fundamentais para a responsabilidade civil, a qual passa a ter desenvoltura maior, principalmente quando se estabeleceu a teoria da responsabilidade civil, por obra da doutrina. Posteriormente, com a evolução do fundamento da responsabilidade civil, que passa a se embasar não só na noção de culpa, mas também no risco, as indenizações ampliam-se, visto não ser mais a culpa o único fundamento da responsabilidade, podendo o dano ser reparado sem que se cogite a existência daquela.

Todavia, a responsabilidade civil também evoluiu em relação ao fundamento (razão por que alguém deve ser obrigado a reparar um dano), baseando-se o dever de reparação não só na culpa, hipótese em que será subjetiva, como também no risco, em que passará a ser objetiva, ampliando-se a indenização de danos sem a existência de culpa. [03]

Com o passar dos anos, a culpa já não era motivo suficiente para gerar o dever de reparar os danos causados. Aliado a isso, a evolução da tecnologia, o aparecimento das indústrias e o desenvolvimento constante das mesmas, o número crescente de pessoas que passaram a se locomover e se transportar por meio de veículos automotores, enfim, com o desenvolvimento natural da sociedade, o número de acidentes, seja no trabalho, seja no trânsito, ou qualquer outro tipo de lesão ou dano, também aumentou, sendo necessário que as teorias e as formas de averiguação da responsabilidade fossem, conjuntamente, desenvolvidas pelos estudiosos, a fim de possibilitar a defesa das vítimas das novas e numerosas condutas lesivas da sociedade moderna. Com tantos riscos com os quais as pessoas passam a conviver nessa sociedade, a responsabilidade objetiva ganha muito espaço, afinal, todo dano deve ser ressarcido, pois muitos estão se beneficiando, principalmente sob o aspecto financeiro, do risco que assumem, e não se pode deixar aqueles que sofrem lesões aos seus direitos à mercê da possibilidade de se provar a culpa de quem assume o risco pela sua atuação. Entretanto, a culpa ainda é o âmago da responsabilidade civil, mas tem ao seu lado, como fundamento dessa, o risco, o qual também a fundamenta. É nesse sentido a lição de Maria Helena Diniz, quando preleciona que "é preciso deixar bem claro que a culpa continua sendo o fundamento da responsabilidade civil, que o risco não a anulou, constituindo-se, ao seu lado, também como fundamento da responsabilidade civil". [04]

Nos últimos tempos, a responsabilidade civil expandiu-se muito em sua área de incidência, ou seja, aumentou-se o número daqueles que podem ser responsabilizados, dos que podem ser beneficiados e os acontecimentos que ensejam a sua aplicação. Passa-se a consagrar a indenização não apenas por danos patrimoniais, mas também por danos morais, desvinculados de ofensa a interesses que possuam valor econômico.

Quanto à profundidade ou densidade, o princípio que rege a responsabilidade civil é o da responsabilidade patrimonial, isto é, pelos prejuízos provocados, responde, o ofensor, com o seu patrimônio, salvo casos em que a execução deva ser pessoal ou haja necessidade de intervenção de terceiro para o cumprimento da obrigação, sendo essas exceções encontradas com maior facilidade no campo das obrigações contratuais.

1.2 Conceito de responsabilidade civil

Grande é a dificuldade de definir responsabilidade civil, sendo encontrada diversas tentativas e posicionamentos na doutrina. Alguns autores, nesta tentativa, baseiam-se na idéia de culpa para conceituá-la. Outros preferem vê-la sob outro aspecto, mais amplo, além da culpabilidade, mas antes na idéia de repartição de prejuízos e de equilíbrio de direitos e interesses.

Assim, a responsabilidade civil possui duas vertentes, sendo elas a objetiva, onde predomina o risco criado por uma atividade ou conduta, e outra subjetiva, onde se sobressai a culpa, quando se cogita a existência de conduta ilícita.

Ressalvados outros entendimentos acerca da compreensão do que vem a ser responsabilidade civil, importante a definição trazida por Maria Helena Diniz:

[...] poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). [05]

1.3 Pressupostos da responsabilidade civil

Outro tema que traz diversos pensamentos é este relativo aos pressupostos necessários à configuração da responsabilidade civil, visto que os doutrinadores apontam diferentes pressupostos, criando uma grande divagação ante o assunto.

Trata-se, aqui, dos seguintes pressupostos tidos como necessários e essenciais para se caracterizar a responsabilidade civil. Primeiro, é preciso que haja uma conduta (ação), comissiva ou omissiva, a qual se apresenta como um ato lícito ou ilícito. Em segundo lugar, deve ocorrer um dano à vítima, seja ele moral ou patrimonial, provocado pela conduta do agente, seja ela comissiva ou omissiva. Por fim, entre a ação e o resultado danoso, deve estar presente um liame, sendo esse o fato gerador da responsabilidade, ou seja, o dano experimentado pela vítima deve ser conseqüência da atitude do ofensor. Essa ligação entre ação e dano é o nexo causal.

Há, na doutrina, quem defenda ser, a culpa, um dos pressupostos da responsabilidade civil, o que parece não se adequar ao atual estágio desse tema, visto que há responsabilidade sem culpa, pois fundamentar-se apenas nela é insuficiente para solucionar todos os danos.

1.3.1 Conduta (ação)

Segundo Maria Helena Diniz, ação é "o ato humano, comissivo ou omissivo, lícito ou ilícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".

A conduta comissiva é a prática de determinado ato que não deveria ser realizado, ou que foi realizado de forma incorreta. Já a conduta omissiva é o desrespeito a um dever de agir, sendo que quando essa ação se faz necessária, ocorre uma abstenção.

A voluntariedade do ato diz respeito à possibilidade de ser passível de controle pela vontade do agente.

A ação ilícita que proporcionar um dano será fonte de responsabilidade fulcrada na culpa, ou seja, responsabilidade civil subjetiva. Já os danos causados por conduta lícita, terão responsabilidade fundada no risco, ou responsabilidade civil objetiva.

O que se passa a estudar na seqüência é o tipo de responsabilidade que a conduta pode gerar. Se ilícita, subjetiva, fundada na culpa. Se lícita, objetiva, fundada na teoria do risco, sendo os casos autorizados expressos em lei.

1.3.1.1 Responsabilidade subjetiva e objetiva - considerações preliminares

O termo responsabilidade, que traz a noção daquele que pode sofrer uma sanção por determinado ato ou fato ao qual esteja ligado ou tenha contribuído para seu acontecimento, pode denotar tanto a responsabilidade direta, ou seja, referente ao próprio causador do dano, quanto a indireta, quando recaia sobre terceira pessoa que, de alguma forma, encontra-se atrelada ao ofensor. A responsabilidade subjetiva é aquela decorrente do ato ilícito praticado, causador de dano, seja ele moral ou material, a alguém, seja pessoa física ou jurídica, gerando a obrigação de indenizar o prejuízo sofrido, buscando o restabelecimento do status quo ante.

O artigo 927 do Código Civil (CC) é o que exprime a idéia de responsabilidade civil extracontratual, fazendo menção ao ato ilícito, cuja definição encontra-se no artigo 186 do mesmo diploma. Ocorrido este ato e havendo um dano à esfera jurídica de outrem, nascerá a obrigação de indenizar por parte daquele que agira na produção da lesão. Os requisitos para que haja o dever de indenizar são a ação ou omissão voluntária, o nexo causal, o dano e a culpa.

A culpa é o elemento característico da responsabilidade subjetiva, a qual leva em consideração o modo de agir daquele que causa o dano a outrem, devendo ser demonstrada para haver a responsabilização do causador do dano. O que vem acontecendo é que o conceito de culpa está sofrendo uma elasticidade, para abranger muitas outras situações antes não abarcadas, não protegidas pela legislação. E mais, passou a ser até mesmo desconsiderada, a culpa, para se ver estabelecido o dever de indenizar, dando espaço a teoria do risco, "que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano". [06]

Diante disso, vê-se que a teoria da responsabilidade civil ganha outro fundamento ao lado do ato ilícito, qual seja, o risco oriundo da atuação do causador do dano, independentemente de culpa, conforme se pode notar pelo que vem estabelecido no parágrafo único do artigo 927 do CC. A responsabilidade extracontratual está ultrapassando o limite de se embasar apenas na ocorrência de ato ilícito, buscando em outros fundamentos que danos deixem de ser reparados.

Assim, tem-se que a responsabilidade subjetiva ainda norteia a responsabilidade extracontratual, conforme a regra do mencionado artigo 927 do CC, ou seja, na apuração da existência do dever de indenizar, deve-se demonstrar a conduta imprudente, negligente ou imperita do causador do dano, ficando a responsabilidade objetiva, a qual não leva em consideração a culpa do agente para se caracterizar o dever de indenização, utilizada nos casos em que a lei expressamente autorizar, pois não havendo essa previsão, a responsabilidade pelo ato ilícito se verificará na forma subjetiva.

É o que se passa a analisar.

1.3.1.2 Responsabilidade subjetiva - culpa como fundamento da responsabilidade civil

Em nosso ordenamento jurídico, o dever de reparar o dano decorrente de prática de ato ilícito decorre da culpa do agente em seu comportamento. O ato ilícito qualifica-se pela culpa, pois o CC estabelece em seu artigo 186 que quem agir com imprudência ou negligência (culpa), causando dano a outrem, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo. O ilícito é fonte da obrigação de indenizar o prejuízo proporcionado à vítima.

Diante disso, tem-se que, havendo uma conduta, a qual desrespeita um dever ou um preceito legal, e disso ocorre um dano a outrem, nasce a responsabilidade do agente e conseqüente dever de indenizar. Esta responsabilidade pela prática de um ato ilícito funda-se na culpa, a chamada responsabilidade subjetiva. Tem, o lesado, o direito de pleitear o ressarcimento do prejuízo sofrido, cabendo ao agressor reparar o seu ato lesivo. Se mais de um agente que ocasionou o dano, todos são solidariamente responsáveis, podendo, a vítima, se voltar contra um ou todos eles em busca de indenização.

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Para se caracterizar o ilícito, deve haver um descumprimento de uma norma jurídica preexistente que proteja interesses ou direitos e é necessário que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, assim agindo com dolo se tem a intenção de provocar um dano, ou com culpa se sabe dos prejuízos que seu ato pode gerar e mesmo assim prossegue em sua conduta, mesmo que sem a intenção de lesionar outrem. Deve-se analisar se o agente é imputável. Importante, também, é ter a noção de que culpa é diferente de ilicitude, pois essa considera a conduta do autor do dano em sua objetividade, se é ou não contrária ao ordenamento, enquanto aquela se atém aos aspectos subjetivos, referentes ao próprio agente.

A culpa em sentido amplo abrange tanto o dolo, que é a violação intencional de um dever jurídico, quanto a culpa em sentido estrito, que se caracteriza pela imprudência, negligência e a imperícia, sem qualquer intenção em violar um dever. O fato de não ter havido dolo na conduta e o resultado danoso ser fruto de culpa no sentido estrito não impede que seja responsabilizado pelo dano quem o provocou, mesmo que sem intenção. Entretanto, não haverá responsabilidade sem culpa, salvo os casos expressos de responsabilidade objetiva, contidos em lei.

A culpa aqui tratada é a stricto sensu e é assim descrita por Maria Helena Diniz:

[...] a culpa abrange a imperícia, a negligência e a imprudência. A imperícia é falta de habilidade ou aptidão para praticar certo ato; a negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento; e a imprudência é precipitação ou o ato de proceder sem cautela. [07]

A culpa pode ser classificada em função da natureza do dever violado, quanto à sua graduação, relativamente aos modos de sua apreciação e quanto ao conteúdo da conduta culposa.

No primeiro caso, tem-se a culpa contratual, se o dever violado se fundar num contrato; e a culpa extracontratual, se o dever violado for um preceito geral de direito.

A segunda classificação distingue a culpa em grave, leve e levíssima. A conduta culposa grave, pelo forte aspecto grosseiro que apresenta, é próxima do dolo, incluindo, naquela, a culpa consciente, onde o agente assume o risco por um dano que sua atitude possa gerar, o qual ele acredita que não se realizará. A culpa leve é a infração de um dever de conduta que deveria ser do conhecimento e possível de ser observada pelo homem médio, sendo que uma atenção ordinária poderia evitar o dano. A culpa levíssima seria aquela resultante de uma conduta que somente os extremamente atentos e cuidadosos não infringiriam.

Relativamente aos modos de sua apreciação, tem-se a culpa in concreto, que analisa a imprudência, negligência ou imperícia do agente do caso em questão, concreto, acontecido; e também se apresenta a culpa in abstracto, quando há uma comparação da conduta do agente no caso concreto com a conduta que teria o homem médio.

Por fim, a doutrina classifica a culpa quanto ao conteúdo da conduta culposa. Aqui, apresenta-se a culpa in committendo ou in faciendo, quando o agente pratica conduta comissiva, ato positivo; e culpa in omittendo quando a conduta é omissiva, uma abstenção. Há a culpa in eligendo, que advém da má escolha daquele a quem se confia a prática de um ato ou o cumprimento de uma obrigação. A culpa in vigilando decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem. A culpa in custodiendo é a falta de cautela ou atenção com animais ou objetos. Entretanto, algumas dessa culpas podem ser desconsideradas em casos em que a responsabilidade civil é objetiva e independe de culpa.

Um outro aspecto da culpa, na verdade, um elemento constitutivo dela, é a imputabilidade, que diz respeito às condições pessoais daquele que praticou um ato danoso, relativamente à sua consciência e vontade. É a possibilidade de atribuir um ato a alguém quando sua conduta se mostrar livre e consciente.

"Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade por algum fato ou ato. Desse modo, a imputabilidade é pressuposto não só da culpa, mas da própria responsabilidade". [08] Pode, assim, haver imputação tanto quando se leve em consideração a culpa, quanto quando não a considere.

Para que haja imputabilidade é preciso, então, que aquele que cometa o ato lesivo tenha consciência (discernimento) e capacidade de autodeterminação.

Há situações, porém, em que a imputabilidade sofre exceções, não se podendo atribuir responsabilidade às pessoas que se encontram nas condições infra analisadas.

Os menores de 18 anos são inimputáveis, porém os atos lesivos que praticarem geram responsabilidade objetiva para quem tiver a incumbência de instruí-los, seja o pai ou o tutor, devendo reparar o prejuízo causado pelo menor, podendo reaver o que pagou se o menor não for seu descendente. Se o responsável legal pelo inimputável não tiver recursos para reparar o dano, poderá, excepcionalmente, o menor fazê-lo, desde que não fique privado do essencial para sua subsistência.

Os portadores de insanidade mental também são inimputáveis, não sendo responsáveis pelos atos lesivos que praticarem. Essa responsabilidade será de quem tiver a sua guarda, sendo uma responsabilidade objetiva, independente de culpa in vigilando, que, conforme dito, perde espaço para esse tipo de responsabilidade. Uma vez reparado o prejuízo, o representante do incapaz que o fez poderá reaver o que pagou. Há um caso excepcional em que a vítima poderá ficar sem reparação, quando o representante não puder assumir esse encargo por falta de recursos financeiros e o inimputável não puder fazê-lo sem que se prive do necessário à sua subsistência e daqueles que do mesmo dependam.

Quando houver anuência da vítima, sendo livre a vontade e a pessoa capaz, compreendendo os riscos a que se expõe, por ato de vontade interna ou optando por um de seus interesses em detrimento de outro, não haverá ilicitude na conduta lesiva e nem dever de indenizar. Essa anuência pode ser direta, quando não resta dúvida que optou em sacrificar um bem seu, concordando expressamente com o ato de outrem; ou indireta, quando se aceita os riscos normais de uma atividade.

No exercício normal de um direito, havendo prejuízo a outrem, não haverá imputabilidade a quem o provocou e nem responsabilidade, visto estar agindo dentro de um direito seu que é reconhecido, sendo sua conduta lícita. Só haverá responsabilidade se houver abuso de direito ou exercício irregular do mesmo.

No que tange à legítima defesa, a qual é tida como excludente da imputabilidade, tem-se que o autor de ato lesivo, que o faça em legítima defesa, não tem responsabilidade pelo prejuízo provocado, pois a agressão do lesado é injusta, não fazendo ele jus à indenização. Porém, se em sua defesa ou na defesa de outrem o agente provoca dano a um estranho a essa relação, deverá indenizá-lo, podendo reaver o que pagou junto aquele que foi a vítima, no caso de estar defendo outra pessoa que não a si mesmo.

Quando a ofensa a um direito alheio decorre de ato praticado em estado de necessidade, em regra, estará excluída a responsabilidade. Porém, é preciso delinear o que vem a ser estado de necessidade, que consiste no ato realizado para remover perigo iminente, sendo extremamente necessário que assim se proceda, desde que não se exceda os limites do indispensável para que o perigo seja afastado. Geralmente o perigo resulta de acontecimento fortuito, criado por outra pessoa que não o causador do dano ou até mesmo um acontecimento natural (caso fortuito ou força maior). A conduta de quem produz o dano não é ilícita, porém não afasta o dever de indenizar, salvo se o prejudicado tiver provocado a situação de perigo que gerou o estado de necessidade (culpa exclusiva da vítima). Elucidativo é o exemplo de Maria Helena Diniz:

Se A, dirigindo cautelosamente seu carro, para não ferir B, que atravessa a rua distraidamente, lança seu veículo sobre o carro de C, estacionado regularmente. Como C não agiu culposamente, deverá ser indenizado. Logo, sendo B o culpado, A, após pagar o prejuízo sofrido pelo dono do veículo estacionado, poderá reembolsar-se do que pagou junto a B (CC, art. 930). Se o proprietário do carro abalroado o tivesse estacionado em local proibido, sua culpa teria o condão de excluir o direito à reparação junto ao autor do dano. [09]

1.3.1.3 Responsabilidade objetiva - responsabilidade civil sem culpa

Além dos casos de responsabilidade por ato ilícito, embasada na culpa do agente (responsabilidade subjetiva), que viola direitos e deveres contratuais e extracontratuais, vislumbra-se a responsabilidade objetiva, independente de culpa e de conduta ilícita, respondendo, o autor do dano, por ato lícito que pratique, em função de se considerar o risco assumido pelo agente como fato gerador da obrigação de reparar o dano, visando não ficar a vítima prejudica em certas situações onde a culpa não se faz presente na conduta lesiva. É o que dispõe o parágrafo único do artigo 927 do CC, que consagra essa espécie de responsabilidade e conseqüente dever de reparar o dano. Nesse ponto, esclarece Maria Helena Diniz:

Como em certos casos a teoria da culpa, que funda a responsabilidade civil na culpa, caracterizada como uma violação de um dever contratual ou extracontratual, não oferece solução satisfatória, devido, p. ex., aos progressos técnicos, que trouxeram um grande aumento de acidentes, a corrente objetivista desvinculou o dever de reparação do dano da idéia de culpa, baseando-se na atividade lícita ou no risco com o intuito de permitir ao lesado, ante a dificuldade de prova da culpa, a obtenção de meios para reparar os danos experimentados. [10]

Desta forma, nos casos estabelecidos no ordenamento jurídico, o agente responderá pelos danos que proporcionar a outrem mesmo sem culpa, pois o simples fato de o ato que realiza gerar prejuízo é justificativa do dever de indenizar, sendo a responsabilidade imposta por lei e não decorrente de ação culposa, não se cogitando a imputabilidade da conduta.

A responsabilidade objetiva é embasada em um princípio de eqüidade, segundo o qual aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes, que já os romanos consagravam como ubi emolumentum,ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda. O que se leva em conta é a potencialidade do dano existente na atividade exercida.

Logo, todo aquele que desenvolve atividade lícita que possa gerar perigo para outrem deverá responder pelo risco, exonerando-se o lesado da prova da culpa do lesante. A vítima deverá apenas provar o nexo causal, não se admitindo qualquer escusa subjetiva do imputado. [11]

No direito brasileiro, a responsabilidade fundada na teoria do risco, decorre, por exemplo, de acidentes de trabalho; acidentes resultantes do exercício de atividades perigosas; furto de valores praticado por empregados de hotéis contra hóspedes; atuação culposa de preposto ou serviçal, no exercício de seu trabalho; queda de coisas de uma casa ou seu lançamento em lugar indevido; pagamento de cheque falsificado por banco; comportamentos administrativos prejudiciais a direito de particular; atos praticados no exercício de certos direitos.

1.3.2 Dano

"Dano consiste no prejuízo sofrido pelo agente". [12] Ou, de forma um pouco mais detalhada, tem-se que "dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral". [13] Esse é mais um pressuposto da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, visto que se não ocorrer prejuízo não se cogita direito à indenização. Só há responsabilidade civil se houver dano, pois uma vez caracterizada a responsabilidade de alguém, resulta o dever de indenizar, mas tanto para aquela quanto para esse existirem, é preciso que a conduta do imputado tenha lesionado direito alheio, devendo ser demonstrada essa lesão para que se repare o prejuízo.

Há casos, principalmente na responsabilidade contratual, que o dano é presumido, não sendo necessário o lesado provar que o tenha sofrido, pois a lei presume sua existência.

A doutrina apresenta alguns requisitos imprescindíveis, os quais devem estar presentes para que haja dano indenizável, como a diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa; a efetividade ou certeza do dano; a causalidade; subsistência do dano no momento da reclamação do lesado; legitimidade; ausência de causas excludentes de responsabilidade. Passa-se a analisar, sucintamente, cada um desses requisitos.

A diminuição ou destruição de um bem jurídico deve acontecer, independentemente se a lesão atinge bens econômicos ou não, pois a noção de dano pressupõe que exista um lesado, não havendo dano sem que um bem juridicamente protegido, seja ele qual for, sofra alterações prejudiciais.

O dano não pode ser hipotético, possível de acontecer, deve ser real, concreto, efetivo, pois a sua demonstração é necessária para que seja possível indenizá-lo, salvo casos de dano presumido, onde não é preciso comprová-lo. A certeza é referente à sua existência e não ao seu montante ou atualidade. Há que se ressaltar que o dano pode ser atual ou futuro, desde que nesse caso seja uma conseqüência necessária e certa do ato lesivo.

Deverá haver causalidade entre o dano e a conduta do lesante. O dano poderá ser direto, se resultar imediatamente da ação, resultante do ato lesivo. E poderá ser indireto, quando resultar do prejuízo diretamente produzido, agravando-o, sendo uma causa superveniente, chamado de dano reflexo.

O dano deve subsistir no momento em que a vítima o reclama, pois se já tiver sido reparado não há prejuízo para se reclamar, salvo se a própria vítima o reparou, subsistindo o prejuízo, devendo o agente ressarci-la. O mesmo se diga quando um terceiro reparou o dano, ficando sub-rogado no direito da vítima.

Quem reclama o prejuízo deve ser titular do direito lesado, ou seja, deve ter legitimidade para pleiteá-lo.

Existem danos que não geram o dever de indenizar, pois não se pode atribuir responsabilidade ao causador do dano em certas circunstâncias. Assim, não pode existir alguma das excludentes de responsabilidade para que seja possível cobrar a reparação do mal sofrido.

1.3.2.1 Dano patrimonial

Para se obter uma definição do que é o dano patrimonial, é preciso, antes, compreender o significado do termo patrimônio, o qual pode ser entendido como a universalidade jurídica constituída pelos bens de uma pessoa, ou ainda, a totalidade de bens que tenham valor econômico e se encontrem sob o poder de disposição de uma pessoa.

Após esse sucinto entendimento sobre patrimônio, tem-se que "o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável". [14]

O dano patrimonial mede-se pela diferença entre o valor atual do patrimônio e o valor que o mesmo teria atualmente se não tivesse ocorrido o dano. Entretanto, se for possível o restabelecimento do status quo ante através de uma reconstituição natural, não será necessário calcular o valor do prejuízo, visto que há uma restituição natural do bem lesado. Assim, o dano patrimonial pode ser reparado de duas formas: ou pela reparação natural, por exemplo, a entrega da própria coisa ou de outra de mesma espécie; ou pela indenização pecuniária.

Dentre os vários ensinamentos apresentados pela doutrina ao dano patrimonial, serão abordados apenas o dano emergente e o lucro cessante, visto não ser o escopo deste trabalho o estudo específico sobre esta espécie de dano.

Dano emergente, ou positivo, é o prejuízo real, concreto, efetivo, experimentado pela vítima, ocorrendo diminuição de seu patrimônio, tanto pela redução de seu ativo quanto pelo aumento de seu passivo, incluídos, além da própria deterioração do bem, os valores gastos pelo dono do patrimônio lesado em função do dano sofrido. Vale lembrar que danos eventuais ou potenciais não são passíveis de indenizações, salvo se forem conseqüência inevitável, certa, decorrente da ação lesiva. Aqui, o condenado à indenização pode restaurar o bem danificado ou pagar o valor das obras necessárias à reparação do dano, sendo essas as duas formas de se proceder à indenização em caso de danos emergentes.

O lucro cessante, ou dano negativo ou frustrado, é a privação do lesado de obter um ganho, o lucro que ele deixa de perceber em função da conduta lesiva de outrem. Não é suficiente, para que se caracterize a hipótese de lucro cessante, a mera possibilidade, mesmo que a certeza absoluta não seja exigida. Porém, deve haver uma probabilidade objetiva de que aquele ganho seria obtido caso não houvesse a conduta danosa. É preciso diferenciar a possibilidade da probabilidade para se cogitar a existência do lucro cessante. Uma vez caracterizado o lucro cessante, tem-se a necessidade de vislumbrar a proporção do prejuízo para se determinar o quantum a ser indenizado. O lucro cessante refere-se a perda de uma chance, isto é, indeniza-se a vítima não pelo que ela perdeu, mas sim pela sua expectativa de obter um ganho que é frustrada por causa do ato lesivo, devendo o dano ser avaliado conforme o maior ou menor de grau de probabilidade de se tornar certo.

Quando vem à baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda de uma chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo final, que pode ser uma certa idade para a vítima, um certo fato ou uma a data da morte. Nessas hipóteses, a perda da oportunidade constitui efetiva perda patrimonial e não mera expectativa. [15]

1.3.2.2 Dano moral

"O dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica (CC, art. 52; Súmula 227 do STJ), provocada pelo fato lesivo". [16]

O dano moral não é a dor, a angústia, a humilhação, ou qualquer outro sentimento similar, visto que eles são conseqüências do dano experimentado. O direito não repara os sentimentos, mas sim a privação a um bem jurídico que a vítima tinha direito, sendo este reconhecido juridicamente, como o direito à vida, à saúde, à integridade física, à dignidade da pessoa humana, à liberdade, entre tantos outros. O que se pede mediante indenização pecuniária, ocorrendo dano moral, não é a equivalência em dinheiro à dor sofrida, pois aquela indenização é apenas um meio de atenuar, em parte, as conseqüências do prejuízo experimentado.

Assim como o dano patrimonial, o dano moral comporta estudos mais aprofundados. Faz-se, aqui, apenas uma análise acerca do dano moral direto e indireto.

Dano moral direto é a lesão a um interesse que se tem em um bem jurídico extrapatrimonial, como os direitos de personalidade (vida, integridade física e psíquica, honra, liberdade, intimidade, imagem, etc.), ou atributos pessoais (nome, capacidade, entre outros) e ainda dignidade da pessoa humana.

O dano moral indireto consiste em lesão a um interesse não patrimonial devido a uma lesão a um bem patrimonial da vítima, por exemplo, no caso de alguém destruir um bem de valor econômico de outrem, sendo que o mesmo também possui valor afetivo inestimável, ocorrendo um dano moral (dor da perda do bem que possuía valor sentimental) em função do dano material (diminuição patrimonial, pois o bem tinha valor econômico).

Visto isso, tem-se que pode ocorrer tanto o dano patrimonial como o moral isolados, ou ainda podem ocorrer ambos quando há lesão de interesses patrimoniais e não patrimoniais simultaneamente. Desta forma, "o caráter patrimonial ou moral do dano não advém da natureza do direito subjetivo danificado, mas dos efeitos da lesão jurídica", [17] pois lesões a interesses patrimoniais podem acarretar prejuízos de ordem moral (dano moral indireto) e danos a bens jurídicos não patrimoniais podem resultar em diminuição patrimonial.

1.3.3 Nexo causal

O nexo causal, que entre outras denominações dadas pela doutrina, também pode ser conhecido como nexo de causalidade ou relação de causalidade, "é o liame que une a conduta do agente ao dano", [18] é o vínculo existente entre a conduta lesiva e o dano provocado, sendo que esse deve ser conseqüência daquela, ou seja, a produção de um dano deve estar ligada à conduta de quem o gerou, podendo ser o prejuízo resultado direto ou conseqüência inevitável daquela ação. Em suma, há uma ação e se dela resultar um dano a outrem, sendo que esse só ocorreu em virtude de ter-se realizado aquela conduta, sendo decorrência direta ou mesmo indireta dela, mas desde que seja uma conseqüência lógica, previsível do ato lesivo, haverá nexo causal entre a conduta e o resultado danoso produzido. Importante é verificar se o dano é decorrência direta da ação, mas se não for, também poderá estar caracterizada a relação de causalidade, desde que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido, isto é, uma relação causal indireta.

Poderá ocorrer dano indireto, ou seja, um dano decorrente de uma conduta lesiva primitiva, sendo o fato superveniente derivado do fato anterior e havendo nexo causal entre esse e a conduta inicial, se ocorrer outros prejuízos em função do primeiro, serão considerados conseqüências do dano primitivo, ficando caracterizada a relação de causalidade entre o dano superveniente e a conduta lesiva inicial. Para esclarecer o assunto, Maria Helena Diniz traz um exemplo, no caso de "um desordeiro quebrar vitrina de uma loja, deverá indenizar o dono não só do custo do vidro e sua colocação, mas também do valor dos artigos furtados em conseqüência de seu ato, por ser um dano indireto, embora efeito necessário da ação do lesante". [19] Basta o autor ser responsável por uma causa e sempre que dela advier outros danos estará caracterizada a relação causal, pois o nexo causal é uma questão de fato, cabendo sua prova ao autor da demanda que vise o ressarcimento.

Importante ressaltar que nexo de causalidade e imputabilidade não se confundem, pois o primeiro diz respeito aos elementos objetivos e o segundo a elementos subjetivos da ação ou omissão do agente, podendo haver imputabilidade sem que haja nexo causal.

1.3.3.1 Excludentes do nexo causal

Trata-se, aqui, de motivos que excluem, isto é, interrompem o nexo causal, impedindo que ele se caracterize. Deixa de haver um liame entre a conduta e o resultado danoso quando ocorrer um dos motivos que se passa a estudar, não podendo se dizer que o dano é conseqüência da conduta do agente.

Desta forma, traz a doutrina como motivos excludentes do nexo de causalidade os fatos que se derem por culpa exclusiva da vítima, por culpa concorrente, por culpa comum, por culpa de terceiro, por caso fortuito ou força maior e mediante a cláusula de não indenizar. É o que se passa a analisar.

Quando um dano ocorre por culpa exclusiva da vítima, está excluída qualquer responsabilidade do autor da conduta, devendo a própria vítima arcar com os prejuízos, não se cogitando a existência de nexo de causalidade entre a conduta de quem causou o dano e o prejuízo produzido, visto que a ação da vítima é a responsável pelo acontecimento lesivo. Assim, se o dano for oriundo de culpa exclusiva da vítima, não há responsabilidade de quem produziu o dano por não haver nexo causal entre sua conduta e o prejuízo, não havendo direito a ressarcimento por parte da vítima, que arcará com as despesas do dano.

Porém, se o dano advém de ação onde há culpa concorrente, ou seja, quando as duas partes, ofensor e vítima, contribuem para a produção de um prejuízo ao praticarem condutas imprudentes, negligentes ou imperitas, a doutrina apresenta alguns critérios para atribuição de responsabilidade a cada uma das partes e conseqüente aferimento do valor indenizatório, podendo haver compensação das culpas, divisão proporcional dos prejuízos, análise da gravidade da culpa de cada um e análise do grau de participação de cada uma das partes na causa do resultado. Assim, ocorrendo dano onde a culpa é concorrente entre o agente e a vítima, não desaparece o liame causal, havendo apenas uma atenuação da responsabilidade, subsistindo a obrigação de indenizar, devendo ser demonstrada a intensidade de culpa de cada um para que se possa determinar a quota de responsabilidade e, conseqüentemente, o montante indenizatório de cada uma das partes, caso a intensidade da culpa de um seja maior que a de outro. Havendo intensidades idênticas, isto é, se ofensor e vítima causam culposa e conjuntamente o mesmo dano, tem-se a culpa comum e ocorre a compensação, não havendo indenização, visto que as responsabilidades pelo evento se equivalem, ficando cada parte com o seu prejuízo. A indenização é devida de acordo com a responsabilidade atribuída a cada parte.

Em se tratando de dano decorrente de culpa de terceiro, importante, nessa sede, é determinar quem é essa figura. O terceiro é sujeito envolvido em uma relação jurídica, sendo diferente das figuras do ofensor e ofendido. No âmbito das relações contratuais, mais fácil é a sua caracterização, pois ele é o agente provocador do dano que não é parte contratante. Diante deste cenário, sendo demandado a ressarcir um prejuízo cuja existência se atribui exclusivamente à ação de um terceiro, pode a pessoa demandada requerer a exclusão de sua responsabilidade para designá-la ao terceiro, verdadeiro responsável pelo acontecimento lesivo. Mas para que a culpa de terceiro exonere o autor da conduta danosa, é necessário que o prejuízo se ligue à ação do terceiro, isto é, que haja uma relação de causalidade entre o dano e a conduta do terceiro tido como culpado, não podendo haver nexo causal entre a conduta do aparente responsável e o dano. Assim, tem-se que o ofensor (aparente responsável) não pode concorrer em momento algum para o evento e sua ação não pode provocar de forma alguma o fato de terceiro, pois tendo participação no acontecimento terá responsabilidade. Além disso, é preciso que o fato de terceiro seja ilícito, devendo ser o acontecimento imprevisível e inevitável. Então, provada a não existência de nexo causal entre a conduta do aparente responsável, pode, o mesmo, exonerar-se da responsabilidade, a qual é atribuída ao terceiro. Mas, uma vez responsabilizado o ofensor, cabe a esse a ação regressiva contra o terceiro, na hipótese de ocorrer os casos previstos no artigo 188, II do CC, quando se visa remover perigo iminente, ou do artigo 930 e parágrafo único, ambos do mesmo diploma, contra aquele em defesa de quem se causou o dano. Sobre o assunto, adverte a doutrina que apenas excepcionalmente a jurisprudência vem admitindo esta modalidade de excludente de responsabilidade. Isto talvez se deva ao fato de que muitas vezes o terceiro não é identificado e, em função disso, admitir o fato de terceiro como excludente seria deixar a vítima sem ressarcimento pelo dano sofrido.

Outros motivos excludentes do nexo causal são o caso fortuito e a força maior. Ocorrendo dano oriundo de uma das duas hipóteses, não há responsabilidade, pois esses acontecimentos eliminam a culpabilidade, uma vez que são inevitáveis. O caso fortuito e a força maior possuem dois requisitos para se configurarem, sendo um deles objetivo e outro subjetivo. O primeiro é a inevitabilidade do evento e o segundo é a ausência de culpa na produção do mesmo. Na força maior, a causa que dá origem ao acontecimento é um fato da natureza. No caso fortuito, o dano advém de causa desconhecida ou de fato de terceiro – e nesse caso não é possível atribuir a uma única pessoa a culpa pelo ocorrido -, sendo imprevisível e irresistível. Se esses acontecimentos não acarretarem a responsabilidade ao sujeito, não haverá obrigação por sua parte, salvo se se convencionou o pagamento de dano oriundo de caso fortuito ou força maior ou nos casos em que a lei assim determinar (responsabilidade objetiva). Há hipóteses em que o caso fortuito se aproxima do fato de terceiro, porém ressalta-se que são diferentes um do outro. Há que se dizer que nem sempre o caso fortuito e a coisa maior excluem a responsabilidade, pois na obrigação de dar coisa incerta tem-se o princípio de que o gênero nunca perece e assim sendo, se a coisa convencionada não puder ser entregue por causa da ocorrência de caso fortuito ou força maior que a deteriore, não se cogita eximir-se da responsabilidade, visto que por se tratar de algo incerto, pode ser adimplida a obrigação pela entrega de outra coisa de mesmo gênero, o qual não deixa de existir. Mas a doutrina também ensina a hipótese de o gênero ser limitado, restrito, caso em que ocorrendo o perecimento de suas espécies por motivos não ligados ao devedor, a obrigação estará extinta.

Além dessas excludentes do nexo causal, apresenta-se, no âmbito da responsabilidade contratual, a cláusula de não indenizar, que é assim definida por Silvio Rodrigues:

A cláusula de não indenizar é aquela estipulação através da qual uma das partes contratantes declara, com a concordância da outra, que não será responsável pelo dano por esta experimentado, resultante da inexecução ou da execução inadequada de um contrato, dano este que, sem a cláusula, deveria ser ressarcido pelo estipulante. [20]

Note-se que o risco pelo prejuízo é transferido à vítima, que deve concordar em suportá-lo, caso ocorra, para que a cláusula seja válida.

Cláusula de não indenizar e cláusula de irresponsabilidade não se confundem. Essa visa afastar a própria responsabilidade, algo que somente a lei pode fazer, enquanto a primeira afasta tão somente a indenização.

A discussão acerca desta cláusula se apresenta a respeito de sua validade. Alguns entendem que esta cláusula não possui validade, sendo nula. Para outros, ela é perfeitamente aceitável, em vista da autonomia da vontade contratual.

É certo que, se inclusa em um contrato, deve ser fruto do livre consentimento entre ambas as partes e não uma imposição, por isso não sendo aceita em contratos por adesão. Além do que, deve se referir a não indenização de direitos individuais disponíveis, sendo que por essa razão não é admitida nas relações que envolvem os direitos dos consumidores. Não pode, também, infringir preceitos legais e os bons costumes, não é válida contra a ordem pública e nem em casos que envolvam conduta dolosa, pois é aplicada no âmbito contratual e não no delitual. Assim, se for estipulada no contrato a cláusula de não indenizar, excluída estará a responsabilidade do agente, no que tange ao dever de indenizar, não porque o nexo causal é interrompido, mas antes em razão da convenção entre as partes nesse sentido.

Por fim, há doutrina que traz a cláusula de limitação da responsabilidade. Nela, as partes não excluem a responsabilidade, apenas impõem limites à mesma, havendo prévia estipulação do valor máximo que será pago no caso de prejuízo sofrido pela vítima, também só podendo ser admitida, assim como na cláusula de não indenizar, se livremente pactuada entre as partes.

Deve-se observar que essa cláusula deve respeitar as mesmas ressalvas feitas à admissibilidade da cláusula de não indenizar. Dessa forma, cláusula limitativa de responsabilidade que limite o valor da indenização de forma a torná-la irrisória é a mesma coisa que uma cláusula de não indenizar. Então, se isso ocorrer, nos mesmos casos que essa for vedada, deve, aquela, também ser.

1.4 Responsabilidade contratual (negocial) e extracontratual (extranegocial)

Outro ponto relevante nessa introdução ao estudo da responsabilidade civil é a diferenciação entre a responsabilidade que tem sua gênese num negócio jurídico descumprido e a que advém de outra espécie de ato ilícito. A primeira é denominada contratual ou negocial, ao passo que a segunda é conhecida como extracontratual ou extranegocial, ou ainda, por questões históricas, aquiliana. Tanto uma quanto outra espécie merecem um estudo aprofundado, o que não se faz pertinente neste trabalho, sendo, portanto, apenas traçada a diferença essencial entre uma e outra hipótese, tecendo-se alguns comentários outros, para que, por fim, seja tratado minuciosamente um tipo específico de responsabilidade contratual, objeto basilar desse estudo, a responsabilidade civil do advogado.

Frente a uma conduta geradora de dano, importa saber se este ato vem prejudicar uma situação jurídica preexistente, ou seja, um negócio jurídico pré-estabelecido entre aquele que causa e aquele que sofre o dano, ou se lesa um direito de alguém sem haver previa situação jurídica estabelecida. Sobre o fundamento dessas duas ramificações da responsabilidade civil, destaca-se a lição de Henri e Léon Mazeaud, citados por Silvio Rodrigues:

Na hipótese de responsabilidade contratual, antes da obrigação de indenizar emergir, existe, entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção; na hipótese da responsabilidade aquiliana, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar. [21]

Na responsabilidade contratual, verifica-se o inadimplemento da obrigação assumida, a qual produzirá um dano. Este, levando-se em consideração o nexo causal entre a conduta e o dano e tendo como fundamento, via de regra, a culpa, será ressarcido nos termos e medidas em que foram avençados entre as partes. Já na responsabilidade aquiliana, uma vez que não há relação jurídica preexistente estabelecida, havendo um ato danoso e desde que este e a conduta que o produziu estejam ligados por um nexo causal, aliados, em regra, à culpa do agente, existirá o dever de ressarcir, sendo que caracterizada estará a responsabilidade civil.

Nesse sentido, preleciona Silvio de Salvo Venosa que tanto a responsabilidade contratual quanto a extracontratual se fundam na idéia de culpa, ao dizer que "na culpa contratual, porém, examinaremos o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites da obrigação. Na culpa aquiliana ou extranegocial, leva-se em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato, [...]". [22]

Ocorre que, por vezes, uma relação contratual pode ser de difícil identificação e dizer se essa existia ou não à época em que ocorrera o dano é tarefa dotada de certa complexidade, como, no exemplo da doutrina, o transporte gratuito e o atendimento médico de urgência. Entretanto, demonstrada ou não a existência de um negócio jurídico entre as partes, o dever de indenizar subsiste, independente se a responsabilidade seja gerada pela existência de um contrato ou em função da prática de um ato ilícito que produz um dano.

Há, entre os estudiosos do tema, quem defenda que as duas responsabilidades são a mesma coisa, visto serem vários os pressupostos comuns entre elas. Esta opinião é sustentada com base no argumento de que se a responsabilidade se funda na culpa, não há motivo para distingui-las pela violação de obrigação contratual ou violação de obrigação oriunda de qualquer outra fonte, e ainda no argumento de que as perdas e danos que causador do prejuízo deve indenizar são coisas diversas do dever descumprido, mas antes apenas uma reparação do dano provocado por sua ação ou omissão, fazendo com que a responsabilidade contratual se identifique com a extracontratual. Mas o que se tem é que a tese clássica da divisão entre essas duas espécies prevalece, mesmo que combatida por algumas doutrinas.

Em matéria de prova dos danos, para que surja a responsabilidade civil, o onus probandi é diferente na responsabilidade negocial e na aquiliana. A diferença entre uma e outra também se encontra no que tange à capacidade de responder pelo dano provocado, conforme os ensinamentos de Silvio Rodrigues:

Em matéria de prova, por exemplo, na responsabilidade contratual, demonstrado pelo credor que a prestação foi descumprida, o onus probandi se transfere para o devedor inadimplente, que terá que evidenciar a inexistência de culpa de sua parte, ou a presença de força maior, ou outra excludente da responsabilidade capaz de eximi-lo do dever de indenizar, enquanto, se for aquiliana a responsabilidade, caberá à vítima o encargo de demonstrar a culpa do agente causador do dano.

Em matéria de capacidade também diversas são as posições. Assim, o menor impúbere só se vincula contratualmente assistido por seu representante legal e, excepcionalmente sem ele, se maliciosamente declarou-se maior (CC, art. 180); portanto, só pode ser responsabilizado por seu inadimplemento nesses casos; na responsabilidade aquiliana, entretanto, cumpre-lhe reparar o prejuízo sempre, pois se equipara ao maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos em que for culpado (CC de 1916, art. 156). [23]

Por fim, vista a diferença entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, acrescenta-se que enquanto a primeira é tratada pelos artigos 389 e seguintes do CC, dentro do capítulo "Do Inadimplemento das Obrigações", a segunda vem disciplinada pelo artigo 186 conjugado com o 927, ambos do mesmo diploma legal.

1.5 Sentença criminal e responsabilidade civil

A prática de algumas condutas pode ter sua responsabilidade investigada tanto na esfera cível quanto na criminal, isto é, um ato danoso pode constituir um crime e ao mesmo tempo gerar o dever de indenizar.

A questão poderia ser figurada como dois círculos concêntricos, sendo a esfera do processo criminal um círculo menor, de menor raio, porque a culpa criminal é aferida de forma mais restrita e rigorosa, tendo em vista a natureza da punição e ainda porque, para o crime, a pena não pode ir além do autor da conduta.

A esfera da ação civil de indenização é mais ampla porque a aferição de culpa é mais aberta, admitindo-se a culpa grave, leve e levíssima, todas acarretando como regra o dever de indenizar e ainda porque [...] há terceiros que podem responder patrimonialmente pela conduta de outrem. [24]

Harmonizar as decisões prolatadas no juízo cível e no criminal não é fácil. Há algumas correntes de pensadores que procuram separar totalmente as duas áreas. Outras optam pelo pensamento de que a sentença criminal faz coisa julgada no cível. E há quem procure harmonizar as decisões das duas jurisdições. Em nosso ordenamento, como a jurisdição é una e apenas encontra-se dividida por questões de organização e até mesmo didática, há independência entre a jurisdição cível e a criminal, porém uma independência branda, não tão rígida, visto que há um forte liame entre ambas as áreas.

Por ser una a jurisdição, o que se pretende coibir são sentenças antagônicas, contraditórias umas com as outras. Absurdo seria ocorrer uma condenação ao dever de indenizar por um acidente de trânsito onde se teve uma vítima fatal, um pai de família responsável pelo sustento dessa, enquanto no juízo criminal o motorista é absolvido em razão de a culpa ter sido exclusiva da vítima.

Em suma, tem-se que, apesar de organizadas separadamente, a jurisdição cível e a criminal integram uma jurisdição que é una, em função da soberania e do exercício do poder que é inerente ao Estado. Mas é preciso considerar que esta última exerce influência sobre aquela e assim mantém-se o sistema homogêneo, evitando-se decisões contraditórias.

Esse liame entre as duas jurisdições aqui tratadas aparece consubstanciado na legislação cível, criminal e processual. O Código Civil, em seu artigo 935, pondera que a responsabilidade cível e a criminal são independentes, mas que não se pode discutir, no primeiro juízo, a existência do fato e a autoria do mesmo quando já decido no segundo juízo. O Código Penal, por sua vez, traz como um dos efeitos da condenação nessa esfera jurídica a certeza da obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I). E no mesmo caminho se projeta o Código de Processo Civil, que estabelece ser a sentença penal condenatória transitada em julgado um título executivo, ficando a cargo do juízo cível a determinação do quantum debeatur a ser indenizado. Finalmente, o Código de Processo Penal (CPP), seguindo esse entendimento de que as duas jurisdições devem ser homogêneas, expõe em seu artigo 63 que pode ser promovida no juízo cível a sentença penal condenatória transitada em julgado para efeito de reparação de dano.

1.5.1 Execução da sentença criminal condenatória

A sentença penal condenatória transitada em julgado no juízo criminal faz nascer o dever de indenizar, na esfera cível, o dano sofrido pela vítima ou por seus parentes. A referida sentença é um título executivo ilíquido na jurisdição civil. Então, é preciso que nessa sede seja estabelecido o montante indenizatório, através da liquidação de sentença.

Uma questão que se apresenta, visto que o ordenamento não dispõe de regra expressa sobre a matéria, é acerca da possibilidade de se executar sentença penal em casos de responsabilidade civil por fato de terceiro. Esclarecendo, tome-se o exemplo do funcionário na condição de preposto que, exercendo suas atividades, comete um delito e é condenado. A execução da sentença penal não poderá ser promovida contra seu patrão, visto que aquela sentença só gera efeitos para o autor do crime. Nesse caso, a reparação do dano, no juízo cível, deverá correr contra o próprio infrator. Para que um terceiro, no caso a patrão, possa ser chamado a reparar o dano, sob a alegação de que as atividades do preposto são de responsabilidade do empregador, posto que o risco da atividade que exerce é seu, é preciso se valer da actio civilis ex delicto, pois ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal, cabendo, nessa ação, a discussão ampla sobre o fato e os danos provocados. É o entendimento da corrente majoritária.

A partir desse entendimento, surge uma controvérsia acerca da rediscussão, no cível, dos fatos julgados na esfera criminal. Há doutrina que entende ser totalmente possível essa rediscussão quando a ação indenizatória se voltar contra o patrão, pois a sentença condenatória é valida contra o réu do processo criminal e não contra o responsável civil. Há, todavia, quem defenda serem os efeitos da sentença criminal, nesse caso, estendidos a terceiros, no caso o patrão, indo de encontro ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Entretanto, se a ação indenizatória for promovida em face do réu condenado, há formação do título executivo e este é válido para a execução no cível, tendo plena eficácia. Não há nova discussão, pois se tem uma sentença que forma coisa julgada.

Concluindo o assunto abordado, importantes são as lições de Silvio Venosa sobre a improcedência da ação civil e a posterior condenação criminal, sobre a absolvição em revisão criminal e a relação dessa com a ação que corre no cível e sobre a prescrição da pretensão executória da sentença criminal e a execução no cível.

Se a pretensão civil for julgada improcedente, com trânsito em julgado, essa decisão é inatacável se o juízo criminal concluir posteriormente pela condenação.

[...] a absolvição obtida por força de revisão criminal não altera a situação da ação civil.

[...] A prescrição da pretensão executória da condenação penal, que somente ocorre após o trânsito em julgado da sentença, não lhe retira a força executiva no âmbito cível. [25]

O direito à indenização independe se o juízo criminal reconheceu ou não o prejuízo, pois a responsabilidade civil é independente da criminal, sendo que entre ambas as jurisdições somente não pode haver decisões antagônicas, mas a cada uma corresponde a averiguação de responsabilidade dentro da esfera que lhe compete.

1.5.2 Sentença criminal absolutória

Ao contrário do que ocorre com a sentença penal condenatória, a sentença desse juízo que absolve não faz coisa julgada no cível. Isso acontece porque o fato discutido e julgado no âmbito penal não fora comprovado, não sendo possível a condenação pelo delito. Entretanto, o fato de a conduta não ter sido considerada como criminosa não quer dizer que não produziu dano a vítima. Deve-se ter cuidado nesse reexame promovido no cível.

O artigo 386 do CPP impõe ao magistrado o dever de mencionar, na parte dispositiva da sentença absolutória, uma das causas contidas naquele dispositivo. Dos seis incisos desse artigo, os quais são motivos através dos quais o magistrado do juízo criminal pode absolver o réu, com base em todos pode a vítima acionar o Judiciário requerendo indenização. Exceção feita ao inciso I, pois se absolvição na esfera criminal se der em função de que está provada a inexistência do fato, não se discutirá, no cível, algo que comprovadamente não ocorreu. Agora, se a conduta no ilícito civil for mais ampla do que a narrada, investigada e julgada no juízo criminal, o que não foi objeto da sentença criminal pode ser objeto de discussão na esfera civil.

Acerca de peças arquivadas, causas de extinção de punibilidade e o fato de não haver condenação criminal, tem-se a seguinte lição:

O simples fato de as peças investigatórias, inquéritos ou equivalente, terem sido arquivadas, não inibe em absoluto a ação indenizatória, pois juízo de valor algum foi feito pelo Judiciário nessa hipótese. A causas de extinção da punibilidade penal, em princípio, da mesma forma, não interferem na ação de ressarcimento: nada tem a ver, por exemplo, o reconhecimento da prescrição do crime para a ação civil. E, por fim, [...] o fato pode não ser crime, mas pode gerar o dever de indenizar, pois o conceito de ilícito civil é muito mais amplo. [26]

1.6 Responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078, de 11-09-1990, representa uma revolução no âmbito da responsabilidade civil e também é considerado um divisor de águas no direito pátrio, trazendo inovações e tendo vasto campo de aplicação. Trata-se de uma codificação moderna.

Esse diploma traz conceitos muito claros, definições objetivas sobre os diversos aspectos que envolvem a relação de consumo, como o que é o consumidor, o fornecedor, a definição do que o CDC considera por serviço, entre outros, na tentativa de evitar imprecisões e distorções interpretativas.

Segundo disposição do artigo 2º do CDC, "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". [27] Com base nessa definição, percebe-se que não apenas as pessoas físicas, mas também as jurídicas são consideradas consumidores, ressaltando que entidades despersonalizadas, como o espólio, o condomínio, a massa falida, também estão incluídas nesse conceito. Não se restringe apenas a proteger quem adquire o produto ou serviço, mas da mesma forma o faz com quem dele se utiliza como destinatário final, mesmo que não for o dono. Todavia, aqueles que adquirem produtos para revendê-los não são considerados consumidores, pois não o adquire nem o utiliza como destinatário final, visto que sua atitude não é a de consumir, usufruir o produto, mas antes de repassá-lo a outra pessoa. Não sendo considerado consumidor, em princípio o intermediário não poderia se valer dos direitos do consumidor em caso de vício do produto ou serviço, mas a doutrina esclarece que o artigo 17 da Lei nº 8.078/90, ao equiparar ao consumidor todas as vítimas do evento, acaba por resolver essa questão, autorizando o intermediário a se utilizar do CDC em casos de danos decorrentes de fato dos produtos.

Se de um lado tem-se o consumidor, do outro há o fornecedor, cuja definição está no artigo 3º daquele código:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. [28]

O mesmo artigo traz, em seus parágrafos, o conceito de produto e serviço, o quais são amplos, comportando compreensão muito vasta.

Havendo lesão aos direitos dos consumidores, se mais de um for autor da ofensa, todos respondem solidariamente pelo dano.

O CDC tem ampla abrangência, protegendo as diversas áreas em que se caracteriza a relação de consumo, inclusive o comércio eletrônico, tão difundido hoje, sem que com isso iniba a atividade econômica. O que se pretende com essa legislação é proteger a parte hipossuficiente da relação de consumo, o consumidor, conferindo-lhe mecanismos de defesa em prol de seus direitos, mas sem que essa proteção acarrete um desestímulo e dificuldades para aqueles que exercem as atividades de produção e prestação de serviços. Enfim, o que se busca é o equilíbrio entre essas extremidades, conferindo direitos aos mais vulneráveis na relação de consumo para coibir práticas abusivas do fornecedor, que em tese possui superioridade econômica, investigando e atribuindo responsabilidade a quem cause dano aos direitos do consumidor.

Para concretizar essa proteção ao consumidor, foram criadas Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, que atuam ao lado das Delegacias de Polícia especializadas em atendimento aos consumidores lesados. Deve, o juiz, estar sempre atento em seu julgamento, considerando o aspecto hipossuficiente do consumidor frente ao fornecedor, que se apresenta como parte mais forte da relação de consumo.

Os direitos básicos dos consumidores vêm definidos no artigo 6º do CDC, sendo relevantes à responsabilidade civil o que dispõem os incisos VI e VII, pois tratam da prevenção e reparação de danos e do acesso ao judiciário e a órgãos administrativos, visando assegurar proteção jurídica a quem sofra prejuízo nas relações de consumo. O inciso VIII preconiza a facilitação da defesa desses direitos, inclusive possibilitando a inversão do ônus da prova, quando o juiz considerar a hipossuficiência do consumidor ou a verossimilhança de suas alegações. A boa-fé e o dever de informação também pautam as relações de consumo.

1.6.1 Relação de consumo e responsabilidade civil

Antes do Código de Defesa do Consumidor, as relações de consumo se regiam, no que tange à responsabilidade de quem produz, fabrica, importa, constrói, comercializa os produtos, pelo antigo artigo 159 do CC. O consumidor se encontrava em uma situação de extrema inferioridade, pois a ele era imposto o dever de provar a culpa subjetiva daquele que produzira um dano, ficando atrelado aos prazos curtos dos vícios redibitórios para poder acionar o fabricante do produto, devendo fazer isso no local onde se encontrava a sua sede. A tecnologia e o crescente vulto das relações de consumo, aliados aos constantes abusos por parte dos fornecedores, induziram o legislador a proporcionar uma proteção diferenciada para os consumidores, não apenas considerados individualmente, mas antes de forma abrangente. E foi isso que a Constituição Federal de 1988 veio fazer, protegendo os direitos transindividuais, criando uma base para o direito dos consumidores. Posteriormente, o CDC surge para evitar esses abusos e danos, contendo princípios de diversos ramos e disciplinas do Direito.

Esse diploma preconiza em seu artigo 12 a responsabilidade do produtor, fabricante, importador, construtor, entre outras espécies de fornecedores, independente de culpa, pelos danos causados por produtos e pela indevida informação a respeito do uso e riscos dos mesmos. Assim, os danos que advierem da falta de qualidade dos produtos e serviços prestados são de responsabilidade de quem os forneceu, sendo necessário prova em contrário para ilidir sua responsabilidade, conforme dispõe o parágrafo 3º do supracitado artigo.

Desse modo, o fornecedor apenas se exonera do dever de reparar pelo fato do produto ou do serviço se provar, em síntese, ausência de nexo causal ou culpa exclusiva da vítima. O fato exclusivo de terceiro também impede que se conclua pela existência de nexo causal. Se houver culpa concorrente, persiste sua obrigação.

[...] Em síntese, a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro desvia a óptica da problemática para a inexistência de defeito e, portanto, para a ausência de nexo causal. [29]

O CDC traz, no mencionado artigo 12, §3º, os casos em que o fornecedor não é responsabilizado, desde que prove que não colocou o produto no mercado; que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro. Assim, não há nexo causal e, conseqüentemente, fica isento de responsabilidade. Havendo culpa concorrente, persiste sua obrigação. Mas uma questão que se apresenta é relativa ao fato de não terem sido mencionados o caso fortuito e a força maior como excludentes do nexo causal nas relações de consumo no referido parágrafo 3º. Isso não pode conduzir à idéia de que não sejam excludentes, pois caracterizada qualquer das duas hipóteses, inexiste nexo causal e não há responsabilidade do fornecedor.

O consumidor lesado poderá acionar, por exemplo, o fabricante do produto que apresenta problemas. Entretanto, quando este não for identificado, poderá acionar aquele que o revendeu, o comerciante. É a responsabilidade do fornecedor aparente, isto é, aquele que se apresenta como fornecedor para o comprador do produto, vinculando-se ao consumidor como se fosse o fabricante daquele. Em síntese, o consumidor lesado, que compra produto com defeito, que lhe é vendido por comerciante que não é o fabricante do mesmo, apenas revendendo-o, pode acionar, visando uma indenização ou outra medida permitida pelo CDC, tanto um quanto outro, pois o comerciante também é fornecedor conforme a definição daquele diploma.

O estudo sobre a responsabilidade dos fornecedores de produtos é por demais abrangente, trazendo, a doutrina, muitos outros ensinamentos acerca do tema, limitando-se, aqui, a uma exposição sucinta.

A legislação defensora dos consumidores trata, em seu artigo 14, da responsabilidade dos fornecedores de serviço, a qual é importante para este trabalho, por ser esta a proteção a ser dada ao cliente do advogado, que, sobre a ótica do CDC, realiza uma atividade vista como de fornecedor de serviços.

Dispõe o supracitado artigo:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [30]

Assim como o produto defeituoso, o serviço que apresentar defeito deve ser examinado no momento em que é prestado, ou seja, deve ser analisado se no serviço prestado foi utilizada a melhor técnica existente à época em que se realizou, pois técnicas modernas que são descobertas e utilizadas posteriormente ao serviço que já foi prestado não tornam o mesmo defeituoso.

O prestador de serviço se exonera de responsabilidade quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; ou quando a culpa for exclusiva do consumidor ou de terceiro. Deve ser considerado, nesta sede, o mesmo quanto ao caso fortuito e a força maior relativos à responsabilidade do fornecedor de produtos, visto que não expressos na legislação.

No tocante à responsabilidade dos profissionais liberais, - e aqui se enquadra o advogado - o CDC apresenta uma regra diferente daquelas que regem os demais fornecedores de serviços, uma vez que para esses profissionais a referida legislação estabelece a responsabilidade subjetiva, isto é, para ser responsabilizado por sua conduta, a vítima deve demonstrar que o profissional liberal agiu com culpa, fato este que não descaracteriza a existência de relação de consumo. Os demais princípios da relação consumerista continuam a serem aplicados, como o da inversão do ônus da prova em favor do consumidor.

O CDC protege tanto o consumidor direto quanto o indireto, ou seja, todos os que podem ser atingidos pelos defeitos dos produtos ou serviços prestados, pois o artigo 17 daquela legislação equipara ao consumidor todas as pessoas que forem vítimas do evento danoso.

1.6.2 Reparação de danos

O nosso sistema adotou a responsabilidade objetiva no campo do consumidor. As indenizações devidas a esse não sofrem limitações, deste modo, os danos provocados aos consumidores devem ser reparados, tanto os materiais quanto os morais.

No que tange a defeito de produtos ou serviço, nem sempre a indenização se dá em pecúnia, pois o CDC autoriza a substituição daquele ou o refazimento desse.

O fornecedor que não se comportar dentro das regras estabelecidas pelo CDC para a sua atividade, ou seja, se proporcionar ao consumidor qualquer prejuízo, fica sujeito à reparação do dano mediante uma das formas eleitas por aquele diploma, constantes no artigo 18, além de estarem sujeitos a sanções administrativas e penais.

Quantos aos vícios (defeitos),quer sejam em produtos, quer sejam em serviços, uma vez caracterizados, é autorizado pelo CDC a reexecução dos serviços sem custo adicional, a restituição imediata da quantia paga (honorários, no caso de serviços advocatícios) ou o abatimento proporcional do preço.

Importante ressaltar que a cláusula de não indenizar é ineficaz nas relações de consumo. O que se discute é a possibilidade de limitar a responsabilidade em se tratando de produtos ou serviços de alta complexidade e de elevado valor, parecendo possível essa forma de se proceder, visto que muitos negócios somente são viáveis se parte do risco for assumido pelo consumidor, visto que em certas situações esse não se encontra em situação de hipossuficiência. No entanto, essa cláusula não pode anular ou tornar ineficaz a proteção ao consumidor.

O CDC ainda estabelece os prazos decadenciais e prescricionais para se reclamar pelos vícios dos produtos e serviços. Os decadenciais são trazidos no artigo 26, que também estabelece, em seus parágrafos, a data em que se inicia e as causas impeditivas da decadência, e os prescricionais no artigo 27 daquele diploma legal.

Enfim, muitas são as regras de proteção e as inovações trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor, sendo apenas algumas delas analisadas, sem profundidade, apenas para que se tenha conhecimento superficial da matéria.

Passa-se a analisar, no próximo capítulo, o exercício da advocacia, para que a partir da noção da forma como atua e deve se comportar um advogado, reste mais clara a sua responsabilidade quando infringir qualquer de seus deveres de conduta.

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Sobre o autor
Ricardo Duarte Cavazzani

Advogado, pós-graduando em direito tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVAZZANI, Ricardo Duarte. Responsabilidade civil do advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1953, 5 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11927. Acesso em: 5 nov. 2024.

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