SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO. 2 NOÇÕES CONCEITUAIS. 2.1Personalização das sociedades empresárias. 2.2Conceito de sociedade limitada. 3 DOS SÓCIOS. 3.1Deveres dos sócios. 3.2Sócio remisso. 4 RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. 4.1Responsabilidade limitada. 4.2 Responsabilidade ilimitada. 4.2.1Quanto à exata estimação dos bens. 4.2.2Quanto à evicção e à solvência do devedor . 4.2.3Quanto aos credores trabalhistas. 4.2.4Quanto aos créditos tributários e previdenciários. 4.3Responsabilidade por irregularidades. 4.4Responsabilidade subsidiária. 5CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
Sempre que se pensa em sociedade limitada, a idéia que surge é a de limitação da responsabilidade dos sócios. A intenção do legislador, ao criar esse tipo societário, foi de estimular a atividade econômica, porque se incidir em insucesso, já se teria predefinido o limite das perdas.
Entretanto, essa limitação muitas vezes torna-se injusta, porque deixaria muitos credores sem satisfazer sua pretensão. São para essas situações que o direito em sentido amplo tenta criar soluções, de modo a coibir a esquiva do cumprimento de certas obrigações e a prática de atos fraudulentos ou contrários à lei ou ao próprio contrato social.
Por isso, referido estudo mostra-se importante. Alguns credores ganham certos privilégios da Lei, que se tornam grandes armas contra os sócios da sociedade limitada.
2 NOÇÕES CONCEITUAIS
Nada impede que uma pessoa natural desempenhe uma atividade econômica. Entretanto, quando essa atividade aumenta, necessitando de maiores investimentos e capacitações, uma alternativa para assegurar o desenvolvimento é a união de duas ou mais pessoas para que, em conjunto, explorem essa atividade econômica. Essa articulação pode se revestir de várias formas jurídicas, e uma delas é a sociedade empresária, espécie de pessoa jurídica, que interessa ao Direito Societário.
Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 5) traz uma interessante conceituação, traçando diferenças quanto às terminologias empregadas:
Sociedade empresária é a pessoa jurídica que explora uma empresa. Atente-se que o adjetivo "empresária" conota ser a própria sociedade (e não os sócios) a titular da atividade econômica. Não se trata, com efeito, de sociedade empresarial, correspondente à sociedade de empresários, mas da identificação da pessoa jurídica como o agente econômico organizador da empresa. Essa sutileza terminológica, na verdade justifica-se para o direito societário, em razão do princípio da autonomia da pessoa jurídica, o seu mais importante fundamento. Empresário, para todos os efeitos de direito, é a sociedade, e não os seus sócios. É incorreto considerar os integrantes da sociedade empresária como titulares da empresa, porque essa qualidade é da pessoa jurídica, e não dos seus membros.
E mais adiante, continua:
Defina-se, pois, desde logo, que, no direito societário, a sociedade é a empresária, e não os seus sócios. Estes serão chamados, aqui, de empreendedores ou investidores; no primeiro caso, para a identificação dos sócios que, além de investirem capital, são responsáveis pela concepção e condução de negócio, e no último, dos que contribuem apenas com capital para o desenvolvimento da empresa. (COELHO, 2005, p. 6)
Para nosso ordenamento jurídico, as sociedades empresárias têm sempre personalidade jurídica própria, isto é, são sempre consideradas pessoas distintas dos seus sócios. Dessa forma, a pessoa jurídica da sociedade terá a titularidade dos direitos e obrigações, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial, como corolário da consagração do princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais para o direito societário, porque limita a possibilidade de perdas em investimentos.
Destarte, o início da personalidade jurídica começa com o seu registro na Junta Comercial, conforme se depreende da leitura do art. 45 do Código Civil. Esse registro torna pública a formação da nova pessoa jurídica. Enquanto não houver esse registro, a pessoa jurídica estará em situação irregular, e aplicar-se-á o regime das sociedades comuns, previsto nos arts. 986 e 990 do Código Civil. Tal matéria é relevante no tocante a discussão da responsabilidade dos sócios pela empresa, já que quando não houver registro, esta será ilimitada.
A extinção da personalidade jurídica da sociedade empresária termina após um procedimento dissolutório, judicial ou extrajudicial, prosseguindo com a liquidação, a fim de regularizar qualquer pendência negocial que ainda haja, e por ultimo, há a partilha de eventual acervo patrimonial remanescente entre os sócios.
Existem cinco tipos de sociedades empresárias: nome coletivo, comandita simples, comandita por ações, anônima e por quotas de responsabilidade limitada. Essas duas últimas são as que possuem maior importância econômica, já que são a maioria. Nessa classificação, não se considerou a sociedade em conta de participação e nem a sociedade em comum, tendo em vista as particularidades apresentadas, com regras muito específicas, não existindo uma pessoa jurídica autônoma.
As sociedades podem ainda ser classificadas como sociedades de pessoa ou de capital. Na primeira, importa a pessoa do sócio, suas aptidões e seu caráter; enquanto que na última, interessa tão somente a contribuição material. Importante ressaltar que nas sociedades de pessoa, o ingresso na sociedade depende da aceitação dos sócios, enquanto que nas sociedades de capital o ingresso independe da concordância dos sócios.
2.2 Conceito de Sociedade Limitada
A sociedade limitada é aquela cujo capital social encontra-se dividido em quotas, as quais podem ser iguais ou desiguais, pertencendo uma ou diversas a cada sócio, cuja responsabilidade é limitada ao valor de suas quotas, respondendo todos solidariamente pela integralização do capital social.
É um tipo societário de grande destaque na economia brasileira, tendo em vista o grande número de sociedades dessa espécie existentes. Isso porque a sociedade limitada apresenta algumas particularidades que chamam a atenção de seus empreendedores na hora de sua constituição. Como por exemplo, a limitação da responsabilidade dos sócios e a contratualidade. Os sócios podem limitar as perdas, já que respondem somente pelo capital social, uma vez integralizado totalmente. E ainda, as relações entre os sócios podem basear-se nas disposições de vontade destes, contida no Contrato Social, sem os rigores impostos pela lei.
O Código Civil de 2002 tratou da limitada em capítulo próprio, do art. 1.052 ao art. 1.087. Entretanto, há outros dispositivos aplicáveis a este tipo societário. Conforme dispõe o art. 1.053 do referido Codex, nas omissões aplicam-se as normas previstas para a sociedade simples. E o parágrafo único abre ainda uma nova possibilidade, que é a regência supletiva pelas normas da sociedade anônima nas matérias a respeito das quais podem os sócios contratar, desde que haja disposição neste sentido no contrato social. Quanto a isso, tem-se entendido que a Lei das Sociedades Anônimas (LSA), pela sua abrangência e superioridade técnica, é aplicável a todos os tipos societários por analogia. Assim, se mesmo que o contrato social não escolha como regime de regência supletiva a LSA, esta poderá ser aplicada analogicamente, quando o Código Civil e as disposições referentes às sociedades simples forem lacunosas (COELHO, 2003, p. 155). Interessante ressaltar a opinião do professor Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 28), criticando a escolha feita pelo art. 1.053 do Código Civil:
Pensamos que a aplicação subsidiária das normas da sociedade simples às sociedades em comum, às em conta de participação, às em nome coletivo e às em comandita simples é perfeitamente justificável, umas vez que são sociedades de pessoas.
No entanto em relação às sociedades limitadas, que têm natureza peculiar e particular - híbrida no dizer de respeitável doutrina -, parece-nos que a opção do legislador civil de determinar a regência subsidiária delas pelas normas das sociedades simples não foi a melhor solução.
[...]
Entendemos que a melhor solução seria a previsão singela da aplicação subsidiária das normas das sociedades anônimas às sociedades limitadas nas omissões do contrato social e do respectivo capítulo de regência, especialmente porque o novo modelo legal da sociedade limitada encontra-se muito mais próximo das sociedades anônimas do que das sociedades simples.
Para constituição e dissolução deste tipo societário, devem ser seguidas as regras previstas nos arts. 1.033 a 1.038 e 1.102 a 1.112, todos do Código Civil, não podendo ser invocadas as disposições da LSA, mesmo que tenha sido eleita no contrato social para o regime de regência supletiva.
3 DOS SÓCIOS
Ao assinar o contrato social, o sócio contrai a obrigação de investir determinados recursos na sociedade, que, deverá consistir em dinheiro, bem ou crédito, porque o § 2° do art. 1.055 do Código Civil exclui a contribuição estribada exclusivamente em prestações de serviços.
Assim, cada sócio tem o dever de integralizar a quota do capital social que subscreveu. Isso significa que capital social subscrito seria a totalidade dos recursos prometidos pelos próprios sócios à sociedade. Quando os sócios entregam esses recursos, diz-se que ocorreu a integralização do capital social. Essa entrega pode ser concomitante com a assinatura do contrato social (integralização à vista) ou em momentos posteriores à constituição da sociedade (integralização a prazo), conforme tenham convencionado os sócios.
Através do contrato social, cria-se um novo sujeito de direito, que é a sociedade limitada, titular de direito e deveres relativamente aos sócios. Assim, a sociedade limitada passa a ser titular do direito de receber o capital subscrito e não integralizado pelo sócio, ou seja, torna-se sua credora.
Para enfatizar o assunto, merecem destaque as palavras do Professor Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 91):
[...] os sócios, ao firmarem o contrato social, assumem obrigações e titularizam direitos, uns para com os outros, e ao mesmo tempo, estabelecem vínculos jurídicos com a sociedade limitada que eles mesmos instituíram com o ato constitutivo e passam a ser obrigados para com a pessoa jurídica por eles criada. É, pois, a sociedade limitada a titular do direito de exigir de cada um dos sócios o cumprimento da obrigação de integralizar as quotas por eles subscrita, podendo exigir o pagamento do valor pecuniário prometido, ou a transferência dos créditos ou bens com que os sócios se comprometeram a integralizar o capital social.
3.2 Sócio Remisso
Denomina-se de sócio remisso aquele que subscreveu sua quota no capital social, e no prazo fixado, não as integralizou. De acordo com o art. 1.004 do Código Civil, ele tem o dever de indenizar a sociedade os danos ocorridos em razão de seu inadimplemento. De qualquer modo, pela regra contida no parágrafo único do referido artigo, podem os demais sócios deliberar pela expulsão do remisso. O art. 1.058 do referido Codex traz regras específica para quando for deliberada a expulsão do sócio remisso. Por tal dispositivo, deve lhe ser restituído o que houver pagado, descontando o crédito da sociedade originado da mora na integralização de seu capital, as prestações estabelecidas no contrato social e mais as despesas. Dessa forma, o sócio remisso tanto pode titular de um crédito ou de um débito perante a sociedade limitada.
Entretanto, quando deliberada pela permanência do sócio, o crédito da sociedade limitada é cobrado judicialmente. Normalmente, esse sócio continua gozando dos direitos oriundos da titularidade de sua quota. Mas, se no contrato social for eleita a aplicação das LSA como regime de regência supletiva, é possível invocar, de forma subsidiária, o art. 120 da referida Lei e suspender alguns dos direitos deste sócio.
Quando for inviabilizada a cobrança judicial, por ser o sócio remisso insolvente, ou ainda quando for deliberado pela sua expulsão, o capital social da sociedade limitada será reduzido proporcionalmente. Isso, no entanto, poderá ser evitado, se os outros sócios optarem pela atribuição daquelas quotas a outra pessoa, que se responsabilizará pela sua integralização.
4 RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Na sociedade limitada, impera a regra de que a responsabilidade do sócio é limitada ao valor das quotas que se comprometeu no contrato social. Essa peculiaridade da sociedade limitada, como já ressaltado, é um incentivo para a exploração de atividades econômicas, porque se a sociedade fracassar, o sócio já tem limitada as suas perdas. Interessante o comentário de Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 401) quanto a esse assunto:
A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa. Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresariais, no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos em empresas menos conservadoras. Por fim, como direito-custo, a limitação possibilita a redução do preço de bens e serviços oferecidos no mercado.
E mais adiante, disserta quanto ao risco que sofre a pessoa que negocia com a sociedade limitada, tendo em vista que teria apenas o patrimônio social como garantia da quitação do negócio. Desse modo, Fabio Ulhoa Coelho assevera que existem credores que podem embutir uma taxa de risco ao negociarem seus preços, como forma de socializar a possibilidade de insucesso das atividades econômicas. Entretanto, ressalta que existem credores não negociais, como o Fisco, INSS, trabalhadores, consumidores, entre outros, que não possuem meios de negociar o preço e agregar qualquer taxa de risco, ficando sujeitos a prejuízos decorrentes da insolvência da sociedade empresária (COELHO, 2005, p.401 e 402).
Entretanto, há exceções para a regra da limitação da responsabilidade do sócio.
4.2 Responsabilidade Ilimitada
O art. 1.052 do Código Civil dispõe sobre a responsabilidade limitada do sócio ao valor de suas quotas, mas ressalta a responsabilidade solidária de todos pelas quotas subscritas e não integralizadas. Assim, se o patrimônio da sociedade limitada for insuficiente para satisfazer um crédito, o credor poderá cobrar de qualquer sócio até o limite do valor subscrito e não integralizado, inclusive de seu patrimônio particular, o que faltar para saldar seu crédito. É certo que o sócio que houver integralizado todas as suas quotas terá que pagar integralmente o credor, por causa dessa responsabilidade solidária, mas terá ação regressiva contra os demais sócios para reaver o valor despendido. Entre os sócios, o limite de cada um dessa responsabilidade é o diferencial existente entre o valor das quotas subscritas e não integralizadas. Perante terceiros, o sócio é considerado responsável pelo total do capital subscrito e não integralizado. Trata-se de uma exceção à responsabilidade limitada dos sócios.
Interessante ressaltar que o Código Civil não previu nenhum mecanismo de controle do capital social. Dessa forma, não há como ter certeza se a integralização do capital declarada no contrato social é verdadeira. É permitido ao credor a prova de fraude por qualquer meio em direito admissível, e ficando provado, os sócios serão responsabilizados.
4.2.1 Quanto à exata estimação dos bens
O art. 1.055, § 1° do Código Civil traz a responsabilidade solidária de todos os sócios pela exata estimação de bens conferidos ao capital social, até o prazo de 5 (cinco) anos da data do registro da sociedade na Junta Comercial.
Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 92) elogia essa disposição:
A responsabilização solidária de todos os sócios pela fidelidade da estimativa do valor dos bens conferidos à sociedade limitada, instituída pelo artigo 1.055, § 1°, do Código Civil, é altamente moralizadora e terá o condão de inibir prática comum de superestimação do valor de bens conferidos por sócios ao capital social das limitadas.
A fim de que não haja responsabilização futura por erros na estimação dos valores, é possível a aplicação analógica do art. 8° da LSA. Dessa forma, melhor providenciar o arquivamento de um laudo pericial, aprovado por todos os sócios, junto com o contrato social.
4.2.2 Quanto à evicção e à solvência do devedor
Além de dinheiro, o sócio poderá transferir bens para integralização do capital social. Essa transferência poderá ser feita a título de domínio ou mediante a constituição de usufruto em favor da sociedade. Ocasionalmente, apenas a posse ou o uso do bem é transferido para a sociedade.
O sócio que entregou esse bem como meio de integralização do capital social, responde por eventual evicção perante a sociedade. Silvio Rodrigues (2003, p. 113) traz um conceito de evicção de fácil compreensão:
"Da-se evicção quando o adquirente de uma coisa se vê total ou parcialmente privado da mesma, em virtude de sentença judicial que a atribui a terceiro, seu verdadeiro dono. Portanto, a evicção resulta sempre de uma decisão judicial."
Ainda, o sócio pode preferir a transferências de créditos para integralizar o capital social. Nesse caso, se o devedor do crédito for insolvente, a sociedade poderá cobrar o crédito do devedor, judicial ou extrajudicialmente, e restando frustrada essa cobrança, poderá se exigir esse valor do sócio, porque sua responsabilidade é subsidiária. É possível que no contrato social haja previsão de que essa responsabilidade seja solidária, e assim, poderá ser cobrado o crédito tanto do devedor quanto do sócio.
4.2.3 Quanto aos credores trabalhistas
Apesar da lei não conceder tratamento especial aos créditos trabalhistas, a Justiça do Trabalho tem executado bens do patrimônio particular dos sócios nas condenações decretadas à sociedade limitada. Assim é a ementa a seguir colacionada:
SOCIEDADE LIMITADA. BENS DOS SÓCIOS. DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA AUTORIZADA PELOS ARTIGOS 145 E 148, AMBOS DA LEI 6.404/76 C/C ARTIGO 28 DO CDC E ARTIGO 50 DO CC. Segundo dispõe o artigo 145 da Lei nº 6.404/76, as normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração, deveres e responsabilidade dos administradores aplicam-se a conselheiros e diretores. Por seu turno, o parágrafo 5º do artigo 158 também da lei supra citada, prevê que responderá solidariamente com o administrador quem,com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto. In casu, evidencia-se que a empresa executada não dispõe de bens suficientes para a satisfação do crédito exeqüendo, o que, por si só, já enseja a responsabilidade de seus acionistas, face à evidente violação da lei. Ademais, o crédito exeqüendo tem natureza alimentar e os riscos do empreendimento correm por conta exclusiva do empregador, aplicando-se, portanto, ao direito do trabalho a multireferida teoria da despersonalização da pessoa jurídica, teoria essa também prevista no artigo 28 do Código de Proteção e Defesa do Consumido, bem como no artigo 50 do atual Codex Civil. (Agravo de Petição em Embargos de Terceiro, acórdão n° 10060787532, TRT da 2ª Região, 6ª Turma, Relator: Valdir Florindo, j. em 26.09.2006).
Dessa forma, procura-se concretizar a igualdade jurídica entre empregadores e empregados, buscando a tão almejada justiça social, protegendo os economicamente hipossificientes.
O Professor Manoel de Queiroz Pereira Calças (2003, p. 103) pontua alguns casos que a responsabilidade torna-se ilimitada e subsidiária:
A jurisprudência, com apoio na doutrina, tem decidido que os administradores das sociedades limitadas respondem ilimitada e subsidiariamente pelos débitos trabalhistas nas seguintes hipóteses: (a) dissolução regular; (b) dissolução irregular ou de fato; (c) falência. Destarte, não sendo encontrados bens sociais que possam ser penhorados ou arrecadados, o patrimônio particular dos administradores poderá ser atingido pela execução judicial para atender ao cumprimento das obrigações trabalhistas.
Atualmente, inclusive, tem-se estendido tal responsabilidade para os sócios que inclusive não tenham sido administradores da sociedade.
4.2.4 Quanto aos créditos tributário e previdenciários
Quanto aos créditos previdenciários, o art. 13 da Lei n° 8.620/93 regulamenta essa situação:
Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.
O INSS é um credor favorecido expressamente por essa lei, já que afasta a regra da responsabilidade limitada para transformá-la em ilimitada e solidária para todos os sócios pelo pagamento das contribuições previdenciárias.
Já para os créditos tributários, o Código Tributário Nacional, em seu art. 135, IIII, traz as regras para a responsabilidade:
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
[...]
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Na verdade, esse artigo trata da responsabilidade dos administradores da sociedade limitada pelas dívidas tributárias. O sócio, que não tenha praticado atos de gerência, não responde com seu patrimônio particular.
Neste sentido, é a jurisprudência do STJ:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO.INVIABILIDADE.
1. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Não se pode, pois, atribuir tal responsabilidade substitutiva quando sequer estava investido das funções diretivas da sociedade (ERESP 100739/SP, 1ª Seção, Min. José Delgado, DJ 28/02/2000).
2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 653859 / MG, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ - Primeira Turma, j. em 28/06/2005)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO DE SOCIEDADE LIMITADA SEM PODERES DE ADMINISTRAÇÃO. ART. 135, III, DO CTN. INVIABILIDADE.
1. A ausência de debate, na instância recorrida, dos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai a incidência da Súmula 282 do STF.
2. A dissolução irregular da sociedade devedora caracteriza situação que acarreta a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários (art. 135 do CTN).
3. A solidariedade do sócio pela dívida da sociedade só se manifesta quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou os atos elencados na forma do art. 135, caput, do CTN. Não se pode, pois, atribuir tal responsabilidade substitutiva quando sequer estava investido das funções diretivas da sociedade. Precedentes: AGRAGA 506449/SP, 2ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, DJ 12/04/2004; AGA 422026/SC, 1ª Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 30/09/2002.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido. (REsp 751858 / SC, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ - Primeira Turma, j. em 04/08/2005)
E mesmo para se responsabilizar o sócio-gerente, o STJ entende que é preciso preencher as condições estabelecidas pelo Código Tributário Nacional:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS. INADMISSIBILIDADE.
1. O mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no artigo 135, III, do Código Tributário Nacional.
2. Recurso especial provido. (REsp 896580 / DF, Relator Ministro CASTRO MEIRA, STJ - Segunda Turma, j. 12/12/2006)
EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. COMPROVAÇÃO DO EXCESSO DE PODERES, INFRAÇÃO À LEI OU AO ESTATUTO. CASO EM QUE O NOME DOS SÓCIOS CONSTAVA DA CDA. PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA NÃO ABALADA.
I - Restou firmado no âmbito da Primeira Seção desta Corte o entendimento de que, sendo a execução proposta somente contra a sociedade, a Fazenda Pública deve comprovar a infração a lei, contrato social ou estatuto ou a dissolução irregular da sociedade para fins de re-direcionar a execução contra o sócio, pois o mero inadimplemento da obrigação tributária principal ou a ausência de bens penhoráveis da empresa não ensejam o redirecionamento.
II - Precedentes citados: REsp nº 868472/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 12.12.2006; REsp nº 841.855/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 30.08.2006; REsp nº 738.502/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 14.11.2005.
III - Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 981998 / SP, Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, STJ - Primeira Turma, j. em 06/12/2007)
Assim, para que haja responsabilização pessoal do sócio da sociedade limitada, é preciso que esse tenha exercido poder de gerência, e ainda que tenha agido com excesso de poder ou infringido a norma legal ou contrato social. O ônus da prova incumbe ao fisco, que deve assegurar o contraditório e a ampla defesa ao administrador. Mesmo que esse sócio-administrador retire-se da sociedade, poderá ser responsabilizado pelos débitos fiscais durante o período de sua administração.
O Superior Tribunal de Justiça, em vários julgados, tem entendido que o art. 135, III do CTN é um caso de substituição tributária:
TRIBUTÁRIO. DÍVIDA ATIVA INSCRITA. CERTIDÃO NEGATIVA DE
DÉBITO. PESSOA FÍSICA. SÓCIOS. CTN, ART. 135, III.
1. A pessoa jurídica, com personalidade própria, não se confunde com a pessoa de seus sócios. Constitui, pois, delírio fiscal, à matroca de substituição tributária, atribuir-se a responsabilidade substitutiva (art. 135 - "caput" - CTN) para sócios diretores ou gerentes antes de apurado o ato ilícito.
2. Recurso improvido. (REsp 139872 / CE, Relator Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, STJ - Primeira Turma, j. em 12/05/1998)
TRIBUTARIO. DIVIDA ATIVA INSCRITA. CERTIDÃO NEGATIVA DE DEBITO. PESSOA JURIDICA. SOCIOS. CTN, ART. 135, III.
1. A pessoa juridica, com personalidade propria, não se confunde com outra, ainda que tenham socios com participação em ambas. constitui, pois, delirio fiscal, a matroca de substituição tributaria, atribuir-se a responsabilidade substitutiva (art. 135 - caput - CTN) para pessoa juridica diversa daquela em cujo nome esta inscrita a divida.
2. Recurso Improvido. (REsp 91858 / ES, Relator Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, STJ - Primeira Turma, j. em 16/12/1996)
Na verdade, por esse dispositivo, os administradores são exclusivamente responsabilizados e a sociedade limitada é afastada da relação obrigacional. Não há responsabilidade por substituição, e sim, uma responsabilidade pessoal e direta.
4.3 Responsabilidade por Irregularidades
A responsabilização dos sócios, nesses casos, tem sentido de punição por prática de atos irregulares. A limitação da responsabilidade dos sócios na sociedade limitada deve ser encarada como um estímulo para viabilizar as atividades econômicas, e jamais como um escudo para acobertar a prática de atos ilícitos.
Em duas situações há esse tipo de responsabilidade: deliberação dos sócios contrária à lei ou ao contrato social e a desconsideração da personalidade jurídica.
O Código Civil, em seu art. 1.080, aborda o assunto:
"Art. 1.080. As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram."
Dessa forma, se em assembléia for aprovada determinada medida que é expressamente vedada pelo contrato social ou pela lei, os sócios que assinarem a ata, adotando tal deliberação infringente, poderão ser responsabilizados diretamente pelo valor despendido nessa operação.
Conforme já abordado, em se tratando de créditos tributários, o sócio-administrador que tenha agido contrariando à lei ou ao contrato social, é pessoalmente responsabilizado.
Quanto à desconsideração da personalidade jurídica, o Código Civil deu tratamento específico em seu artigo 50. Esse dispositivo admite a desconsideração, quando ficar extremado o abuso da personalidade jurídica, que é caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. O primeiro ocorre quando a pessoa jurídica desvia de seus princípios e fins, cometendo fraudes e lesando à sociedade ou à terceiros. O segundo acontece quando não se sabe o que é patrimônio da empresa ou do sócio. Nessas hipóteses, não se retira a personalidade jurídica, apenas a desconsidera, porque o objetivo desse instituto é coibir fraudes. A pessoa jurídica continua no pólo passivo da demanda, entretanto, incluem-se os sócios. Assim, para a responsabilização do sócio não se faz necessário prévio exaurimento do patrimônio social.
Para esse instituto, existem duas grandes teorias: a Maior e a Menor. Pela Teoria Maior, o juiz é autorizado a ignorar a autonomia das pessoas jurídicas somente como forma de coibir fraudes e abusos praticados. Pela Teoria Menor, basta simples prejuízo do credor para o juiz poder desconsiderar a pessoa jurídica. Nosso Código Civil adotou a Teoria Maior.
No Código de Defesa do Consumidor também há previsão da desconsideração da personalidade jurídica no artigo 28. Esse Codex, entretanto, adotou a Teoria Menor, como forma de privilegiar a principiologia envolta aos direitos básicos do consumidor.
Interessante lembrar que desconsideração é diferente de despersonificação da pessoa jurídica. Na despersonificação, a pessoa jurídica é dissolvida.
Necessário ressaltar que a desconsideração da pessoa jurídica não pode ser utilizada sem limites. A interpretação deve ser restritiva, devendo levar em conta os parâmetros do art. 187 do Código Civil, já que se trata de uma forma de abuso de direito.
4.4 Responsabilidade Subsidiária
Como já exposto no item 4.2, o art. 1.052 do Código Civil traz uma outra exceção à regra da responsabilidade limitada. O art. 1.024 do referido Codex dispõe: "Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais". Desse modo, a responsabilidade dos sócios pela integralização do capital social é subsidiária, isto é, enquanto houver patrimônio social, os bens particulares não podem ser alcançados. Trata-se do benefício de ordem. Processualmente falando, o meio adequado para efetivar esse tipo de responsabilidade é através da comunhão de credores, que tem por pressuposto a decretação da falência da sociedade devedora. Decretada a falência, abre a possibilidade ao administrador judicial, em nome da massa falida, de ingressar com a ação de integralização contra os sócios.
5 CONCLUSÃO
Do exposto, observa-se que a lei, ao criar a sociedade limitada, inseriu mecanismos para não desamparar, em especial, credores trabalhistas, tributários e previdenciários, diante de uma situação de fracasso desse tipo societário. E mais, quando reputa que determinado ato do sócio possa ser fraudulento ou contrário ao contrato social ou à lei, impõe como sanção a responsabilidade ilimitada.
Na verdade, a regra continua sendo a responsabilidade limitada dos sócios na sociedade limitada. Como exceção, a lei e a jurisprudência adotam a responsabilidade ilimitada, porque a característica específica desse tipo societário é a limitação na responsabilidade como forma de predefinição de perdas em caso de fracasso. E isso é um estímulo para os sócios, porque a grande maioria das sociedades constitui-se dessa forma, e isso fomenta a economia.
REFERÊNCIAS
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.2.
LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v.2.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 29. ed. São Paulo, Saraiva, 2003. v. 3.