Palavras-chave:Previdenciário. Reajustamento do valor dos benefícios previdenciários. Vinculação ao salário mínimo.
1. INTRODUÇÃO
As súmulas vêm assumindo um papel cada vez mais importante no desenvolvimento do trabalho dos operadores jurídicos, especialmente após a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/03, que introduziu o instituto das súmulas vinculantes no direito brasileiro.
Fruto da consolidação do entendimento de um tribunal a respeito de determinada matéria, as súmulas [01] se prestam a uniformizar a interpretação de determinados dispositivos normativos, atividade que se harmoniza com o princípio constitucional da segurança jurídica.
No entanto, as súmulas têm sido vítimas de, pelo menos, dois graves vícios de interpretação:
O primeiro vício consiste em alçar as súmulas ao patamar de instrumentos normativos primários; ou seja, as manifestações pretorianas são confundidas com entes normativos originariamente vinculantes.
Os que assim entendem, olvidam-se que as súmulas não se revestem da natureza jurídica de instrumentos normativos, ainda que secundários.
Na verdade, as súmulas, por evidenciarem o entendimento de um tribunal acerca de uma dada matéria, devem ser consideradas como vetores orientadores da atividade de interpretação normativa.
O fato de não se revestirem da qualidade de instrumentos normativos primários evidencia o segundo equívoco de tratamento em relação às súmulas: sua interpretação em desarmonia com o restante do ordenamento jurídico.
Os prejuízos decorrentes desse hábito são potencializados pelo costume de não se levar em conta a data de publicação da súmula, nem o fato de terem elas aplicação restrita a situações fáticas específicas.
Mais que uma mera formalidade, a informação a respeito da data de publicação da súmula é um dado inquestionavelmente relevante, já que o resultado interpretativo poderá ser profundamente afetado pelo advento de uma norma posterior que dê tratamento diverso à matéria.
No que tange à súmula 260 do TFR é possível adicionar outra distorção em sem emprego: a redação lacônica do enunciado sumular possibilitou o surgimento de diversas correntes interpretativas que resultaram na criação de normas autônomas que, no entanto, não encontravam qualquer acolhida no ordenamento jurídico brasileiro.
Essa complexa cadeia de equívocos interpretativos teve como resultado a difusão da equivocada conclusão de que a súmula 260 do TFR autorizava a vinculação do valor do benefício ao salário mínimo.
Nada poderia estar mais distante da realidade, como se passa a demonstrar.
2. A SÚMULA 260 DO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS E A POLÍTICA SALARIAL DOS ANOS 80
A súmula 260 do Tribunal Federal de Recursos, publicada no Diário da Justiça de 29.09.1988, assim dispunha:
No primeiro reajuste do benefício previdenciário deve-se aplicar o índice integral do aumento verificado, independentemente do mês da concessão, considerado, nos reajustes subseqüentes, o salário-mínimo então atualizado
Para que se possa entender o conteúdo da súmula em questão, é necessário partir da premissa de que o enunciado sumular em análise somente poderá fazer sentido diante de sua interpretação contextualizada.
Durante toda a década de 1980 os altos índices de inflação orientaram a política salarial, pois se fazia necessária a harmonização de duas medidas: a criação de mecanismos de reajustamento dos rendimentos dos trabalhadores com periodicidade inferior a um ano e a recomposição do poder de compra dos salários mais baixos.
Historicamente, os salários dos trabalhadores eram reajustados em 1º de maio de cada ano. No entanto, a elevação dos índices de inflação impôs a necessidade de correção monetária dos salários em períodos cada vez mais curtos.
No entanto, os reajustamentos não ocorreram de modo uniforme para todos os trabalhadores, pois havia a necessidade de se conceber mecanismos de contenção do repasse dos custos salariais para o valor final dos produtos e dos serviços, com o fim de evitar a alimentação do círculo vicioso da inflação.
Com o escopo de minimizar o repasse do valor dos aumentos salariais para o preço final dos produtos e serviços, foi concebido um sistema de faixas salariais, no qual os rendimentos mais elevados sofreriam um reajuste menor, enquanto as remunerações mais baixas seriam contempladas com índices mais elevados.
Tome-se como exemplo a política de recomposição do valor dos salários estabelecida pela Lei 6.708/79, que determinou o reajustamento semestral dos rendimentos dos trabalhadores, aposentados e pensionistas mediante a aplicação do INPC.
Segundo o mencionado diploma legal, os reajustamentos salariais deveriam ser realizados da forma assim escalonada:
a)Até 3 salários mínimos, os rendimentos deveriam ser corrigidos por índice equivalente a 110% do INPC;
b)Acima de três, mas abaixo de 10 salários mínimos – 100% do INPC;
c)Acima de 10 salários mínimos – 80% do INPC.
A aplicação das regras da política salarial aos benefícios previdenciários importava, assim, em um tratamento diferenciado dos segurados e pensionistas, tomando-se como elemento de distinção o valor do benefício recebido.
No entanto, a observação das normas referentes à política salarial no reajustamento do valor dos benefícios previdenciários deu vida a dois grandes problemas:
a)A aplicação do critério da proporcionalidade, no primeiro reajustamento;
b)O enquadramento nas faixas salariais, para a concessão dos reajustamentos posteriores.
A necessidade de resolução desses dois grandes problemas foi a causa imediatamente determinante da edição da súmula 260 do TFR.
A compreensão do aludido instrumento de orientação interpretativa somente será possível mediante sua decomposição em duas partes distintas:
a)A aplicação do índice integral do aumento no primeiro reajustamento do benefício;
b)A consideração do salário mínimo atualizado quando dos reajustamentos posteriores.
2.1. A primeira parte da súmula: a aplicação do índice integral do aumento verificado no mês da concessão.
A primeira parte da súmula dispunha que no primeiro reajuste do benefício previdenciário era necessário aplicar o índice integral do aumento verificado, independentemente do mês da concessão.
Esse comando pretoriano tinha o objetivo de corrigir distorções na sistemática de reajustamentos dos benefícios previdenciários que permitia a existência de injustiças geradas pela proximidade da data de início do benefício em relação à data do primeiro reajustamento.
Quando da oportunidade de seu primeiro reajustamento os benefícios haveriam de ser corrigidos mediante a aplicação de um índice equivalente a uma fração, cujo denominador seria 12 e o numerador seria o número de meses transcorridos entre a data da concessão e a data do primeiro reajustamento.
Assim, a interpretação literal da legislação previdenciária conduzia à conclusão no sentido de que um segurado aposentado em novembro de um dado ano deveria ter seu benefício reajustado pela primeira vez em um percentual igual a 6/12 do índice de atualização salarial, ou seja: 50% do índice previsto para o reajustamento dos demais benefícios.
Entretanto, o Tribunal Federal de Recursos, ao interpretar a legislação previdenciária vigente no momento da edição do enunciado sumular, entendeu que seria necessária a aplicação do índice cheio na oportunidade da primeira correção do valor do benefício previdenciário, independentemente da data de sua concessão.
2.2. A segunda parte da súmula: o enquadramento nas faixas salariais.
A segunda parte da súmula 260 do TFR apresenta orientação no sentido de que nos reajustes posteriores ao primeiro, deveria ser empregado o salário mínimo atualizado.
Essa segunda parte, freqüentemente confundida com a autorização para a vinculação do benefício previdenciário à variação do salário mínimo gerou inúmeros problemas de interpretação, pois orientou os operadores jurídicos no sentido de promoverem a aplicação de um critério de reajustamento contrário ao que dispunha o ordenamento jurídico brasileiro.
Como já dito, a súmula 260 surgiu com o objetivo de solucionar problemas específicos, causados pelas distorções da política salarial dos anos 80, marcada pela corrosão dos rendimentos dos trabalhadores, dos aposentados e dos pensionistas, em decorrência da elevadíssima inflação observada no período.
De uma forma mais específica, a súmula 260 do TFR orientava o operador no do direito a promover o enquadramento dos segurados nas faixas salariais, de forma a proporcionar-lhes um tratamento mais benéfico.
Consideremos o seguinte exemplo: a aplicação da Lei 6.708/79 ao benefício de um segurado aposentado em dezembro de 1979, com renda mensal inicial igual a Cr$ 9.000,00.
Se considerarmos o valor do salário mínimo da data de início do benefício - Cr$ 2.932,80, é possível inferir que a renda mensal inicial do benefício fora fixada em um patamar pouco superior a três salários mínimos.
Em maio de 1980, o salário mínimo foi aumentado para Cr$ 4.149,60, um reajustamento equivalente a 41,48%.
A aplicação da lei 6.708/79 conduz a dois resultados diversos:
a)Se, para os fins de enquadramento nas faixas salariais, fosse considerado o salário mínimo anterior, é possível inferir que o segurado faria jus a apenas 100% do valor do INPC do período, já que o valor-base seria superior a 3 salários mínimos;
b)No entanto, se no enquadramento fosse considerado o novo salário mínimo, o segurado faria jus à percepção de índice equivalente a 110% do INPC do período, pois o valor do benefício recebido enquadrar-se-ia na faixa inferior a 3 salários mínimos.
A súmula 260 do TFR orientou os operadores jurídicos no sentido de que deveriam empregar o novo salário mínimo no momento do enquadramento nas faixas salariais.
Fica evidente, dessa forma, que a aplicação da súmula 260 do TFR não autoriza a conclusão no sentido de que os benefícios previdenciários deveriam ter seu valor vinculado ao número de salários mínimos observados na data de início do benefício.
A segunda parte da súmula 260 do TFR pretendeu corrigir as distorções geradas na ocasião do primeiro reajustamento do valor do benefício previdenciário, mediante a criação de instrumentos que possibilitaram a redução da velocidade de corrosão dos valores pagos aos segurados.
3. A APLICAÇÃO DA SÚMULA 260 DO TFR APÓS A PROMULGAÇÃO DA CARTA CONSTITUCIONAL DE 1988
Com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, o critério a ser observado no reajustamento dos benefícios previdenciários foi profundamente alterado, pois o artigo 58 do ADCT determinou que todos os benefícios previdenciários mantidos na data da promulgação da nova Constituição deveriam ter seu valor conservado no mesmo número de salários mínimos observados na data de início do benefício
Tal metodologia de reajustamento deveria ser observada até o advento dos planos de custeio e benefícios da Previdência Social.
No entanto, não deve ser olvidado que o enunciado do art. 7º, IV da Carta Constitucional estabelece a proibição absoluta da possibilidade de emprego do salário mínimo como indexador.
Com o objetivo de promover a integração do comando normativo inserido no dispositivo do art. 201 da Carta Constitucional, foi promulgada a Lei 8.213/91.
O plano de benefícios da Previdência Social alterou a sistemática de reajustamento dos valores pagos aos segurados ao prever, em seu art. 41, II, que os benefícios em manutenção deveriam ser reajustados de acordo com as respectivas datas de início, com base na variação integral do INPC, nas mesmas épocas em que o salário mínimo for alterado.
Tais disposições normativas permitem concluir que a súmula 260 do TFR não mais poderá ser aplicada após o advento da norma ordem constitucional.
Notas
01 Neste trabalho, o termo súmula não abrange as súmulas vinculantes.