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Prévio requerimento administrativo e interesse de agir em juízo

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04/02/2009 às 00:00
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Em alguns casos específicos, é necessário fazer um pedido formal à administração pública antes de entrar com uma ação na justiça.

Sumário: 1. Delimitação do Tema 2. Do requerimento administrativo em matéria previdenciária 3. Do requerimento administrativo na ação de Habeas Data 4. Requerimento administrativo perante o INPI 5. Conclusão 6. Referências Bibliográficas.


1. Delimitação do Tema.

O presente estudo tem por objeto demonstrar que o prévio requerimento de providências, na esfera administrativa, constitui pressuposto para a existência do interesse processual, como condição da ação, na medida em que somente se afigura presente a necessidade de recurso ao Poder Judiciário quando a Administração Pública se recusar a atender ao que fora pleiteado pelo cidadão.

Para tanto, pretende-se analisar o tema em alguns cenários, enfocando tópicos pouco abordados pela doutrina, como o conceito de lide presumida, a fim de extrair uma conclusão fundamentada. A análise se concentrará no cerne da discussão, não se alongando quanto aos conceitos preliminares, que se presumem conhecidos pelo leitor.


2. Do requerimento administrativo em matéria previdenciária.

A Previdência Social integra um conjunto maior de ações estatais, voltado à satisfação das necessidades básicas do cidadão, denominado de Seguridade Social 1. A característica marcante da Previdência Social, que a distingue dos demais ramos da Seguridade Social, é o seu caráter contributivo 2. Enquanto as ações de saúde e assistência social são acessíveis a todos que delas necessitem, independentemente de contribuição, na seara previdenciária a contribuição é, de regra, obrigatória.

Assim, o cidadão que deseja obter um benefício previdenciário deve requerê-lo 3 perante o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, Autarquia Federal competente para verificar o preenchimento dos requisitos legais necessários à percepção de cada espécie de benefício 4. Não obstante, tem se tornado prática cada vez mais comum, sobretudo em comarcas do interior, a situação em que o cidadão deixa de efetuar requerimento administrativo de benefício, ingressando diretamente com uma demanda perante o Poder Judiciário, com o fim de obter a prestação. Isto se deve ao fato de que o INSS, pautado pelo princípio da legalidade estrita, é bastante rigoroso na análise dos requerimentos.

Nesse caso, discute-se a viabilidade de tais demandas, sobretudo quanto ao preenchimento das condições da ação. Como se sabe, o postulado constitucional que assegura livre acesso ao Poder Judiciário 5 não é absoluto. O exercício do direito de ação deve obedecer a certos requisitos, doutrinariamente denominados de condições da ação 6. Uma destas condições, o interesse de agir, será objeto de análise neste estudo 7.

O interesse de agir subdivide-se em um binômio: necessidade e adequação 8.

A demanda judicial somente deve ser processada quanto for necessária para que o autor veja satisfeita sua pretensão. A contrario sensu, sendo possível satisfazer a pretensão extrajudicialmente, de modo voluntário, não se admite o acesso ao Poder Judiciário, por ser tal providência desnecessária 9. A isto se dá o nome de carência de ação por falta de interesse de agir.

Retornando ao tema do prévio requerimento administrativo em matéria previdenciária, a questão que se discute é se existe interesse de agir (necessidade) para a ação que pleiteia benefício previdenciário quando a pretensão em obtê-lo nem sequer fora apresentada ao INSS, para que este pudesse analisar sua viabilidade.

O Superior Tribunal de Justiça sufragou o entendimento de que o prévio requerimento administrativo, nesse caso, é dispensável:

"Previdenciário. Auxílio-Acidente. Requerimento Administrativo. Cat. Prescindibilidade. Doença Degenerativa. Concessão de Benefício. Requisitos. Súmula 7/STJ. Aposentadoria. Cumulação. Impossibilidade.

1. Esta Corte é firme no entendimento de que o ajuizamento de ação previdenciária prescinde de prévia postulação ou exaurimento da via administrativa e da juntada da comunicação do respectivo acidente de trabalho." 10

Porém, o entendimento doutrinário é no sentido de que a ausência de requerimento administrativo acarreta carência de ação por falta de interesse de agir 11, porque não sendo comprovada a recusa do INSS em satisfazer a pretensão do segurado, não há que se falar em lide e, consequentemente, em relação jurídica processual. Assim também o pronunciamento de alguns Tribunais Regionais Federais:

"Previdenciário. Concessão de Benefício. Aposentadoria por idade. Trabalhador Rural. Ausência de prévio Requerimento Administrativo. Indispensabilidade de prévio Requerimento Administrativo.

Em se tratando de concessão de benefício previdenciário, é indispensável, para o ajuizamento da ação, o prévio requerimento administrativo. É que não se pode transformar o Judiciário, que não dispõe de condições técnicas para o exercício da função cometida ao administrador (pessoal, aparelhamento, sistemas de contagem de tempo de serviço etc.), em balcão de requerimentos de benefícios." 12

"Processual Civil e Previdenciário. Indeferimento da Petição Inicial. Interesse de Agir. Exigência de prévia postulação administrativa. Jurisprudência reinante. Novas circunstâncias histórico-sociais que reclamam mudança neste posicionamento.

O Direito é realidade cultural e, portanto, não se esgota em seu sentido normativo, estando sujeito também a considerações de ordem axiológica e sociológica.

O que justificou o entendimento, dominante, de que é dispensável a prévia postulação administrativa, como condição para a propositura de ação previdenciária, foi a notória precariedade do serviço previdenciário, em passado próximo, que impunha autêntico calvário aos segurados, quase sempre com resultado negativo.

Melhoria dos serviços, nos últimos tempos, que afasta aquela premissa.

Por outro lado, há que se reconhecer o caos que vem sendo gerado pela facilidade de acesso ao Poder Judiciário, o que tem redundado em abuso do direito de ação e no descaso das partes autoras ao invocar a tutela jurisdicional, não raro com processos mal instruídos e desordenados, prejudicando a segurança do magistrado para pronunciar seu julgamento.

Circunstâncias que autorizam a não observância da jurisprudência que vem predominando.

Apelação a que se nega provimento." 13

Em segundo lugar, o magistrado não pode atuar como legislador positivo, concedendo benesses não previstas em lei, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal 14. Em matéria previdenciária, tal vedação é ainda mais clara, uma vez que a Constituição exige prévia previsão da fonte de custeio para a concessão de benefícios 15. Certamente os magistrados não pretendem pagar, do próprio bolso, o valor dos benefícios que concedem em suas decisões...

Ademais, tal prática viola o princípio da Separação de Poderes 16, uma vez que a competência para conceder benefícios previdenciários fora constitucionalmente atribuída ao Poder Executivo, não ao Judiciário.

Torna-se evidente, portanto, que o requerimento administrativo de benefício previdenciário constitui condição para o interesse de agir em Juízo, uma vez que compete ao INSS verificar – ao menos em um primeiro momento – o preenchimento dos requisitos legais necessários à percepção do benefício. Deve-se destacar, entretanto, que não se exige o exaurimento da via administrativa, apenas a obtenção da resposta por parte da Administração Pública, que deverá ser fornecida em prazo razoável 17, ainda que o postulante tenha instruído seu requerimento de forma deficitária 18. A interposição de recurso administrativo, em caso de decisão denegatória de benefício, é facultativa 19.


3. Do requerimento administrativo na ação de Habeas Data.

Em alguns casos, a exigência de que se deduza administrativamente a pretensão, antes do ingresso em Juízo, está expressamente consagrada em lei. Assim ocorre, por exemplo, quanto à ação constitucional de habeas data 20, nos termos da Lei n° 9.507, de 12 de novembro de 1997:

"Art. 8°. (...)

Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:

I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;

II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou

III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão."

A constitucionalidade do citado dispositivo é assente no seio do Supremo Tribunal Federal:

"Habeas Data - Natureza Jurídica - Regime do Poder Visível como pressuposto da Ordem Democrática - A Jurisdição Constitucional das liberdades - Serviço Nacional de Informações (SNI) - Acesso não recusado aos registros estatais - Ausência do Interesse de Agir - Recurso Improvido.

(...)

O acesso ao habeas data pressupõe, dentre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional.

A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data." 21

Assim, no que tange à ação de habeas data, ao contrário do que ocorre no âmbito previdenciário, é pacífico o entendimento de que o prévio requerimento administrativo constitui condição para a existência do interesse de agir processual.

As situações são semelhantes. Em ambas, o cidadão deduz pretensão contra o Estado. Por uma questão de lógica, deveriam receber o mesmo tratamento, uma vez que o caráter indispensável do prévio requerimento administrativo não decorre simplesmente da previsão legal constante da Lei n° 9.507, de 12 de novembro de 1997, mas da repartição constitucional de competências, que atribuiu ao Poder Executivo – e não ao Judiciário – a tarefa de analisar primeiramente a pretensão do indivíduo. Não obstante, a ausência de norma legal inequívoca tem gerado intensos debates sobre o tema no âmbito previdenciário, conforme restou demonstrado no tópico anterior.


4. Requerimento administrativo perante o INPI.

Com relação à propriedade industrial 22, a Lei n° 9.279, de 14 de maio de 1996, regula o procedimento administrativo atinente ao registro e à obtenção de patentes perante o INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial 23. A indispensabilidade desse procedimento foi muito bem ilustrada por Antônio André Muniz de Souza:

"Cumpre à autarquia federal [refere-se ao INPI], como componente da Administração Indireta da União, a concessão de registro de marcas, cujas condições estão definidas pela Lei da Propriedade Industrial e legislação aplicável. Por isso, a interferência na tramitação dos pedidos implica a assunção, pelo Poder Judiciário, das atribuições conferidas ao INPI, à medida que faz um pré-julgamento daquilo que pode ou não ser registrado, violando o princípio da separação de poderes.

Não há dúvida de que a separação de poderes, além de pressupor as funções típicas de cada Poder, assegura o controle de um Poder pelo outro. Nesse sentido, o Poder Judiciário pode, por meio de seus órgãos, proceder ao controle de legalidade dos atos exarados por outros Poderes. Ocorre que, quando se trata de pedido, não houve ainda qualquer ato praticado pela autarquia. Logo, suspender o andamento do pedido de marca, negar-lhe prosseguimento administrativo ou indeferi-lo significa antecipar o julgamento de um objeto afeto às funções legais do INPI.

(...)

Além disso, o INPI não pode, à luz dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, deixar de proceder à análise de um pedido de registro, eliminando seu trâmite legal, eis que a Lei da Propriedade Industrial, ao atribuir ao Instituto competência exclusiva para conceder os registros de marcas em todo o país, prevê, para tanto, um procedimento administrativo regrado, a ser observado tanto pelo administrado quanto pelo administrador, quanto pelo particular interessado no registro de seu signo marcário, como também por aqueles que se sentirem prejudicados com pedidos de registro de marca de terceiros.

Nesse sentido, a Lei n° 9.279/96 estabelece um sistema próprio e específico para impugnação de pedidos de marca alheios. Antes da concessão, cabe ao interessado apresentar oposição (art. 158, LPI). Depois disso, deve-se aguardar eventual concessão do registro, que poderá ser atacado por processo administrativo de nulidade (arts. 168 a 172, LPI) ou ação judicial de nulidade (arts. 173 a 175, LPI). Em ambos, a declaração de nulidade produzirá efeito a partir da data do depósito do pedido (art. 167 do LPI).

Desse modo, há um desencadeamento procedimental que não pode ser rompido. Com o depósito do pedido de registro de marca e sua publicação (art. 158, LPI), a autarquia se vê compelida por força legal a proceder ao seu exame técnico, obedecendo à ordem de publicação e observando corretamente o procedimento administrativo previsto na LPI." 24

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Assim, também em relação aos atos de competência do INPI, o prévio requerimento administrativo constitui conditio sine qua non da existência de interesse processual. Somente se legitima o ingresso em Juízo após a formulação e indeferimento do pedido na esfera administrativa, sob pena de usurpação de competência do INPI, bem como violação ao princípio constitucional da Separação de Poderes.

A conclusão é ainda mais evidente quando a lei disciplina o rito procedimental do requerimento, como no caso do pedido de patentes e de registro perante o INPI. Nesta situação, o ingresso imediato no Poder Judiciário, com supressão da via administrativa, configura, inclusive, violação ao princípio do devido processo legal 25.

Por fim, há casos em que o órgão administrativo ao qual deve se dirigir o requerimento do cidadão já possui forte e consolidado entendimento em sentido contrário ao que seria solicitado. Apenas nestas hipóteses, absolutamente excepcionais, não faria sentido exigir-se que a pessoa formalizasse um requerimento e aguardasse sua regular tramitação para obter uma resposta que se sabe, desde o início, ser negativa. Em tais situações configura-se uma lide presumida, o que dispensa o prévio requerimento administrativo 26.


5. Conclusão.

A semelhança entre as três situações analisadas – requerimento de benefício previdenciário, de informações passíveis de impetração de habeas data e de registro da propriedade industrial – permite inferir que nos casos em que a atribuição para analisar determinado requerimento do cidadão for constitucional ou legalmente atribuída a órgão ou entidade estatal, em caráter de exclusividade, o prévio requerimento administrativo é condição para a existência de interesse processual, pois sem a resistência da Administração Pública em satisfazer a pretensão do indivíduo não se configura a existência de lide.

Nessas situações, é vedado o acesso imediato ao Poder Judiciário, sem prévia consulta à instância administrativa, por configurar ofensa ao princípio constitucional da Separação de Poderes.

Este raciocínio se aplica independentemente da existência de norma legal expressa, pois decorre da divisão constitucional de competências. Excetuam-se apenas os casos em que se configura o que a doutrina rotulou de lide presumida, pois, neles, a existência de norma interna do órgão administrativo fatalmente impedirá a concessão da providência requerida, justificando o acesso imediato ao Poder Judiciário.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo fora das hipóteses de lide presumida, vem considerando dispensável o prévio requerimento administrativo, em matéria previdenciária, com base no argumento superficial de que tal exigência violaria o princípio da inafastabilidade da jurisdição.


6. Referências Bibliográficas.

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 2. ed. São Paulo: Leud, 2006.

ANGELICI, Carlo; FERRI, Giovanni. Manuale di Diritto Commerciale. 12. ed. Torino: Utet Giuridica, 2006.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile. 07. ed. Milano: Giuffrè, 2007.

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1981. v. 1.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. Tomo I.

SAVARIS, José Antônio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008.

SOUZA, Antônio André Muniz de. Pedido de Registro de Marca e Controle Jurisdicional. Revista da AGU, Brasília, Ano IV, n.º 7, p. 55-58, ago. 2005.

TOMAZZETE, Marlon. Direito ao Nome Empresarial. Revista de Direito Empresarial. Curitiba: Juruá Editora, n.º 3, p. 95-113, jan./jun. 2005.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 1.

VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Da Ação Cível. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

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Sobre o autor
Leonardo Netto Parentoni

professor, advogado, mestrando em Direito Empresarial pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PARENTONI, Leonardo Netto. Prévio requerimento administrativo e interesse de agir em juízo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2044, 4 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12286. Acesso em: 23 dez. 2024.

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