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Assédio moral coletivo no Direito do Trabalho

21/02/2009 às 00:00
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O dano moral coletivo é formado por: conduta antijurídica (ação ou omissão); ofensa a interesses jurídicos fundamentais; intolerabilidade da ilicitude; nexo causal.

Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico à pessoa. Dentre suas espécies, verificamos existir pelo menos dois tipos de assédio que se distinguem pela natureza: o assédio sexual e o assédio moral.

O assédio moral (mobbing, bullying, harcèlement moral ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico) caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

O assédio moral é uma das formas de dano aos direitos personalíssimos do indivíduo. Dessa maneira, um ato violador de qualquer desses direitos poderá configurar, dependendo das circunstâncias, o assédio moral, o assédio sexual ou a lesão ao direito de personalidade propriamente dita, através de lesão à honra, à intimidade, à privacidade e à imagem. A diferença entre eles é o modo como se verifica a lesão, bem como a gravidade do dano.

Reiteramos, portanto, nosso entendimento no sentido de que nem todo dano à personalidade configura o assédio moral, como se percebe na maioria dos estudos jurídicos atuais e, principalmente, nas decisões da Justiça do Trabalho.

Como visto, o denominado dano moral é contemplado na Constituição Federal/88, em seu artigo 5º, incisos V e X, com vistas à reparação decorrente de ofensas à imagem, intimidade, vida privada e à honra das pessoas. Tais direitos elencados pela Carta Magna encontram-se abrangidos pelos chamados ‘direitos de personalidade’, previstos nos artigos 11 a 21 do Código Civil – aplicado supletivamente à seara do direito do trabalho, por força da previsão do artigo 8º, parágrafo único da CLT – enfim, contempla-se a reparação por dano ao indivíduo, à pessoa.

Conclui-se, assim, do confronto do texto civilista com o texto constitucional que o dano moral caracteriza-se pela ofensa a direitos da personalidade, que, nada mais são do que aqueles direitos que uma pessoa tem sobre ela mesma, sobre seu corpo, sua imagem, sua vida privada etc. De acordo com Rubens Limongi França, "direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos" (Manual de direito civil, 3. ed. São Paulo, Ed. RT, 1975, v. 1, p. 403).

Os direitos da personalidade, portanto, e, segundo entendimento da mais balizada doutrina, são considerados direitos subjetivos.

Cite-se, neste sentido, as lições do eminente jurista Rui Stoco em seu Tratado de Responsabilidade Civil, "...filiamo-nos à corrente doutrinária que sustenta a tese de que os direitos da personalidade são direitos naturais, que antecedem à criação de um ordenamento jurídico, posto que nascem com a pessoa, de modo que precedem e transcendem o ordenamento positivo, considerando que existem só pelo fato da condição humana. Essa é a razão pela qual a doutrina moderna é quase unânime em afirmar os direitos da personalidade como natureza jurídica de direitos subjetivos".

Diante da natureza da natureza personalíssima que caracteriza o dano moral, a questão que se coloca reside em saber se é possível a existência do dano moral coletivo e sob quais espécies.

A questão do assédio moral coletivo somente começou a ser discutida no meio jurídico após a introdução no ordenamento jurídico pátrio dos conceitos de interesse difuso, coletivo e individual homogêneo.

A Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) foram as responsáveis por isso. Através delas permiti-se a defesa de causas que envolvam elevado número de pessoas, sem, todavia, afetarem a sociedade como um todo.

Os interesses difusos são definidos legalmente como aqueles transindividuais, de natureza indivisível, e que possuem como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I da Lei nº. 8.078/90). Esses interesses supõem a existência de uma lesão a um bem usufruído por várias pessoas, mas não há como identificar previamente os lesados. Assim, as lesões ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, artístico, estético, turístico ou paisagístico, bem como aos direitos do consumidor, são exemplos típicos de lesões a interesses difusos.

Enquanto isso, os interesses coletivos são conceituados legalmente como interesses transindividuais de natureza indivisível cujo titular constitui um grupo, ou uma categoria ou uma classe de pessoas ligadas entre si (art. 81, parágrafo único, II da Lei nº. 8.078/90). Conforme o jurista Ives Gandra da Silva Martins Filho, os interesses coletivos são aqueles -comuns a uma determinada coletividade, impondo soluções homogêneas para a composição de conflitos- e a distinção com os interesses difusos decorre do fato de que nesses -o universo de pessoas afetadas pelo ato lesivo não é passível de determinação-, enquanto nos interesses coletivos -há uma coletividade concreta e determinável ligada aos bens jurídicos em disputa. [01]

Já os interesses individuais homogêneos são definidos pela lei como aqueles decorrentes de uma origem comum (art. 81, parágrafo único, III da Lei nº. 8.078/90). Este conceito é diferente dos demais porque não prevê a indivisibilidade do bem lesado, logo, nesse caso, a lesão deve ser efetiva e não apenas potencial. Como exemplo pode-se citar a situação em que empregados tenham realizado horas extras, mas não são remunerados por isso e a empresa não admite a realização de sobrejornada.

Com fundamento nas noções de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos começou-se a discutir tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de existência do dano moral coletivo. Salienta-se, no entanto, que sua figura não tem previsão específica no ordenamento jurídico brasileiro.

Todavia, alguns julgados expressam que o dano moral coletivo é reconhecido pelo nosso sistema legal através do VI do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor [02] e no artigo 83, inciso III da Lei Complementar nº. 75/93. [03]

Essa espécie de dano moral configura-se como aquela que pela sua dimensão e gravidade exige a intervenção do Estado para impedir uma lesão capaz de comprometer todo o tecido da sociedade.

O jurista João Carlos Teixeira conceitua o dano moral coletivo como "a injusta lesão a interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade (maior ou menor), e assim tutelados juridicamente, cuja ofensa atinge a esfera moral de determinado grupo, classe ou comunidade de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, causando-lhes sentimento de repúdio, desagrado, insatisfação, vergonha, angústia ou outro sofrimento psico-físico". [04]

Para que haja a configuração do dano moral coletivo e para que a tutela coletiva possa ser efetivada pelo Judiciário é necessária a prevalência dos interesses comuns sobre os individuais como defende Ada Pelegrini Grinover: "Sendo os direitos heterogêneos, haverá impossibilidade jurídica do pedido de tutela coletiva. Chega-se, por esse caminho, à conclusão de que a prevalência das questões comuns sobre as individuais, que é condição de admissibilidade no sistema das class actions for damages norte-americanas, também o é no ordenamento brasileiro, que só possibilita a tutela coletiva dos direitos individuais quando estes forem homogêneos. Prevalecendo as questões individuais sobre as comuns, os direitos individuais serão heterogêneos e o pedido de tutela coletiva se tornará juridicamente impossível". [05]

No âmbito do Direito do Trabalho, a autorização para que haja responsabilização por danos morais a interesses difusos ou coletivos encontra-se disposta no artigo 1º, inciso V da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85).

De acordo com Pinho Pedreira em citação de Carlos Alberto Bittar Filho, "...pode-se afirmar que o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos...;" [06]

De acordo com tal conceito percebe-se que somente quando há a lesão à direitos metaindividuais que pertençam à coletividade como um todo, torna-se possível falar-se em dano moral coletivo.

Dentre as hipóteses que admitem o dano moral coletivo em se tratando de matéria trabalhista, cite-se, por exemplo, os casos em que há violação ao meio ambiente do trabalho, isto é, saúde e segurança ocupacional. Nesse sentido, poder-se-ia compreender o assédio moral coletivo dentre as violações ao meio ambiente do trabalho, na medida em que há a violação e degradação das condições de trabalho.

Percebe-se que a prática de assédio moral de forma coletiva tem ocorrido em várias ocasiões, principalmente nos casos envolvendo política "motivacional" de vendas ou de produção, nas quais os empregados que não atingem as metas determinadas são submetidos as mais diversas situações de psicoterror, cuja submissão a "castigos e prendas", envolvem práticas de fazer flexões, vestir saia de baiana, passar batom, usar capacete com chifres de boi, usar perucas coloridas, vestir camisetas com escritos depreciativos, dançar músicas de cunho erótico, dentre outras.

Nessa linha, alguns autores ao tratarem dos temas assédio moral institucional [07] e assédio moral organizacional [08] abordaram aspectos próximos ao assédio moral coletivo.

Sendo o assédio moral uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, sua forma coletiva estar-se-á configurada quando uma certa coletividade de pessoas forem vítimas dessa conduta assediadora.

Assim, o assédio moral coletivo constitui uma das principais causas de prejuízo ao meio ambiente do trabalho, e, conseqüentemente, à saúde dos trabalhadores. Deve-se mencionar que o meio ambiente do trabalho é tutelado constitucionalmente pelos artigos 200, inciso VIII e 225, §1º, inciso V. [09]

Dessa maneira, o assédio moral coletivo é concretizado quando há violação de interesses coletivos que pertençam a um grupo, ou a uma categoria ou ainda a uma classe formada por determinados indivíduos que são passíveis de identificação. Essa modalidade de assédio também pode surgir quando interesses individuais homogêneos são violados.

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Os pedidos de indenização em decorrência de assédio moral são feitos, na maioria das vezes, de forma individual pelos trabalhadores. A jurisprudência trabalhista não possui muitos julgados relacionados ao tema, sendo mais comum a atuação do Ministério Público do Trabalho pleiteando indenização para a ocorrência de dano moral coletivo que é instituto distinto do assédio moral coletivo.

Inicialmente, deve-se citar que a Convenção nº. 155, de 1981, elaborada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre segurança, saúde dos trabalhadores e meio ambiente, ratificada pelo Congresso Nacional em 1992 e promulgada pelo Decreto federal nº. 1.254/94, estabelece em seu artigo 3º que o termo "saúde", com relação ao trabalho, "abrange não só a ausência de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho." [10]

Logo, como o assédio moral coletivo causa sérios danos à saúde mental e física dos trabalhadores, evidente que a mencionada convenção tem o objetivo de evitar que essa prática se desenvolva nos locais de trabalho.

Ademais, a OIT também defende o direito do trabalhador ao "trabalho decente". A entidade conceitua trabalho decente como "um trabalho produtivo e adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, eqüidade, e segurança, sem quaisquer formas de discriminação, e capaz de garantir uma vida digna a todas as pessoas que vivem de seu trabalho" [11]

Verifica-se, assim, que a OIT, ao defender o trabalho produtivo e em condições de liberdade, eqüidade e segurança a todos os trabalhadores, repudia a idéia do assédio moral coletivo que constitui um dos fatores prejudiciais a idéia do trabalho decente.

Além disso, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, o crescimento das doenças psicológicas no ambiente de trabalho será uma das principais características do próximo século. Milhares de trabalhadores serão afastados de seus postos de trabalho em virtude do impacto do estresse no ambiente de trabalho e da "Síndrome do Burn out" [12] oriundos de um mundo do trabalho em crise. [13]

Cumpre ressaltar que em muitos casos tanto o estresse ocupacional como a "síndrome do burn out" têm como causa o assédio moral coletivo praticado pela empresa.

Na tentativa de evitar-se a prática dessa espécie de assédio, a Diretiva 2000/78/CE, de 27 de Novembro de 2000, da União Européia estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional. A proposta de diretiva visa combater tanto a discriminação direta, que consiste na diferença de tratamento baseada em particularidades específicas, como a discriminação indireta, que compreende as disposições, critérios ou práticas aparentemente neutras mas suscetíveis de produzir efeitos desfavoráveis para uma determinada pessoa ou grupo de pessoas deteminado ou ainda a incitação à discrimação.

Nesse sentido, para a mencionada diretiva "a atitude persecutória, que cria um ambiente hostil no ambiente de trabalho, é considerada uma discriminação" [14]. Logo, o assédio moral coletivo, por criar esse ambiente hostil na empresa, é vedado pelo ordenamento jurídico da União Européia.

Além dessa diretiva, existe ainda a Resolução A5-0283/2001, do Parlamento Europeu sobre o assédio no local de trabalho (2001/2339 (INI)), publicada no Jornal Oficial C 77 E, de 28 de março de 2002. [15] Segundo as constatações da Agência Européia para a Segurança e a Saúde no Trabalho, o assédio constitui um risco potencial para a saúde que freqüentemente leva a doenças relacionadas com o stress."

Essa resolução adverte para as conseqüências devastadoras do assédio moral na saúde física e psíquica daqueles que dele são alvo - e conseqüentemente das suas famílias - e que necessitam de assistência médica e psicoterapêutica, o que, de forma geral, os induz a ausentarem-se do trabalho por razões de doença ou os incita a demitirem-se.

A prática do assédio moral coletivo também é observada no Japão. Ela ocorre em relação a executivos japoneses que no final da carreira são isolados e transformados em "colaboradores virtuais" ou trabalhadores invisíveis, para que a empresa não arque com os custos econômicos e de imagem que uma dispensa implicaria. As práticas adotadas pelas empresas consistem em não avisar o executivo das reuniões, a copeira ou os próprios colegas se esquecem de lhe servir o chá e o superior hierárquico raramente lhe dirige a palavra. Apenas o estritamente necessário é dito a esses executivos para que eles não se esqueçam que existem. Tudo é feito com o intuito de mostrar-lhes que eles se transformaram um ‘estorvo no trabalho’. [16]

Abaixo, passamos a apresentar julgados proferidos pelos nossos Tribunais.

O primeiro deles trata de ocorrência de dano moral coletivo no caso de cooperativa fundada com o intuito de fornecimento de mão-de-obra para uma determinada empresa:

"ainda que tenha sido considerado que a prática das reclamadas de substituir os empregados por mão-de-obra fornecida pela cooperativa, como se cooperados fossem, em desvirtuamento ao objetivo cooperativista, constitui comportamento que tipifica a desvalorização do trabalho humano, contrário ao ordenamento jurídico, conforme dispõe o artigo 1º, III e IV da Constituição Federal, não houve reconhecimento de que tal comportamento tenha atingido a coletividade, ou outros trabalhadores, mas tão somente os indivíduos envolvidos neste caso concreto. Dessa forma, o fator decisivo foi a ausência de caracterização do dano extensivo à sociedade" (TST, Processo: RR - 921/2004-079-03-00.6, Data de Julgamento: 27/08/2008, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DJ 19/09/2008).

A Justiça já proferiu, também, condenação por dano moral coletivo em razão da utilização do Poder Judiciário como homologador de acordos trabalhistas:

"Assim, aplicando-se o disposto na segunda parte do art. 302 do CPC, presume-se que a requerida vinha utilizando, de forma rotineira, a Justiça do Trabalho como mero órgão homologador, e, pior ainda, com força de coisa julgada, impedindo assim que os empregados buscassem os seus direitos trabalhistas. (...) além de retardar, no presente e no futuro, a prestação jurisdicional dos demais empregados, deixa a marca indelével na coletividade local, tanto na ala patronal, quanto na obreira, que é possível sepultar direitos trabalhistas mediante estratagemas, especialmente com o aval do Judiciário. Em suma, viola um dos valores supremos da sociedade, previstos no preâmbulo da Constituição Federal, que é a busca de uma sociedade justa." (Desembargador Relator Samuel Hugo Lima, TRT/15ª Recurso Ordinário nº 00195-2006-086-15-00-6, 3ª Turma, 6ª Câmara)

O dano moral coletivo é formado pelos seguintes elementos: a) conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, seja pessoa física ou pessoa jurídica; b) ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade (comunidade, ou grupo, ou categoria ou classe de pessoas); c) intolerabilidade da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercussão social; d) nexo causal observado entre a conduta e o dano correspondente à violação do interesse coletivo (lato sensu). [17]

Nesse sentido, a jurisprudência pondera que no campo da coletividade, considerando-se os interesses transindividuais em jogo, para a ocorrência do dano coletivo não há sequer necessidade de vinculação ao foro íntimo ou subjetivo dos seus membros, pois o dano moral, nesse caso, não está amarrado ao antigo conceito de "dor psíquica".

Como exemplo cita-se o entendimento do TRT da 4ª Região proferido no Acórdão do processo nº. 00900-2006-007-04-00-3 cuja redatora foi a Desembargadora do Trabalho Maria Helena Mallmann: "Não há que se falar em impossibilidade de dano moral coletivo. De há muito que doutrina e jurisprudência já repeliram a vinculação do dano moral ao sofrimento psíquico, conforme argumentos abaixo: 

"(c) o dano moral não diz respeito apenas à ofensa restrita à esfera da dor e do sofrimento, havendo inequivocamente interesses jurídicos extrapatrimoniais, também referidos a coletividade de pessoas, que são tutelados pelo ordenamento em vigor (...)

(f) a reparação do dano moral coletivo não tem relação necessária com o reconhecimento e visualização de "sofrimento", "aflição", "angústia", "constrangimento" ou "abalo psicofísico" atribuído a uma dada coletividade, ou mesmo com a idéia de se enxergar uma "alma" própria, passível de visibilidade, a possibilitar uma "ofensa moral"; (Xisto Medeiros Neto, Dano Moral Coletivo, São Paulo: LTr, 2007, p. 191) 

Sendo assim, a prova do dano moral coletivo é a ocorrência de conduta antijurídica em si mesma, que viole interesses transindividuais, sendo irrelevante a verificação de prejuízo material concreto, posto o dano verificar-se, no caso, com o simples fato da violação.

Na esfera das relações de trabalho, o desrespeito às normas de proteção à saúde e segurança laboral, que encontra ressonância nas prescrições dos arts. 200, VIII e 225 (como garantia do meio ambiente de trabalho sadio) e art. 7º, XXXIII, da Constituição da República (quanto ao dever patronal de redução dos riscos inerentes ao trabalho) constitui exemplo de configuração de dano moral coletivo. Tal hipótese é a mais comum nos julgados dos tribunais trabalhistas sobre a questão.

A reparação do dano moral coletivo tem função predominantemente sancionatória. Diferentemente das reparações normais, que como o próprio nome indica, se preocupam mais fortemente com a restituição ao status quo ante, a reparação por dano moral coletivo tem nítido caráter pedagógico, que assume prevalência até mesmo em relação à indenização propriamente do dano causado à coletividade.

A prática de assédio moral coletivo compreende fator extremamente prejudicial ao meio ambiente do trabalho, à saúde mental e também física dos trabalhadores.

A OIT e a UE já tomaram medidas com o intuito de inibir e evitar a prática das condutas caracterizadoras do assédio.

O resultado do assédio moral coletivo estará caracterizado quando for constatada a existência de doença psíquico-emocional através de perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área nas vítimas pertencentes a uma determinada coletividade.

Além disso, as vítimas dessas condutas assediadoras que não sofrerem esse tipo específico de dano (doença psíquico-emocional) não ficarão desprotegidas, porque poderão pleitear danos morais pela violação aos seus direitos de personalidade.


Notas

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;

  1. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. LTR 56-07, julho/92, pp. 809/810.
  2. Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
  3. Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
  4. TEIXEIRA, João Carlos. Dano Moral Coletivo. São Paulo, LTr, 2004, pp. 140-141.
  5. GRINOVER, Ada Pelegrini. Das class action for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade. Rio de Janeiro, Revista Forense, 2000, v.1, p. 352.
  6. Pedreira da Silva, Luiz de Pinho. A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho, 2004, LTr, SP, pg. 133.
  7. CALVO, Adriana Carrera. Assédio Moral Institucional e a Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: <http://www.calvo.pro.br>. Acesso em: 13.jan.2009.
  8. ARAÚJO, Adriane Reis de. Assédio Moral Organizacional. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 73, nº. 2, abr/jun 2007.
  9. COPOLA, Gina. O direito ambiental do trabalho e a figura do assédio moral. IOB - Repertório de Jurisprudência Trabalhista e Previdenciário, vol. II, nº. 23/2004.
  10. Disponível em: <http://www.institutoamp.com.br/oit155.htm>. Acesso em: 13.jan.2009.
  11. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br>. Acesso em: 09.jan.2009.
  12. Tal síndrome se refere a um tipo de estresse ocupacional e institucional com predileção para profissionais que mantêm uma relação constante e direta com outras pessoas, principalmente quando esta atividade é considerada de ajuda (médicos, enfermeiros, professores). A Síndrome de Burnout é definida como uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com o trabalho. É caracterizada pela ausência de motivação ou desinteresse; mal estar interno ou insatisfação ocupacional que parece prejudicar, em maior ou menor grau, a atuação profissional de alguma categoria ou grupo profissional. Disponível em: <http://www.redepsi.com.br/portal/modules/soapbox/article.php?articleID=48>. Acesso em: 12.jan.2009.
  13. CALVO, Adriana Carrera. Assédio Moral Institucional e a Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em: <http://www.calvo.pro.br>. Acesso em 09.jan.2009.
  14. Disponível em: <http://europa.eu/agencies/community_agencies/osha/index_pt.htm>. Acesso em: 09.jan.2009.
  15. UNIÃO EUROPÉIA. Resolução 2001/2339 (INI). Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2002/ce077/ce07720020328pt01380141.pdf>. Acesso 1. nov. 2007.
  16. HELOANI, Roberto. Gestão e organização no capitalismo globalizado. História da manipulação psicológica no mundo do trabalho. São Paulo: Ed. Atlas, 2003, p. 161.
  17. MEDEIROS NETO, Xisto Tiago. Dano Moral Coletivo, São Paulo: LTr, 2007, p. 136.
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Sobre a autora
Sônia Mascaro Nascimento

Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo, membro do Instituto Ítalo-brasileiro de Direito do Trabalho,advogada e consultora

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Assédio moral coletivo no Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2061, 21 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12367. Acesso em: 19 mar. 2024.

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