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A boa-fé objetiva como cláusula geral

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20/05/2009 às 00:00
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Resumo: O presente estudo procura analisar o instituto da boa-fé objetiva em sua feição de cláusula geral. Para tanto, parte-se de uma análise do contexto do ordenamento jurídico atual. O novo Código Civil, inserido no sistema jurídico aberto, optou pela adoção de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, objetivando uma mais fácil adaptação às modificações sociais e exigências do caso concreto. Assim, faz-se imprescindível a análise do conceito de boa-fé, confrontando-o com as definições de princípio, cláusula geral e conceito jurídico indeterminado.

Palavras-chave: Boa-fé objetiva. Boa-fé subjetiva. Princípios constitucionais. Cláusulas gerais. Conceitos jurídicos indeterminados. Distinção entre princípios e cláusulas gerais. Cláusulas gerais e ordenamento jurídico brasileiro. Cláusula geral da boa-fé.


Introdução. O novo Código Civil e a opção pelas cláusulas gerais.

O novo diploma substancial civil, diferentemente do estatuto anterior, surgiu num momento em que o ordenamento jurídico insta por uma flexibilização. Surge no auge da geração dos direitos de solidariedade. Insere-se no denominado sistema jurídico aberto.

Os preceitos adotados pelo novel estatuto, com certeza, exigirão muito mais dos julgadores, detentores de uma função criadora, haja vista que a lei passou a ser permeável às modificações sociais, econômicas e às exigências do caso concreto.

Tais regras se consubstanciam em cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, e, juntamente com os princípios, possuem importante papel em nossa ordem jurídica atual. Uma destas cláusulas é justamente a "boa-fé objetiva".

Esta opção legislativa ocasionou um enorme debate doutrinário, sendo que foram levantadas diversas vozes, umas favoráveis e outras, contrárias.

Se, por um lado, alguns doutrinadores afirmam que tais cláusulas ocasionam uma insegurança na aplicação do direito e até mesmo o arbítrio dos juízes, em razão do alto grau de abstração, amplitude e vagueza, por outro ângulo, há aqueles que acreditam que esses conceitos promovem uma verdadeira densidade normativa, com a efetiva utilização dos valores constitucionais, sendo o juiz convocado para a criação do direito, atuando com maior liberdade e responsabilidade.

Nos dizeres de Luis Eduardo Franco Bouéres (2005):

"O novo Código Civil Brasileiro retrata, sem sombra de dúvida, uma mudança substancial nas regras das relações de cunho privado em nosso país. Há uma efetiva modificação no enfoque do Direito Civil, que deixa para trás o cunho individualista das suas regras, trazendo à baila, conceitos outrora ignorados nas relações interindividuais. Mais do que isso houve, por certo, uma significativa mudança de forma na exposição das disciplinas do Direito Civil, passando, da ultrapassada técnica das situações-tipo, para o modelo das cláusulas gerais".

Para uma melhor compreensão deste debate, da opção do legislador, e, em especial, da cláusula da boa-fé objetiva, mister o entendimento acerca do conceito de boa-fé, do que seriam os princípios de direito, as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados.


Conceito de boa-fé.

Embora o campo de atuação da boa-fé seja vasto, é grande a dificuldade em sua conceituação, visto que comporta uma série de significados, conforme seja analisada sob os prismas subjetivo ou objetivo, como princípio ou cláusula geral.

A boa-fé subjetiva.

A boa-fé subjetiva, ou boa-fé crença, refere-se a elementos psicológicos, internos do sujeito.

Sob este prisma, há a valoração da conduta do agente, uma vez que agiu na crença, analisando-se a convicção na pessoa que se comporta conforme o direito. O manifestante da vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um ato ou fato jurídico. Há a denotação de ignorância, crença errônea, ainda que escusável.

Nas palavras de Judith Martins Costa (2000, p. 411):

A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.

Diz-se, que na boa-fé subjetiva, o sujeito está "em" ou "de" boa-fé.

Esta modalidade de boa-fé se contrapõe à má-fé, remonta raízes na "bona fides" da "usucapio" romana e já se encontrava positivada em diversos dispositivos esparsos do Código Civil de 1916, mormente quando se referia a questões possessórias e regime jurídico de benfeitorias.

A boa-fé objetiva.

A seu turno, a boa-fé objetiva, ou simplesmente, boa-fé lealdade, relaciona-se com a honestidade, lealdade e probidade com a qual a pessoa condiciona o seu comportamento.

Trata-se de uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé nem tampouco guarda qualquer relação no fato da ciência que o sujeito possui da realidade.

Entretanto, apesar de se relacionar com o campo ético-social, a este não se restringe, inserindo-se no jurídico, devendo o juiz tornar concreto o mandamento de respeito à recíproca confiança existente entre as pessoas, sejam elas partes de um contrato, litigantes ou participantes de qualquer relação jurídica.

Caracteriza-se como um dever de agir, um modo de ser pautado pela honradez, ligada a elementos externos, normas de conduta, padrões de honestidade socialmente estabelecidos e reconhecidos.

Na verdade, trata-se de uma técnica que permite adaptar uma regra de direito ao comportamento médio em uso em uma dada sociedade num determinado momento. Parte-se de um padrão de conduta comum, do homem mediano, num determinado caso concreto, levando em consideração os aspectos e acontecimentos sociais envolvidos. É, basicamente, a sinceridade que deve nortear todas as condutas humanas, negociais ou não negociais.

Consoante a definição de Flávio Alves Martins (2000, p. 73):

"A boa-fé, no sentido objetivo, é um dever das partes, dentro de uma relação jurídica, se comportar tomando por fundamento a confiança que deve existir, de maneira correta e leal; mais especificamente, caracteriza-se como retidão e honradez, dos sujeitos de direito que participam de um relação jurídica, pressupondo o fiel cumprimento do estabelecido".

É uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das concretas circunstâncias de determinado caso. Neste diapasão, cada ser humano deverá guardar fidelidade à palavra dada e não abusar da confiança alheia, sob pena de contrariar todo o ordenamento jurídico.

Conforme ensina Nelson Rosenvald (2005), esta modalidade de boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo das pessoas pautarem seu agir na cooperação, garantindo a promoção do valor constitucional do solidarismo, incentivando o sentimento da justiça social e com repressão a todos a condutas que importem em desvio aos parâmetros sedimentados de honestidade e lisura.

Diz-se, nesta modalidade de boa-fé, que o sujeito age "de acordo" com a boa-fé.

Esta boa-fé remonta origem na "fides bona" de Roma, ressalta o elemento confiança, e foi contemplada no novo Código Civil, com a admissão da existência dos deveres acessórios de conduta e a previsão como regra de interpretação e regra de contrato.


A importância da distinção entre as vertentes da boa-fé. Observações relevantes.

Há que se dispor que apenas a boa-fé objetiva se relaciona ao princípio da boa-fé. Considerada como princípio, consoante ensina Célia Barbosa Abreu Slawinski (2002), será enquadrada dentre os princípios normativos, posto que serve de fundamento de efetivas soluções disciplinadoras.

Posteriormente, há que se considerar que um ponto muito mais tormentoso do que a admissão da unidade ou dualidade de conceito é a definição da natureza jurídica do prisma objetivo, quer como princípio, regra, standard jurídico ou cláusula geral.

E, por último, cabe salientar, ainda, que, a edição de conceitos como o da boa-fé, não repercute apenas no campo obrigacional, como muitos acreditam e que sim, atribui ao juiz um maior poder, cabendo-lhe adequar a aplicação judicial às modificações sociais, procedendo sempre a uma análise do caso concreto. A influência se revela em todas as relações jurídicas existentes.


Conceito de cláusula geral. As cláusulas gerais como instrumentos legislativos permissivos da entrada dos princípios no ordenamento jurídico.

Não é unânime a doutrina acerca da conceituação de cláusula geral.

Pondera Judith Martins-Costa (2000), que a definição assumiria, segundo o ângulo de análise adotado, uma significação diversa.

As cláusulas gerais são formulações genéricas e abertas da lei, normas orientadoras, diretrizes, dirigidas ao juiz, que, simultaneamente, vinculam-no e lhe conferem liberdade para decidir, aplicar o direito no caso concreto.

De acordo com Nelson Nery (2002, p. 5) "são formulações contidas na Lei, de caráter significativamente genérico e abstrato".

E segundo Alberto Gosson Jorge Júnior (2004, p. 22), "as cláusulas gerais são normas jurídicas, originadas de um processo legislativo constitucionalmente previsto, que as posiciona na categoria forma de leis".

As cláusulas gerais se relacionam diretamente aos princípios jurídicos.

Em verdade, constituem o instrumento legislativo que permite a entrada, no ordenamento, de princípios valorativos expressos ou implícitos (em especial, os constitucionais) e máximas de conduta. Ou seja, as cláusulas gerais permitem que princípios e valores tidos tradicionalmente como metajurídicos sejam alocados aos códigos, efetivados. Nos dizeres de Judith Martins-Costa (2000, p. 274):

"As cláusulas gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, expressos ou ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, das normas constitucionais e de diretivas econômicas, sociais e políticas, viabilizando a sua sistematização no ordenamento positivo".

Complementados por Nelson Nery, que ressalta a maior concretude das cláusulas (2002, p. 5. a 7):

"As cláusulas gerais têm função instrumentalizadora [...], porque vivificam o que se encontra contido, abstrata e genericamente, nos princípios gerais de direito e nos conceitos legais indeterminados, são mais concretas e efetivas do que esses dois institutos".

Tais disposições se inserem no contexto de movimentação da ordem jurídica em torno do sistema aberto, de auto-suficiência apenas relativa da lei (em que não se é buscada a completude, o absolutismo), tanto que nossa Lei Fundamental é farta em modelos abertos.

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Breves considerações acerca da origem das cláusulas gerais.

As cláusulas gerais, diferentemente dos princípios, para que existam, devem ser expressas.

As origens deste instituto remontam o Código Alemão, que, conforme leciona Judith Martins-Costa (2000), fazia uma referência justamente à cláusula da boa-fé, com a denotação de um caráter elástico. O § 242 deste diploma concedia uma extraordinária capacidade criadora e inovadora aos juízes. Esta norma era tida por toda a doutrina como a "cláusula geral por excelência". Iniciava-se o direito vivente, com formulações genéricas. A lei passava a ser vista não como um limite, mas sim como ponto de partida para a criação do direito.

Todavia, em razão do influxo do positivismo legalista, tais cláusulas permaneceram como letra morta, durante um vasto período temporal.

Os códigos mais recentes, em sua maioria, possuem a técnica de legislar mediante o emprego de cláusulas gerais.

Conforme pondera Alberto Gosson Jorge Júnior (2004, p. 62):

"Com a doutrina do ‘direito livre’, preparou-se o terreno para a utilização das cláusulas gerais como instrumento de conformação do sistema jurídico, para o preenchimento das lacunas presentes no ordenamento, que já não mais necessitava sustentar a ficção a uma plenitude não encontrada na realidade dos fatos".

No que pertine ao ordenamento jurídico brasileiro, tanto a Constituição quanto o novo Código Civil são fartos em cláusulas gerais. Todavia, não pode ser esquecido que os referidos diplomas também contam com regras casuísticas.

Cláusula geral enquanto técnica legislativa. Contraposição das cláusulas gerais às casuísticas. Traços comuns das cláusulas gerais e dos princípios de direito.

A cláusula geral como técnica legislativa se contrapõe à casuística. Isto é, o modelo da cláusula geral é justamente o da adoção de premissas genéricas, o da não-casuística.

A casuística é uma concreção especificativa, há a regulação de uma matéria mediante a delimitação e a determinação jurídica em seu caráter específico, evitando generalizações amplas ou adaptáveis ao caso concreto. Há uma verdadeira tipificação de condutas, sendo que o legislador delimita o sentido e o alcance da regra. Por conseqüência, as normas são rígidas.

Nas cláusulas gerais, ao contrário, há o caráter de mobilidade, através de uma intencional imprecisão dos termos utilizados pelo legislador. Não há uma tipificação de condutas, mas sim um grau mínimo de tipicidade. As normas não são rígidas. Não se pretende responder automaticamente o problema, as respostas são construídas pela jurisprudência. O juiz exerce sua função criadora e inovadora na ordem jurídica (há o comando legislativo a fim de que crie ou complemente, no caso concreto, normas jurídicas). Caracterizam-se como valores éticos, exigências da eqüidade.

Segundo Judith Martins-Costa (2000), as cláusulas gerais atuam como metanormas, enviando o juiz a critérios aplicativos determináveis. Explica que não se trata de apelo à discricionariedade, mas sim de envio para valorações objetivamente válidas no ambiente social. Isto é, do ponto de vista legislativo, as cláusulas genéricas seriam disposições normativas com linguagem aberta. Por derradeiro, conclui que (2000, p. 299) há a "possibilidade de circunscrever, em determinada hipótese legal, uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial e não legal".

A generalidade não é característica das cláusulas gerais, mas sim a vagueza.


A linguagem das cláusulas gerais.

Para Judith Martins-Costa (2000), não se constitui um paradoxo afirmar que as cláusulas gerais não são gerais. Segundo a doutrinadora, para a compreensão desta afirmação, é necessário se avaliar o que seriam enunciados gerais, ambíguos e vagos.

Geral é aquele enunciado que vale para todos os objetos pertencentes a uma determinada classe, sem exceção. Um enunciado é genérico quando não se refere à presença de especificação.

Ambíguo, por sua vez, é o que, em razão da homonímia, pode assumir mais de um significado sem que o contexto em que empregado permita classificar em tal ou qual significado está o mesmo sendo compreendido (por exemplo, a boa-fé, quando não explicado se referida sua feição objetiva ou subjetiva).

Enunciado vago é aquele cuja área varia segundo o universo do discurso tido em consideração. Há a imprecisão do significado. Por derradeiro, há a necessidade de indicação do contexto em que opera e qual pode ser sua conotação. O uso de tal enunciado apresenta, além das hipóteses centrais e não controversas, alguns casos limites.

As cláusulas gerais não são, necessariamente, gerais, genéricas ou ambíguas, mas sempre são vagas.

O critério de utilização de normas vagas, assenta-se na necessidade de o direito necessitar de um certo grau de imprecisão a fim de se tornar adaptável ao caso concreto, utiliza-se de valorações tipicizantes das regras sociais. As cláusulas gerais, por derradeiro, adquirem um significado específico pelo seu uso em um determinado contexto. O juiz, com sua função criadora do direito, deve avaliar este contexto e determinar o significado.


A distinção entre cláusulas gerais e princípios.

As cláusulas gerais não se confundem com os princípios nem tampouco com os conceitos jurídicos indeterminados.

As cláusulas gerais, na verdade, são expressões abstratas que possuem a função de efetivar os princípios jurídicos em determinado caso concreto.

Segundo Judith Martins-Costa (2000, p. 316):

"A equiparação entre princípios jurídicos e cláusulas gerais decorre, fundamentalmente, da extrema polissemia que ataca o termo ‘princípios’; as cláusulas gerais não são princípios, embora na maior parte dos casos os contenham, em seu enunciado, ou permitam a sua formulação".

Ora, se as cláusulas gerais promovem a efetivação dos princípios, é óbvio que, na grande maioria das hipóteses, devem conter em seu enunciado um princípio ou mesmo permitir a sua formulação, reenviando ao valor que este exprime.

Os princípios, em sua definição, constituem pensamentos diretores da ordem jurídica, representantes de valores sociais, não vinculados a uma situação específica, mas que, ao mesmo tempo, carecem de mediações concretizadoras, não possuindo aplicabilidade direta. As cláusulas gerais, por conseguinte, caracterizam-se como normas, funcionam como as mediações concretizadoras, possibilitando a sua aplicação.

Neste sentido, é que existe tanto o princípio da boa-fé (que exprime o valor confiança), como a cláusula geral da boa-fé, que possibilita a efetivação do princípio em determinadas hipóteses concretas.


A distinção entre cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados.

Os conceitos jurídicos indeterminados também não podem ser confundidos com as cláusulas gerais. Esses conceitos se referem sempre a valores ou realidades fáticas. São conceitos vagos, imprecisos e genéricos. Exemplos em nossa legislação seriam: "coisas necessárias à economia doméstica", "divisão cômoda" e até mesmo, a "boa-fé".

Explica Judith Martins-Costa (2000, p. 326), que todos os conceitos jurídicos indeterminados se referem à realidade fática, à descrição de um fato, e que, podem ser precisados num determinado momento, ter o seu significado tornado preciso com base nas regras de experiência, às quais o juiz deve recorrer por força de mandamento legal (mais precisamente, o disposto no artigo 335 do Código de Processo Civil Brasileiro):

"[...] Os conceitos formados por termos indeterminados integram, sempre, a descrição do ‘fato’ em exame com vistas à aplicação do direito. Embora permitam, por sua vagueza semântica, abertura às mudanças de valorações, [...], a verdade é que, por se integrarem na descrição do fato, a liberdade do aplicador se exaure na fixação da premissa."

De tais ensinamentos, pode ser extraída a conclusão de que, como os conceitos jurídicos indeterminados se referem, em todos os casos, à descrição de um fato, em sua precisão de significado pelo juiz, há apenas interpretação e não criação do direito. E aí reside a sua distinção substancial com relação às cláusulas gerais, isto é, enquanto as cláusulas gerais exigem que o juiz crie o direito no caso concreto (concorra ativamente para a formulação das normas jurídicas, numa atuação deveras complexa), os conceitos jurídicos indeterminados exigem apenas interpretação das normas por parte do magistrado. A liberdade do julgador é restrita.

De acordo com Nelson Nery (2002), preenchido o conceito jurídico indeterminado, a solução já está preestabelecida na própria norma legal, competindo ao magistrado apenas aplicar a norma, sem exercer nenhuma função criadora.

A cláusula geral exige do juiz um ato de conhecimento. O conceito jurídico indeterminado exige, por sua vez, um ato de interpretação.

As cláusulas gerais no ordenamento jurídico brasileiro, em especial a transformação operada pela Constituição Federal e o Código Civil de 2002.

O Código Civil de 1916 era farto em regras casuísticas e não de cláusulas gerais, sendo sacrificada a liberdade e a flexibilidade do juiz, para, teoricamente, garantir maior segurança jurídica. De acordo com Paulo Bonavides (1996), segurança não no sentido dos resultados que a atividade privada alcançaria, mas quanto à disciplina balizadora, quanto às regras do jogo a serem aplicadas.

Suas idéias eram inspiradas, basicamente, no liberalismo, no princípio da autonomia da vontade e, em geral, na concepção político-filosófica vigorante após a Revolução Francesa.

Adotava-se um sistema fechado, com uma visão individualista. O legislador desprezou os costumes, os princípios, as concepções do magistrado e tudo aquilo que não estivesse expressamente previsto em lei.

Ruy Rosado de Aguiar Júnior (2000, p. 18), leciona que a ausência quase que absoluta de cláusulas gerais no Código Civil de 1916, significou, na prática, "o afastamento da possibilidade de aplicação judicializada dos contratos de acordo com uma preocupação de realizar a justiça material".

Acentue-se que, não apenas no âmbito contratual, mas em todos os ramos do direito não havia qualquer possibilidade de aplicação judicializada da lei.

Com o passar do tempo, todavia, essas idéias começaram a se apresentar como ultrapassadas e insuficientes para as novas relações sociais. Por derradeiro, foi necessário o advento do novo Código Civil, em 2002, que surgiu num momento em que o ordenamento jurídico insta por uma flexibilização, inserido no contexto do sistema aberto e repleto de cláusulas gerais.

Em um determinado momento histórico, pode se afirmar que o Código Civil perdeu, definitivamente, o seu caráter de Constituição do direito privado. Por derradeiro, a Carta Constitucional de 1988, definiu uma série de princípios e cláusulas gerais relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao diploma material civil.

Conforme ensina Paulo Bonavides (1996, p. 8):

"[...] O mecanismo é finalmente consagrado, no caso brasileiro, pelo texto constitucional de 5 de outubro de 1988, que inaugura uma nova fase um novo papel para o Código Civil, a ser valorado e interpretado juntamente com inúmeros diplomas setoriais, cada um deles com vocação universalizante".

E complementa (1996, p. 10) que "o direito civil perde, então, inevitavelmente, a cômoda unidade sistemática antes assentada, de maneira estável e duradoura, no Código Civil de 1916".

Não mais era possível ser admitido um ordenamento jurídico fechado. Não mais se poderia imaginar que o legislador pudesse prever todas as situações para as resoluções de litígios e aplicação das regras. Passou a ser necessária, simultaneamente com uma interpretação conjunta de todo o ordenamento jurídico, a criação de normas abertas, cujo conteúdo seria definido ante a análise do caso concreto.

A Constituição de 1988, como é de saber notório, possui uma série de princípios e também de cláusulas gerais.

É fato, portanto, que esta Carta Magna se consubstanciou no marco de uma nova opção legislativa. Entretanto, era necessária uma adequação do diploma civil a esta realidade. Por essa razão, em 2002, após um longo período de tramitação no Congresso Nacional, foi promulgado o novo Código Civil.

O novo diploma possui, em seu bojo, um grande número de cláusulas gerais (dentre elas, a cláusula geral da boa-fé) e, ademais, detém como características básicas a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade. De acordo com Alberto Gosson Jorge Júnior, a eticidade estaria diretamente relaciona às cláusulas gerais (2004, p. 82), "este caráter ético que permeia toda a nova codificação resultou num ambiente propício para um desenvolvimento ainda maior de aplicações das cláusulas gerais".

Neste contexto, caberá à doutrina e a jurisprudência a função de identificação e delimitação do potencial de utilização dessas normas no ordenamento jurídico.

Ainda em consonância com Alberto Gosson Jorge Júnior, (2004, p. 82-83):

"Dizemos que haverá de se identificar a presença das cláusulas gerais diante da ausência de uma formulação típica para esta categoria normativa. Se algumas cláusulas gerais revelam-se patentes, outras deverão ser ‘descobertas’ no ordenamento, pois nem sempre é o arcabouço da proposição normativa que por si só as caracterizam."

O ordenamento jurídico não afirma expressamente quais são as cláusulas gerais. Por conseqüência, a presença das cláusulas gerais deve ser identificada ante a ausência de uma formulação típica.

Já fora mencionado que a opção legislativa pelas cláusulas gerais ocasionou um intenso debate doutrinário.

Discussões à parte, não se pode deixar de se asseverar, conforme ensinamentos de Judith Martins-Costa (2000), que as referidas cláusulas têm a vantagem de proporcionar a mobilidade e adequação do direito e, de Ruy Rosado Aguiar Júnior (2000), que, do emprego da cláusula geral decorre o abandono do princípio da tipicidade e fica reforçado o poder revisionista do magistrado.

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Sobre a autora
Mariana Pretel e Pretel

advogada, pós-graduada "lato sensu" em Direito Civil e Processual Civil pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRETEL, Mariana. A boa-fé objetiva como cláusula geral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2149, 20 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12803. Acesso em: 24 dez. 2024.

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