Resumo
Para um controle rígido da constitucionalidade das leis, o ordenamento jurídico brasileiro acolheu um sistema misto. Através desse sistema, é possível realizar o controle tanto de modo abstrato ou concentrado quanto de modo difuso ou concreto. O controle difuso-incidental de constitucionalidade ocorre diante de um caso concreto e sempre teve como regra, até mesmo por influência do direito norte-americano, efeitos apenas entre as partes – inter partes – e retroativos, ou seja ex tunc. Entretanto, o entendimento quanto ao tema tem sofrido modificações, mesmo sem qualquer alteração legislativa. Passou-se a se admitir a modulação dos efeitos temporais da norma declarada inconstitucional, já que diante de algumas situações, atribuir efeitos retroativos poderia ocasionar um caos jurídico, social e econômico. Assim, diante de um caso concreto, ao ser declarada a inconstitucionalidade da norma, através de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, poderá o julgador limitar os efeitos da decisão, atribuindo a ela efeitos ex nunc ou pro futuro.
Palavras-chaves: Controle difuso de constitucionalidade. Efeitos temporais. Modulação.
1.INTRODUÇÃO
Desde 1891, quando a Constituição passou a prever o controle judicial difuso, o controle de constitucionalidade das leis se tornou tema assente no cenário jurídico, gerando inúmeras celeumas tanto na doutrina quanto na jurisprudência, o que só enriqueceu ainda mais o tema.
A gama de aspectos a serem abordados no controle judicial de constitucionalidade é infinita. Contudo, após o julgamento do Recurso Extraordinário nº 197.917-SP, um tema vem ganhando destaque. Cuida-se dos efeitos temporais no controle difuso-incidental de constitucionalidade.
Diferentemente do controle abstrato, não há qualquer previsão legal que possibilite a limitação ou modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade naquele modelo de controle. Mesmo assim, entendeu o egrégio Supremo Tribunal Federal ser possível a modulação de efeitos no controle difuso.
Nesse contexto, é preciso analisar as raízes do controle difuso e demonstrar que os efeitos anteriormente previstos já não se coadunam com as perspectivas atuais. E mais, esclarecer que não é necessária a existência de legislação própria, para se determinar a limitação de efeitos.
A limitação ou modulação dos efeitos temporais não se resumem a teorias emergidas para simples debate acadêmico. Seus efeitos influenciam sobremaneira o cotidiano das pessoas e do Poder Público, gerando reflexos sociais, jurídicos e econômicos.
Por essa razão, antes da análise dos efeitos temporais produzidos sem sede de controle difuso-incidental de constitucionalidade, mister se faz análise de todo sistema de controle existente no ordenamento, ainda que de maneira perfunctória. Após, imprescindível imiscuir-se no sistema difuso de controle de constitucionalidade e nos efeitos por ele produzidos, não se olvidando do papel do Senado Federal.
Para tanto, buscou-se através de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial trazer a lume os fundamentos que envolvem o tema proposto, captando com precisão aspectos essenciais e acidentais do tema, com contraposição de idéias e observando como os Tribunais têm analisado o tema.
2.NOÇÕES PROPEDÊUTICAS SOBRE O CONTROLE DE CONSTITU-CIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Logo em seu primeiro artigo, a Constituição da República consignou que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, sendo que uma das vigas que sustenta esse modelo de Estado é o princípio da legalidade. É, pois, pela lei que será possível vislumbrar a atuação da vontade popular, o cumprimento dos objetivos elencados pelo constituinte (art. 3º da Constituição) e dos diversos direitos e garantias assegurados àqueles que se encontram em terrae brasilis.
Nesse diapasão, José Afonso da Silva atento a importância da lei ressalta, in verbis:
Deve, pois, ser destacada a relevância da lei no Estado Democrático de Direito, não apenas quanto ao seu conteúdo formal de ato jurídico abstrato, geral, obrigatório e modificativo da ordem jurídica existente, mas também à sua função de regulamentação fundamental, produzida segundo um procedimento constitucional qualificado (2006, p. 121).
Como corolário, surge o princípio da constitucionalidade que revela que o Estado Democrático de Direito se funda na legitimidade de uma Constituição rígida, proveniente da vontade popular que, dotada de supremacia, vincule todos os poderes e os atos dele provenientes (SILVA, 2006, p. 122).
Em razão dessa supremacia da Constituição, impõe-se que todas as situações jurídicas existentes estejam em conformidade com os princípios e preceitos nela elencados – princípio da supremacia formal da Constituição. Isso significa afastar toda norma que venha em sentido contrário ao estabelecido pelo legislador constituinte originário, de modo a existir uma compatibilidade vertical entre as normas de grau inferior com as de grau superior.
Zeno Veloso, ao tecer comentários sobre a hierarquia constitucional, de maneira lapidar, constata:
As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Para manter a harmonia do sistema, e até por uma questão de lógica, coerência, todas as normas devem se adequar, têm de ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a lex legum (Leis das leis) (2007, p.135).
Consequentemente, toda manifestação do legislador ou Poder Público que trouxer a lume uma norma que estiver em desacordo com a Constituição será ela considerada inconstitucional, devendo ser retirada do ordenamento jurídico. Para isso, é imperiosa a existência de um órgão independente, apto a analisar eventual incompatibilidade da norma com a Constituição.
De fato, ao se cogitar em um Estado de Direito, como bem ressaltou Alexandrino (2007, p. 2), é imprescindível que haja um órgão independente daquele encarregado da elaboração normativa, ao qual a Constituição atribua competência para verificar a conformidade das normas ordinárias com os princípios e regras estabelecidos no texto constitucional. E o motivo é simples: se as funções (poder) de legislar e julgar estivessem concentradas na mão de uma única pessoa (déspota), nenhum provimento por ele emitido seria considerado ilegal, ilegítimo, enfim, contrário ao direito. Era, pois, necessário se fazer um divisão.
Os primeiros passos para uma efetiva divisão, separação dos poderes, ou das funções atribuída aos órgãos [01], iniciou-se com Aristóteles ao identificar o exercício de três funções estatais distintas, concentradas na figura de uma só pessoa. Posteriormente, tal teoria restou aperfeiçoada por Montesquieu, que ressaltou que tais funções estariam conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes [02] entre si (LENZA, 2006, p. 222).
Consagrada nas Constituições de vários países, a separação dos poderes, que era ligado a idéia de Estado Democrático (DALLARI, 1998, p. 218), também foi adotado pela Constituição brasileira como cláusula pétrea, ao estabelecer que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si (art. 2º e art. 60, § 4º, inc. III).
Nesse passo, ao Poder Judiciário foi atribuída a função jurisdicional de dirimir as lides que lhe eram levadas, aplicando a lei no caso concreto. Nesses conflitos, por vezes, o que se discute é a (in)constitucionalidade da lei perante a Constituição da República, seja de modo incidental ou principal. Em qualquer das situações, mutatis mutandis, será realizado um controle de constitucionalidade.
Desse modo, como bem aduz Alexandre de Moraes (2001, p. 559) "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais". No mesmo sentido e com a mesma sapiência assevera Paulo Napoleão Nogueira da Silva (1992, p. 14) que "o controle da constitucionalidade das leis é uma conseqüência lógica do princípio da supremacia da Constituição, que envolve a distinção entre matéria constitucional e matéria ordinária".
Com efeito, a incompatibilidade da norma infraconstitucional com a Constituição decore de vícios, os quais acabam por gerar sua inconstitucionalidade. Esses vícios poderão sobressair de duas maneiras.
O primeiro delas é denominado de vício formal e ocorre quando a norma infraconstitucional contiver um vício em sua formação, ou seja, no processo legislativo de sua elaboração (LENZA, 2006, p. 99). Em casos tais, o conteúdo da norma até pode ser compatível com o texto constitucional, porém alguma formalidade exigida no tocante ao trâmite legislativo ou às regras de competência foi desobedecida (ALEXANDRINO, 2007, p. 9). O vício formal pode ser de natureza subjetiva ou objetiva.
O vício formal subjetivo é verificado na fase de iniciativa e ocorre a partir do momento em que o projeto de lei é apresentado por quem não detinha competência. Melhor explicando: de acordo com o art. 61, § 1º, inc. II, "a" da Constituição da República, são de iniciativa privativa do Presidente as leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica. Desse modo, se porventura um deputado federal deflagrar o processo legislativo tratando da matéria acima delineada, estar-se-á diante de um vício formal subjetivo, já que tal matéria só poderia ser tratada em projeto de lei de iniciativa do Presidente.
O vício também poderá ser verificado nas fases posteriores à fase de iniciativa. Assim ocorrendo, mediante a inobservância das regras constitucionais referentes às fases constitutivas e complementar do processo legislativo, como votação, sanção, veto, configurar-se-á a chamada inconstitucionalidade por vício formal objetivo. Por exemplo: a lei complementar só é aprovada por maioria absoluta (art. 69 da Constituição); se ela for votada por um quorum de maioria relativa haverá um vício formal objetiva que macula a norma, tornando-a inconstitucional.
O segundo vício que torna inconstitucional a norma é o material que está relacionado ao conteúdo da norma. Mesmo que o processo legislativo foi fielmente obedecido, a norma será inconstitucional, pois ela é incompatível com a Carta Política. Seria o caso da lei que, em circunstâncias normais, instituísse pena de caráter perpétuo (art. 5º, inc. XLVII, "b" da Constituição).
A análise acerca da existência desses vícios, acarretando, por consequência, um controle de constitucionalidade, não cabe tão somente ao Poder Judiciário, já que ele pode ocorrer em dois momentos distintos, ou seja, pode tanto ser realizado preventivamente – antes do projeto de lei se tornar lei – como de modo repressivo, retirando do ordenamento a lei geradora de efeitos.
O controle prévio ou preventivo é aquele realizado durante o processo legislativo e pode ser realizado tanto pelo Legislativo, quanto pelo Executivo e Judiciário.
No Legislativo, o projeto de lei passará pelo crivo das comissões de constituição e justiça [03], que emitirá um parecer acerca da compatibilidade do projeto com o texto constitucional; se negativo o parecer, o projeto de lei será rejeitado e arquivado definitivamente (art. 101, § 1º do Regimento Interno do Senado Federal e art. 54, inc. I do Regimento Interno da Câmara dos Deputados) [04].
O Executivo poderá exercitar o controle prévio mediante o veto, por entender que o projeto de lei é inconstitucional (veto jurídico) ou contrário aos interesses públicos (veto político).
Já o controle prévio realizado pelo Judiciário [05] pode ser realizado em uma única hipótese, qual seja, garantia de um devido processo legislativo, de modo a vedar a participação do parlamentar em procedimentos contrários à Constituição (LENZA, 2006, p. 103), como, por exemplo, deliberação de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes (art. 60, § 4º, inc. III da Constituição da República). Nesse diapasão
[...] somente o membro do Poder Legislativo tem legitimação para pedir esse controle, visto que somente o parlamentar tem interesse na estrita observância do processo de que participa. Todos os demais, não parlamentares, não tem legitimidade ad causam ativa para exercer esse controle (KÜMPEL, 2007, p. 128).
Acolhido como regra no ordenamento jurídico brasileiro, o controle posterior ou repressivo de constitucionalidade é realizado pelo Poder Judiciário, através de um controle difuso-incidental (concreto) ou concentrado (abstrato).
O primeiro, cuja análise será realizada pormenorizadamente no item seguinte, é cabível diante de um caso concreto, em que a parte sustenta a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.
Já o controle concentrado, em que o objeto principal da demanda é a própria declaração de (in)constitucionalidade da norma e que tem como características a generalidade, a impessoalidade e a abstração do questionamento (KÜMPEL, 2007, p. 129), pode ocorrer mediante os seguintes meios [06]: ação direta de inconstitucionalidade – art. 102, inc. I, "a" (ADI); arguição de descumprimento de preceito fundamental – art. 102, § 1º (ADPF); ação direta de inconstitucionalidade por omissão – art. 103, § 2º; ação direta de inconstitucionalidade interventiva – art. 36, inc. II e; ação direta de constitucionalidade – art. 102, inc. I, "a" (ADC), todos da Constituição da República.
Denota-se, portanto, que o Brasil adotou um modelo misto ou eclético de controle judicial de constitucionalidade, já que, conforme pondera Dirley da Cunha Júnior (2007, p. 84), foram combinados o sistema difuso-incidental (oriundo do direito norte-americano) e concentrado-principal (proveniente dos países europeus continentais).
Cumpre assinalar ainda que, excepcionalmente, caberá ao Poder Legislativo realizar essa espécie de controle em duas hipóteses: a uma, prevista no artigo 49, inc. V, da Constituição da República, compete ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; a duas, prevista no artigo 62 da Constituição da República, quando uma medida provisória submetida ao Congresso Nacional é taxada de inconstitucional (LENZA, 2006, p.106).
Tecidas essas breves linhas sobre o controle de constitucionalidade, mister imiscuir-se no tema proposto, a iniciar pelo detalhamento do controle difuso-incidental.
3.O CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
O controle difuso de constitucionalidade encontra raízes históricas no direito norte-americano, especificamente no caso Marbury versus Madison, em 1803, quando o Juiz John Marshall da Suprema Corte entendeu que havendo conflito entre a aplicação de uma lei e a Constituição em um caso concreto, deve prevalecer sempre a norma hierarquicamente superior (LENZA, 2006, p. 107).
Sintetizando os argumentos tecidos no leading case em testilha, Dirley da Cunha Junior enfatiza:
A decisão de MARSHALL representou a consagração não só da supremacia da constituição em face de todas as demais normas jurídicas, como também do poder e dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição. Considerou-se que a interpretação das leis era uma atividade específica dos juízes, e que entre essas figurava a lei constitucional, como a lei suprema, de tal modo que, em caso de conflito entre duas leis a aplicar a um caso concreto, o juiz deve aplicar a lei constitucional e rejeitar, não a aplicando, a lei inferior (2007, p. 75).
Com isso, acolheu-se a tese de que as Constituições, mormente aquelas tidas como rígidas, tal como a Constituição brasileira, são normas jurídicas fundamentais e supremas a qualquer outra, devendo sempre prevalecer em detrimento de leis infraconstitucionais.
Com efeito, o modelo norte-americano de controle de constitucionalidade – judicial review – restou encampado inicialmente pela Constituição Republicana de 1891, que não previa qualquer outra espécie de controle, mantendo-se vigente até então. É certo que durante esse lapso temporal – 1891 a 1988 – outras constituições fizeram parte do cenário nacional e trouxeram algumas inovações.
Ao longo do século XX, o sistema norte-americano (baseado no commow law) foi perdendo espaço para um novo modelo de controle surgido na Europa continental (baseado no civil law). Trata-se do sistema de controle concentrado de constitucionalidade, atualmente também adotado pelo Brasil [07], em que a análise da norma infraconstitucional ocorre de maneira abstrata, sem necessidade de se estar diante de um caso concreto [08].
Tradição no ordenamento jurídico brasileiro, o controle difuso-incidental de constitucionalidade, também conhecido como posterior, repressivo ou controle pela via de exceção ou defesa, é imprescindível para o deslinde do caso concreto [09].
É que diante de uma relação jurídica controvertida posta ao crivo do Poder Judiciário, é possível questionar acerca da constitucionalidade do ato normativo aplicado ao caso. Sem aferir se a norma é ou não constitucional, não poderá o magistrado decidir o mérito da lide.
Nesse diapasão, advogam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:
Então, sendo argüida a inconstitucionalidade da norma, o juiz, para reconhecer ou negar o direito do autor, vê-se obrigado a examinar a questão de constitucionalidade suscitada. Por isso se diz que no controle difuso o objeto da ação não é a constitucionalidade em si, mas sim uma relação jurídica concreta qualquer (2007, p. 39).
Por esse motivo que o controle difuso é também denominado de incidental ou incidenter tantum, já que a declaração de inconstitucionalidade da norma é meramente acessória, porquanto a questão principal a ser decidida é o reconhecimento ou proteção de um direito alegado. Outorga-se, portanto, ao litigante o direito de obter uma declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato normativo, elaborados em desacordo com a Carta Magna (MORAES, 2001, p. 565).
Pelo fato da controvérsia surgir no caso concreto, esse controle poderá ser realizado por qualquer órgão do Poder Judiciário, seja pelos juízes de primeiro grau [10], pelos Tribunais locais ou superiores, podendo a controvérsia, inclusive, ser levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) através do recurso extraordinário ou ordinário – art. 102, inc. II e III da Constituição. Todos têm, no âmbito de sua competência, a aptidão para aferir a constitucionalidade da norma.
Em relação ao recurso extraordinário interposto perante a cúpula do Judiciário, salientares são os escólios de Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Martonio Mont´Alverne Barreto Lima:
O Supremo Tribunal, aqui, não funciona nem mesmo como mera corte de cassação, mas como corte de apelação, cabendo-lhe julgar tanto o error in procedendo quanto o error in iudicando. Assim, o resultado da atuação do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade nunca é o julgamento de uma tese, e dessa atuação não resulta uma teoria, mas uma decisão; e essa decisão trata da inconstitucionalidade como preliminar de mérito para tratar do caso concreto, devolvido a ele por meio de recurso, sob pena de se estar negando jurisdição (art. 5º, XXXV e LV, da Constituição da República) (2007, p. 4).
Entretanto, em relação aos tribunais [11] cabe uma observação. Caso haja, no julgamento da lide, um questionamento incidental sobre a constitucionalidade de alguma lei, mister seja suscitada uma questão de ordem que será remetida ao pleno ou órgão especial do respectivo tribunal para análise de sua compatibilidade com a Constituição.
É a chamada cláusula de reserva de plenário e está prevista no artigo 97 da Constituição. A Carta Política exige que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial [12] poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Observa-se que a norma refere-se aos tribunais e não aos juízes monocráticos que atuam em primeira instância. Consequentemente, a cláusula de reserva de plenário não impede que o juiz, que atue em primeira instância, declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público (MORAES, 2001, p. 566).
Com a exigência do quórum qualificado busca-se garantir maior segurança jurídica às decisões e uma maior estabilidade ao ordenamento jurídico (ALEXANDRINO, 2007, p. 43), já que a inobservância da cláusula tornará ilegítima e totalmente nula a decisão do órgão colegiado. Por essa razão é que Alexandre de Moraes (2001, p. 566) aduz que essa cláusula atua como verdadeira condição de eficácia jurídica da própria declaração jurisdicional de inconstitucionalidade.
Essa necessidade de maioria absoluta apenas corrobora o princípio da constitucionalidade das leis, que sempre deve prevalecer caso não seja alcançado o quórum desejado. Aliás, é como doutrina José Afonso da Silva (2006, p.53), in verbis: "milita presunção de validade constitucional em favor de leis e atos normativos do Poder Público, que só se desfaz quando incide o mecanismo de controle jurisdicional estatuído na Constituição".
Ressalte-se, no entanto, que nem todo tribunal possui um órgão especial. Na falta, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser proferida por deliberação do plenário. Isso significa que os órgãos fracionários do tribunal – turmas, câmara e seções – não poderão se manifestar acerca da constitucionalidade da norma, nem mesmo pela unanimidade de seus membros.
Todavia, a aplicação do art. 97 em comento tem sido mitigada pela jurisprudência [13]. Dando um maior enfoque aos princípios da economia processual e segurança jurídica tem-se admitido a dispensa da aplicação do dispositivo legal sempre que houver decisão do órgão especial ou pleno do Tribunal, ou do Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido (LENZA, 2006, p. 109).
Essa orientação jurisprudencial restou positivada no artigo 481, parágrafo único do Código de Processo Civil que enfatizou que os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.
Declarada a inconstitucionalidade de qualquer ato normativo, afastando sua aplicação no caso concreto, é necessário delimitar a partir de quando essa declaração produzirá efeitos e para quem produzirá. O modelo clássico, referente ao controle difuso-incidental de constitucionalidade, impõe que declaração produza efeitos inter partes, alcançando tão somente as partes do processo, e ex tunc, isto é, retroativos à data da edição do ato normativo.
Todavia, diante de situações peculiares, é possível conceder efeitos distintos àqueles normalmente aplicados no controle-difuso incidental de constitucionalidade. É possível que esses efeitos atinjam terceiras pessoas – efeito erga omnes – ou não retroajam diante da existência de alguma circunstância – efeitos ex nunc.