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Prisão preventiva: garantia da ordem pública e reiteração da prática criminosa

29/05/2009 às 00:00
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A prisão preventiva é, segundo José Frederico Marques, "a mais genuína das formas de prisão cautelar" [01], sendo, certamente, a mais utilizada dentre aquelas previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

Referida modalidade de restrição cautelar da liberdade do indivíduo encontra regulamentação nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, sendo certo que os requisitos encontram previsão no art. 312 do mesmo diploma.

A propósito, para a decretação dessa espécie de custódia cautelar, deverão estar necessariamente presentes os "requisitos", os quais, na precisa lição de Julio Fabbrini Mirabete [02] (também adotada por Denílson Feitosa Pacheco [03]) se bipartem em "pressupostos" e "fundamentos". Os pressupostos, caracterizadores do fumus comissi delicti (fumaça do cometimento do delito), são traduzidos pelo binômio "prova da existência do crime" e "indícios suficientes de autoria". Já os fundamentos, os quais indicam o periculum libertatis (perigo em liberdade), são, segundo o art. 312 do CPP: 1) garantia da ordem pública; 2) garantia da ordem econômica; 3) aplicação da lei penal e 4) conveniência da instrução criminal.

A garantia da ordem pública é, de longe e, por certo, o fundamento mais utilizado pelos magistrados para a decretação da prisão preventiva. No entanto, referido fundamento vem recebendo, já há muito, severas críticas da doutrina processualista e dos Tribunais Superiores graças ao indeterminismo da expressão "ordem pública".

Nesse sentido, a ausência de uma previsão legal e de uma definição exata do que necessariamente seja "ordem pública" permitiu que os juízes de primeiro grau construíssem uma série de argumentos com a finalidade de suprir as lacunas deixadas pelo legislador. Dessa forma, surgiram basicamente sete interpretações dadas à expressão "ordem pública", quais sejam: 1) reiteração da prática criminosa; 2) periculosidade do agente; 3) gravidade do delito; 4) caráter hediondo do crime; 5) repercussão social do fato; 6) credibilidade da justiça; e, finalmente, 7) clamor social, público ou popular.

Dessas interpretações dadas à expressão "ordem pública", a que encontra maior acolhida é a referente à reiteração da prática criminosa. E é justamente dela que ousamos discorrer.

Com efeito, a necessidade de se impedir a continuidade do indiciado ou acusado na prática criminosa é, certamente, o argumento mais utilizado e, na mesma medida, o mais aceito como motivação para a prisão preventiva decretada com o desiderato de se resguardar a ordem pública.

Numa obra antológica, inovadora para os padrões da época, Basileu Garcia já afirmava ser tal argumento aceitável, aduzindo que:

"Para a garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o delinqüente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso à práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida" [04].

A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que tal argumentação é plenamente válida, desde que pautada em elementos concretos emergentes dos autos.

No julgamento de um caso recente (HC 94.598/RS) os membros da Primeira Turma do STF, em uníssono, seguiram o voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski, aduzindo que:

"A decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública e na conveniência da instrução criminal está devidamente fundamentada em fatos concretos a justificar a segregação cautelar, em especial diante da reiteração da conduta"

[05].

Em um caso não tão recente, mas que ganhou notoriedade na mídia nacional e, por esse motivo, merece ser abordado, a Primeira Turma decidiu no mesmo sentido do aresto acima transcrito, isto é, de que a continuidade na prática delitiva demonstra a necessidade do cerceamento cautelar da liberdade do indivíduo com o vistas a se resguardar a ordem pública: trata-se da Questão de Ordem no habeas corpus (HC-QO) 85.298/SP, cujo paciente é o chinês Law Kin Chong, apontado pela mídia nacional como o maior contrabandista do país. No julgado citado, a Primeira Turma, por maioria de votos, indeferiu o pedido de habeas corpus, vencido o relator, Ministro Marco Aurélio [06], que votou pelo deferimento. Assim decidiu o colegiado:

"A fundamentação constante do decreto de prisão cautelar é idônea o suficiente para demonstrar a necessidade da custódia. É que o juiz se louvou em dados empíricos que respaldam o fundado receio do uso que se possa fazer do poder econômico para manter uma situação de impunidade e para a prossecução de práticas delitivas"

[07].

Da mesma Primeira Turma, os habeas corpus 94.248/SP [08], 92.776/SC [09] e 88.114/PB [10].

A Segunda Turma, a exemplo da Primeira, também entende que a necessidade de se prevenir a reprodução de novos crimes é motivação bastante para se prender o acusado ou indiciado, em sede de prisão preventiva pautada na garantia da ordem pública. Com efeito, em decisão recente no HC 95.118/SP, cuja relatora era a Ministra Ellen Gracie, a Segunda Turma decidiu que "a garantia da ordem pública se especializa na necessidade da prisão para evitar a reiteração de práticas criminosas graves, objetivamente consideradas com base em elementos colhidos nos autos da ação penal" [11].

No mesmo caminhar e da mesma Segunda Turma, os habeas corpus 94.999/SP [12], 94.828/SP [13] e 93.913/SC [14].

A despeito da posição consolidada pelo STF, acima delineada, Aury Lopes Júnior, citado por Marcelo Ferreira de Souza, defende a tese de que o risco da reiteração da prática criminosa não é razão suciente para se encarcerar alguém. Veja-se:

"Quando se mantém uma pessoa presa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal" [15].

No entanto, o fato é que o autor acima citado é posição isolada na doutrina, tendo em vista que os processualistas brasileiros, majoritariamente, cerram fileiras na defesa da tese de que a necessidade de se impedir o cometimento de novas infrações penais é fundamentação revestida de idoneidade, desde que pautada em elementos concretos.

Nessa senda, Guilherme de Souza Nucci entende que a necessidade de se evitar a contumácia criminosa "é motivo suficiente para constituir gravame à ordem pública, justificador da decretação da prisão preventiva" [16].

Na mesma linha de Nucci e de Mirabete, o processualista Paulo Rangel entende que "se o indiciado ou acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais" [17].

A partir dessas considerações, podemos afirmar, a toda evidência, que é sensato e razoável o entendimento defendido pela corrente processualista majoritária e pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que a prisão preventiva, pautada na garantia da ordem pública, poderá ser decretada desde que existam dados concretos indicando que o agente (indiciado ou acusado) poderá voltar a praticar novos crimes, isto é, desde que haja prova consistente nos autos noticiando que o agente, sempre que posto em liberdade, volta a delinqüir (p. ex., ficha de antecedentes criminais). Como bem lembra Denílson Feitosa Pacheco, "procura-se aferir a probabilidade de que o acusado volte a delinqüir, o que se pretende evitar com sua prisão preventiva" [18]. Mais adiante, o mesmo autor conclui, num exemplo que, embora simplista, é digno de transcrição: "um acusado que tenha praticado vários crimes de roubo e volta a praticar mais um, provavelmente praticará outro roubo, colocando em risco a ordem pública" [19].

Finalmente, convém destacar que é recorrente na doutrina processualista uma desarrazoada alegação de que a prisão preventiva, decretada para garantia da ordem pública, mormente com vistas a impedir a reiteração da prática criminosa, ofende o postulado constitucional da não-culpabilidade (CF/88, art. 5º, LVII). Capitaneando essa corrente (minoritária), Roberto Delmanto Júnior assevera que:

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"Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira, de que o imputado realmente cometeu o delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime, ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado" [20].

Todavia, parece-nos que essas alegações defendidas pela corrente minoritária podem ser refutadas em sua totalidade pelas lições lapidares do processualista Eugênio Pacelli de Oliveira, que, a despeito de ser Procurador Regional da República em Minas Gerais, tem sua obra marcada por traços notoriamente garantistas. Diz o renomado autor:

"Parece-nos, entretanto, que, sempre excepcionalmente, o princípio do estado de inocência haverá de ser flexibilizado quando em risco valores constitucionais igualmente relevantes. Não estamos nos referindo à segurança pública como mera abstração, ou como valor a ser sopesado sem critérios empíricos, mas à sua necessária concretização, diante de hipóteses excepcionalíssimas" [21].

Portanto, é certo que a custódia preventiva, medida cautelar gravosa de cunho excepcional, pode ser decretada com fundamento na garantia da ordem pública, para impedir a reiteração da prática criminosa, sem que isso constitua violação ao princípio da não-culpabilidade ("estado de inocência", para Eugênio Pacelli), dada a necessidade de flexibilização do postulado constitucional mencionado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

GARCIA, Basileu. Comentários ao código de processo penal. v. III. Rio de Janeiro: Forense, 1945, pp.169/170, apud CAVALHEIRO NETO, Augusto. A insuficiência do argumento para a prisão preventiva, Revista Consultor Jurídico, São Paulo, ano 6, 9 mar. 2004. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/147,1>. Acesso em: 7 nov. 2008.

LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 203, apud SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança Pública e Prisão Preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 160.

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. atual. por Eduardo Paulo Ferrari. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000, p. 49.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 252.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 593.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pp. 436-437.

PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4. ed. rev. amp. e atual. com a Emenda Constitucional da "Reforma do Judiciário". Niterói: Impetus, 2006, p. 681.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 613.


Notas

  1. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. atual. por Eduardo Paulo Ferrari. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000, p. 49.
  2. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 252.
  3. PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4. ed. rev. amp. e atual. com a Emenda Constitucional da "Reforma do Judiciário". Niterói: Impetus, 2006, p. 681.
  4. GARCIA, Basileu. Comentários ao código de processo penal. v. III. Rio de Janeiro: Forense, 1945, pp.169/170, apud CAVALHEIRO NETO, Augusto. A insuficiência do argumento para a prisão preventiva, Revista Consultor Jurídico, São Paulo, ano 6, 9 mar. 2004. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/147,1>. Acesso em: 7 nov. 2008.
  5. STF, HC nº 94.598/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 21.10.2008, DJ 07.11.2008.
  6. Nota explicativa: nos julgamentos em que o relator originário é voto vencido (como o Min. Marco Aurélio, neste caso), o acórdão é relatado pelo revisor (neste caso, o Min. Carlos Britto), em atenção ao § 3º do art. 135 do Regimento Interno do STF, que dispõe que "se o Relator for vencido, ficará designado o Revisor para redigir o acórdão".
  7. STF, HC 85.298/SP, rel. Min. Marco Aurélio, rel. para o Acórdão, Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 07.06.2005, DJ 04.11.2005.
  8. STF, HC 94.248/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 03.06.2008, DJ 27.06.2008.
  9. STF, HC 92.776/SC, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j. 11.03.2008, DJ 04.04.2008.
  10. STF, HC 88.114/PB, rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 03.10.2006, DJ 17.11.2006.
  11. STF, HC 95.118/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 14.10.2008, DJ 31.10.2008.
  12. STF, HC 94.999/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 21.10.2008, DJ 07.11.2008.
  13. STF, HC 94.828/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, j. 07.10.2008, DJ 24.10.2008.
  14. STF, HC 93.913/SC, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 08.04.2008, DJ 20.06.2008.
  15. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 203, apud SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança Pública e Prisão Preventiva no Estado Democrático de Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 160.
  16. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 593.
  17. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 12. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 613.
  18. PACHECO, Denílson Feitosa. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 4. ed. rev. amp. e atual. com a Emenda Constitucional da "Reforma do Judiciário". Niterói: Impetus, 2006, p. 679.
  19. PACHECO, Denílson Feitosa. Op. cit., p. 679.
  20. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
  21. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pp. 436-437.
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Sobre o autor
Alexs Gonçalves Coelho

Mestre em prestação jurisdicional e direitos humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2020). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2018). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Criminologia pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2014). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Público pela Uniderp/Anhanguera (2011). Graduado em Direito pelo Centro Universitário UnirG, Gurupi/TO (2008). Escrivão Judicial - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2010-atualidade). Assessor Jurídico de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2013-atualidade). Membro da Equipe Especial Disciplinar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Tocantins - EED/CGJUS/TO (2014/2015). Assistente de Gabinete de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2012/2013). Assessor Jurídico de 1ª Instância - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2009/2010). Assistente de Gabinete de Promotor - Ministério Público do Estado do Tocantins (2006/2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Alexs Gonçalves. Prisão preventiva: garantia da ordem pública e reiteração da prática criminosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2158, 29 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12841. Acesso em: 22 nov. 2024.

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