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Direito à privacidade e direito ao sigilo.

Uma ponderação de valores constitucionalmente tutelados

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18/06/2009 às 00:00
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I. CONTEXTUALIZAÇÃO

Quando eu ainda estava na faculdade, frequentando as aulas do Curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e o estágio na Procuradoria da República neste Estado, deparei-me, pela primeira vez na prática, com um conflito entre interesses constitucionalmente tutelados.

Na ocasião, no referido estágio, pude manusear — dentro das atribuições de estagiário de Direito — um inquérito policial em que havia sido decretada judicialmente a quebra do sigilo telefônico [01] de determinado traficante de drogas, ou melhor, de um "mula" preso em flagrante logo após atravessar a fronteira, vindo da Bolívia, transportando cocaína.

Os documentos que instruíam os autos do referido inquérito policial revelavam os números de telefone para os quais o dito criminoso havia telefonado e aqueles dos quais havia recebido ligações. Tais informações, em cotejo com as declarações dos policiais que acompanhavam os passos do dito criminoso, chamaram a minha atenção para um determinado número de telefone celular com o qual o tal "mula" havia mantido contato por diversas vezes naquele dia, minutos antes de receber a droga no território boliviano e instantes depois de regressar ao Brasil, antes de ser preso.

Levei tal fato ao conhecimento do Procurador da República Supervisor e ele, com respaldo no art. 8º da Lei Complementar n. 75/93, decidiu requisitar da empresa concessionária de telefonia móvel informações sobre o titular daquela linha telefônica (nome e endereço), pois, como se sabe, não existem listas telefônicas de telefones celulares.

Contudo, a resposta recebida da referida empresa, dias depois, foi negativa e embasada na garantia do sigilo telefônico. O ofício de resposta informava que só mediante ordem judicial poderia fornecer aquela informação.

Infelizmente não acompanhei o caso até o fim, não sabendo o que aconteceu a partir daquele momento.

Ocorre que, anos depois, agora já formado e como servidor da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, chegou ao meu conhecimento que o Ministério Público Federal havia ajuizado uma Ação Civil Pública em que postulava, exatamente, o acesso ao que foi denominado "dados cadastrais" sem a necessidade de prévia ordem judicial. Postula o Parquet que as empresas de telefonia sejam compelidas a, quando solicitado diretamente por membro do Ministério Público e para instruir inquérito policial, inquérito civil ou ação civil pública, fornecer dados como nome e endereço do titular da linha telefônica.

Aqueles fatos ocorridos durante o estágio e já praticamente esquecidos voltaram, então, à minha memória e, sem questionar a via escolhida para veicular a referida pretensão (Ação Civil Pública) — que seria tema para outro artigo —, pus-me a refletir sobre o tema, chegando a conclusões que resolvi compartilhar.


II. DELIMITAÇÃO DO TEMA: PRIVACIDADE X SIGILO

Está bem claro que a presente discussão girará em torno da abrangência da garantia constitucional da inviolabilidade da intimidade e da vida privada, bem como do alcance do sigilo previsto no inciso XII do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Aliás, a relevância e a atualidade da discussão são evidentes, posto que, embora não tenhamos muitos confrontos diretos, é de conhecimento público a campanha da OAB contra o que chamou de "Estado Policial" em sua última Conferência Nacional e o movimento "contra os grampos" que tomou conta de Brasília, ao mesmo tempo em que o STF supervalorizou a liberdade de informação para declarar a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa e a população clama por uma polícia judiciária mais eficiente e que lhe assegure o direito fundamental à segurança. Isso para citar apenas alguns exemplos.

Cumpre, porém, antes de qualquer outra coisa, afastar a interpretação no sentido de que os referidos dados cadastrais do titular da linha telefônica estariam abrangidos pelo sigilo a que se refere o art. 5º, XII, da Constituição Federal de 1988.

Deveras, o mencionado dispositivo constitucional é explícito ao assegurar a inviolabilidade do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, das comunicações de dados e das comunicações telefônicas. Logo, as informações relativas aos dados pessoais do titular da linha telefônica, por não estarem inseridas em correspondência e por não consistirem em comunicação de qualquer tipo — telegráfica, de dados ou telefônica —, não teriam seu sigilo assegurado por tal norma.

E nem se diga, pela ingenuidade do raciocínio, que tais dados cadastrais, por se referirem a linha telefônica, seriam protegidos pelo sigilo telefônico. Ora, como já consignado acima, tal sigilo diz respeito às "comunicações telefônicas", i.e., ao conteúdo das ligações e, para alguns, à lista de contatos efetuados/recebidos, não ao nome do titular da linha, seu endereço etc.

Aliás, nesse jaez, ainda que por analogia, é interessante consignar entendimento do pelo Min. Gilmar Mendes acerca do sigilo de dados bancários, quando ele afirma, em seu recente livro, que

"em alguns precedentes e em alguns ensaios doutrinários, já se sustentou que a sede de proteção desse sigilo [de dados bancários] estaria mais bem localizada no inciso XII do art. 5º da Constituição. (...) Prefiro ver a proteção aos dados bancários no direito à privacidade, já que o inciso XII do art. 5º da Carta cobre hipóteses de sigilo de comunicação de dados — situação menos abrangente do que a que se está debatendo." [02]

Afastada, então, esta primeira visão da questão posta, insta investigar se os referidos dados cadastrais estão inseridos nos conceitos de intimidade e vida privada, bem como qual o alcance da sua inviolabilidade, especialmente em cotejo com a inviolabilidade de sigilo prevista no inciso XII.


III. DIREITO À PRIVACIDADE

No que diz respeito à conceituação, André Ramos Tavares esclarece que

"para a Constituição, vida privada e intimidade são inconfundíveis. Assim, é preciso estar de acordo com a terminologia a ser empregada.

Utiliza-se a expressão ‘direito à privacidade’ em sentido amplo, de molde a comportar toda e qualquer forma de manifestação da intimidade, privacidade e, até mesmo, da personalidade da pessoa humana.

Pelo direito à privacidade, apenas ao titular compete a escolha de divulgar ou não seu conjunto de dados individuais, e, no caso de divulgação, decidir quando, como, onde e a quem. (...)

O direito à privacidade engloba, portanto, o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas." [03] (grifei)

No mesmo sentido, Gilmar Mendes entende que

"O direito à privacidade teria por objeto os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público." [04] (grifei)

Tércio Sampaio Ferraz, por sua vez, escreve que o direito à privacidade é

"um direito subjetivo fundamental (...) cujo conteúdo é a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por só a ele dizerem respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão (...) ." [05] (grifei)

Este também é o posicionamento de José Afonso da Silva que, citando J. Matos Pereira e René Ariel Dotti, define a privacidade como

"o conjunto de informação acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito. (...) a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais." [06] (grifei)

De tudo isso é possível concluir que a inviolabilidade da intimidade e a inviolabilidade da vida privada estão inseridas no chamado direito à privacidade, o qual, porém, e aqui está o cerne da questão, não inclui aspectos ou fatos per se, mas, sim, permite ao indivíduo, titular de tal direito, excluir do conhecimento público aquilo que ele entende necessário.

Esclarecedores, a esse respeito, são os trechos destacados das citações acima, em que os doutrinadores afirmam, de forma unânime, que, em decorrência do direito à privacidade, "ao titular compete a escolha de divulgar ou não" os dados que o próprio "indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público".

Daí se percebe que tal garantia não se confunde com aquele direito, diga-se, "pré-definido" ao sigilo (art. 5º, XII, da CF), revelando-se, na verdade, como uma "faculdade de constranger os outros ao respeito" pela sua vontade de "manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão", aquele "conjunto de informação acerca do indivíduo". Cabe só a ele "decidir manter sob seu exclusivo controle, ou comunicar", já que "tem o poder legal de evitar os demais".

Isso explica, também, a diferença de redação entre os incisos X e XII do art. 5º da Constituição Federal, haja vista que, como se sabe, a lei — e mais ainda a Lei Maior — não possui palavras inúteis.

Com efeito, uma leitura apressada dos referidos dispositivos constitucionais poderia levar o intérprete a atribuir-lhes idêntico alcance, já que estão inseridos no mesmo campo temático (tutela da privacidade) e utilizam a mesma terminologia ("é inviolável").

Contudo, não se pode fechar os olhos para o fato de que, no inciso X, o constituinte afirmou serem "invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas", ao passo que, no XII, determinou que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas" (grifei).

A diferença, ainda que tênue, é significativa, posto que no primeiro inciso não se fala em "sigilo", cabendo, então, ao exegeta inferir o seu sentido.

Com isso, partindo, vale repetir, da premissa de que a lei não utiliza palavras inúteis e tendo em mente as lições doutrinárias colacionadas acima, é possível concluir que apenas a correspondência e as comunicações (telegráficas, de dados e telefônicas) foram presumidas pelo constituinte como sigilosas. Noutros termos, apenas a correspondência e as comunicações trariam, como característica intrínseca, o sigilo, o qual foi consagrado como inviolável pela Constituição Federal. Já a intimidade e a vida privada [07], em que pese invioláveis, não trariam o sigilo como característica imanente.

E, de fato, não foi outra a conclusão a que se chegou com base nas transcrições feitas alhures, que permitiram definir o direito à privacidade como o poder jurídico conferido a cada indivíduo de escolher quais informações relativas à sua intimidade e à sua vida privada ele pretende divulgar e quais ele pretende manter fora do alcance público.

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Em suma, portanto, não se presume o caráter sigiloso da intimidade ou da vida privada do indivíduo, não havendo que se falar em sigilo sem manifestação do interessado — que pode se dar das mais variadas formas — no sentido de obstar o acesso público às informações em questão [08].

Aliás, é exatamente neste sentido a previsão contida no art. 3º, VI, da Lei n. 9.472/97 [09], que assegura aos usuários dos serviços de telefonia, fixa ou móvel, o direito à não-divulgação "de seu código de acesso".

Destarte, não exercido pelo usuário o mencionado direito, não se pode presumir o sigilo da informação, mormente desta informação (número do telefone), cujo conhecimento por terceiros é fator essencial para a sua finalidade e para a sua utilidade.

Outrossim, também não se poderia dizer que aquele sigilo seria decorrente no disposto no art. 3º, IX [10], e no art. 72, §1º, da Lei n. 9.472/97 [11], haja vista que tais regras constituem limites à atuação da própria prestadora de serviço de telefonia, que, na sua atividade — vale dizer, econômica —, deve respeitar a privacidade do usuário e não pode utilizar, sem prévia autorização, os dados pessoais a que tem acesso.

O mesmo se pode dizer da regra inscrita no art. 3º da Lei n. 10.703/03 [12], que apenas instituiu um novo dever para as prestadoras de serviço de telefonia móvel pré-paga, e não, como alguns podem cogitar, esgotou o tema estabelecendo a única hipótese possível de fornecimento de dados.

Superadas, então, tais questões, restaria o caso dos dados cadastrais cuja divulgação seja obstada por solicitação do próprio titular, no uso do seu direito assegurado pelo já citado art. 3º, VI, da Lei n. 9.472/97.

Neste caso, diante do regular exercício do direito à privacidade, outra situação se apresenta, que não se resume à interpretação das normas constitucionais, mas, na verdade, revela um aparente confronto entre valores por elas tutelados.


IV. RELATIVIZAÇÃO DO DIREITO À PRIVACIDADE

Em estudo a respeito do direito à privacidade, Stefano Rodotà, professor de Direito Civil da Universidade "La Sapienza", em Roma, destaca que

"Vivemos num tempo em que as questões relacionadas à proteção de dados pessoais se caracterizam por uma abordagem marcadamente contraditória — de fato, uma verdadeira esquizofrenia social, política e institucional. Tem-se aumentado a consciência da importância da proteção de dados no que se refere não só à proteção das vidas privadas dos indivíduos, mas a sua própria liberdade. (...) Ainda assim, é cada vez mais difícil respeitar essa presunção geral, uma vez que exigências de segurança interna e internacional, interesses de mercado e a organização da administração pública estão levando à diminuição de salvaguardas importantes, ou ao desaparecimento de garantias essenciais." [13]

Mais adiante, contudo, o citado mestre italiano assevera que

"O reconhecimento do direito à privacidade como direito fundamental vem acompanhado de um sistema de exceções que tende a determinar sua aceitação social e sua compatibilidade com interesses coletivos. Essa tendência, além de estar implícita na lógica de muitos sistemas jurídicos, manifesta-se explicitamente nos mesmos textos que proclamam o caráter fundamental deste direito." [14]

O Min. Gilmar Mendes também destaca que

"A vida em comunidade, com as suas inerentes interações entre pessoas, impede que se atribua valor radical à privacidade. É possível descobrir interesses públicos, acolhidos por normas constitucionais, que sobrelevem ao interesse do recolhimento do indivíduo. O interesse público despertado por certo acontecimento ou por determinada pessoa que vive de uma imagem cultivada perante a sociedade pode sobrepujar a pretensão de ‘ser deixado só’.

A depender de um conjunto de circunstâncias do caso concreto, a divulgação de fatos relacionados com uma dada pessoa poderá ser tida como admissível ou como abusiva." [15]

Na mesma linha de pensamento, José Adércio Leite Sampaio sustenta que

"A existência de direitos fundamentais concorrentes entre si ou com princípios ou bens coletivos decorre do pluralismo da sociedade, tornando-se imprescindível a existência de um sistema de arbitragem dos conflitos." [16]

E, ainda sobre o tema, o referido professor de Direito Constitucional assevera que

"Na linha da doutrina seguida pelas Cortes Constitucionais europeias e pela Suprema Corte norte-americana, o Supremo Tribunal tem rascunhado uma teoria da limitação dos direitos fundamentais, que passa, em primeiro lugar, pela necessidade de um fundamento constitucional para o valor, bem ou interesse colidente, aferido por uma autoridade que a Constituição tenha expressamente reconhecido de assim proceder. (...)

(...)

Deve-se, a mais, exigir das normas restritivas de direitos obediência ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, aferidor de um ‘justo equilíbrio’ dos interesses e valores envolvidos, através da apuração de um convincente índice de necessidade da medida restritiva, de sua adequação às finalidades propostas e da sua inexcedível proporção de contenção do direito em jogo. (...)

O requisito da ‘justa medida’ ou da proporcionalidade estrita aparece nos votos ou ementas dos julgados com certa frequência. O Ministro Celso de Mello, por exemplo, valendo-se das lições de José Carlos Vieira de Andrade e Gomes Canotilho reconheceu que a quebra do sigilo bancário não afrontava o direito à intimidade (art. 5º, X), nem a inviolabilidade dos dados (art. 5º, XII). Em sua argumentação, delineou as pautas que deviam presidir um conflito entre um direito individual — no caso, à preservação do sigilo — e um bem jurídico coletivo, como o interesse público à investigação penal, à persecução criminal e à repressão aos delitos em geral: ‘adoção de critério que, fundado em juízo de ponderação e valoração, faça prevalecer, em face das circunstâncias concretas’, e sobretudo da inexistência de meio menos gravoso para consecução dos fins objetivados pelo bem coletivo, o direito ou interesse prevalecente. " [17]

Com isso, não havendo entre nós direitos absolutos, vê-se que o conflito entre valores de hierarquia constitucional [18] há de ser resolvido pela aplicação de Princípios como da Concordância Prática, da Proporcionalidade e da Razoabilidade.

In casu, ao se ver diante do conflito entre, de um lado, a privacidade daquele que optou por não ter seus dados cadastrais divulgados pela concessionária de telefonia e, do outro, o eficiente desempenho do Ministério Público no exercício de sua função de tutela sobre os valores constitucionais, revela-se razoável o afastamento — parcial, vale dizer — do sigilo existente, neste caso, sobre os dados cadastrais, haja vista não existir outra forma de se obter o nome e o endereço do titular de determinada linha telefônica quando ele solicita a não-divulgação da informação.

Ao mesmo tempo, tendo em vista que tais dados continuarão não sendo divulgados em lista impressa distribuída aos usuários, pois serão passados apenas ao membro do Ministério Público — que pode ser pessoalmente responsabilizado pela divulgação indevida (art. 5º, X, in fine, da CF; art. 8º, §1º, da LC n. 75/93; e art. 26, §2º, da Lei n. 8.625/93) —, permanecerá sendo atendida, também, a finalidade lícita [19] do sigilo solicitado pelo usuário.

Assim, pode-se afirmar que, diante das circunstâncias colocadas — necessidade aflorada em inquérito policial, inquérito civil público ou procedimento administrativo correlato —, o afastamento do sigilo em tela se revela razoável, sendo a referida medida, também, proporcional aos fins buscados, preservando de uma total aniquilação ambos os interesses em conflito.

Todavia, ficaria ainda a questão acerca da competência para valorar o conflito em tela, para materializar o "sistema de arbitragem" mencionado por José Adércio, limitando o aludido direito fundamental.

A esse respeito, resposta quase que automática apontando na direção do Poder Judiciário é irrecusável. Contudo, também aqui a regra não é absoluta, devendo haver uma ponderação acerca dos interesses em conflito e do grau de limitação a ser aplicado.

Deveras, embora seja fato que "o juiz detém a primazia no exercício do reconhecimento da legitimidade de um direito fundamental" [20], o já citado José Adércio L. Sampaio esclarece que,

"À exceção dos casos de reserva constitucional de jurisdição, como aquela do artigo 5º, XI e XII, não se pode falar, portanto, em monopólio judicial para a prática de restrições concretas, mas o Judiciário será sempre a instância de fiscalização dos abusos, dos excessos ou dos desvios de competência e finalidade perpetrados (...)." [21] (grifei)

Não é outro, inclusive, o entendimento do Supremo Tribunal Federal — mais uma vez por analogia — acerca do sigilo bancário. Com efeito,

"O STF não toma a quebra do sigilo bancário como decisão integrante do domínio das matérias sob reserva de jurisdição. À lei está facultado, portanto, que órgãos do Poder Público determinem a abertura dessas informações protegidas. Cobra-se, todavia, que tais decisões sejam fundamentadas, apontando razões que tornem a providência necessária e proporcionada ao fim buscado." [22]

Conclui-se, então, que, pela natureza e pelo conteúdo dos chamados dados cadastrais dos usuários dos serviços de telefonia, bem como pela origem do eventual sigilo a eles empregado (vontade do usuário), este pode vir a ser parcialmente afastado em nome de um interesse público e coletivo (eficiência da tutela de direitos pelo MP).

E mais. Pelos mesmos motivos já destacados, e fazendo a devida ponderação sobre os interesses envolvidos, entendo que tal "quebra de sigilo" pode ser determinada diretamente pelo Ministério Público, posto que não há, como visto acima, monopólio do Poder Judiciário a esse respeito e existem normas expressas conferindo ao Ministério Público tais poderes (art. 129, VI, da CF; art. 8º, IV, da LC n. 75/93; e art. 26, II, da Lei n. 8.625/93).

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Sobre o autor
Ricardo Pael Ardenghi

Bacharel em Direito. Analista Judiciário da Justiça Federal da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARDENGHI, Ricardo Pael. Direito à privacidade e direito ao sigilo.: Uma ponderação de valores constitucionalmente tutelados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2178, 18 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13022. Acesso em: 19 mai. 2024.

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