SUMÁRIO: Introdução; 1. Direito fundamental do acesso à Justiça; 2. Breves considerações acerca da Common Law e da Civil Law; 3. Ordem Jurídica pós-Constituição de 1988; 4. Insegurança jurídica como reflexo da aplicação de normas principiológicas; 5. Sistema precedentalista dos EUA; 6. Regras de uniformização no direito brasileiro - tendência à adoção de um sistema precedentalista; Considerações finais.
RESUMO: Este trabalho refere-se à necessidade de adoção de um sistema de precedentes no Brasil, similar ao existente nos Estados Unidos da América, como reflexo da atual ordem constitucional, marcada pela ênfase aos princípios. Inicia-se tecendo considerações sobre o direito fundamental do acesso à Justiça, o qual inclui a prestação da tutela jurisdicional de forma razoavelmente previsível. Posteriormente, são feitas breves distinções entre a common law e a civil law. A seguir, analisa-se a ordem constitucional atual, com o estímulo à aplicação de princípios na solução de conflitos, gerado pela existência de leis de conteúdo aberto. Após, alude-se sobre a insegurança jurídica existente pela aplicação dessas normas e, a partir de uma exposição sobre o sistema de precedentes dos EUA, identifica-se a preocupação brasileira atual com a uniformização da jurisprudência para, em seguida, concluir-se que a tendência é a adoção de um sistema de precedentes.
ABSTRACT: This work concerns the necessity of the adoption of a system of precedents in Brazil, similar to the one existent in the United States of America, as a reflex of the actual constitutional order, qualified by the emphasis on principles. It begins with considerations on the fundamental right of access to Justice, in which the reasonably predictable jurisdictional protection is included. Later, some brief distinctions are made between common law and civil law. As it follows, there is an analysis on the existent constitutional order, aiding the application of principles in the solution of disputes, generated by the existence of broad content laws. Later, there is a discussion about juridical insecurity that occurs because of the application of these rules e, starting from an exposition on the US system of precedents, the actual brazilian concern with a uniform jurisprudence is identified to, as it follows, concluding that the tendency is the adoption of a system of precedents.
PALAVRAS-CHAVE: precedentes. princípios. common law. tutela. justiça.
KEY WORDS: precedents. principles. common law. protection. justice.
INTRODUÇÃO
A Constituição da República de 1988 inaugurou uma ordem constitucional marcada pela prevalência dos princípios sobre as regras, o que se afina com o ideal de Justiça, aproximando-se do Direito da Ética, pois os julgadores podem se valer desses preceitos abstratos para decidirem com equidade. Entretanto, o malefício desse sistema é a insegurança jurídica causada pelas mais diferentes interpretações, ensejando os mais variadas decisões para casos idênticos ou semelhantes. Portanto, a partir da análise do da common law, mais precisamente do sistema de precedentes dos EUA, enxerga-se, no direito brasileiro, uma tendência de uniformização da jurisprudência, identificando-se, pois, a necessidade de adoção da sistemática de precedentes, observando-se as vicissitudes do ordenamento jurídico pátrio, para se conferir segurança ao sistema e estabilidade nas relações jurídicas.
1. Direito fundamental do acesso à Justiça
O direito de acesso à Justiça encontra-se previsto no artigo 5º, inc. XXXV, da Constituição da República. Está inserido, portanto, no rol dos direitos e garantias individuais, espécie dos direitos fundamentais. Nesse sentido, modernamente, ele não implica em conferir a todos, simplesmente, o direito de ação. Mais que isto, dele também decorre a necessidade de se prestar uma tutela jurídica justa e efetiva para o caso em particular.
É que, tratando-se de direito fundamental, a norma veicula pelo mencionado dispositivo deve ser interpretada em sua máxima efetividade possível (princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais).
Desse modo, a norma em comento implica, em um primeiro momento, em conferir a todas as pessoas o direito de demandarem, isto é, de obterem uma resposta de mérito do Poder Judiciário, ainda que de procedência, desde que preenchidos certos requisitos, a saber, as condições da ação.
Porém, em um segundo momento, o acesso à Justiça significa mais que direito a uma resposta de mérito. Abrange, de fato, a necessidade de prestação de uma tutela adequada a consertar a ameaça ou violação do direito material em pauta, justa, efetiva e prestada em um prazo razoavelmente curto.
Ao tecer comentários sobre a qualidade dos serviços jurisdicionais, à sua tempestividade e efetividade, Cândido Rangel Dinamarco escreve (2009, p. 117):
Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se por esse trinômio, não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, porém injusta. Para a plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas. É indispensável que o juiz cumpra em cada caso o dever de dar efetividade ao direito, sob pena de o processo ser somente um exercício improdutivo de lógica jurídica.
Portanto, o processo, assim como a tutela que se objetiva por meio dele, somente se legitima à medida em que ocorre o devido atendimento à situação jurídica de direito material que se é posta perante a apreciação do Poder Judiciário. Caso contrário, não passa de mero exercício de dialética e debates de teses jurídicas, insuficiente para a pacificação social, seu fim último. Nesse sentido, José Roberto dos Santos Bedaque leciona (2001, p. 19):
O processo não é mero instrumento técnico, nem o direito processual constitui ciência neutra, indiferente às opções ideológicas do Estado. Somente a conscientização, pelos processualistas, do caráter ético de sua ciência, da necessária identidade ideológica entre processo e direito substancial, permitirá que o instrumento evolua para melhor atender a seus escopos.
Desse modo, longe de se tratar de um ramo do Direito ensimesmado, o direito processual deve estar afinado com os escopos políticos e as necessidades maiores de uma Nação, situando-se de acordo com a realidade concreta dos jurisdicionados.
Assim, conforme salienta Rodolfo de Camargo Mancuso, (2007, p. 8) a resposta judiciária de qualidade deve ser: (a) justa (equânime e plausível); (b) jurídica (tecnicamente fundamentada e consistente); (c) tempestiva (vedação à excessiva duração do processo – art. 5º, LXXVIII, CF); (d) razoavelmente previsível (a jurisprudência dominante e suas súmulas vinculantes, persuasivas e impeditivas de recurso).
Aplaudem-se os esforços legislativos visando a conferir maior efetividade à tutela jurisdicional. Nesse sentido, a inserção em nosso sistema dos institutos da tutela antecipada e inibitória (ambos trazidos pela Lei n. 8.952/94), do procedimento monitório (Lei n. 9.079/95), do procedimento mais célere para se exigir o cumprimento de sentença (Lei n. 11.232/2006) e na execução de título extrajudicial (Lei n. 11.382/2006), apenas para mencionar algumas, dentre tantas outras alterações que vieram a contribuir com a celeridade e efetividade processual.
Louvam-se, também, os esforços interpretativos que, diariamente, exercitam magistrados, membros do Ministério Público e advogados os quais, esquivando-se de interpretação meramente literal e simplista do texto da lei, encontram a interpretação que mais se afina com a almejada celeridade.
Entretanto, sem deixar de se reconhecer a importância da celeridade da tutela, o presente trabalho foca-se na última característica apontada acima por Mancuso: a razoável previsibilidade das decisões como forma de se conferir qualidade às tutelas jurisdicionais.
Ademais, se são inegáveis os esforços visando à efetividade do processo, também é verdade que nosso País nunca contou com tantos feitos. Somente no Estado de São Paulo, para se ter um exemplo do mais populoso Estado da Federação, o total de processos supera 18 milhões, o que corresponde a quase 50% do movimento do resto do País. Somente no ano de 2008, os juízes do Estado de São Paulo receberam 6.153.649 novas ações, realizaram 1.443.310 audiências e proferiram 3.880.614 sentenças (2.102 cada), o que equivale a 5,75 sentenças por dia corrido ou 9 por dia útil.
Ora, dentro do universo de feitos existente no Brasil, há os mais variados entendimentos sobre temas idênticos ou muito parecidos, o que gera, inegavelmente, insegurança jurídica e proliferação de ações sobre o mesmo assunto. Em última análise, acarreta, até mesmo, desprestígio ao próprio Poder Judiciário, quando, muitas vezes, desrespeita-se, até mesmo, posicionamentos consolidados em matéria constitucional emanados pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Desse modo, é forçoso que existam instrumentos em nosso sistema para que as decisões sejam previsíveis, sem acarretar, obviamente, em lesão ao princípio da persuasão racional do juiz (livre convencimento motivado). Conforme sustenta Luiz Guilherme Marinoni (2009, p. 48):
Trata-se de grosseiro mal entendido, decorrente da falta de compreensão de que a decisão é o resultado de um sistema e não algo construído de forma individual e egoística por um sujeito que pode fazer valer a sua vontade sobre todos os que o rodeiam e, assim, sobre o próprio sistema de que faz parte. Imaginar que o juiz tem o direito de julgar sem se submeter às suas próprias decisões e às dos tribunais superiores é não enxergar que o magistrado é uma peça no sistema de distribuição de justiça e, mais do que isto, que este sistema serve ao povo.
Torna-se, pois, necessário o estudo do sistema precedentalista da Common Law e o reconhecimento de que se trata de mecanismo importante na atual ordem jurídica, como tem se apresentado neste País após a Constituição de 1988.
2. Breves considerações acerca da Common Law e da Civil Law
Há duas grandes famílias de Direito no mundo: os ordenamentos do Civil Law e aqueles afetos ao Common Law. Este teve sua origem na Inglaterra e se expandiu para vários outros países que outrora foram dominados pelo Reino Inglês. É adotado pelos EUA, Áustria, Bangladesh, Barbados, Canadá (Província de Quebec), Guiana, Hong Kong, Índia, Inglaterra, Nigéria, entre outros. Aqueles são os países que assentam suas origens na tradição jurídica da Europa continental, mormente no sistema romano-germânico, sendo adotado pela maioria dos países.
Nessa esteira, importante constatação faz Lawrence M. Friedman (2002, p. 8):
Nobody outside the circle of English domination in fact has ever adopted the common law. In modern times, a number of non-Western countries have shopped around for a Western legal system, which (they thought) would do a better job of catapulting them into the contemporary world than their indigenous systems. Japan and Turkey are famous examples. In no case did such a country choose the American or English model. In every case, what was chosen was civil law, continental European law. Why? One answer is that these are codified systems. Their basic rules take the form of codes – rationally arranged mega-statutes, which set out the guts of the Law, the essential concepts and doctrines. In theory, the judges have no power to add or subtract from the law, which is entirely contained within the codes. Their only task is to interpret these rules. The core of the common law, on the other hand, was essentially created by judges, as they decided actual cases. The common law grew, shifted, evolved, changed prismatically, over the years, as it confronted real litigants, and real situations. But as result, it became hard to find and to indentify "the law". The common law was, in a way, everywhere and nowhere – it was an abstraction, scattered among thousands of pages of case reports. It was not, in short, package for export (tradução livre: ninguém fora do círculo da dominação inglesa de fato adotou a common law. Em tempos modernos, alguns países não-ocidentais procuraram importar modelos jurídicos do ocidente, os quais (segundo eles pensaram) funcionariam melhor para os impulsionar no mundo contemporâneo do que seus sistemas nativos. Japão e Turquia são exemplos famosos. Em nenhum caso país como tal escolheu o modelo americano ou inglês. Por quê? Uma resposta é que se trata de sistemas codificados. Suas regras básicas assumas a forma de códigos – mega-lei racionalmente estruturadas, as quais estabelecem as regras do ordenamento, os conceitos básicos e doutrinas. Teoricamente, os juízes não têm poder para acrescerem ou subtraírem a lei, a qual é inteiramente contida nos códigos. A common law, por outro lado, foi essencialmente criada pelos juízes, à medida que decidiam os caos. A common law cresceu, alterou-se, evoluiu e mudou de prisma, ao longo dos anos, à medida que confrontava litigantes de fato e situações reais. Porém, como resultado, tornou-se difícil se encontrar e identificar "o Direito". A common Law estava, de certo modo, em todos os lugares e em lugar nenhum – uma abstração, espalhada entre milhares de páginas de livros sobre os casos. Não foi, em suma, empacotada para exportação.
Explica-se, assim, o motivo pelo qual apenas os países que um dia foram dominados pelo império inglês possuem o sistema da common law, pois este não se trata de um "dado", algo que possa ser estabelecido do "dia para a noite", como o sistema codificado próprio da civil law. Pelo contrário, reflete o dia-a-dia dos tribunais, com a construção paulatina de entendimentos sobre dado caso.
Uma observação, no entanto, deve ser feita com relação aos Estados Unidos. Conforme salienta Guido Soares, trata-se, em verdade, de um sistema misto, uma combinação entre Common Law e Civil Law, apesar de se verificar uma preponderância da Common Law. Nos dizeres do autor (1999, p. 52):
Os EUA, salvo o Estado de Louisiana, são considerados um sistema misto, conquanto pertencente à Common Law (e a Escócia, Israel, África do Sul e Filipinas, países de sistema misto, pertencentes à família romano-germânica). Nos EUA, as antigas possessões espanholas, como a Califórnia e o Texas, embora reflitam, em alguns aspectos dos direitos de família, algo das leis dos antigos colonizadores, certamente são do sistema da common law; a Louisiana, contudo, dentro dos EUA, é o único Estado da Federação que se conservou fiel aos primeiros colonizadores franceses e espanhóis, uma vez que pertence à família dos direitos romano-germânicos.
Uma das diferenças marcantes entre os dois sistemas é o fato de, na Civil Law, ser utilizado o método dedutivo (geral para o particular), ao passo que, na Common Law, utiliza-se o método indutivo (particular para o geral), para o estudo e solução de casos concretos.
Essa diferença salta aos olhos logo no primeiro dia de aula na Faculdade de Direito. Um aluno que, em seu primeiro dia no Curso de Direito, já estuda Direito Civil, por exemplo, no Brasil, iniciará seus estudos a partir da leitura da Lei de Introdução ao Código Civil para adentrar, em três ou quatro aulas, no estudo pormenorizado dos artigos do Código. Irá estudar, portanto, normas gerais e, a partir delas, formará seu raciocínio jurídico. Portanto, ao elaborar uma peça, um parecer ou uma decisão, seu pensamento deverá ser sob a forma de um silogismo: a premissa maior é a lei, a premissa menor o caso concreto e a conclusão é a solução almejada.
Por outro giro, um aluno que inicia seus estudos em uma Faculdade de Direito dos EUA, por exemplo, em seu primeiro dia de aula dificilmente lerá algum artigo de lei. Seu estudo dar-se-á a partir de um caso, interpretando-o e extraindo dele (ou de um conjunto de casos) a regra jurídica a ser aplicada. Portanto, quando ele for elaborar uma peça processual, um parecer ou uma decisão, sua decisão estará voltada, precipuamente, para julgados que já tenham decidido casos idênticos ou semelhantes, obtendo-se, pois, de uma situação análoga, a regra que pretende subsumir a dada hipótese.
Assim, ainda nos EUA, se o assunto é controle de constitucionalidade, a regra é extraída do caso Marbury v. Madison (1803). Para a questão da separação de poderes, o caso é Morrison v. Olson (1988); para a separação entre Igreja e Estado, Lee v. Weisman (1992); para a liberdade de expressão, Brandenburg v. Ohio (1969), e assim por diante. Trata-se de casos decididos pela Suprema Corte dos EUA, a qual, por meio de ato totalmente discricionário, decide os casos que serão por ela julgados, de acordo com a importância a eles atribuída no tocante à Nação, como um todo, algo semelhante ao instituto da repercussão geral, trazida ao sistema brasileiro pela Emenda Constitucional n. 45/2004.
Assim, se na Civil Law o papel da doutrina assume grande relevância, pois atua para, de certa forma, direcionar a interpretação da legislação, no sistema da Common Law ela possui relevância secundária, pois a interpretação do sistema (dictum) encontra-se nos próprios fundamentos da decisão, cujo holding (ratio decidendi) tem força de lei.
É bom que se frise que na Common Law o Poder Legislativo também faz leis, as quais são hierarquicamente superiores às judge-made laws (precedentes de observância obrigatória). Entretanto, elas serão aplicadas apenas nas lacunas destas. Assim, apesar de gozarem de primazia, elas são residuais, pois apenas vão completar os vácuos deixados pela ausência de julgado relativo a determinado caso. Nesse aspecto, Guido Fernando Silva Soares arremata: "Embora seja o case law a principal fonte do direito, pode ele ser modificado pela lei escrita que, nos EUA, lhe é hierarquicamente superior; diz-se, então, que um case foi ´reversed by statute´" (1999, p. 38).
Outra questão de relevo, por se tratar de aparente traço distintivo entre os dois sistemas é a diferenciação entre as teorias unitária e dualista do ordenamento jurídico. Segundo Dinamarco (2009, p. 136-137):
Trata-se das teorias segundo as quais o escopo do processo seria a justa composição da lide ou a atuação da vontade concreta do direito. A primeira delas identifica-se com a teoria unitária do ordenamento jurídico (Carnelutti) e a segunda, dualista (Chiovenda, Liebman). O ordenamento jurídico seria unitário se processo e direito material se fundissem numa unidade só e a produção de direitos subjetivos, obrigações e concretas relações jurídicas entre sujeitos fosse obra de sentença e não da mera ocorrência de fatos previstos em normas gerais. A corrente dualista afirma que no universo do direito de origem romano-germânica (civil law) a ordem jurídica divide-se em dois planos muito bem definidos, o substancial e o processual, cada qual com funções distintas. O direito material é composto por normas gerais e abstratas, cada uma delas consistente numa tipificação de fatos (fattispecie – p.ex., causar dano a outrem) e fixação da consequência jurídica desses fatos. (v.g., a obrigação de indenizar): sempre que ocorre na vida concreta algum fato que se enquadre no modelo definido naquela previsão legal, automaticamente se desencadeia a sanctio juris estabelecida no segundo momento da norma abstrata. Direitos subjetivos, obrigações e relações jurídicas constituem criação imediata da concreta ocorrência dos fatos previstos nas normas: a sentença não os cria nem concorre para a sua criação.
Devido à característica de criação do direito, prevalece na Common Law a idéia da teoria unitária. Assim, nos meandros das leis emanadas pelo Legislativo, que veiculam preceitos de cunho abstratíssimo e abertos, são produzidas outras leis, a partir do julgamento de casos concretos, as quais, sem desobedecer àquelas, vão integrar o sistema, conferindo-lhe uma feição especial. Admitindo ser impossível se adequar a pirâmide Kelseniana à Common Law, Guido Soares confessa (1999, p. 54):
Inútil buscar uma imagem de figura geométrica, pelo menos na geometria cartesiana, que permita descrever a Common Law; se existe uma figura que se possa aproximar à mesma, seria a de uma colcha de retalhos, que cumpre, à perfeição, sua finalidade, que é dar abrigo à sociedade, e pensar os seus ferimentos, representados em violações da paz social.
Apesar de, tradicionalmente, prevalecer em nosso sistema o caráter dualista do ordenamento jurídico, passa-se a pensar, nos dias atuais, no caráter unitário desse sistema. Isto porque a Constituição de 1988 veiculou normas principiológicas (de cunho abstratíssimo e de baixa densidade normativa) e um extenso rol de direitos fundamentais que norteiam e orientam toda a legislação infraconstitucional, pautando-se, sempre, pelo valor-fonte de todo o sistema, a saber, a dignidade da pessoa humana, nos termos do art. 1º, inc. III, da Constituição.
Nesse aspecto, adquire relevo a função do juiz, como agente integrador da legislação aos comandos supremos da Lei Maior e de seu ato maior, a sentença, como ato de Estado legítimo a criar direitos e obrigações, a partir da integração entre as normas.