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A nova ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.

Uma análise da Lei nº 12.015/2009

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Considerando que ainda haverá várias dúvidas relativas às regras de transição, ainda é relevante compreender como o tema era tratado antes da referida alteração, como é o novo tratamento e como será a regra de transição.

Introdução

A questão relativa à ação penal nos crimes contra a dignidade sexual (antigos crimes contra os costumes) sempre foi controvertida.

O tema era antes tratado de forma fragmentária em diversos artigos do Código Penal. Com o advento da Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009, houve uma tentativa de simplificação do tema. Todavia, considerando que ainda haverá várias dúvidas relativas às regras de transição, ainda é relevante compreender como o tema era tratado antes da referida alteração, como é o novo tratamento e como será a regra de transição.


1 Síntese das alterações relevantes

Em síntese, a reforma da Lei n. 12.015/2009 introduziu três alterações relevantes (para a análise do problema da espécie de ação penal no caso). Primeiro, a reforma revogou o dispositivo relativo ao crime de atentado violento ao pudor (antigo art. 214 do CP) e passou a disciplinar essa conduta de forma conjunta no mesmo dispositivo do estupro. Não houve abolitio criminis, pois as condutas antes tipificadas no antigo art. 214 do CP como atentado violento ao pudor (v.g., coito anal, felação, beijo lascivo e outros atos libidinosos semelhantes) continuam tipificados como estupro no novo art. 213 do CP. A diferença é que agora um homem poderá ser formalmente vítima de estupro, nas modalidades antes indicadas. Em segundo lugar, também há alteração na regra do concurso material, pois, como anteriormente as condutas estavam disciplinadas em dois dispositivos separados, a jurisprudência admitia, no caso de conjunção carnal e coito anal na mesma circunstância de fato, o concurso material das condutas, com o somatório das penas; todavia, como atualmente ambas as condutas estão previstas no mesmo dispositivo legal, não mais será possível o concurso material de crimes, mas haverá um crime único, devendo a circunstância da realização de várias condutas correspondentes a vários núcleos verbais típicos ser avaliada na fixação da pena, exasperando-a. Finalmente, a reforma revogou a regra da presunção de violência do antigo art. 224 do CP, nas hipóteses de prática de relação sexual com menor de 14 anos, incapaz ou com quem não poderia oferecer resistência. Agora, ao invés de se realizar a combinação de dois dispositivos para se realizar a adequação típica (o art. 213 previa como crime a prática de relação sexual mediante violência e o antigo art. 224 presumia a violência nas hipóteses mencionadas), a nova legislação estabeleceu diretamente uma figura típica que incrimina a prática de relação sexual com menor de 14 anos, incapaz ou quem não pode oferecer resistência, sob o nomen juris de estupro de vulnerável (novo art. 217-A do CP), inclusive com pena mais elevada que a do estupro comum. Considerando que houve revogação do art. 224 do CP e a nova pena do crime de estupro de vulnerável já é mais elevada em relação ao tipo simples, fica tacitamente revogado o art. 9º da Lei nº 8.072/1990, que previa uma causa de aumento da pena de metade para as hipóteses de estupro cometido nas hipóteses do art. 224 do CP. Também houve a alteração das regras relativas à ação penal, que será vista adiante.

Os atuais crimes contra a dignidade sexual correspondem aos crimes de estupro (que abrange o antigo atentado violento ao pudor), violação sexual mediante fraude, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento da prostituição, previstos nos art. 213 a 218-B do CP.


2 Regramento da ação penal nos crimes contra os costumes antes do advento da Lei n. 12.015/2009 [01]

Antes da alteração legislativa, havia uma regra geral de que a ação penal em relação a tais delitos proceder-se-ia mediante queixa (art. 225, caput, CP). Entendia-se que a justificativa de o legislador entregar o jus persequendi in judicio nas mãos da vítima era uma questão de política criminal decorrente do constrangimento que o processo poderia gerar na vida da vítima (streptus judicii).

Todavia, o próprio legislador que estabelecia essa regra geral em relação aos crimes contra os costumes passou a estabelecer várias exceções, às quais a jurisprudência se encarregou de acrescentar outras, de sorte que o estudo dogmático da ação penal nos crimes contra os costumes se tornou verdadeira celeuma.

Dispunha o revogado art. 225, § 1º, I, c/c o § 2º, CP, que, tratando-se de vítima pobre, a ação penal seria pública condicionada à representação.

Dispunha o revogado art. 225, § 1º, II, CP, que, tratando-se de crime cometido com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador, a ação penal seria pública incondicionada.

Da mesma forma, em se tratando de crime contra os costumes, qualificado pelo resultado de lesão corporal grave ou morte (anteriormente previsto no art. 223, CP), a ação penal era pública incondicionada. Tratava-se de uma interpretação sistemática do antigo art. 225, eis que tal artigo dispunha que "nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa", e o delito capitulado no art. 223 estava dentro do mesmo capítulo, de sorte que não era alcançado pela norma de exceção, portanto, era alcançado pela regra geral estabelecida no art. 100 do CP, que é a da ação penal pública incondicionada.

Além dessas hipóteses de ação penal pública incondicionada, o Egrégio STF editou a Súmula nº 608, nos seguintes termos: "No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".

Por violência real entendia-se lesão corporal (ainda que simples). E, segundo tal entendimento, mesmo o advento da Lei nº 9.099/1995 não teria alterado a ação penal pública incondicionada nessas hipóteses. Nesse sentido, ver decisão do STJ:

Ementa

Habeas corpus. Penal. Estupro com lesões corporais leves. Ação Penal Pública Incondicionada. Súmula nº 608/STF. Delito considerado hediondo. Impossibilidade de progressão de regime.

"O estupro absorve as lesões corporais leves decorrentes do constrangimento, ou da conjunção carnal, não havendo, pois, como separar estas daquele, para se exigir a representação prevista no art. 88, da Lei nº 9.099/1995." [02]

Vigência da Súmula nº 608, do STF.

Consoante entendimento recentemente adotado pelo Col. STF, secundado por julgados desta Corte, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, quando cometidos em sua forma simples ou com violência presumida, enquadram-se na definição legal de crimes hediondos (art. 1º da Lei nº 8.072/1990), recebendo essa qualificação ainda quando deles não resulte lesão corporal de natureza grave ou morte da vítima. Hipótese dos autos em que incide a regra proibitiva da progressão de regime inserta no § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/1990.

Ordem denegada. [03]

O entendimento justificava-se no disposto no art. 101 do CP, segundo o qual, no crime complexo, se uma das elementares ou circunstâncias constituírem crime que por si só seja de ação penal pública, todo o delito complexo será de ação penal pública. Destarte, considerando que o delito de lesões corporais é de ação penal pública, caso o estupro seja praticado com violência física, deveria ser procedido por denúncia do Ministério Público.

Tal entendimento sofria críticas doutrinárias, porquanto o estupro não é tecnicamente um delito complexo, segundo o entendimento clássico de Antolisei, para o qual delito complexo é a reunião de dois outros delitos em uma nova figura. Haja vista tratar-se de uma lesão corporal ou ameaça mais a conjunção carnal, como essa última não é um crime, o estupro não seria um crime complexo [04].

Também se criticava o entendimento pelo fato de o art. 101 ser uma norma geral e o art. 225, uma norma especial, de modo que, pelo princípio geral de hermenêutica, a regra especial afastaria a aplicação da regra geral [05]. Todavia, considerando que se tratava de uma decisão do STF, cúpula do Judiciário brasileiro, tal entendimento sempre foi respeitado pelos demais órgãos judiciais.

Por violência real entendia-se não somente a lesão corporal leve, mas também a grave ameaça. Desde 1991, o STJ diferenciava a grave ameaça da violência física, entendendo que o estupro mediante grave ameaça seria de ação penal privada [06].

Todavia, após 2000, houve alteração no entendimento do Tribunal, passando-se a entender que tanto a violência física quanto a grave ameaça (v.g., emprego de arma de fogo) justificava que a ação penal fosse considerada pública incondicionada. Conferir:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA REAL. AÇÃO PENAL. SÚMULA Nº 608-STF.

I – Na linha de precedentes desta Corte, a expressão violência real alcança a denominada violência moral (no caso, grave ameaça com emprego de arma), estando, aí, tão só excluída a violência presumida. Além do mais, o art. 101 do CP, na dicção predominante, alcança o estupro como crime complexo em sentido amplo.

II – Legitimidade do Parquet para a propositura da ação penal.

Recurso provido. (STJ, 5. T., REsp 479.679/PR, rel. Ministro Felix Fischer, j. 19/8/2003. DJ 15/9/2003, p. 353) [07]

Assim, segundo esse entendimento mais atual do STJ, o estupro cometido apenas com grave ameaça era considerado de ação penal pública incondicionada. Esse entendimento acabara reduzindo as hipóteses de crimes sujeitos à mera ação penal privada apenas ao estupro praticado mediante violência presumida. E isso se a vítima não fosse pobre, pois nessa situação a ação penal seria pública condicionada à representação.

Todavia, deve-se registrar que esse entendimento dos Tribunais Superiores inclusive era objeto de alargamento por outros Tribunais. Registre-se decisão do TJDFT, que considerou que todo estupro contra menor de 18 anos deveria ser processado mediante ação penal pública incondicionada, pois haveria na hipótese um interesse público indisponível para a persecução penal, de sorte que o antigo art. 225 do CP, ao permitir ação penal privada para crimes praticados contra menores de 18 anos e incapazes, não teria sido recepcionado pela CF/1988 [08]. Idêntico entendimento era sustentado por Rogério Schietti desde 2003 [09].

Finalmente, segundo o STF, no caso da violência presumida, o eventual consentimento da ofendida, menor de 14 anos, para a conjunção carnal, e mesmo sua experiência anterior, não elidem a presunção de violência, para a caracterização do estupro. [10] Todavia, se o agente acredita que a vítima possui mais de 14 anos, a situação configura erro de tipo, que exclui o dolo e, portanto, a tipicidade. [11] Esse entendimento continuará ainda válido para o novo tipo penal do estupro de vulnerável (art. 217-A, CP), apenas não se utilizará mais a expressão violência presumida, pois agora incrimina-se diretamente a prática de ato sexual com menor de 14 anos.


3 Novas regras da Lei n. 12.015/2009 relativas à ação penal

A Lei n. 12.015/2009 deu nova redação ao art. 225 do CP, para estabelecer a seguinte regra geral nos crimes contra a dignidade sexual:

Art. 225.  Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. 

Parágrafo único.  Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.

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Pela nova redação, a regra seria a ação penal pública condicionada à representação, havendo ação penal pública incondicionada apenas nas hipóteses de vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável (hoje tipificadas como estupro de vulnerável no art. 217-A do CP).

Assim, algumas questões permanecem não resolvidas, em especial, esclarecer-se qual será a ação penal quando o estupro for cometido com: ameaça, lesão corporal simples, lesão corporal grave, morte, ou lesão corporal em situação de violência doméstica. Em nossa visão, a solução para esse problema consistirá em se verificar qual é a ação penal para o crime abrangido pelo estupro, devendo o estupro ter a mesma forma de ação penal que o crime menor que ele abrange.

Nas hipóteses de estupro seguido de lesão corporal grave e morte, entendemos que, apesar da omissão legal, obviamente a ação penal deve ser considerada incondicionada. Não haveria sentido imaginar uma situação na qual a vítima do estupro é morta e ainda assim necessite-se de sua autorização para processar o autor do fato: obviamente, pela própria gravidade do delito, a ação penal deverá ser pública incondicionada. Qualquer outra interpretação seria inconstitucional por violação ao dever fundamental de proteção penal eficiente [12]. Registre-se que o Procurador-Geral da República ajuizou a ADIN n. 4301 perante o STF, argumentando que fere o princípio constitucional da razoabilidade e da proporcionalidade condicionar à representação da vítima o delito de estupro seguido de lesão corporal grave ou morte, pois todos os demais delitos do Código Penal, quando qualificados por esses resultados, se procedem mediante ação penal pública incondicionada. Nessa situação, é necessário se utilizar da técnica da interpretação conforme a Constituição, para que se interprete que o novo art. 225, caput, do CP apenas será constitucional se for interpretado que o mesmo não se aplica às hipóteses de crime qualificado pela lesão grave ou morte (ou declarar inconstitucional sua aplicação a essas hipóteses, como defendem alguns).

Nas hipóteses de estupro praticado apenas com ameaça ou lesão corporal simples, de acordo com a nova regra do art. 225, caput, do CP, a ação penal será pública condicionada à representação. A reforma legislativa poderia ter incorporado o teor da Súmula n. 608 do STF, que prevê que o estupro quando praticado com violência real (antes entendida como lesão corporal simples ou ameaça) submeter-se-ia à ação penal pública incondicionada. Todavia, não o fez, ao contrário, previu uma regra geral de que o estupro será de ação penal pública condicionada à representação. Imaginar que ainda está em vigor a Súmula n. 608 do STF seria incorrer em um duplo erro. Primeiro, porque se a ação penal do estupro se condiciona à representação e, da mesma forma, os crimes meios (ameaça e lesão corporal simples) também são condicionados à representação, então não haveria sentido tornar incondicionada a ação penal do estupro apenas porque foram cometidos através desses crimes menores; na verdade, a referida Súmula foi editada na época em que o crime de lesão corporal simples era sujeito à ação penal pública incondicionada (antes da Lei nº 9.099/1995) e destinava-se a corrigir uma distorção da época, que era considerar o estupro com lesão corporal (que era incondicionada) sujeito à ação penal privada (que então era a regra para o estupro). Portanto, a interpretação original da Súmula n. 608 do STF foi guiada por razões de política criminal. Em segundo lugar, caso se entenda que o estupro praticado mediante ameaça ou lesão corporal simples é de ação penal pública incondicionada, então não haveria nenhuma situação em que o estupro seria de ação penal pública condicionada à representação, interpretação que tornaria letra morta a nova disposição do art. 225, caput, do CP. Todavia, é princípio assente de hermenêutica jurídica que não pode haver uma interpretação que conduza à existência de letra morta na lei, se uma outra interpretação permite que haja sentido na disposição. Essas duas considerações permitem a conclusão certa de que, doravante, o estupro praticado mediante ameaça ou lesão corporal, tão somente, desde que não se esteja diante de vítima menor de 18 anos ou incapaz, sujeitar-se-á à representação da vítima. Nesse sentido é o entendimento de Nucci [13].

Todavia, em sentido diverso, Greco ainda advoga que se mantém em vigor a Súmula n. 608 do STF para os delitos cometidos mediante lesão corporal simples, que deverão ser processados mediante ação penal pública incondicionada, restando a aplicação do novo dispositivo do art. 225, caput, do CP, apenas para os delitos praticados mediante grave ameaça, que se processarão mediante ação penal pública condicionada à representação [14]. Certamente esse tema merecerá uma uniformização pelos Tribunais Superiores.

A lei atual não mais prevê a hipótese de abuso do poder familiar, mas prevê diretamente que sendo a vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável a ação penal será pública incondicionada (mesmo que o crime seja praticado fora da relação familiar). Também há previsão de causa de aumento de pena de metade (art. 226, II, do CP) caso haja relação de parentesco com a vítima. Pessoa vulnerável deve ser entendida como aquela que é incapaz ou não pode pelas circunstâncias oferecer resistência (as hipóteses que anteriormente o art. 224 do CPP previa a violência presumida). Entendemos que todas as hipóteses antes previstas como abuso do poder familiar já estão englobadas com a nova regra de vítima menor de 18 anos.

Quanto à prática de estupro com lesão corporal em situação de violência doméstica, fora das hipóteses acima referidas (vítima menor de 18 anos, quando a ação penal será indiscutivelmente pública incondicionada), entendemos que a solução deverá ser a mesma dada ao crime previsto no art. 129, § 9º, do CP, com as alterações processuais introduzidas pela Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) que estabelece em seu art. 41 que não se aplica a Lei n. 9.099/1995 aos crimes praticados em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher. Há muita divergência quanto à interpretação do dispositivo, mas, em nosso entendimento, a ação penal do delito de lesão corporal doméstica contra a mulher deve ser pública incondicionada, seja porque não se aplica o art. 88 da Lei n. 9.099/1995 (que estabelece que o crime de lesões corporais somente se procede mediante representação), seja porque o tipo do art. 129, § 9º, não é de lesão corporal simples, mas sim uma lesão corporal qualificada, seja, especialmente, porque há razões de política criminal que justificam se prescindir da vontade da vítima – em regra viciada pela pressão sociológica de uma sociedade machista que reluta em responsabilizar os homens que praticam atos de violência doméstica, acobertados pelo mito de que a responsabilização implica em retirar a "paz familiar", o que jamais permite a mudança de paradigmas.

Sobre o tema da lesão corporal doméstica contra a mulher, inicialmente a 6ª Turma do STJ tinha precedente por maioria entendendo ser uma lesão qualificada, sujeita à ação incondicionada [15]. Todavia, após o afastamento da Ministra convocada Jane Silva, o entendimento seu alterou novamente, com um precedente dessa turma passando a entender que se trata de ação penal sujeita à representação [16]. Contudo, o entendimento da 5ª Turma do STJ é de que o delito em comento não necessita de representação, pois o art. 41 da Lei n. 11.340/2006 afastou a aplicação da Lei n. 9.099/1995, inclusive de seu art. 88, que condicionava a lesão corporal à representação [17]. A questão certamente deve ser uniformizada pela 3ª Seção do STJ.

Portanto, caso se conclua que a lesão corporal doméstica contra a mulher é delito de ação penal pública incondicionada (o que entendemos o mais correto), idêntica solução há de ser dada ao delito de estupro praticado com lesão corporal em situação de violência doméstica (v.g., estupro de companheiro, namorado etc). Essa situação é tão mais grave que o estupro comum que, inclusive, há uma causa de aumento da pena específica para a hipótese, prevista no art. 226, II, do CP.

A regra atual não mais prevê qualquer tipo de diferenciação se a vítima for pobre ou não.

Em síntese, o panorama da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual antes e após a Lei n. 12.015/2009 é a seguinte:

Hipótese

Regra antes da Lei n. 12.015/2009

Regra após a Lei n. 12.015/2009

com lesão corporal grave ou morte

APPI

(art. 223, CP)

APPI

(art. 213, §§ 1º e 2º, CP - interpretação à luz dos princípios fundamentais)

com abuso do pátrio poder

APPI

(art. 225, § 1º, II, CP)

APPI

(art. 225, parágrafo único, CP - vítima menor de 18 anos)

com violência física ou apenas com grave ameaça

APPI

(Súmula nº 608, STF e STJ após 2000)

APPC

(art. 225, caput, CP – é a regra geral, exceto se contra vítima vulnerável; interpretação sujeita à confirmação pelos Tribunais)

violência presumida e vítima pobre

APPC

(art. 225, § 1º, I, c/c o § 2º, CP)

APPI

(art. 225, parágrafo único, CP - pessoa vulnerável)

violência presumida e vítima não-pobre

APPr

(art. 225, caput, CP)

APPI

(art. 225, parágrafo único, CP - pessoa vulnerável)

Legenda:

APPI – ação penal pública incondicionada

APPC – ação penal pública condicionada à representação

APPr – ação penal privada

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Sobre o autor
Thiago André Pierobom de Ávila

Promotor de Justiça do MPDFT, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Professor de Direito Processual Penal da FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom. A nova ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.: Uma análise da Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2278, 26 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13589. Acesso em: 21 nov. 2024.

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