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O indulto na hipótese do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006

02/11/2009 às 00:00
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Como bem se sabe, a concessão do indulto de penas é ato de soberania do Chefe de Governo, uma vez que o artigo 84, inciso XII, da Carta Magna é cristalino em determinar a atribuição privativa do Presidente da República em conceder o indulto e a comutação de penas, estando, limitado apenas pelas regras constitucionais pertinentes ao tema [01].

Dessa forma, o Executivo Federal tem a discricionariedade para eleger os requisitos necessários para perdoar total ou parcialmente as penas de uma generalidade de sentenciados, através de um ato normativo primário, devendo o Poder Judiciário apenas declarar presentes ou ausentes referidas exigências [02].

Neste contexto, o Decreto nº 6.706/2008 trouxe várias inovações relativamente aos decretos indulgentes de outros anos. Dentre estas inovações, o seu artigo 8º, inciso I, prevê a possibilidade da clemência soberana nas condutas enquadradas no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, desde que não configurada a mercancia.

O leitor mais desavisado pode imaginar que referido dispositivo conflita com o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, o que o acoimaria da mácula inafastável da inconstitucionalidade.

Todavia, esta primeira impressão não corresponde à leitura correta do arcabouço constitucional-penal pátrio, pelos fatos que ora se expõem.

Aduza-se, inicialmente, que a Lei nº 11.343/2006 traz um rol de diversas condutas tipificadas como criminosas, mas não define nenhuma com o nomen juris "tráfico de drogas" (ou algo equivalente).

Não se quer com essa assertiva dizer que por isso não exista o crime de tráfico. Por óbvio que existe, mas esta falta de definição legal sobre o delito em comento, corroborada pelo princípio da razoabilidade, determina ao hermeneuta não considerar todas as condutas descritas no artigo 33 da lei acima mencionada como caracterizadoras deste crime que a Carta Magna considerou como equiparado a hediondo, sobretudo se o agente for primário, ostentar bons antecedentes, não se dedicar às atividades criminosas nem integrar organização criminosa.

E não se trata aqui de a lei infraconstitucional ir de encontro ao eixo axiológico eleito pelo Constituinte Originário, pois a Constituição deixou ao legislador ordinário a função de tipificar quais as condutas serão consideradas como tráfico de drogas; às outras, em atenção aos princípios penais, não terão este "status".

Assim, por uma questão de lógica hermenêutica, apoiada, repita-se ainda que à exaustão, na razoabilidade jurídica, a conduta enquadrada em algum dos verbos do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, que imiscuir-se na causa de diminuição prevista em seu §4º, não pode ser considerada como o "crime de tráfico de entorpecentes".

Foi neste contexto que o Decreto Natalino de 2008 previu a possibilidade de concessão do indulto pleno nesta hipótese, desde que não haja o escopo da mercancia.

E aqui cabe mais uma vez ao agente do direito encontrar a melhor interpretação do que seria ou não a conduta voltada ao comércio de drogas. Neste diapasão, parece que a melhor exegese é a análise do núcleo verbal em que a conduta do agente tenha sido enquadrada.

Esta é fórmula proposta por Carolina Dzimidas Haber e Pedro Vieira Abramovay [03], coordenadora e secretário do Ministério da Justiça para Assuntos Legislativos, os quais participaram da elaboração do Decreto 6.076/2008:

Deve-se, portanto, na falta de uma identificação nominal do que venha a ser tráfico, examinar cada um dos núcleos verbais previstos no art. 33 para verificar quais deles traduzem a idéia de mercancia, de comércio, e, assim interpretar restritivamente o dispositivo legal, com o intuito de assegurar os direitos do condenado. (...)

Assim, afirmamos que o decreto de indulto é parte de uma política criminal coerente que entende não mais ser possível enxergar na prisão a resposta adequada para aqueles que não têm envolvimento profundo com o comércio de drogas. O Poder Executivo tem implementado esta política de várias maneiras, a consolidação de uma interpretação restritiva sobre quais as condutas, entre as previstas no artigo 33 da Lei 11.343 de 2006, podem ser consideradas como tráfico de drogas, representa mais um passo nesta direção.

A interpretação restritiva sugerida pelos referidos autores impõe ao exegeta, na análise de ser a conduta voltada ou não ao comércio de drogas, gizar a exceção da clemência estatal apenas às condutas de "vender" ou "expor a venda", sob pena tornar ineficaz o artigo 8º, inciso I, do Decreto nº 6.706/2008.

E não é de se olvidar que sendo o perdão soberano, além de um ato de política criminal, um instrumento de promoção da cidadania e da dignidade humana, fundamentos irradiantes do sistema político-jurídico nacional, a melhor interpretação dos dispositivos que o prevêem é a que escolhe como diretriz, havendo dois ou mais caminhos a seguir, aquela que estende seus efeitos a um maior número de sentenciados.

Como se vê, o perdão estatal na hipótese de condenação pelo artigo 33, §4º, da Lei de Tóxicos está em perfeita consonância com a Carta Magna e a sua exceção no que tange à conduta ser voltada à mercancia deve ser interpretada como tal, isto é, exceção à regra.


Notas

  1. Cabe aqui a reflexão de que lei ordinária que objetive fixar limites ou critérios ao Presidente da República na formulação do decreto indulgente será inconstitucional, pois acarretará indevida ingerência do Poder Legislativo em atribuição constitucional e privativa do Poder Executivo, em hipótese não prevista pelo Constituinte Originário, afrontando, portanto, o princípio da tripartição de poderes (artigo 2º da CF) (Nota do autor).
  2. "O instituto da comutação da pena é modalidade do poder geral de graça do Presidente da República, de modo que sua concessão é da competência privativa do Chefe do Poder Executivo.
  3. A sentença superveniente, que trata da comutação da pena, possui natureza meramente declaratória do direito já pré-existente, motivo pelo qual não cabe ao Judiciário exigir condições além daquelas legalmente previstas". (HC 128872/SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 15.6.09)

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  4. Boletim IBCCRIM nº 197 – abril 2009 – p. 02.
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Sobre o autor
Alexandre Orsi Netto

Defensor Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas de Itapetininga (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ORSI NETTO, Alexandre. O indulto na hipótese do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2315, 2 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13782. Acesso em: 29 mar. 2024.

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