Artigo Destaque dos editores

Os estreitos utilizados na navegação internacional e o direito internacional do mar

30/01/2010 às 00:00
Leia nesta página:

Resumo:

A utilização dos estreitos na navegação internacional é de fundamental importância para a comunidade internacional. A relevância estratégica, econômica e militar dos estreitos faz com que o Direito Internacional regule e normatize a sua utilização e em especial o direito de passagem por estes espaços marítimos. Destarte, a navegação através dos estreitos constitui um principio básico e fundamental da navegação, em especial para o comercio internacional que depende sobremaneira da travessia através destes para dar celeridade às trocas mercantis. Ademais, a importância estratégica militar dos estreitos legitima a normatização internacional da sua utilização. Assim, este artigo tem como objetivo analisar o processo de juridificação da utilização dos estreitos na navegação internacional pelo direito internacional do mar.

Palavras chave: Estreitos internacionais, direito marítimo, direito internacional do mar.


1. INTRODUÇÃO:

A navegação marítima está ligada diretamente à própria história da civilização, uma vez que o mar sempre foi um ambiente intensamente utilizado por todos os povos, em especial como meio de transporte e comunicação. Destarte, desde a primeira codificação de leis que se tem conhecimento – o código de Hamurabi – já havia regras em relação à navegação marítima [01].

O acesso ao mar institui o ponto de partida de todo o direito internacional das comunicações, pois a livre utilização dos espaços marítimos representa a forma mais ancestral de comércio entre as civilizações. É através dos oceanos que se desenvolvem as trocas mercantis, as comunicações com nações mais longínquas e a atividade econômica internacional. Historicamente, o mar revela-se como o espaço que mais se destaca no desenvolvimento econômico mundial, correspondendo atualmente por cerca de 95% do transporte internacional de mercadorias [02].

Na antiguidade, toda a navegação do mundo conhecido ocorria no Mar Mediterrâneo, em função da inexistência de furacões e maiores intempéries. Desta forma, o limite para as embarcações era o estreito de Gibraltar (as "Colunas de Hércules") além do qual se estendia o incógnito oceano, onde raríssimos navegantes se aventuravam [03].

No século XV, iniciou-se um processo de expansão territorial e marítima, vindo a ser denominado posteriormente como o período das "Grandes Navegações". Um dos impulsos deste período ocorreu a partir de 1453 quando a rota comercial com o oriente foi interrompida pelos turcos otomanos, após a Tomada de Constantinopla e o fechamento dos estreitos de Bósforo e Dardanelos [04].

Destarte, os portugueses e espanhóis começaram a navegar em oceano aberto e iniciaram a era dos descobrimentos, encontrando o caminho para as Índias, descobrindo a América e, em 1522, o navegador português Fernão de Magalhães descobre a passagem – estreito que atualmente leva seu nome – entre os oceanos Atlântico e Pacífico, no sul da Argentina, circunavegando o globo pela primeira vez na história [05].

Contudo, descoberto o caminho para a Índia e a chegada à America, os portugueses e espanhóis começaram a reivindicar a soberania sobre os mares e rotas descobertas. Portugal começou-se a tornar-se um império de rotas e entrepostos, fundamentado em alguns homens e mercadorias de ponta, tornando-se necessário o domínio dos mares [06].

Inicia-se assim a disputa político-econômica entre portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e ingleses para determinar se o mar era suscetível de apropriação ou não, culminando na querela jurídico-doutrinária entre Selden e Grotius, entre o Mare Liberium e o Mare Clausum. Já no século XVII os defensores da livre utilização dos espaços marítimos saíram vencedores, o que originou o princípio e a prática da liberdade dos mares e da livre navegação [07].

Neste sentido, a liberdade de navegação pelos estreitos internacionais é de fundamental importância estratégica para a livre circulação de mercadorias e bens ao redor do planeta. Sem a possibilidade de passagem pelos estreitos marítimos, toda a navegação internacional e as trocas mercantis ficam severamente comprometidas, umas vez que em diversos locais a única transposição possível e razoável é através destes [08].

Vale observar que, para o direito internacional, os estreitos constituem uma passagem natural existente entre mares e oceanos. Já os canais [09] compõem corredores marítimos construídos pela engenharia humana em determinado território. Existe alguma confusão terminológica entre os estreitos, obra da natureza, e os canais, obra da engenharia humana, que ocorre em função da prática inglesa e francesa em denominar corredores marítimos mais largos que um estreito como canais. Por exemplo, o canal da Mancha entre França e Grã-Bretanha, os canais do Norte e de S. George entre Irlanda e Grã-Bretanha, o canal de Minch entre Grã-Bretanha e Novas Hébridas.


2. PRÁTICA E JURIDIFICAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DOS ESTREITOS NO DIREITO INTERNACIONAL DO MAR:

Rompe o século XX e não há nenhuma grande alteração no principio da liberdade de navegação. Entretanto, os Estados começaram a delimitar seu mar territorial em doze milhas e alguns o estenderam até duzentas milhas da costa, o que completava como águas territoriais nacionais os estreitos tradicionalmente utilizados como rotas de navegação marítima mercante, militar e de transporte de passageiros [10].

Todavia, o direito de livre passagem pelos estreitos, mesmo que situados em mar territorial de determinado Estado, sempre foi a prática na navegação internacional, tendo sido reconhecido como um costume internacional aos quais os Estados deveriam dar cumprimento pela Corte Internacional de Justiça – CIJ – em 1949, durante o julgamento do caso do Estreito de Corfu [11].

O Reino Unido ingressou então com a questão na CIJ e esta deu parecer favorável ao exercício do direito de passagem por navios, incluindo navios de guerra, independe de autorização do Estado costeiro. Neste sentido, a Corte reconheceu o direito consuetudinário na qual a passagem pelos estreitos internacionais independe de autorização previa do Estado costeiro [12].

Esta decisão da Corte influenciou os trabalhos que originaram as Convenções de Genebra sobre Direito do Mar em 1958 [13] – doravante denominada Convenção de 1958. A Convenção sobre mar territorial [14] e zona contígua no artigo 16° n°4 [15], disciplina que a passagem inocente de navios estrangeiros não poderá ser suspensa nos estreitos que servem à navegação internacional [16].

É convocada então a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Direito do Mar − Convenção de 1982 − onde é estabelecido o foro adequado para as negociações acerca da liberdade de navegação, da apropriação de espaços marítimos por jurisdições nacionais, dos limites à soberania, entre outros.

A Convenção foi assinada a partir de um Package Deal, que delimitou a largura do mar territorial em doze milhas náuticas, além de criar as figuras jurídicas dos Estados arquipélagos e da zona econômica exclusiva – ZEE −, a duzentas milhas náuticas das linhas de base.

Ademais, mais de cem estreitos marítimos, essenciais à navegação internacional, tornaram-se águas territoriais, sobre as quais incidia a jurisdição dos Estados, o que poderia resultar em entraves à liberdade de navegação. Assim, por sugestão das potências marítimas, foi incluído nas negociações acerca dos espaços marítimos sobre jurisdição nacional também a questão dos estreitos [17].

Deste modo, a Convenção de 1982 regula na Parte III, artigos 34° ao 45° os "Estreitos Utilizados para a navegação Internacional". Já no artigo 34° fica estabelecido que a passagem das embarcações pelos estreitos não afetará o regime jurídico das águas destes estreitos, o exercício de jurisdição do Estado costeiro bem como o exercício de sua soberania, sobre as águas, espaço aéreo, solo e subsolo.

Deve ficar claro que o regime especial de passagem pelos estreitos internacionais não afetam quaisquer soberania do Estado ribeirinho em relação as regras de trafego, segurança, exclusividade de exploração, controle de poluição entre outros regulados nos artigos 40°, 41°, 42° e 43° [18].

O regime jurídico da navegação por estreitos internacionais, por se tratar de águas do mar territorial [19] não poderá excluir também o direito dos Estados costeiros dos estreitos de delimitar águas interiores, se sua configuração geográfica possui reentrâncias e saliências, sobre os quais a soberania do Estado é ilimitada [20].

O regime jurídico de passagem pelos estreitos também não afeta o regime das águas situadas além do mar territorial, como as zonas econômicas exclusivas, e nem os regimes especiais regulamentados convencionalmente para a passagem inocente para certos estreitos [21]. São por exemplos: o caso dos estreitos de Gibraltar, cuja Declaração Anglo-Franco - Marroquina de 1904 garante a livre passagem de todos os navios; e de Bósforo e Dardanelos, cujo regime é regulamentado pela Convenção de Montreaux, com normas bastante severas em relação à passagem de navios de grande calado [22].

O interesse das grandes potências marítimas no que tange à livre navegação dos estreitos possui desígnios econômicos, militares e estratégicos [23]. Neste sentido, durante a Convenção de 1982, ocorreu a disputa entre duas posições claramente delimitadas no que tange a liberdade de navegação pelos estreitos internacionais.

A primeira tese, defendida pela grande maioria dos Estados ribeirinhos, interessados na defesa da sua soberania sobre o mar territorial e numa política externa ativa em prol da sua segurança e integridade territoriais, preconizou a unidade de regime jurídico para o mar territorial e para os estreitos internacionais. Ou seja, os estreitos que constituíssem mar territorial de determinado Estado estariam sujeito as mesmas regras de passagem inocente do mar territorial, como se consagrou na Convenção de 1958 [24].

A outra posição, aspirada pelas potências marítimas, consistia na diversidade de regimes entre o mar territorial e os estreitos internacionais: para aquele, mantinha-se a regra da passagem inocente, enquanto para os estreitos aplicar-se-ia o princípio da livre passagem em trânsito, com todas as consequências inerentes [25].

Vale destacar que existem diferenças entre estas duas passagens: a passagem em trânsito aplica-se a navios e aeronaves, enquanto que a passagem inocente somente a navios; durante a passagem em trânsito o navio não poderá ancorar, fundear e aeronave aterrissar, a não ser em casos de grave perigo, enquanto que na passagem inocente isto é permitido; na passagem em trânsito o Estado costeiro não poderá abordar e parar o navio, enquanto na passagem inocente isto é possível em casos em que o embarcação esteja contrariando as leis internas do Estado; a passagem inocente poderá ser suspensa conforme motivos de segurança do Estado costeiro, a passagem em trânsito não [26].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Destarte, por localizarem-se em locais estratégicos tanto para o comércio quanto militarmente, os estreitos geram vantagens e desvantagens aos Estados costeiros. A maior desvantagem é a impossibilidade de suspensão da passagem de navios, o que limita a soberania do Estado neste espaço, podendo o deixar vulnerável quanto a sua segurança. Entretanto, existe a vantagem comercial, uma vez que pode aproveitar-se das facilidades trazidas com a instalação de rotas comerciais [27].

A Convenção de 1982 consagrou então uma dualidade entre as teses defendidas, aplicando-se como regra o direito de passagem em trânsito, não obstante, mantém-se excepcionalmente o regime de passagem inocente: 1) nos estreitos que unam o alto mar ou zona econômica exclusiva com o mar territorial de um Estado estrangeiro [28]. 2) nos estreitos formados por uma ilha do próprio Estado ribeirinho e o continente, se existir rota alternativa e iguais condições hidrográficas e de navegação pelo lado do alto mar ou zona econômica exclusiva [29]. No entanto, não poderá haver suspensão do regime de passagem inocente pelos estreitos acima referidos [30].

Esta disposição convencional, restringindo em algumas ocasiões o direito de passagem em transito foi incluída por sugestão da Albânia, das Filipinas e da Indonésia, para que pudessem abordar os navios em passagem para efeitos de fiscalização. Um exemplo de estreito em que ficou assegurada somente a passagem inocente é o Estreito de Corfu, situado entre a Ilha de Corfu – pertencente a Grécia – e os territórios continentais da Albânia e Grécia, existindo do lado oposto uma rota de alto mar [31].

Já os estreitos internacionais sobre os quais existe o direito de passagem em trânsito são aqueles que efetuam a ligação entre uma parte do alto-mar ou uma zona econômica exclusiva com outra parte do alto-mar ou uma zona econômica exclusiva [32], abrangendo, desta maneira, a maioria absoluta dos estreitos utilizados para a navegação internacional.

Ademais, com a criação dos Estados arquipélagos, praticamente inexistem, como o existiam perante o regime de 1958, estreitos que interligam duas partes do alto-mar. Encontraremos, na maioria absoluta das vezes, estreitos que conectam duas zonas econômicas exclusivas ou uma ZEE e o alto-mar, devido ao aumento quantitativo ocorrido com a criação da ZEE e dos Estados arquipélagos nas áreas submetidas às jurisdições internas dos Estados [33].


3. NOTAS CONCLUSIVAS:

A passagem pelos estreitos internacionais constitui pedra basilar da navegação marítima, pois sua importância estratégica, militar e econômica é fundamental para a comunicação marítima internacional. Sem a possibilidade de passagem através destes, as embarcações, tanto mercantes como militares, ficariam impossibilitadas de ter uma fácil acesso a diversos locais estratégicos.

Historicamente, o acesso e controle de vários estreitos, como os de Bósforo e Dardanelos, moldaram a história da navegação e, por conseguinte, da própria civilização. O fechamento de um estreito, como os citados acima, causam enormes transtornos, chegando a impossibilitar a comunicação entre sociedades [34].

A prática internacional sempre foi a de livre passagem pelos estreitos. O controle e fechamento de algum causa perdas tão grandes que o costume internacional sempre entendeu que a navegação através destes deveria ser livre. Quando houve alguma tentativa de apropriação, como no caso do Estreito de Corfu, a jurisprudência internacional entendeu que a navegação nestes espaços deve ocorrer de maneira livre, sem condicionamentos nacionais do Estado ribeirinho [35].

Deste modo, foi de fundamental importância a juridificação destes espaços internacionais, em especial a Convenção de 1982. A despeito dos iniciais desacordos entre os Estados sobre a disciplina jurídica sobre a largura do mar territorial e dos direitos e deveres dos Estados, nesta e em outras zonas marítimas sujeitas à apropriação nacional, a Convenção de 1982 conseguiu um consenso, possibilitando a regulamentação dos espaços marítimos, incluindo os estreitos utilizados na navegação internacional.

A Convenção de 1982 estipulou e veio a consagrar o principio da livre navegação através dos estreitos, regulando o direito de passagem em transito e inocente. Entretanto, os Estados ribeirinhos continuam com o direito soberano de jurisdição nos estreitos, incluindo seu espaço aéreo sobrejacente, o leito e o subsolo.

Conclui-se que a disciplina jurídica sobre a navegação em estreitos internacionais foi uma inovação legislativa, tendo sofrido ampla influência do direito consuetudinário, notadamente no que tange à impossibilidade da suspensão do direito de passagem dos navios estrangeiros pelos estreitos, cujo fundamento se encontra no costume internacional do jus comnunicationes.


BIBLIOGRAFIA:

BERGREEN, Laurence. Além do fim do mundo: a aterradora circunavegação de Fernão de Magalhães. Objetivo; Rio de Janeiro; 2004.

BURKE, Karin M. Innocent passage and transit passage in the United Nations Convention on the Law of the Sea. Yale journal of world public order; New Haven; EUA; 1983.

CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of the sea. Manchester University Press. Inglaterra; 1988.

FERREIRA, Ana Maria Pereira. O essencial sobre Portugal e a origem da liberdade dos mares. Lisboa, 1988.

FIORATI, Jete Jane. A disciplina jurídica dos espaços marítimos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 e na jurisprudência internacional. Renovar; Rio de Janeiro; 1999.

GROVE, Eric. The Future of Sea Power, ed. Rotledge, London, 1990.

HOMEM, António Pedro Barbas. Historia das Relações Internacionais: o direito e as concepções políticas na idade moderna. Almedina; Lisboa; 2001.

JIA, Bing Bing. The regime of straits in international law. Claredon Press Oxford; Inglaterra; 1998.

YTURRIAGA, José Antonio. Straits used for international navigation: a Spanish perspective. Martinus Nijhoff publishers. Holanda; 1991.

TOMÁS, Helena Cristina Costa. Estreitos utilizados para a navegação internacional: breves considerações sobre a parte III da convenção de Montego Bay. Lisboa : [s.n.]. 1990.

Documentos internacionais e jurisprudência:

- Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica; 1982.

- Convenção sobre mar territorial e zona contígua. Genebra, 1958.

- Corte Internacional de Justiça. Caso: Estreito de Corfu (Reino Unido Vs. Albânia). 1949. Disponível em: http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=cd& case=1&code=cc&p3=4. Acesso em 03 de outubro de 2009.

- Hammurabi''s Code of Laws (circa 1780 B.C.) Disponível em http://www.admiraltylawguide.com/documents/hammurabi.html. Acesso em 28 de setembro de 2009.


Notas

  1. Hammurabi''s Code of Laws (circa 1780 B.C.) Disponível em http://www.admiraltylawguide.com/ documents/hammurabi.html. Acesso em 28 de setembro de 2009.
  2. GROVE, Eric. The Future of Sea Power, ed. Rotledge, London, 1990.
  3. FIORATI, Jete Jane. A disciplina jurídica dos espaços marítimos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 e na jurisprudência internacional. Renovar; Rio de Janeiro; 1999. P.175:
  4. Até o ano mil, as disputas historicamente mais importantes continuaram a ser feitas no mar Mediterrâneo, onde se deram a guerras sarracenas. A partir do ano mil, com o surgimento dos vikings e normandos, a navegação do mundo conhecido alcança outras regiões como o mar Báltico, o canal da Mancha, o mar do Norte, sendo que os vikings chegaram a efetuar algumas expedições pelo oceano Atlântico até a Groenlândia e o Canadá.

  5. BOXER, Charles Ralph. O império marítimo português: 1415 – 1825. Ed. Companhia das Letras; Vol. 03; São Paulo; 2002.
  6. BERGREEN, Laurence. Além do fim do mundo: a aterradora circunavegação de Fernão de Magalhães. Objetivo; Rio de Janeiro; 2004.
  7. FERREIRA, Ana Maria Pereira. O essencial sobre Portugal e a origem da liberdade dos mares. Lisboa, 1988.
  8. HOMEM, António Pedro Barbas. Historia das Relações Internacionais: o direito e as concepções políticas na idade moderna. Lisboa, Almedina, 2001.
  9. Neste sentido: FIORATI, Jete Jane. Op. Cit. P. 176.
  10. Com a prática de delimitação do mar territorial em três milhas durante os séculos XVIII, XIX e na primeira metade do século XX, não houve qualquer ameaça a este princípio. No entanto, as grandes potências marítimas sempre consideraram o controle sobre os estreitos de fundamental importância para a livre navegação. Assim é que a Inglaterra controlou a cidade francesa de Calais, até o final do século passado, no território da Normandia, situada ao lado do estreito de Dover no canal da Mancha, para garantir a livre navegação pelo canal e administra até nossos dias, conjuntamente com marroquinos e espanhóis, o estreito de Gibraltar, que representa a divisão entre a Europa e a África e o mar Mediterrâneo e o oceano Atlântico.

  11. No que se refere aos canais utilizados na navegação marítima internacional, a Convenção de 1982, não normatizou a sua utilização, ficando sujeitos a aplicação do direito interno de casa Estado, à prática internacional e ao direito internacional clássico. São exemplos os canais de Suez, no Egito, ligando o mar Vermelho ao Mediterrâneo e, em consequência direta, os oceanos Atlântico e Indico; do Panamá, unindo os oceanos Atlântico e Pacífico pelo interior da América Central; e de Kiel, na Alemanha, unindo os mares do Norte e Báltico.
  12. GUEDES, Armando M. Marques. Direito do Mar. Ed. Coimbra, 2° edição; Coimbra – Portugal; 1998.
  13. Corte Internacional de Justiça. Caso: Estreito de Corfu (Reino Unido Vs. Albânia). 1949. Disponível em: http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=cd& case=1&code=cc&p3=4. Acesso em 03 de outubro de 2009.
  14. Em 22 de outubro de 1946, dois destroyers britânicos colidiram com minas nas águas territoriais da Albânia, no Estreito de Corfu. As explosões causaram danos materiais aos navios e perda de vida dos tripulantes. Sustentando que havia responsabilidade do Governo da Albânia, visto que o mesmo se encontrava envolvido, estabelecendo correspondência diplomática com Tirana, submeteu-se a matéria ao Conselho de Segurança.

    Este órgão convidou a Albânia, que não é membro das Nações Unidas, à participar das discussões com a condição de que a Albânia aceitasse as obrigações de um membro em caso semelhante. A Albânia aceitou e, em 09 de Abril de 1947, o Conselho de Segurança adotou uma resolução de recomendar aos Governos envolvidos, o encaminhamento imediato da disputa à Corte, de acordo com os artigos de seu Estatuto.

  15. YTURRIAGA, José Antonio. Straits used for international navigation: a Spanish perspective. Martinus Nijhoff publishers. Holanda; 1991.
  16. Em 29 de abril de 1958 foram adotadas quatro convenções paralelas: 1) Convenção sobre o Mar territorial e Zona contígua. 2) Convenção sobre o Alto Mar. 3) Convenção sobre a Pesca e a Convenção dos recursos biológicos do alto mar. 4) Convenção sobre a Plataforma Continental.
  17. Vale ressaltar que Convenção de 1958 sobre mar territorial e zona contígua a largura do mar territorial não foi estipulada, uma vez que não houve consenso entre os Estados participantes da Convenção e nem a criação dos Estados arquipélagos, já que os Estados interessados não reuniram votos de simpatia à sua demanda.
  18. Convenção sobre mar territorial e zona contígua. Genebra, 1958.
  19. Artigo 16°

    O Estado Ribeirinho pode tomar as necessárias medidas no seu mar territorial para prevenir passagem que não seja inofensiva.

    No caso de navios dirigindo-se a águas interiores, o Estado ribeirinho terá também o direito de tomar as necessárias medidas para prevenir qualquer violação das condições a que deve obedecer a admissão daqueles navios nas referidas águas.

    O Estado ribeirinho pode, sob reserva das disposições do parágrafo 4 e sem discriminação entre navios estrangeiros, suspender temporariamente, em áreas determinadas do seu mar territorial, a passagem inocente dos navios estrangeiros, se tal suspensão for indispensável para a proteção da sua segurança. Tal suspensão produzirá efeitos apenas depois de ter sido devidamente anunciada.

    Não poderá ser suspensa a passagem inocente dos navios estrangeiros nos estreitos usados pela navegação internacional que estabeleçam comunicação entre duas zonas do alto mar ou com mar territorial de um Estado estrangeiro.

  20. Alguns autores, como FIORATI, Jete Jane. Op. Cit., em interpretação extensiva deste artigo 16° n°4, afirmam que este delimitou o campo de aplicabilidade do direito de passagem inocente: ele apenas se aplicaria a estreitos que interligassem uma parte do alto-mar com outra parte do alto-mar, ou com uma parte do mar territorial de outro Estado.
  21. Dentre os estreitos que tornaram-se parte de águas territoriais submetidas à jurisdição dos Estados estão importantes vias de comunicação e situados em pontos vitais para a navegação em todos os continentes. Na Europa podem ser citados o estreito de Gibraltar, considerado o mais importante estreito, que efetua a ligação entre o oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo, dividindo Europa e África, os estreitos de Bósforo e Dardanelos, na Turquia, que efetuam o acesso do mar Negro ao Mediterrâneo, os estreitos de Sund, Belt e Grand Belt, na Dinamarca que permitem o acesso do mar do Norte ao mar Báltico, os estreitos de Otranto e Corfu que ligam o mar Mediterrâneo ao mar Adriático. Nas Américas se destacam o estreito de Magalhães, que faz a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico ao sul do continente, situado entre a Argentina e o Chile, o estreito de Behring, que efetua a ligação entre os dois oceanos ao norte, situados entre o Alasca (Estados Unidos da América) a Sibéria (Rússia) e o complexo de estreitos que forma a passagem do noroeste no arquipélago canadense do Ártico, composto dos estreitos de Dawis, Lancaster, Barrow, Mc Clure e Príncipe de Gales. Na Ásia estão os estreitos Indonésios de Málaca, Sonda, Lombok e Makassar, que ligam o oceano Índico ao mar da China e ao oceano Pacífico, o estreito de Ormuz, que liga o golfo Pérsico ao oceano Indico, situado entre os Emirados Árabes Unidos e o Irã, o estreito de Al Mandab, que une o mar Vermelho ao oceano Índico, dividindo a África da Ásia, entre a Arábia Saudita, de um lado e a Eritréia e a Somália de outro.
  22. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica; 1982.
  23. ARTIGO 40 - Atividades de investigação e levantamentos hidrográficos

    ARTIGO 41- Rotas marítimas e sistemas de separação de tráfego em estreitos utilizados para a navegação internacional

    ARTIGO 42 - Leis e regulamentos dos Estados ribeirinhos de estreitos relativos à passagem em trânsito

    ARTIGO 43 - Instalações de segurança e de auxilio à navegação e outros dispositivos. Prevenção, redução e controle de poluição

  24. Para as demais zonas marítimas, como a ZEE ou o alto mar, não se aplicam as normas relativas aos estreitos, para estes se aplicam as liberdades de navegação e sobrevoo, conforme artigo 36° da Convenção de 1982:
  25. A presente Parte não se aplica a um estreito utilizado para a navegação internacional se por esse estreito passar uma rota de alto mar ou uma rota que atravesse uma zona econômica exclusiva, igualmente convenientes pelas suas características hidrográficas e de navegação; em tais rotas aplicam-se as outras Partes pertinentes da Convenção, incluindo as disposições relativas à liberdade de navegação e sobrevôo.

  26. TOMÁS, Helena Cristina Costa. Estreitos utilizados para a navegação internacional: breves considerações sobre a parte III da convenção de Montego Bay. Lisboa : [s.n.]. 1990.
  27. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica; 1982.
  28. ARTIGO 35 - Âmbito de aplicação da presente Parte

    Nenhuma das disposições da presente Parte afeta:

    a)qualquer área das águas interiores situadas num estreito, exceto quando o traçado de uma linha da base reta, de conformidade com o método estabelecido no artigo 7, tiver o efeito de englobar nas águas interiores áreas que anteriormente não eram consideradas como tais;

    b)o regime jurídico das águas situadas além do mar territorial dos Estados ribeirinhos de um estreito como zonas econômicas exclusivas ou alto mar; ou

    c)o regime jurídico dos estreitos em que a passagem esteja regulamentada, total ou parcialmente, por convenções internacionais de longa data em vigor que a eles se refiram especificamente.

  29. BURKE, Karin M. Innocent passage and transit passage in the United Nations Convention on the Law of the Sea. Yale journal of world public order; New Haven; EUA; 1983.
  30. Neste sentido: FIORATI, Jete Jane. Op. Cit. P. 178 e 179:
  31. Estados Unidos e a ex-União Soviética, bem como a França e a Grã-Bretanha em menor grau, possuíam interesses ligados à navegação de suas esquadras militares por áreas de interesse estratégico como as águas do Pacífico e do Índico, onde se desenrolavam conflitos ideológicos e situavam-se se muitas das antigas ex-colônias européias, que possuíam especiais laços políticos, econômicos e estratégicos com as antigas metrópoles e outros Estados como Japão, Alemanha e Holanda pleiteavam menores entraves à navegação comercial, diminuindo-se distâncias e custos.

  32. TOMÁS, Helena Cristina Costa. Op. Cit.
  33. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica; 1982.
  34. Artigo 38° - Direito de passagem em trânsito

    2-«Passagem em trânsito» significa o exercício, de conformidade com a presente parte, da liberdade de navegação e sobrevoo exclusivamente para fins de trânsito contínuo e rápido pelo estreito entre uma parte do alto mar ou de uma zona econômica exclusiva e uma outra parte do alto mar ou uma zona econômica exclusiva. Contudo, a exigência de trânsito contínuo e rápido não impede a passagem pelo estreito para entrar no território do Estado ribeirinho ou dele sair ou a ele regressar sujeito às condições que regem a entrada no território desse Estado.

  35. YTURRIAGA, José Antonio. Straits used for international navigation: a Spanish perspective. Martinus Nijhoff publishers. Holanda; 1991.
  36. JIA, Bing Bing. The regime of straits in international law. Claredon Press Oxford; Inglaterra; 1998.
  37. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica; 1982.
  38. SEÇÃO 3. PASSAGEM INOCENTE

    ARTIGO 45 - Passagem inocente

    1.O regime de passagem inocente, de conformidade com a seção 3 da Parte II, aplicar-se-á a estreitos utilizados para a navegação internacional:

    a)excluídos da aplicação do regime de passagem em trânsito, em virtude do parágrafo 1º do artigo 38; ou

    b)situados entre uma parte de alto mar ou uma zona econômica exclusiva e o mar territorial de um Estado estrangeiro.

  39. Artigo 37°, n° 1: Nos estreitos a que se refere o artigo 37, todos os navios e aeronaves gozam do direito de passagem em trânsito, que não será impedido a não ser que o estreito seja formado por uma ilha de um estado ribeirinho desse estreito e o seu território continental e do outro lado da ilha exista uma rota de alto mar ou uma rota que passe por uma zona econômica exclusiva, igualmente convenientes pelas suas características hidrográficas e de navegação.
  40. Artigo 45°, n°2: Não haverá nenhuma suspensão da passagem inocente por tais estreitos.
  41. CHURCHILL, Robin Rolf; LOWE, Alan Vaughan. The law of the sea. Manchester University Press. Inglaterra; 1988.
  42. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Montego Bay, Jamaica; 1982.
  43. ARTIGO 37 - Âmbito de aplicação da presente seção

    A presente seção aplica-se a estreitos utilizados para a navegação internacional entre uma parte do alto mar ou uma zona econômica exclusiva e uma outra parte do alto mar ou uma zona econômica exclusiva.

  44. JIA, Bing Bing. Op. Cit.
  45. BOXER, Charles Ralph. Op. Cit.
  46. Corte Internacional de Justiça. Caso: Estreito de Corfu (Reino Unido Vs. Albânia). Op. Cit.
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Tiago Vinicius Zanella

Graduado em Ralações Internacionais (Unicuritiba), mestrando em Direito Internacional (Faculdade de Direito de Lisboa) e graduando em Direito (Unicuritiba).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANELLA, Tiago Vinicius. Os estreitos utilizados na navegação internacional e o direito internacional do mar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2404, 30 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14282. Acesso em: 21 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos