Artigo Destaque dos editores

Idoneidade moral perante a OAB, exigida pelo inciso VI do artigo 8º da Lei nº 8.906/1994

04/02/2010 às 00:00

Resumo:


  • A Primeira Turma do STJ decidiu que um juiz aposentado do Espírito Santo tem o direito de se reinscrever na OAB, reformando a decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

  • A OAB/ES havia negado a reinscrição com base na alegação de falta de idoneidade moral, mas a condenação por crime infamante, que poderia justificar essa alegação, não havia ocorrido.

  • A decisão enfatiza que a declaração de inidoneidade moral deve ser feita pelo Conselho Seccional com pelo menos dois terços dos votos, seguindo o processo disciplinar, e não pode ser perpétua, respeitando-se a possibilidade de reabilitação judicial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Repercutiu recentemente notícia publicada em 08/01/2010, na página do STJ, no sentido que por maioria a Primeira Turma reformou decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, garantindo a juiz aposentado do Espírito Santo o direito de voltar a participar do quadro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil.

Segundo a referida publicação, nos autos consta que o impetrante havia exercido a advocacia até outubro de 1981 e o cargo de juiz daí até outubro de 1999, data em que se aposentou voluntariamente como magistrado estadual, em ato publicado um dia depois de ter perdido o cargo por determinação do TJES. O pedido de reinscrição junto à OAB/ES foi indeferido em março de 2002, sob o fundamento que o requerente não preenchia o requisito atinente à idoneidade moral previsto no artigo 8º, § 4º da Lei 8.906/94, que é do seguinte teor, verbis:

"Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial."

A fundamentação da qual se valeu a OAB/ES não foi a mais adequada ao caso. Considerando que o Requerente da inscrição não havia sofrido qualquer condenação judicial com trânsito em julgado por crime considerado infamante para a classe dos advogados, a fundamentação que mais se alia seria a do § 3° do mesmo artigo, verbis:

"A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar."

O Estatuto profissional dos advogados, Lei Federal 8.906/1994, exige no inciso VI, do artigo 8º, como uma das condições para a inscrição nos quadros de advogados ou de estagiários a idoneidade moral. A suscitação da inidoneidade moral perante a OAB pode ser feita por qualquer pessoa que tenha conhecimento dos fatos desabonadores da conduta do requerente à inscrição, porém somente pode ser declarada pelo Conselho Seccional na forma do § 3º, do artigo 8º, ou seja, por no mínimo dois terços do todo o Conselho. É uma norma que tem por escopo proteger o próprio suscitado, procurando afastar o espírito de emulação ou de competição deletéria.

Já a norma do aludido § 4º, somente tem aplicação quando o requerente da inscrição já sofreu, em processo judicial, a condenação pelo fato desabonador, com o trânsito em julgado da sentença. Situação na qual a declaração pelo Conselho Seccional se torne despicienda em vista do que prevê o próprio § 4º, 8º: não atende ao requisito de idoneidade moral (...). E a suscitação pode ser acata de plano pela Comissão de Seleção e Inscrição.

Ou seja, no caso em análise, se o fundamento jurídico utilizado pela OAB/ES estivesse correto, contrariamente ao acontecidos, o Conselho Seccional não poderia ter se manifestado.

A declaração de inidoneidade moral tanto pode atingir o bacharel como o bacharelando, se qualquer deles estiver requerendo a inscrição no quadro de advogados ou no quadro de estagiários, por força do que determina o § 2º, do artigo 20, do Regulamento Geral da OAB, combinado com o inciso V, do artigo 54 e com o artigo 78, estes dois últimos da Lei federal 8.906/1994. E também, o advogado inscrito, por força do artigo 38 da Lei estatutária.

A situação prevista no § 3º, do artigo 8º, procura reprimir a inscrição daqueles que no convívio em sociedade praticaram atos que repercutiram lesivamente na imagem da Advocacia. Entre os quais se encontra a prática de qualquer ato contra os bons costumes, a prática criminal ou contravencional e, principalmente, a prática de crime considerado pela OAB como infamante para a classe dos advogados.

O tratamento para a caracterização da inidoneidade moral perante a OAB daqueles que pretendem se inscrever nos quadros de estagiários ou de advogados deve ser o mesmo que a OAB utiliza para a caracterização da inidoneidade moral dos que já se encontram inscritos. Ou seja, ofensa ao que está previsto nos incisos XXVI a XXVIII, do artigo 34, que são situações que o Estatuto no artigo 38 pune com a EXCLUSÃO dos que nelas incidirem. Verbis:

Art. 38 . A exclusão é aplicável nos casos de:

(...)

II - infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII do art. 34.

Assim:

  • a) XXVI: Fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;

  • b) XXVII: Tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;

  • c) XXVIII: Praticar crime infamante.

Parece haver uma sobreposição entre os incisos XXVII e XXVIII, pois ‘praticar crime infamante’ também torna o advogado moralmente inidôneo para o exercício da advocacia e o inciso XXVII reforça essa condição. Ocorre que a inidoneidade moral pode ser ocasionada por outras situações diferentes da prática de crime infamante, como por exemplo, sofrer a ‘demissão a bem do serviço público’, ou praticar atos menores, porém com repercussão negativa no meio profissional e lesiva à imagem da advocacia. Assim reconhecido por pelo menos dois terços do Conselho Seccional.

Ora, se fazer falsa prova dos requisitos para inscrição no quadro de advogados, ou se tornar moralmente inidôneo para o exercício da advocacia e a prática de crime infamante são razões suficientes para a exclusão de inscrito dos quadros da OAB, com mais razão são fundamentos para impedir a admissão daqueles que pleiteiam a inscrição.

Porém a Constituição Federal, na alínea ‘b’ do inciso XLVII do artigo 5° , determina que não haja pena de caráter perpétuo. E a OAB dentro do que determina o artigo 133 da Constituição Federal, se submete ao artigo 37 da mesma Constituição e, por isso, deve se pautar pelos princípios da legalidade e impessoalidade, donde se extrai que não pode negar o que lei permite, considerando sempre que a OAB é uma entidade de serviço público independente, regida por lei federal.

Assim, no caso do inciso XXVI: Fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB, a idoneidade moral perante a OAB deve se extinguir na medida em que o apenado sanar a falsidade. No caso do inciso XXVIII: Praticar crime infamante, a inidoneidade se extingue quando o punido se reabilitar judicialmente.

A OAB independe do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para declarar a inidoneidade daquele bacharel ou advogado que tenha praticado crime infamante. Se houvesse a necessidade da OAB esperar o trânsito em julgado da eventual sentença condenatória para declarar ou acatar a suscitação de inidoneidade moral perante ela, os primeiros (inciso XXVII) que são afastados ou impedidos de se inscreverem de plano, mediante decisão do Conselho Secional da OAB sofreriam tratamento desfavorável em relação aos segundos (inciso XXVIII). A desigualdade de tratamento fica patente na medida em os segundos (inciso XXVIII) somente pudessem ser afastados ou impedidos de se inscrever com o trânsito em julgado da eventual sentença penal condenatória.

Mais a mais, o inciso XXVIII se refere claramente a cometer crime infamante e não a ser condenado pela prática de crime infamante. Assim, no caso de crime contra a administração pública basta a publicação no Diário Oficial, noticiando a demissão do requerente à inscrição ou do advogado já inscrito para que a OAB fique apta a apreciar a suscitação de inidoneidade moral.

A direção é encontrada na dicção dos incisos III e VII, do artigo 58, do Estatuto. Ali está claro que a declaração de inidoneidade moral é uma prerrogativa privativa ao Conselho Seccional. E tanto o § 3º, 8º, como o parágrafo único do artigo 38 remetem para o Conselho Seccional a decisão sobre a declaração de inidoneidade moral perante a OAB daqueles que pretendem a inscrição, como também a decisão sobre a exclusão dos quadros de advogados e de estagiários pela ofensa aos incisos XXVI a XXVIII, 34.

Portanto, é ato discricionário no cumprimento de determinação legal e discricionariedade é o exercício de opção, ou de escolha entre duas ou mais possibilidades válidas perante o direito e não somente perante a lei.

Na previsão do § 4º, do artigo 8º, o que fica claro é que a OAB tomando conhecimento do fato já com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória por crime infamante, não precisa reunir o Conselho Seccional para deliberar a respeito, pois se trata de uma declaração legal de inidoneidade moral que só poderá ser superada por outra decisão do judiciário, que é a da reabilitação judicial, tanto para o inscrito como para o que pretende se inscrever nos quadros de advogados ou de estagiários da Ordem.

O Estatuto da OAB não define quais são os crimes que considera como infamantes, cuja condenação com trânsito em julgado ocasiona presunção Iuris et de iure de inidoneidade moral perante a Ordem, a teor da parte final do § 4º do artigo 8º. Mas, por analogia, são os ‘crimes contra a administração pública’. Os mesmos que são considerados como possíveis de ocasionar a ‘demissão a bem do serviço público’ pelo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo e também previstos como impeditivos da readmissão do servidor federal, no inciso I, do artigo 132, da Lei federal 8.112/1990.

A prática de outros crimes não considerados como infamantes, como as atitudes e o comportamento imoderados em sociedade também podem levar à declaração de inidoneidade moral perante a OAB (XXVII - 34). Depende, no entanto, da repercussão no meio profissional e de ser suscitada na forma do § 3º, do artigo 8º, do Estatuto.

Em respeito ao preceito da Constituição Federal da impossibilidade de penas perpétuas, a declaração de inidoneidade moral perde a força com a reabilitação judicial no caso de condenação pela prática de crimes considerados infamantes. Porém, a questão que se mostra conflituosa é a do lapso temporal de duração dos efeitos da declaração de inidoneidade moral feita em função de atitudes e comportamentos imoderados em sociedade como é previsto pelo inciso XXVII, 34.

Quando esta declaração é afeta a funcionário público que sofreu administrativamente ‘demissão a bem do serviço público’ ou por ofensa ao que prevê o inciso I, do artigo 132, da Lei federal 8.112/1990, o lapso temporal é o mesmo que o Estatuto do funcionalismo prevê para a readmissão. Tal é que a demissão simples não pode ser causa de declaração de inidoneidade moral pela Ordem, pois não é impeditiva de readmissão. Porém, se além da demissão sobrevier condenação judicial pela prática do mesmo fato, a declaração de inidoneidade somente perde a força com a reabilitação judicial.

No caso de cometimento de crimes não considerados infamantes ou contravenção, a declaração deve perder o efeito com o cumprimento ou extinção da pena pura e simplesmente por força do que prescreve o § 4º, do artigo 8º.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nas demais situações, a declaração de inidoneidade moral daqueles que pretendem a inscrição deve perder a força no lapso temporal máximo de cinco anos a contar da prática do fato e não da declaração de inidoneidade moral, o mesmo prazo previsto pelo Estatuto do funcionalismo público estadual por falta de outro parâmetro. Assim, se na data do pedido de inscrição a data da ocorrência do fato desabonador dista há mais de cinco anos, a suscitação não deve ser considerada pelo Conselho Seccional.

O inciso II, do artigo 94, do Código Penal, prevê dois anos de bom comportamento social após o termino ou extinção da pena para a reabilitação judicial, mas é aplicável somente aos crimes considerados infamantes, por força § 4º,do artigo 8º da Lei estatutária dos advogados.

Assim, nos §§ 3º e 4º, do artigo 8º, o Estatuto da advocacia dimensiona as situações em que se pode suscitar e a Ordem declarar ou não a inidoneidade daqueles que estão em processo de inscrição e no artigo 38, relativamente aos inscritos. Porém, quando a inidoneidade for declarada, em respeito ao preceito constitucional, não pode ter caráter perpétuo.

No caso em análise, segundo os autos, o Requerente advogou até outubro de 1981 e exerceu o cargo de juiz daí até outubro de 1999, data em que se aposentou voluntariamente como magistrado estadual, em ato publicado um dia depois de ter perdido o cargo por determinação do Tribunal de Justiça de Espírito Santo. O pedido de inscrição junto à OAB/ES foi indeferido em março de 2002, sob o fundamento que de não preenchia o requisito atinente à idoneidade moral previsto no art. 8º, § 4º da Lei nº 8.906/94.

O ato da OAB é discricionário, mas, na prática, a apuração da persistência ou não de inidoneidade moral perante a Ordem, se resume em saber se o requerente à inscrição pode ou não naquele momento ser readmitido pelo ente público que o demitiu/afastou. A partir do momento em que puder, teoricamente também poderá se inscrever nos Quadros da OAB.

O inciso V, do parágrafo único do artigo 95, da Constituição Federal veda ao magistrado o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração. Então, no caso, o requerente à inscrição perdeu o cargo em outubro de 1999 e se durante três anos estava vedado de advogar junto ao tribunal que o afastou, correta a decisão da OAB/ES quando impediu a inscrição dele antes de decorrido o prazo constitucional. Somente a fundamentação legal é que não foi a apropriada.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Joselito Alves Batista

Advogado em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Joselito Alves. Idoneidade moral perante a OAB, exigida pelo inciso VI do artigo 8º da Lei nº 8.906/1994. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2409, 4 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14306. Acesso em: 23 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos