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Da demarcação de terra indígena.

Natureza declaratória do ato administrativo

Leia nesta página:

O tema da demarcação das terras indígenas vem a cada dia ganhando maior atenção por parte da comunidade jurídica e da sociedade em geral. Assim, o presente artigo busca trazer singela contribuição no tocante a natureza jurídica do ato demarcatório, fruto do trabalho do subscritor quando do exercício do cargo de Procurador Federal junto à Procuradoria Especializada Federal da FUNAI em Brasília.

De início, temos que a demarcação das terras de ocupação tradicional indígena consiste em mandamento constitucional, de conformidade com o art. 231, parte final, da Constituição Federal de 1988, nos termos seguintes:

"Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

A Lei Federal nº 6.001/73 - Estatuto do Índio, considerando os direitos originários dos índios às suas terras, estabelece a sua demarcação, nos termos seguintes:

"Art. 17. Reputam-se terras indígenas:

I - as terras ocupadas ou habitadas pelos silvícolas, a que se referem os artigos 4º, IV, e 198, da Constituição;

................................................

"Art. 19. As terras indígenas, por iniciativa e sob orientação do órgão federal de assistência ao índio, serão administrativamente demarcadas, de acordo com o processo estabelecido em decreto do Poder Executivo." (Sem destaques no original)

O processo administrativo de demarcação da terra indígena, pertinente a sua identificação, delimitação, demarcação e homologação, vem a ser:

( a ) amparada e determinada pelos arts. 20, inciso XI, e 231 e seu § 1º da Constituição Federal e 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

( b ) estabelecida pelos arts. 17 e 19 da Lei Federal nº 6.001, de 19.12.1973 - Estatuto do Índio; e

( c ) regulamentada pelos Decretos nºs 22/91 e 1.775/96.

O processo de demarcação, iniciando-se pela denominada identificação, consiste em estudos etnohistóricos, sociológicos, cartográficos e fundiários, considerando o consenso histórico da ocupação e os usos, costumes e tradições, para definição do território indígena.

O processo administrativo de demarcação demonstra a ocupação indígena tradicional e os limites da terra indígena, identificando o grupo e suas características culturais, que evidência o que o art. 25 da Lei nº 6.001/73 denomina de "consenso histórico sobre a antigüidade da ocupação".

O processo de demarcação visa o reconhecimento da tradicionalidade da ocupação indígena, com a identificação e a delimitação da terra indígena, dando-lhe os seus limites, para fins de demarcação, mediante a sua materialização no terreno.

Muito se foi questionado acerca da impossibilidade de ser demarcada área de fronteira, sob os argumentos de possível violação da segurança nacional. Invocavam a necessidade de consulta ao Conselho de Defesa Nacional, contudo, julgando o Mandado de Segurança n° 25.483/ DF, DJ 19.09.2007, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Carlos Britto, à unanimidade decidiu, verbis:

A manifestação do Conselho de Defesa Nacional não é requisito de validade da demarcação de terras indígenas, mesmo daquelas situadas em região de fronteira. Não há que se falar em supressão das garantias do contraditório e da ampla defesa se aos impetrantes foi dada a oportunidade de que trata o artigo 9º do Decreto 1.775/96 (MS 24.045, Rel. Min. Joaquim Barbosa). Na ausência de ordem judicial a impedir a realização ou execução de atos, a Administração Pública segue no seu dinâmico existir, baseada nas determinações constitucionais e legais. O procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas Raposa Serra do Sol não é mais do que o proceder conforme a natureza jurídica da Administração Pública, timbrada pelo auto-impulso e pela auto-executoriedade. Mandado de Segurança parcialmente conhecido para se denegar a segurança.

Cumpre destacar que no Decreto n° 1.775/96 vigente, que regula o procedimento de demarcação de terras indígenas, não há previsão para que o Ministro da Justiça ou o Presidente da República altere a extensão da área identificada pelo estudo da FUNAI como terra indígena.

A demarcação das terras de ocupação tradicional indígena não se trata de ato constitutivo de posse, mas meramente declaratório, de modo a precisar a real extensão da posse e conferir eficácia ao mandamento constitucional.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem decidido pelo caráter tão-somente declaratório da demarcação de terra indígena, que não tem efeitos constitutivos nem desconstitutivos, nos termos seguintes:

"ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS.

I – O Decreto nº 1.775, que dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das Terras Indígenas e dá outras providências, entrou em vigor em 9 de janeiro de 1996, revogando o Decreto nº 22/91.

II – Consoante determinação de ordem constitucional, as terras tradicionalmente indígenas devem ser objeto de demarcação pela União. Assim, uma vez identificadas e delimitadas essas terras indígenas são demarcadas mediante ato de caráter declaratório, que não tem efeitos constitutivos nem desconstitutivos. Tudo isso se dá por intermédio de procedimento previamente estabelecido, no curso do qual a Administração reúne os elementos de prova da ocupação tradicional da terra por índios, dimensiona esta ocupação tradicional por meio de mapas e memorial descritivo e oficializa sua delimitação, com a emissão de declaração administrativa, consubstanciada na homologação, mediante decreto do Chefe do Poder Executivo. Culmina na colocação de marcos de limites da terra então delimitada."

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(TRF-1ª Região – REO 96.01.49190-2/RR – Rel. Des. Carlos Fernando Mathias – Publ. no DJ de 10.10.2001 – pág. 93)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem decidido que por não ter o caráter constitutivo, o direito dos índios à terra se dá pela sua própria presença e vinculação com seu território tradicional, autorizativos da demarcação, nos termos seguintes:

"ADMINISTRATIVO. TERRAS INDÍGENAS. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO PELA FUNAI. PRETENSÃO DE EXPLORAÇÃO DE MADEIRA E FORMAÇÃO DE PASTAGENS. IMPOSSIBILIDADE.

1. Delimitada a área de propriedade do impetrante como integrante da Terra Indígena Kayabi, compete à FUNAI zelar pela sua integridade, apesar de não ter sido ainda demarcada, eis que "a demarcação não é constitutiva. Aquilo que constitui o direito indígena sobre as suas terra é a própria presença indígena e a vinculação dos índios à terra, cujo reconhecimento foi efetuado pela Constituição Brasileira". (...)

(AMS nº 2001.36.00.008004-3/MT – Rel. Des. Federal Daniel Paes Ribeiro – DJU de 19.04.2004, pág. 58).

O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO reconheceu que a demarcação trata-se de posterior reconhecimento oficial do fato pertinente a ocupação indígena, ante o seu caráter declaratório, nos termos seguintes:

"PROCESSO CIVIL. ARGUIÇÃO DO ‘DECISUM’ REJEITADA. SÃO BENS DA UNIÃO TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADOS PELOS ÍNDIOS. INSTITUTO DO INDIGENATO. DIREITO CONGÊNITO. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DO CONCEITO DE POSSE CIVIL. (...)

2. São bens da União, ex-vi do art. 20, XI, da Magna Carta, as terras ocupadas pelos índios.

3. O fundamento do direito dos silvícolas repousa no indigenato, que não se caracteriza como direito adquirido, mas congênito.

4. Prova pericial comprobatória da tradicional ocupação da área litigiosa pelo silvícolas. A posterior demarcação é mero reconhecimento oficial do fato.

5.Inaplicabilidade, à espécie, do conceito de posse civil. A posse indígena vem definida pelo art. 23 da Lei 6001 de 19.12.73, Estatuto do Índio.

6...........

7. Recursos improvidos." (AC 91.03.15750-4-SP – Rel. Juíza Salette Nascimento - Publicação no DJU de 13.12.94, 1ª Seção, pág. 72900 - Sem destaques no original)

Ante o exposto e à guisa de conclusão, temos que não é o processo de demarcação que vai criar uma posse imemorial, um habitat remanescente, mas somente delimitar a terra indígena, precisando os seus limites e definindo os seus contornos.

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Sobre o autor
Flávio Marcondes Soares Rodrigues

Procurador Federal em Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Flávio Marcondes Soares. Da demarcação de terra indígena.: Natureza declaratória do ato administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2433, 28 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14426. Acesso em: 21 nov. 2024.

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