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A evolução do consumo de drogas.

Aspectos históricos, axiológicos e legislativos

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06/03/2010 às 00:00

Resumo:


  • O consumo de drogas acompanha a humanidade desde seus primórdios, com referências em antigas lendas e rituais de diversas civilizações.

  • Na Idade Antiga, o uso de substâncias psicoativas estava presente em sociedades como as gregas e romanas, relacionando-se a práticas rituais e medicinais.

  • Com o passar dos séculos, a perspectiva sobre as drogas evoluiu, especialmente com as grandes navegações e a Revolução Industrial, levando à associação de certas substâncias com atividades econômicas e, posteriormente, ao desenvolvimento de políticas proibicionistas internacionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1.1 Buscando a origem do consumo de drogas

O consumo de substâncias não produzidas pelo organismo humano, capazes de atuar sobre um ou mais de seus sistemas e de produzir alterações em seu funcionamento, algumas delas classificadas atualmente como drogas, acompanha a humanidade desde seus primórdios.

Não existem indícios históricos das primeiras experiências humanas com plantas e seus princípios ativos, mas, ainda que de forma especulativa, algumas referências podem ser encontradas em antigas lendas de diversas civilizações que associavam determinados frutos à idéia de paraíso. [01]

A sedentarização dos grupos humanos pré-históricos, ocorrida no período Mesolítico, permitiu a obtenção de conhecimentos acerca do ciclo de vida de certos cereais, o desenvolvimento da agricultura e a domesticação de animais, acarretando significativas transformações principalmente nos modelos de agrupamento humano, constituindo o que se resolveu chamar de Revolução Neolítica.

À medida que se intensificava a ação do homem sobre a natureza foram surgindo grupos familiares cada vez maiores, tornaram-se mais complexas as relações no seio de tais organizações e fixaram-se as bases para o surgimento de grandes civilizações.

Nessas sociedades o uso de certas substâncias relacionava-se a ritos de passagem e de iniciação à maturidade, e a rituais que buscavam satisfazer os mais variados deuses.

Acerca do uso ritualístico de certas substâncias psicotrópicas, cabe transcrever excerto da obra de Antônio Escohotado:

As culturas de caçadores-colectores – sem dúvida as mais antigas do planeta – têm em comum uma pluralidade aberta ou mesmo interminável de deuses. Actualmente sabemos que numa proporção muito elevada dessas sociedades os sujeitos aprendem e reafirmam a sua identidade cultural passando por experiências com alguma droga psicoativa. (...) Antes de o sobrenatural se concentrar em dogmas escritos, e de castas sacerdotais interpretarem a vontade de qualquer deus único e omnipotente, o fulcro de inúmeros cultos era o que se percebia em estados de consciência alterada, e foi-o precisamente a título de conhecimento revelado. As primeiras hóstias ou formas sagradas eram substâncias psicoativas, como o peyotl, o vinho ou certos cogumelos [02].


1.2 A Idade Antiga e o consumo de drogas

Com o advento da escrita, em 4.000 a.C, tem início, utilizando-se o recurso didático da periodização da história, a Idade Antiga, em que se destaca o surgimento de duas principais formas de organização socioeconômica: as sociedades baseadas no regime de servidão coletiva (sociedades asiáticas) e as sociedades escravistas (em especial, as sociedades grega e romana). [03]

São desse período as primeiras referências escritas acerca de plantas e substâncias psicoativas extraídas das mesmas.

A papoula ou dormideira, planta da espécie Papver sommiferum L., aparece descrita em placas sumérias do terceiro milênio a.C., representada em cilindros babilônicos, imagens da cultura creto-micênica e em hieróglifos egípcios.

O cânhamo (cannabis sativa) tem sua origem na China, país em que foram encontrados os primeiros restos desta fibra. Surgem também indícios de seu uso na Índia, para tratamento de febre, insônia, tosse seca e disenteria, e na civilização da Mesopotâmia, empregada como incenso cerimonial.

O arbusto de coca, planta do gênero Erythroxylon, originário da região de Macchu-Yunga, no antigo Alto Peru (hoje Bolívia), fora disseminado pelos incas. [04]

Desde o século III a.C., o hábito da mastigação das folhas de coca é representado em esculturas dos povos andinos, encontrando-se presente em manifestações ritualísticas e utilizado como forma de aliviar o esforço físico e mental relacionado ao trabalho em altas altitudes. [05]

Podem ainda ser encontrados relatos sobre o uso de álcool, em especial na sociedade egípcia, na região da Ásia Menor e na Bíblia judaica.

O Código de Hamurabi, por exemplo, em sua ordenação 108, mandava executar os donos de tabernas que adulterassem a qualidade de bebidas como o vinho e a cerveja. [06]


1.3 As civilizações grega e romana

A civilização grega influenciou profundamente a cultura ocidental, sendo responsável pela produção de significativo conhecimento político, filosófico e científico, e de variadas formas de expressão artística.

A produção filosófica presente nas obras de Sócrates, Platão, Aristóteles e outros, foi responsável pela disseminação das idéias de leis e princípios universais reguladores da natureza. Rompe-se, portanto, com a concepção de conhecimentos secretos e místicos somente obtidos por meio da religião. [07]

Diante dessa nova perspectiva, plantas como a dormideira, o cânhamo, a beladona, a mandrágora, e as drogas por elas produzidas, passam a ser abordadas não mais como substâncias sobrenaturais, mas como mecanismos de cura, sendo ainda utilizadas para fins lúdicos.

De igual forma, na civilização romana o uso de certas drogas encontrava-se inserido nos costumes, em especial o ópio, sobre o qual foram erigidas leis para regular os preços de mercado [08].

Percebe-se, portanto, que o consumo de drogas nas sociedades grega e romana apresentava-se bastante difundido, seja na forma de medicamentos, seja de forma recreativa. Entretanto, tal fenômeno não se constituiu como um problema de ordem social, política ou jurídica.

Para Antônio Escohotado as drogas nas civilizações antigas clássicas não representavam um problema de toxicomania primeiramente por encontrarem-se inseridas no complexo arcabouço de costumes dessas sociedades.

Esclarece o citado autor:

...este formidável consumo não cria problemas de ordem pública ou privada. Embora se contem aos milhões, os consumidores regulares de ópio não existem nem como casos clínicos nem como marginais de sociedade. O costume de tomar esta droga não se distingue de qualquer outro costume – como madrugar ou tresnoitar, fazer muito ou pouco exercício, passar a maior parte do tempo dentro ou fora de casa -, e daí que não haja em latim expressão equivalente a ‘opiómano’, ainda que exista pelo menos uma dúzia de palavras para designar o dipsómano ou alcoólico [09]

Ainda segundo Escohotado, o juízo de valor negativo das sociedades em análise recaiu sobre o álcool, que absorveu toda a nocividade social e individual que, atualmente, recai sobre drogas como maconha, inalantes, solventes, estimulantes, cocaína e crack [10].

As convicções acerca da neutralidade das drogas e dos benefícios da automedicação, características dos cultos pagãos, começam a entrar em colapso com o processo de cristianização do Império romano.

O cristianismo surge à época do alto Império romano, proveniente da religião judaica. Durante os três primeiros séculos da era cristã, os adeptos dessa nova religião foram perseguidos por questionarem os valores e as instituições de Roma.

Entretanto, o cristianismo começa a se fortalecer, tornando-se, no início do século IV, a religião mais popular do Império romano. Em 325, por meio do Concílio de Nicéia, o imperador Constantino promove a união entre Estado e Igreja. [11]


1.4 A Idade Média

Durante a Idade Média, a Igreja cristã alcança o posto de maior instituição feudal do Ocidente europeu, exercendo sua hegemonia ideológica e cultural, estabelecendo normas e comportamentos. [12]

O conhecimento pagão, inclusive no que se refere ao uso terapêutico ou recreativo de drogas, passa a ser considerado heresia, contaminado por práticas de bruxaria.

Durante esse período, acusadas de práticas contrárias aos ideais cristãos, inúmeras pessoas foram perseguidas por inquisidores.

Antônio Escohotado descreve os meios empregados contra os "infiéis":

Perante tais evidências, o uso de drogas diferentes do álcool castiga-se com tortura e pena capital, tanto se for religioso como se for simplesmente lúdico. Ao mesmo tempo, as drogas não são corpos precisos, mas uma coisa entre aspiração infame e certa pomada. (...); isto permitia ser queimado vivo por guardar uma pomada para luxações, sempre que a pessoa parecesse suspeita ou tivesse inimigos; igualmente possível era que, noutro domicílio, a presença de pomadas muito psicoativas fosse considerada inocente. Mas elaborar plantas e beberagens parecia às autoridades aproximar-se demasiado da abominação, e punha em perigo o seu relato dos factos; a saber, que o mundo – castigado por Deus – estava cheio de bruxas com poderes sobrenaturais, devido à sua aliança com Satanás. [13]

As transformações sociais, políticas e econômicas que tiveram início na baixa Idade Média, representadas principalmente pela reforma religiosa, absolutismo político e expansão comercial, deram azo ao movimento denominado Renascimento cultural, ocorrido entre os séculos XIV e XVI.

O Renascimento inspirou-se na Antiguidade clássica e foi buscar na cultura greco-romana, principalmente no antropocentrismo, valores pertinentes à nova realidade urbana e comercial. [14]

Com essa volta de valores pagãos, as drogas retomam seu lugar de destaque como substâncias terapêuticas, passando a ser utilizadas principalmente por médicos e boticários europeus e como meio recreativo, constatando-se também um aumento significativo no consumo de bebidas. [15]

Para evitar as perseguições dos inquisidores pelo uso de substâncias tidas como contrárias aos postulados cristãos, foi necessário separar a farmacologia da magia, de forma a "reduzir o reputadamente sobrenatural a uma coisa prosaica, como as propriedades de certas plantas" [16], e ainda "mostrar que o prosaico apresentava grande utilidade para todos, sendo pura e saudável medicina" [17].


1.5 O processo de expansão marítima e comercial e sua relação com as drogas.

Todo esse processo de desenvolvimento econômico, que começa a se intensificar no século XVI com as grandes navegações e tem seu auge com a Revolução Industrial, foi responsável pela mudança de perspectiva das nações em relação às drogas.

Antes tidas como elementos terapêuticos ou recreativos, determinadas substâncias passam a ser encaradas sob sua potencial capacidade de gerar receita econômica aos países colonizadores, inseridos em uma realidade de expansão comercial.

Os primeiros estados a se lançarem ao mar, principalmente Portugal e Espanha, mantiveram intenso contato com o significativo arcabouço botânico das Américas e, consequentemente, com as substâncias estimulantes, perturbadoras ou depressoras do sistema nervoso central, obtidas por meio das mais variadas ervas.

A interação entre colonizadores e colonizados permitiu a obtenção de conhecimento acerca dessas novas drogas e a conseqüente introdução das mesmas na Europa.

Comentando acerca da produção e comércio de cocaína na América espanhola, Eduardo Galeano conta que:

Os espanhóis estimularam intensamente o consumo de coca. Era um negócio esplêndido. No século XVI, gastava-se tanto, em Potosí, em roupa européia para os opressores como em coca para os índios oprimidos. Quatrocentos mercadores espanhóis viviam, em Cuzco, do tráfico de coca; nas minas de Potosí, entravam anualmente cem mil cestos, com um milhão de quilos de folha de coca. A Igreja cobrava impostos sobre a droga. O inca Garcilaso de la Veja nos diz, em seus ‘comentários reais’, que a maior parte da renda do bispo, dos cônegos e demais ministros da igreja de Cuzco provinha dos dízimos sobre a coca, e que o transporte e a venda deste produto enriqueciam a muitos espanhóis. [18]

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Além da cocaína produzida na América espanhola, outros produtos passaram a ser também explorados, entre eles a erva-mate, o cacau, o guaraná, e principalmente o tabaco, droga mais difundida na América.

Buscando a adequação a essa nova realidade econômica mundial, países como Inglaterra, França e Holanda vão exercer seu imperialismo principalmente sobre o continente asiático.

Acerca do processo de transformação das drogas em produtos comerciais e a sua comercialização em larga escala, exerceu papel pontual o conflito entre Inglaterra e China conhecido como Guerra do Ópio, ocorrido nos idos de 1839 a 1842.

A compreensão das diferenças existentes entre a civilização chinesa e os Estados do Ocidente, não apenas sob o aspecto econômico, mas também social e cultural, e a percepção do desenrolar das questões relativas ao ópio, permitem traçar as bases do surgimento da ideologia do proibicionismo e, consequentemente, das discussões interestatais sobre a questão das drogas.


1.6 As bases históricas da Guerra do Ópio

Até meados do século XIX, os chineses baseavam suas relações com os demais Estados na premissa de que a China representava o reino central do mundo, enquanto os demais países mantinham-se em posição periférica.

Durante a dinastia Qing o Estado chinês não se preocupava com os ganhos que poderiam ser obtidos com o comércio exterior e, de igual forma, não defendia os interesses chineses nas regiões em que tais práticas comerciais eram efetuadas, como por exemplo, no sudeste asiático.

A China reservava-se o direito absoluto de impor regras rígidas sobre o comércio com outros povos, controlando os sujeitos das relações mercantis, a localização e freqüência das trocas e até mesmo os produtos a serem envolvidos nas transações.

No início da dinastia Qing, missões portuguesas e holandesas, que buscavam privilégios comerciais com a China, restaram frustradas ao se depararem com as tendências isolacionistas do Império do Oriente, sendo obrigadas a respeitar intervalos estipulados pela Casa Imperial chinesa, instituição burocrática autônoma que controlava os negócios do imperador, para a efetivação das trocas comerciais.

Com o aumento do interesse ocidental pelo seu extenso mercado, a China tornou ainda mais rígida sua barreira de proteção econômica, limitando, em 1760, o comércio europeu ao porto de Cantão.

Em pleno século XVIII, tais diretrizes mercantis chocavam-se com aquelas adotadas pelas novas potências ocidentais – Inglaterra, França e Holanda – que buscavam mercados para seus produtos.

Observava-se também o aumento da demanda de produtos chineses como chá, porcelana, seda e artigos decorativos na Europa e na América, fenômeno esse que não fora acompanhado pelo aumento da demanda chinesa por produtos de exportação ocidental, como algodão, lã, pele, estanho e chumbo.

O ano de 1770 foi marcado pelo desequilíbrio da balança de exportação e importação do Ocidente com a China, desequilíbrio esse agravado ainda mais pelo intenso fluxo de prata rumo ao Império do Oriente, já que os produtos chineses eram principalmente adquiridos em troca do metal precioso.

A Inglaterra, exercendo suas pretensões imperialistas, havia estabelecido diversas colônias na Índia, nas quais explorava a produção de ópio, aproveitando a fertilidade da terra indiana e a grande disponibilidade de mão-de-obra.

Nesse ínterim, a Companhia das Índias Orientais, fundada pelos britânicos em 1600, tornara-se um grande empreendimento, atraindo vultosos investimentos, conquistando territórios e estabelecendo o monopólio da compra do ópio indiano.

No final do século XVIII, a exportação de ópio para a China surgia como solução para o problema de balança comercial desfavorável enfrentado pelos ingleses.

Ao invés de envolver-se diretamente com o transporte do produto da papoula, a Companhia das Índias Orientais concedia licença a mercadores, que vendiam o ópio na China, depositavam a prata obtida nessa comercialização com agentes da Companhia instalados no porto de Cantão, e recebiam cartas de crédito.

Estabelecia-se portanto um comércio triangular bastante lucrativo entre Inglaterra, Índia e China: O ópio produzido na Índia era vendido a comerciantes chineses, que pagavam em prata pelo produto indiano; com o metal precioso, a Companhia das Índias Orientais adquiria os produtos tão em voga na Europa, os quais eram vendidos na Inglaterra.

A primeira proibição de comercialização de ópio com os europeus ocorreu em 1729, estabelecida pelo imperador Yougzheng, da dinastia Qing, preocupado com o fluxo de metais preciosos da China para a Europa em função da aquisição da droga. Entretanto, vale ressaltar, essa primeira medida do Império chinês não proibiu o cultivo da dormideira em seu território.

Em 1793, fora expedido édito que proibia não só a importação de ópio, mas também seu cultivo na China, estabelecendo punições para aqueles que fossem pegos comercializando e até mesmo fazendo uso do entorpecente.

No entanto, tais medidas proibitivas somente estimularam o contrabando e aumentaram o lucro dos países exportadores, desencadeando de igual forma uma onda de corrupção entre os altos funcionários da burocracia chinesa.

Sobre as práticas de contrabando, Jonathan D. Spence escreveu que:

os mercadores de Cohong não se atreviam mais a fazer negócios com ópio, mas os comerciantes estrangeiros descobriram que, se ancorassem em pontos selecionados da costa da China, havia muitos aventureiros chineses dispostos a vir comprar seus carregamentos de ópio. Grandes balsas fortificadas ancoradas perto da ilha de Lintin, na baía abaixo de Cantão, também proporcionavam um local conveniente de distribuição da droga. Em botes rápidos de fundo chato, a vela ou a remo, os traficantes chineses conseguiam evitar todas as tentativas de interceptação por parte das escassas forças navais Qing. Depois disso, distribuíam o ópio pela rede de rotas comerciais locais, por estradas, rios e trilhas. [19]

Em 1838, o então imperador chinês Daoguang, nomeou Lin Zexu como comissário imperial, enviando-o a Cantão com a determinação de por fim ao tráfico de ópio.

As intervenções do comissário Lin concentraram-se em dois grupos distintos: os cidadãos de Cantão, entre os quais, "até a metade de maio de 1839, mais de 1600 chineses haviam sido presos e cerca de dezesseis toneladas de ópio e 43 mil cachimbos confiscados" [20]; e os estrangeiros, dos quais foi exigida a cessação da comercialização e a entrega de todo o ópio que seria objeto de transação com a China, não tendo sido oferecido nenhum tipo de compensação pelo produto que fosse confiscado.

Diante da desídia dos comerciantes estrangeiros, que se ofereceram a entregar simbólicas mil caixas de ópio, Lin Zexu proclamou um bloqueio em Cantão, impedindo a saída dos cerca de 350 estrangeiros residentes no local, o que resultou na aceitação da entrega de cerca de 20 mil caixas de ópio e a conseqüente destruição de aproximadamente 1.400 (um mil e quatrocentas) toneladas do entorpecente. [21]

As notícias do bloqueio e do confisco do ópio em Cantão fizeram com que empresas e câmaras de comércio inglesas pressionassem o Parlamento a tomar drásticas atitudes.

O Parlamento, apesar de não ter declarado guerra à China, enviou "dezesseis belonaves armadas com 540 canhões, quatro vapores armados recentemente projetados, 28 navios de transporte e 4 mil soldados" [22] que, auxiliados por reforços provenientes da Índia, capturaram diversas cidades chinesas, entre elas a grande cidade de Nanquim. [23]

Em 29 de agosto de 1842, foram assinados os termos do Tratado de Nanquim, pondo fim à Guerra do Ópio.

O mais importante tratado da história moderna da China era formado por doze artigos que, dentre outras determinações, estabelecia o pagamento pelo Império de seis milhões de dólares como compensação do ópio entregue em Cantão; o pagamento de cerca de doze milhões de dólares a título de indenização pela despesa com os combates; a abertura de cinco cidades chinesas, Cantão, Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Xangai, para a comercialização de produtos ingleses e a cessão da ilha de Hongcong à coroa inglesa. [24]

Na esteira do acordo celebrado com a Inglaterra, a China firmou outros com diversos países, entre eles Estados Unidos e França, tomando assim novos rumos em sua política externa, os quais, juntamente com movimentos sociais que começavam a eclodir em território chinês, intensificaram a instabilidade interna do país e resultaram em profundas alterações na ordem social, política e econômica.

Apesar do momento de comoção interna vivido pelo Império chinês, os ingleses, frustrados com os fracos resultados econômicos obtidos com o Tratado de Nanquim, formularam diversas solicitações que representaram uma renegociação daquele tratado.

Dentre outras reivindicações, destacam-se:

acesso garantido aos ingleses a todo o interior da China, ou, se não isso, a toda a área costeira de Zhejiang e ao baixo Yangzi até Nanquim; legalização do comércio de ópio; cancelamento das taxas de circulação internas sobre as importações estrangeiras; supressão da pirataria; imposição de regras para a emigração de mão-de-obra chinesa; residência em Pequim para um embaixador britânico e referência à versão britânica, em vez de à chinesa, em todas as disputas de interpretação do novo tratado revisado. [25]

Diante da oposição da dinastia Qing em analisar suas proposições, a Inglaterra retoma, em 1856, as ações militares em Cantão, que resultaram na assinatura do Tratado de Tiajin, em 1858.

As medidas relativas ao produto da papoula adotadas pelo governo chinês após as Guerras do Ópio representaram um duro golpe aos interesses tanto dos ingleses quanto dos demais países que se aproveitavam das vantagens econômicas auferidas com o comércio da droga.

A legalização da importação e do consumo de ópio e a posterior liberação do cultivo da dormideira na China fizeram com que o país, já nos idos de 1890, produzisse aproximadamente 85% (oitenta e cinco por cento) de sua demanda interna, ameaçando ainda a hegemonia indiana, ou melhor, inglesa, no abastecimento da Ásia com o ópio. [26]

O declínio no rendimento da exploração do ópio desencadeou o surgimento de políticas contrárias ao tráfico de respectiva droga em toda a Europa e também nos Estados Unidos da América.

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Sobre o autor
Victor Pereira Avelino

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AVELINO, Victor Pereira. A evolução do consumo de drogas.: Aspectos históricos, axiológicos e legislativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2439, 6 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14469. Acesso em: 19 dez. 2024.

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