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Assédio moral nas relações de trabalho e o sistema jurídico brasileiro

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13/03/2010 às 00:00
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Como os poderes estatais têm enfrentado o problema? Quais as ações legislativas? Em que sentido são proferidas as decisões judiciais? E qual a força das ações individuais?

O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!

O único mistério é haver quem pense no mistério.

Quem está ao sol e fecha os olhos,

Começa a não saber o que é o sol

E a pensar muitas cousas cheias de calor.

Mas abre os olhos e vê o sol,

E já não pode pensar em nada,

Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos

De todos os filósofos e de todos os poetas.

A luz do sol não sabe o que faz

E por isso não erra e é comum e boa.

(Fernando Pessoa)

RESUMO

O objetivo principal deste trabalho é contribuir para divulgar, ainda mais, o tema "assédio moral nas relações de trabalho". A constatação de que ainda predomina o desconhecimento acerca do fenômeno, conquanto tenha sido imensamente difundido nos últimos anos, e da verdadeira confusão que é feita ao redor dos temas assédio moral, dano moral e assédio sexual foi determinante para a definição do tema proposto. Não só. A condição social do trabalhador, em especial na sociedade brasileira, de verdadeira desproteção fática, embora haja proteção jurídica, mostrou-se relevante para a busca da compreensão do problema. Verificar quais fatores delineiam o comportamento social foi o verdadeiro desafio. Ademais, constatada a realidade perversa a que está submetido o trabalhador, almejou-se conhecer os instrumentos que a sociedade brasileira tem utilizado para coibir tal prática nefasta. Como os poderes estatais constituídos têm enfrentado o problema? Quais as ações legislativas? Em que sentido são proferidas as decisões judiciais? E qual a força das ações individuais, mitigada pela situação de fragilidade em que se encontra o trabalhador durante a relação de emprego, de grande importância na reparação do dano sofrido? Por outro lado, foi ressaltada a importância das ações coletivas, ajuizadas, na maioria das vezes, pelo Ministério Público, como instrumento eficaz no alcance da tutela inibitória da prática lesiva. Também foi abordado o papel dos princípios norteadores do nosso sistema jurídico na condução do problema e a forma como nossos tribunais trabalhistas têm resolvido as questões.

Palavra-chave: Assédio moral. Mobbing. Relações laborais. Fundamentos jurídicos. Meio ambiente de trabalho. Dignidade da pessoa humana. Isonomia. Direito à intimidade. Instrumentos judiciais de combate. Visão dos tribunais brasileiros.


INTRODUÇÃO

O termo "assédio moral" pode causar estranheza a muitas pessoas, em razão do desconhecimento do seu significado, ou mesmo da confusão, em face da semelhança fonética com outros fenômenos, tais como o assédio sexual e o dano moral. Todavia, se apresentarmos situações caracterizadas por assédio moral, muitas pessoas reconhecerão que já foram vítimas ou conhecem outros que já sofreram com práticas dessa natureza.

A determinação, oriunda de superior hierárquico, para o cumprimento de atribuições estranhas ou incompatíveis com a função do empregado, ou em condições e prazos inexequíveis, é uma conduta muito conhecida, no plano prático, pela maioria dos trabalhadores. O mesmo deve-se dizer de comportamentos de desprezo ou humilhação perpetrados nas relações de trabalho, ou dos rumores e comentários maliciosos, ou críticas reiteradas e feitas em público. Todos esses são procedimentos muito conhecidos da imensa massa de trabalhadores de todo o mundo e podem exatamente configurar o assédio moral.

Portanto, assédio moral é a prática perversa, que aflige milhões de pessoas em todo o mundo e ocorre principalmente no ambiente de trabalho.

Trata-se de um fenômeno que se define pela repetição prolongada de atos que expõem o trabalhador à humilhação ou constrangimento, objetivando atingir a sua auto-estima, impedindo-o de desempenhar adequadamente sua atividade profissional.

Conquanto não seja um fato novo, o assédio moral no trabalho, hodiernamente, tem se apresentado de maneira crescente nos ambientes laborais, ante o modelo de exploração do trabalho vigente (reflexo da globalização econômica), caracterizado por violentas pressões por produtividade e impessoalidade nas relações entre dirigentes e trabalhadores, implicando falta ou deficiência da comunicação direta entre subordinante e subordinado e no aumento da competitividade no âmbito da empresa.

Esses fatores, impulsionadores da globalização e clamadores do neoliberalismo, cultivadores do, hoje, sempre presente temor do desemprego – e, em momentos de crise, da necessidade de manutenção do emprego, ainda que em condições inadequadas –, têm escasseado a cooperação e solidariedade entre os trabalhadores, tanto nas relações hierárquicas (entre superiores e subordinados) como nas horizontais (entre colegas de trabalho).

Surge, assim, o ambiente propício ao desenvolvimento e à proliferação de práticas humilhantes, degenerativas das relações interpessoais, configuradoras do assédio moral no ambiente de trabalho.

O presente estudo objetiva delinear a caracterização do assédio moral e suas diversas modalidades, analisar o modo como o tema tem sido tratado pela legislação pátria e como os tribunais trabalhistas têm visto o fenômeno.

Para a sua concretização, foi necessário desenvolver pesquisa da doutrina, legislação e jurisprudência. Com efeito, utilizou-se o método dedutivo para se conhecer de que maneira o sistema legislativo brasileiro trata do tema. Concomitantemente, o método indutivo foi indispensável para se aferir a produção jurisprudencial de nossos tribunais.

A pesquisa, portanto, foi levada a efeito mediante análise documental da doutrina estrangeira, na medida em que a obra que embasa o estudo provém da doutrina francesa, e nacional. Também foi analisada a evolução da legislação em todo o território nacional para se concluir de que maneira o sistema legislativo brasileiro tem tutelado os trabalhadores no que se refere à prática do assédio moral. Por fim, verificou-se o comportamento dos tribunais mediante análise das decisões reiteradas acerca da matéria em comento.

Quanto à sistematização, no primeiro capítulo, abordaremos questões gerais a respeito do tema, definição e espécies.

No segundo capítulo, analisaremos a maneira como o ordenamento jurídico pátrio coíbe a prática de assédio moral, em âmbito constitucional e infraconstitucional, e nas esferas federal, estadual e municipal.

No terceiro capítulo, faremos uma abordagem dos instrumentos judiciais de combate ao assédio moral, tanto no campo individual como no coletivo.

Finalmente, no quarto capítulo, será apresentado, à luz de casos concretos, a visão dos tribunais acerca de tão delicado tema.


CAPÍTULO I

2.1 NOÇÕES PRELIMINARES

Nos últimos anos, o termo assédio moral vem alcançando notoriedade. Lado a lado, crescem as queixas a respeito de assédio sexual e de dano moral. Os fenômenos não são inéditos; ao contrário, podem ser detectados nas relações sociais descritas pela história. Embora vetustos, apenas hodiernamente emerge com significância o repúdio da sociedade.

O que há de novo? Quais os motivos para a atenção agora dispensada ao fenômeno do assédio moral? São basicamente de três ordens os atuais motivos proporcionadores do vigor com que se reveste o fenômeno do assédio moral.

Primeiramente, temos a complexidade das relações sociais modernas, o progresso do capitalismo selvagem, aliado à globalização, que determina uma forma de organização empresarial hierárquica, competitiva e robotizada e um sistema trabalhista com tendências à flexibilização ou desregulamentação, com a consequente precarização das condições de trabalho, escassez dos postos de emprego, ameaçando a efetivação dos direitos sociais.

Ratificando esse entendimento, dispõe Margarida Barreto [01] que

"A flexibilização, que na prática significa desregulamentação para os trabalhadores/as envolve a precarização, eliminação de postos de trabalho e de direitos duramente consquistados, assimetria no contrato de trabalho, revisão permanente dos salários em função da conjuntura, imposição de baixos salários, jornadas prolongadas, trabalhar mais com menos pessoas, terceirização dos riscos, eclosão de novas doenças, mortes, desemprego massivo, informalidade, bicos e sub-empregos, dessindicalização, aumento da pobreza urbana e viver com incertezas. A ordem hegemônica do neoliberalismo abarca reestruturação produtiva, privatização acelerada, estado mínimo, políticas fiscais etc. que sustentam o abuso de poder e manipulação do medo, revelando a degradação deliberada das condições de trabalho."

De fato, a atual organização do trabalho busca o ingresso no mercado globalizado, competitivo, visando a alcançar melhores resultados, com a redução dos gastos, à custa, na grande maioria das vezes, da precarização do trabalho humano, mediante utilização de novas formas de contratação, tais como terceirização ou quaisquer outros meios que descaracterizem a relação de emprego e que fulminem o princípio da continuidade da relação laboral [02], causando instabilidade na vida do trabalhador.

As relações sociais, portanto, estão sendo dilaceradas pela crise comportamental em que vive o indivíduo, e os problemas outrora enfrentados alcançam proporções inesperadas. Hoje, segundo Daniel Sarmento [03], discute-se

" (...) a crise da Modernidade, e há quem fale no advento de uma Era Pós-Moderna. Afirma-se que a Modernidade falhou nos seus objetivos, pois não conseguiu resolver ou minimizar os problemas da Humanidade, nem dar respostas grandiloqüentes para enfrentar os problemas emergentes em uma sociedade hipercomplexa, globalizada, fragmentada e descentrada."

A par de tudo isso, o desenvolvimento tecnológico e científico e o acesso à informação caracterizam essa sociedade pós-industrial, onde o que determina a concentração de poder e riqueza não é mais a propriedade dos meios de produção, mas o conhecimento e a informação, cuja circulabilidade é cada vez mais veloz diante dos avanços tecnológicos [04], acarretando um ambiente de trabalho extremamente estressante.

O homem pós-moderno tem o poder do conhecimento, da informação. Contudo, segundo Daniel Sarmento [05],

"(...) o volume das informações disponíveis é tamanho, que, como num paradoxo, acabamos todos condenados à superficialidade. A estética substitui a ética e a aparência torna-se mais importante que o conteúdo. São tantos os caminhos possíveis, tão múltiplas as variáveis, tão complexos os problemas, que não é mais factível programar uma direção, um sentido unívoco para um comportamento individual ou coletivo. O pensamento moderno, com sua obsessão pela generalização e racionalização, ter-se-ia tornado imprestável para compreender o caos das sociedades contemporâneas."

Corroboram esse entendimento as lições do Professor Luís Roberto Barroso [06] ao dispor que,

"No campo econômico e social, tem-se assistido ao avanço vertiginosos da ciência e da tecnologia, com a expansão dos domínios da informática e da rede mundial de computadores e com as promessas e questionamentos éticos da engenharia genética. A obsessão da eficiência tem elevado a exigência de escolaridade, especialização e produtividade, acirrando a competição no mercado de trabalho e ampliando a exclusão social dos que não são competitivos porque não podem ser. O Estado já não cuida de miudezas como pessoas, seus projetos e sonhos, e abandonou o discurso igualitário ou emancipatório. O desemprego, o subemprego e a informalidade tornam as ruas lugares tristes e inseguros."

Portanto, a hipercomplexidade que caracteriza a organização social de agora é sentida mais fortemente no mundo do trabalho. Vive-se uma racionalização perversa da produção capitalista, e o ser humano é visto, por seus próprios pares, como instrumento do capital. "A lógica do capital como valor que se valoriza incessantemente, tende ao descontrole e destrói progressivamente as próprias fontes de produção de valor: a natureza e os seres humanos." [07]

Entretanto, não se pode olvidar que a pessoa humana é um ser complexo, disposto a amar incondicionalmente, ao mesmo tempo em que é capaz de cometer as maiores atrocidades contra o seu semelhante. Conforme dispôs Marie-France Hirigoyen [08], "existem incontestavelmente sistemas perversos que favorecem a instalação do assédio moral, mas levar em conta os sistemas não impede de levar em conta as pessoas." Com efeito, podemos deduzir que o segundo motivo para a publicidade alcançada pelo fenômeno reside na formação ética e moral do indivíduo, que pode apresentar um desvio de caráter.

Aliado a estes dois fatores, encontramos um terceiro motivo, identificado pelo elemento psíquico. Sabe-se que o desequilíbrio psicológico pode ser responsável por condutas inimagináveis e que o tipo de vida a que está submetido o indivíduo pós-moderno favorece o desenvolvimento de doenças que afetam o psicológico da pessoa, fazendo-a agir de forma incompreensível.

Neste contexto, o assédio moral extraiu e extrai do sistema capitalista subsídio para se propagar, mas encontra também nas pessoas componentes da organização do trabalho a semente da violência. Este conjunto faz adoecer as relações laborais, sufocando trabalhadores, atingindo-lhes a dignidade, corroendo, reflexamente, suas relações familiares, retirando-lhes a auto-estima e fazendo-os duvidar de sua integridade psicológica.

A informação, contudo, surge como verdadeira aliada no processo de diagnose e denúncia do problema. Assim, a partir da conscientização, o trabalhador, nos anos 80, deixou de conviver silenciosamente com esse fenômeno. [09]

No mundo inteiro, tem-se notícia de mobbing, bullying, harassment, ijime, assédio moral ou terror psicológico. Os fenômenos não se confundem, mas são versões perversas, assemelhadas, que demonstram o grau de deterioração das relações sociais.

O assédio moral não ocorre apenas no ambiente de trabalho. Acontece também com frequência nas relações familiares em geral, inclusive na convivência conjugal, e no ambiente escolar. Entretanto, é nas relações laborais que surge com maior impacto social. A razão está, principalmente, no modelo econômico adotado no mundo. Segundo Márcia Guedes [10],

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"A velha empresa, organização vertical centrada no poder diretivo, na hierarquia e na subordinação dos assalariados, sempre teve a competição como regra. A empresa pós-moderna, leve, enxuta, que executa o trabalho por rede, elevou a competição interna e externa a uma verdadeira guerra, sem compaixão pelo vencido. "

Trata-se

"(...) daquelas atitudes humilhantes, repetidas, aparentemente despropositadas, insignificantes, sem sentido, mas que ocorrem com uma freqüência predeterminada, que vão desde o olhar carregado de ódio, o desprezo e a indiferença, passa, pelo desprestígio profissional, por descomposturas desarrazoadas e injustas, tratamento vexatório, gestos obscenos, palavras indecorosas, culminando com o isolamento e daí descambando para a fase do terror total, com a destruição psíquica, emocional e existencial da vítima". [11]

Portanto, todas as agressões à intimidade do trabalhador, repetitivas, capazes de reduzir-lhe a auto-estima, de desprestigiar o seu trabalho, de humilhá-lo e ofendê-lo, desequilibrando-o emocional e psiquicamente são consideradas assédio moral.

2.2 DEFINIÇÃO

Embora atualmente haja uma difusão do fenômeno, muitos atos são caracterizados, equivocadamente, como assédio moral. Surge, assim, a necessidade de se definir assédio moral, para se evitar a banalização, que, via de regra, leva ao descrédito.

Assediar, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira [12], é "perseguir com insistência... importunar, molestar, com pretensões insistentes." Por sua vez, a expressão moral diz respeito à conduta ética, socialmente exigida, em consonância com os bons costumes e com os princípios e regras que visam à prática do bem e a repressão do mal em relação ao próximo [13], considerando, portanto, o que a sociedade julga aceitável ou não. [14]

Marie-France Hirigoyen [15], uma das maiores estudiosas do assunto, expõe que

"A escolha do termo moral implicou uma tomada de posição. Trata-se efetivamente de bem e de mal, do que se faz e do que não se faz, e do que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade. Não é possível estudar esse fenômeno sem se levar em conta a perspectiva ética ou moral, portanto, o que sobra para as vítimas do assédio moral é o sentimento de terem sido maltratadas, desprezadas, humilhadas, rejeitadas (...)"

Ademais, em nosso ordenamento jurídico, o termo moral tem o condão de conseguir distinguir de um outro fenômeno muito próximo que é o assédio sexual e caracterizar o dano resultante de sua prática, fazendo oposição ao dano material. [16]

Para o estudioso sueco Heinz Leymann [17],

"(...) assédio moral é a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas) que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega (s) desenvolve (m) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura."

Márcia Novaes Guedes [18] define mobbing, entendido por ela como sinônimo de assédio moral, como

"(...) todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima."

Caracteriza, portanto, o fenômeno o fato de os ataques serem regulares e se prolongarem no tempo. Uma conduta isolada, mesmo que tenha o condão de prejudicar a saúde do trabalhador, não pode ser confundida com assédio moral.

Marie-France Hirigoyen [19], ao definir o assédio moral nas relações laborais, preferiu ignorar o elemento anímico, levando em consideração o tipo de comportamento sobre as pessoas, propondo a seguinte definição: "o assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho." Estresse, gestão por injúria, agressões pontuais, más condições de trabalho e imposições profissionais, por si sós, não configuram assédio moral.

Assédio moral no trabalho, portanto, é todo comportamento dos superiores hierárquicos, dos subordinados ou dos colegas do trabalhador que submete a vítima, de forma repetitiva e prolongada, a situações humilhantes e constrangedoras, afetando sua dignidade e sua saúde psicofísica e degenerando o meio ambiente de trabalho.

2.3 DENOMINAÇÕES

O fenômeno do assédio moral recebe diversas denominações. Conforme Maria Aparecida Alkimin [20], na língua portuguesa pode ser referido como violência moral ou psicológica, humilhação no trabalho, assédio psicológico no trabalho, terror ou terrorismo psicológico no trabalho, psicoterror, coação moral no ambiente de trabalho, tirania nas relações de trabalho, molestamento moral e manipulação perversa.

Internacionalmente, o fenômeno recebe diversas designações, tais como mobbing (Itália, Alemanha, EUA e Suécia), bullying (Inglaterra), harcèlement moral (França), terror psicológico ou assédio moral (Portugal), psicoterror ou acoso moral (Espanha), harassment, emotional abuse ou mistreatment (EUA) e ijime, mora-hara, moral harassment ou murahachibu (Japão).

Segundo Marie-France Hirigoyen [21], foi o sueco Heinz Leymann quem introduziu o termo mobbing para delinear as formas de assédio nas organizações. A palavra advém do verbo to mob e significa assediar, atacar em massa, destacando o elemento grupal, caracterizado pelo tumulto, o que faz com que a expressão esteja diretamente relacionada à "violência coletiva, ligada à organização do trabalho." [22]

Já a expressão bullying advém do verbo to bully correspondente ao tratamento desumano, grosseiro. Surgiu para descrever os maus tratos que algumas crianças infligiam a outras, evoluindo para uma utilização mais genérica para referir agressões em família e em organizações laborais. [23]

Durante muito tempo, o ijime foi utilizado no Japão como método educacional voltado a desenvolver a rivalidade, seja na escola seja no trabalho. Conforme Marie-France Hirigoyen [24], "tal sistema, pela pressão psicológica considerável que provoca nas crianças, levou o ijime a adquirir tamanha amplitude, que se tornou, nos anos 90, uma verdadeira chaga social. Algumas crianças cometeram suicídio ou abandonaram a escola."

Em verdade, no Japão, o ijime foi utilizado no mundo do trabalho como instrumento de controle social, buscando-se a padronização da conduta do jovem trabalhador, impedindo o desenvolvimento da personalidade crítica e questionadora.

Com a recessão dos anos 90 e todas as exigências de um mundo globalizado e de um mercado mundial, o fenômeno do assédio moral tornou-se mais intenso do que a palavra ijime poderia representar. Assim, atualmente, recorre-se ao termo mora-hara derivado da expressão inglesa moral harassmente, para indicar as condutas humilhantes impostas ao trabalhador japonês.

Prefere-se, em geral, neste trabalho, utilizar o termo assédio moral tendo em vista a amplitude do conteúdo dos signos, conforme expressado por Rodrigo Dias da Fonseca:

"As demais expressões em português, antes mencionadas, não possuem essa riqueza de significados, sendo por vezes muito restritas ("coação moral"), excessivamente genéricas (‘manipulação perversa’), ou demasiadamente afetado, pouco espontâneo (‘terrorismo psicológico’, ‘psicoterror’)." [25]

Independentemente da denominação adotada, o fenômeno representa uma degeneração das relações sociais, na família, na escola ou na organização laboral. Nestas, pelas condições atuais a que estão submetidos os trabalhadores, as lesões de ordem física e psicológicas acarretadas representam um custo social elevadíssimo com tendências ao recrudescimento.

2.4 ESPÉCIES DE ASSÉDIO MORAL

O assédio moral, sob a perspectiva do agente, pode ser classificado em vertical descendente, vertical ascendente, horizontal e misto. Vejamos cada uma das espécies:

2.4.1. Assédio moral vertical descendente

A espécie mais frequente de assédio moral nas relações de trabalho é o chamado assédio moral vertical descendente. Nesse tipo de assédio, a conduta é praticada pelo empregador ou quem lhe faça às vezes, como diretores, assessores, gerentes, chefes etc. Isto ocorre muito em razão de serem essas pessoas detentoras do poder diretivo e tentarem impor um ritmo de trabalho intenso, baseado na competitividade e na rivalidade.

Quando se afirma que o empregador é o perverso, não se quer referir à figura da pessoa jurídica que porventura seja empregadora, mas, em verdade, quer-se fazer alusão à conduta praticada pelo empresário, a pessoa física que efetivamente pratica o ato, embora não se possa excluir a responsabilidade da pessoa jurídica empregadora pelos danos causados ao empregado pela conduta ilícita do agente.

Não se pode, da mesma forma, olvidar que a moderna organização da produção do trabalho, com sua busca incessante por melhores resultados, menos despesas e cada vez mais lucros, acarreta uma administração por estresse e faz com que o empregador se esqueça da condição humana de seu empregado, tendendo a transformá-lo em mero instrumento, utilizando-se de uma "manipulação perversa" [26], que se inicia pela utilização de meios insidiosos, conforme expõe Márcia Novaes Guedes [27] ao dizer que

"O fenômeno se instala de modo quase imperceptível. Inicialmente a vítima descuida, encarando o fato como uma simples brincadeira; todavia, é na repetição dos vexames, das humilhações, que a violência vai se mostrando demolidora e, se ninguém de fora intervier energicamente, evolui numa escalada destrutiva.

O fenômeno vertical se caracteriza por relações autoritárias, desumanas e aéticas, onde predominam os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado à produtividade... a "flexibilização" inclui a agilidade das empresas diante do mercado, agora globalizado, sem perder os conteúdos tradicionais e as regras das relações industriais. Se para os empresários competir significa "dobrar-se" elegantemente ante as flutuações do mercado, com os trabalhadores não acontece o mesmo, pois são obrigados a adaptar-se e aceitar as constantes mudanças e novas exigências das políticas competitivas dos empregadores no mercado global." [28]

São diversos os motivos que levam um superior hierárquico a assediar um subordinado. Marie-France Hirigoyen diz que "Na origem dos procedimentos de assédio, não existem explicações óbvias, mas, sim, um conjunto de sentimentos inconfessáveis." [29]

O medo, o ciúme, a rivalidade, a inveja e a não aceitação das diferenças ou atipicidades do outro são as principais causas que levam alguém a assediar outrem. Aliado às condições atuais de organização do trabalho, encontra-se um terreno fértil, próprio ao desenvolvimento de tais sentimentos. Margarida Barreto expõe que [30]

"O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho, reforça atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas que sustentam a ‘cultura do contentamento geral’. Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas que ‘carregam’ a incerteza de vir a tê-las, mimetizam o discurso das chefias e passam a discriminar os ‘improdutivos’, humilhando-os."

A par disso, surgem comportamentos simplesmente inexplicáveis.

Importante destacar que, no assédio moral vertical descendente, a ação agressiva não necessariamente será desenvolvida pelo superior hierárquico ou empregador, podendo estes contarem com a cumplicidade dos colegas da vítima. O mais espantoso é perceber que, em geral, o grupo tende a se alinhar com o perverso, creditando à vítima a responsabilidade pelos maus-tratos. [31]

Ao tratar da inveja, do ciúme e da rivalidade como motivadores da conduta perversa, Marie-France Hirigoyen expõe um exemplo interessante:

"Jovem diplomada em ciências políticas, Josiane entra em uma grande empresa pública sob as ordens de um colega mais velho e praticamente autodidata, que deve, em princípio, instruí-la. Desde o começo, ele não lhe passa nenhuma informação sobre os relatórios e a organização interna do serviço. Ela é obrigada a descobrir tudo sozinha. A despeito disso, critica sistematicamente tudo o que ela faz, sem jamais indicar o que deveria ter feito.

Quando ela faz perguntas pertinentes para obter uma informação, ele se esquiva e muda de assunto ou então a ridiculariza:

Não vale a pena ter estudado ciências políticas para não saber isso! ou O que é que lhe ensinaram na escola?.

Diante dos outros, ele se valoriza, falando do diploma da subordinada: Cursou ciências políticas, mas não sabe nada. Tenho de ensinar tudo a ela!

Josiane perde rapidamente a autoconfiança e tem a impressão de não saber mais nada. Dá razão a ele e pensa que seus estudos não serviram para nada. Torna-se submissa e termina por perguntar sua opinião sobre tudo. Mas isto não é suficiente para esse sujeito, que continua a fazer observações insultuosas a Josiane, até que ela adoece." [32]

Muitas vezes, o comportamento agressivo é fruto de uma administração por estresse, que faz o superior hierárquico perder a noção de limites em função de metas de produção. O trabalhador deixa de ser visto como pessoa humana e é coisificado, visto como mero instrumento para a consecução dos fins mercadológicos. A culpa, em última análise, não é exclusiva do agente. O sistema capitalista, com sua lógica de mercado e seu espírito egoísta, dominador e excludente, reduz o trabalhador à condição de simples instrumento de produção. [33] Foi exatamente isso que aconteceu com um autor que ajuizou reclamação trabalhista alegando ter solicitado dispensa em razão do falecimento de seu genitor, tendo o exercício de tal direito sido negado pela então gerente, ferindo a regra contida no artigo 473 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Em belíssima sentença, o magistrado dispôs que

"Na situação dos autos, chama a atenção a extrema instrumentalização da pessoa do autor, que em face de alguma conveniência imediata da produção, teve negado o direito ao luto pelo falecimento do pai, mantido no trabalho por 16 horas naquele dia, tendo negada a possibilidade de participar do seu sepultamento. Se, à diferença de Antígona, que exerceu sua liberdade diante da morte, o autor resignou-se de alguma forma à determinação da gerente, isso não é sinal de menor dor, mas de mais profunda deterioração da condição humana pela racionalização produtivista sem limite: a perda da percepção da própria liberdade." [34]

Tanto o empregador quanto seus prepostos têm o dever de zelar pela dignidade e integridade física e psicológica de seus empregados, responsabilidade esta decorrente do contrato de trabalho e da obrigação de preservação da dignidade da pessoa humana. Segundo Américo Plá Rodrigues, citado por Maria Aparecida Alkimin [35], "el cumplimiento de esta obligación, que se descompone en tantas prohibiciones y deberes positivos, no incumbe solo al empleador sino a todas las personas que lo representan."

No entanto, o que se observa é a completa recusa do empregador em adotar medidas proibitivas de condutas tirânicas perpetradas por seus prepostos. O empresário está muito mais preocupado com o resultado de seu empreendimento e olvida que a empresa tem uma função social e que a dignidade da pessoa humana é um direito humano fundamental, consagrado como princípio constitucional norteador não apenas do comportamento do Estado, mas também do particular, tendo em vista a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

2.4.2. Assédio moral horizontal

O assédio moral horizontal é a conduta agressiva praticada por colegas da vítima. A evolução desse tipo de conduta nas organizações laborais ocorre com o consentimento tácito do empregador, que, embora seja detentor dos poderes diretivo e disciplinar, mantém-se inerte.

A vítima pode sofrer assédio por parte de um indivíduo ou as agressões podem advir de um grupo. Também aqui não existe apenas um fator determinante do comportamento hostil, mas um conjunto de circunstâncias que influenciam na atitude perversa. O motivo que se destaca, porém, é a não aceitação do outro, evoluindo para um sentimento discriminatório, que encontrou na forma insidiosa uma maneira de dissimular comportamentos de segregação.

O homem é um ser muito peculiar e complexo e, como diz Marie-France Hirigoyen [36], "Para além da maneira de se trabalhar, existe uma maneira de ser, de se vestir, de falar, de reagir...". A não aceitação das especificidades do outro dá ensejo a condutas discriminatórias. Assim é que o assédio moral começa frequentemente pela recusa de uma diferença. Ela se manifesta por um comportamento no limite da discriminação. [37]

Observa-se na sociedade, com maior frequência, comportamentos configuradores de assédio moral em razão de intolerância racial, étnica e religiosa, decorrente de orientação sexual e em função de deficiência física ou doença da vítima. Entretanto, é também muito comum o sentimento de inveja dominar o perverso, que desfere tratamento agressivo, em razão de a vítima gozar de prestígio com o superior hierárquico.

Vale salientar que são inúmeros os sentimentos que levam uma pessoa a assediar alguém. Nas relações de trabalho, a competição exacerbada pode dar substancialidade à inveja, ao ciúme e à rivalidade. Mesmo quando inexistentes tais sentimentos, a simples necessidade de aumento de produção faz com que o ser humano seja utilizado pelo outro como instrumento. Vejamos a situação abaixo:

"Amélia começa a trabalhar em uma pequena empresa como assessora comercial. Nicole, a colega que ocupa a mesa junto da sua, é encarregada de ensinar-lhe o trabalho. As duas fazem um trabalho equivalente. Quando Amélia faz perguntas sobre um programa de computador, Nicole resmunga, dizendo que não tem o dia todo para ficar à disposição dela e em seguida lhe dá explicações rapidíssimas, de um jeito que Amélia nunca consegue anotar o que é dito. Se Amélia pergunta de novo, Nicole adota um ar impaciente: "Eu já lhe expliquei isso!". Após várias semanas, Amélia surpreende Nicole falando de seus erros aos superiores e comentando: "Decididamente, ela não aprende depressa! Eu até chego a duvidar que ela tenha trabalhado com informática antes!". Ela termina se aproveitando de um erro em um relatório financeiro para acusar Amélia de desonestidade e fraude.

De início, Amélia não compreende a razão do comportamento tão agressivo da colega. Ela reflete bastante e tenta ser mais gentil, até o dia em que encontra a secretária precedente, que havia pedido demissão em conseqüência da hostilidade de Nicole. Então, Amélia se dá conta de que não é sua culpa o fato de a colega ser tão hostil." [38]

O empregador tem o dever de reprimir condutas caracterizadas como assédio moral horizontal, porquanto ao celebrar contrato de trabalho surge para ele o dever de preservar a integridade física e psicológica do seu empregado, zelando por um meio ambiente de trabalho salutar.

2.4.3 Assédio moral vertical ascendente

O assédio moral vertical ascendente é a conduta perversa praticada pelo subordinado contra o seu superior hierárquico. Pode ser atitude desferida individualmente ou por todo um grupo. Essa espécie de assédio, "de baixo para cima", ocorre com menos frequência, embora não seja tão rara.

Por ocasião de grandes reestruturações organizacionais, muitas empresas contratam executivos incumbidos de reduzir gastos, equilibrar finanças, alcançar melhores resultados e enxugar a folha de pagamento. Por conta disso, o novo preposto encontra um clima hostil e pode ser vítima de violência do grupo.

Pode ocorrer também o assédio em tela quando alguém é promovido e passa a ocupar uma função de confiança, sem o conhecimento de seus futuros subordinados, que, não raras vezes, esperam reconhecimento e promoção. [39]

A simples modificação de rotina pode desencadear o processo ofensivo. O caso de Eva, descrito pelo pesquisador Leymann, é um famoso exemplo desse tipo de assédio. Trata-se de uma supervisora da cozinha de uma cantina de um complexo prisional na Suécia. Admitida para substituir um funcionário que se aposentou, foi encarregada de colocar em prática uma série de mudanças no modo de preparar e servir os alimentos. As cozinheiras subordinadas, acreditando serem as mudanças de exclusiva iniciativa da vítima, trataram-na com tirania, molestando-a psicologicamente. Os pedidos de ajuda encaminhados ao diretor da prisão foram interpretados como incapacidade de gerenciamento. Gravemente doente, Eva foi obrigada a se afastar do serviço para tratamento psicológico por dois anos, acabando por perder o emprego, não mais tendo conseguido se reinserir no mercado de trabalho. [40]

Da mesma forma que os outros tipos, esta opressão merece o repúdio da sociedade, tendo em vista afetar o meio ambiente de trabalho, prejudicando a saúde física e psicológica do trabalhador, além de atingir a dignidade do ser humano, seja ele empregador, superior hierárquico ou subordinado.

O nosso ordenamento jurídico não tolera esse comportamento, estando também o empregado sujeito à sanção mais grave, qual seja a despedida por justa causa, por inobservância de um dever contratual, ainda podendo responder por danos causados à saúde física e psicológica do superior hierárquico.

2.4.4 assédio moral misto

O assédio moral misto ocorre quando a vítima sofre com ultrajes advindos do superior hierárquico e dos colegas de trabalho, concomitantemente. É uma situação ainda mais grave, apta a gerar dano com muito mais rapidez do que nas hipóteses anteriormente expostas.

Um caso interessante de assédio moral misto é exposto pela pesquisadora Marie-France Hirigoyen:

"Depois de uma carreira de secretariado e algumas dificuldades na vida, Brigite, 38 anos, consegue formar-se professora. Em seu primeiro cargo num centro de lazer para adolescentes, logo de início se vê rejeitada pelos colegas, todos de faixa etária entre 20 e 25 anos, e por seu superior hierárquico, pouco mais jovem do que ela. Ela atrapalha, pois não sabem como classificá-la. Com sua experiência profissional, desenvoltura no trato com os jovens e senso de organização, adapta-se muito bem ao posto, mas contrasta com os demais, pois não é esportiva e se veste de forma diferente..." [41]

A situação é de tal maneira perversa que a vítima está fadada a sucumbir num período muito mais curto, pois está cercada "por todos os lados", não possuindo saída. Logo começa a ver defeitos em si mesma e a acreditar ser merecedora da conduta violenta.

Pode-se imaginar, portanto, a proporção do dano que comportamentos perversos como esses podem proporcionar na vida de uma pessoa. Retira-lhe a auto-estima e a confiança, a vontade de se relacionar, de produzir, de ser útil, de fazer planos, de viver. Quando percebe o que está acontecendo, na maioria das vezes, encontra-se num estado depressivo, dependente de acompanhamento especializado.

2.5 DISTINÇÃO ENTRE ASSÉDIO MORAL E ASSÉDIO SEXUAL

Os fenômenos assédio moral e assédio sexual não se confundem, embora tenham traços semelhantes. Ambos representam práticas atentatórias à dignidade e aos direitos de personalidade do trabalhador, molestadoras da sua integridade psicofísica. São concretizados por meio de atos, palavras, escritos, gestos e comportamentos, e influenciam negativamente o meio ambiente de trabalho, tornando-o hostil e degradante. Tanto um quanto o outro são caracterizadores de condutas perseguidoras, insistentes e ultrajantes, que interferem nos sentimentos da vítima, alteram seu comportamento, minam sua autoconfiança, causam doenças ou agravam enfermidades preexistentes.

São, entretanto, diferenciados por um elemento fundamental, qual seja a finalidade libidinosa, tendo em vista que, no assédio sexual, é a liberdade sexual da vítima que é atingida diretamente. No assédio moral, só reflexamente ocorrerá tal resultado.

Em nosso ordenamento jurídico, a lei 10.244/91, que acrescentou o artigo 216-A ao Código Penal, tipificou como assédio sexual o ato de "Constranger alguém com intuito de levar vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função." Da conceituação legal verifica-se que o constrangimento imposto à vítima, o abuso do poder diretivo e a finalidade de obtenção de vantagem ou favorecimento sexual são elementos essenciais à configuração do ato ilícito.

O professor Rodolfo Pamplona Filho [42] conceitua o assédio sexual como "toda conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual."

O assédio sexual, no entanto, quando mal-sucedido, pode evoluir para o assédio moral. A pesquisadora Márcia Novaes Guedes [43] cita o caso de um marinheiro que passou a sofrer discriminação no ambiente de trabalho após ter rejeitado as propostas sexuais de um alto oficial, que, frustrado, passou a lhe reservar as mais árduas tarefas e isolou-o do convívio dos demais colegas. Assim, embora não seja característica do assédio moral, o elemento sexual pode estar presente nessa espécie de tirania.

2.6 ASSÉDIO MORAL E DANO MORAL

O assédio moral não se confunde com o dano moral. Este é apenas uma das consequências da conduta ilícita do agente, quiçá a mais grave.

A palavra dano significa prejuízo. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho [44] conceituam dano como "a lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não – causado por ação ou omissão do sujeito infrator". O dano moral, portanto, distingue-se da prática violenta de assédio moral, consubstanciando o seu resultado.

O dano aqui referido é qualificado. Consiste na lesão a direitos de cunho personalíssimo. Atinge a esfera íntima da pessoa, como a intimidade, vida privada, honra e imagem da vítima. Estamos, em verdade, tratando do dano não-material. [45]

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, inciso V, assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país "o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem", garantindo, cristalinamente, a reparação pelo dano moral sofrido. O nosso Código Civil, em seu artigo 186 assim dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

A prática de assédio moral gera dano moral direto, pois atinge direitos personalíssimos do trabalhador. Marie-France Hirigoyen [46] em sua obra colaciona depoimento onde a vítima expressa o quanto sofre com as humilhações e a vergonha suportadas, donde se abstrai a proporção do dano moral direto que lhe foi causado:

"Fui vítima e continuo a ser de observações insultuosas, depreciativas, por parte do responsável pelo setor de informática de um escritório do qual sou funcionária.

Vivo com a vergonha das situações passadas e com a dor das situações presentes. Apesar de tais situações serem menos freqüentes hoje em dia, elas reacendem uma dor intensa e insondável, um poço de dor. Estas situações e lembranças me consomem e me fragilizam. É como se fosse uma doença permanente, uma prova de que eu mereço a agressão, já que fui incapaz de me defender.

Dois exemplos, entre tantos:

Uma manhã, esse senhor entra na minha sala e se instala diante de mim, na frente do computador da minha colega. Digo a ele: ‘bom dia, Márcio.’ e ele responde: ‘bom dia, coisa.’ Protesto e lhe peço para me chamar pelo meu nome. Ele replica: ‘De um jeito ou de outro, você não passa de uma baranga!’. Constrangida diante do testemunho da outra pessoa presente, só consegui brincar: ‘Está vendo como meu colega é simpático?’, mas me sinto arrasada e ofendida. Sentindo o ódio, a violência e o rancor me subindo. De uma outra vez ele disse à minha colega, dentro da minha sala, a respeito de uma pessoa contratada na mesma época que eu: ‘Você fez bem de a contratar... Ela não é como aquela ali...!’, me apontando.’"

Além do dano direto, o assédio moral é apto a causar dano moral indireto (ou em ricochete), tendo em vista que as consequências da prática podem ultrapassar a esfera íntima da vítima, atingindo, também, cônjuge, filhos, familiares em geral e até amigos.

Impende, por fim, assinalar que o dano moral decorrente do assédio moral não exclui a existência de dano material ou patrimonial. As consequências maléficas à saúde física e psíquica do trabalhador acarretam, inevitavelmente, prejuízos de ordem econômica ao assediado, como, v.g., gastos com tratamentos e medicamentos necessários à recuperação de sua saúde e perda de oportunidades na carreira e consequente elevação salarial [47].

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Sobre a autora
Rosana Santos Pessoa

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Rosana Santos. Assédio moral nas relações de trabalho e o sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2446, 13 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14520. Acesso em: 23 dez. 2024.

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