01 - Introdução
Há muito que a doutrina civilista estuda as diferenças entre os institutos da Decadência e da Prescrição, delineando suas respectivas distinções, tanto as essenciais quanto as decorrentes de suas respectivas aplicações.
Com efeito, o antigo Código Civil de 1916, nas palavras de Vidal Serrano Nunes Junior e de Yolanda Alves Pinto Serrano, "[...] englobava sob a designação de prescrição ambos os institutos" (NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 120).
A Professora Maria Helena Diniz, reforça o exposto, ao lecionar, com referência à norma de 1916, que "O Código Civil brasileiro não trata, explicitamente, da decadência, confundindo prescrição com decadência devido à analogia existente entre ambas, por terem traço comum da carga deletéria do tempo aliada à inatividade do titular do direito, englobando, por isso, num só capítulo, prazos prescricionais e decadenciais" (DINIZ, 1994, p. 212).
No entanto, o Código Civil vigente (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) passou a tratar da decadência, em específico, em seus artigos 207 até 211, bem como faz referência ao instituto em seus artigos 178 e 179, acompanhando a coerente norma consumerista da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), que aborda, de forma distinta, a Decadência e a Prescrição, respectivamente em seus artigos 26 e 27.
Sobre o tema, interessante o comentário feito por Mariana Dias, em seu trabalho "Inovações no Tratamento à Prescrição e à Decadência no Código de Defesa do Consumidor", onde ressalta que "Diante destas imperfeições em nossa doutrina nacional, os estudos estrangeiros, principalmente do Direito Alemão, mostraram-se mais precisos a respeito do assunto. E, a partir disso, é publicado na RT, nº 300, em 1965, um artigo de Agnelo Amorim Filho sobre o tema (''Critério Científico sobre Prescrição e Decadência – PP. 07-37). Neste trabalho, ele toma por base a classificação dos direitos em sujeitos a uma obrigação e potestativos (classificação desenvolvida por Chiovenda). Os primeiros são sujeitos à ação condenatória (a parte contrária deverá se sujeitar a cumprir uma obrigação); os segundos são sujeitos a ação constitutiva (haverá modificação, formação ou extinção de estado jurídico, independente da vontade da parte contrária). A partir disso, conclui que: as ações condenatórias possuem prazo prescricional; as ações constitutivas possuem prazos decadenciais; as ações meramente declaratórias são perpétuas, ou sujeitas a prazos decadenciais, quando este é previsto em lei" (DIAS, p. 01)
Analisaremos, assim, as propriedades quanto a Decadência e a Prescrição, sob a ótica do Direito do Consumidor, sem desconsiderar, porém, as influências do Código Civil Brasileiro, discorrendo sobre seus conceitos, aplicações, prazos, semelhanças e diferenças, com o intuito de melhor esclarecer ambos os fatos jurídicos.
02 - A Decadência
Etimologicamente, o vocábulo "decadência" sugere a queda, o declínio de algo; e sua aplicação, no universo jurídico, relaciona-se com o direito a ser exercido.
Nas palavras de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Decadência é a "[...] Extinção de um direito por haver decorrido o prazo legal prefixado para o exercício dele" (FERREIRA, 2004).
Rodrigo Nunes, em seu Dicionário Jurídico RG - Fênix, por sua vez, conceitua decadência como a "[...] Perda, perecimento ou extinção de direito potestativo, em consequência de finalização do termo legal ou convencional e peremptório a que se achava subordinado: decadência do direito de ação; decadência do direito de queixa; do direito de regresso do portador cambial etc.. O mesmo que caducidade [...]" (NUNES, 1995, p.127).
Maria Helena Diniz, por sua vez, expõe que "A decadência é a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para o seu exercício" [01] (DINIZ, 1994, p. 212).
Isto posto, é correto afirmar que a decadência tem como objeto o direito a ser exercido, o qual, seja por determinação estabelecida em lei ou pela vontade unilateral ou das partes envolvidas, subordina-se a ser exercido em determinado lapso de tempo, sob pena de caducar e não mais poder ser levado a efeito. Ou seja, na hipótese do titular do direito deixar de exercer determinado direito até o momento estabelecido para o término de seus efeitos, ocorre a decadência e, por conseqüência, perderá o direito, de forma que o seu titular não mais poderá exercê-lo (CÂMARA LEAL, 1948, p. 105 e 106, apud DINIZ, 1994, p. 213).
E a decadência do direito tem razão de existir, em favor da segurança jurídica que deve prevalecer entre as partes envolvidas, pois o direito decorrente da relação não pode subsistir "ad eternum", sendo que o prazo decadencial estabelecido no ordenamento ou convencionado entre as partes implicadas resulta em evidente fortalecimento do negócio jurídico [02].
Maria Helena Diniz ressalta que a decadência poderá ser argüida tanto pela via da ação quanto pela força da exceção. Pela via da ação, caso o titular do direito tenta exercitá-lo sem observar a existência da respectiva decadência, por outro lado, o interessado, pela via da ação, pleiteará a declaração da decadência do direito em questão. E, pela via da exceção, se o titular do direito vem a exercitá-lo por meio da ação judicial, a parte adversa, obviamente interessada no reconhecimento da decadência do direito que originou a lide, se defenderá, pela via da exceção, pleiteando a decadência do direito (DINIZ, 1994, p. 213).
Cabe ressaltar que o instituto da decadência é hipótese de julgamento da lide com a resolução do mérito [03], de acordo com o determinado pelo artigo 269, inciso IV, do Código de Processo Civil:
"Art. 269 - Haverá a resolução do mérito:
[...]
IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
[...]"
A decadência "ex vi legis" [04], por tratar-se de matéria de ordem pública e, portanto, irrenunciável [05], deverá ser conhecida de ofício pelo magistrado, quando estabelecida em lei, conforme, aliás, determina o artigo 210 do Código Civil Brasileiro. Ou seja, o juiz tem o dever de reconhecer o prazo decadencial existente, por sua própria conta, sem qualquer impulso pelas partes do processo; sendo caso de indeferimento da petição inicial na forma do artigo 295, inciso IV, do Código de Processo Civil:
"Art. 295 - A petição inicial será indeferida:
[...]
IV – quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5º);
[...]"
Porém, no caso do prazo decadencial ser decorrente de convenção entre as partes, o interessado, por força do disposto no artigo 211 do Código Civil Brasileiro, poderá alegá-la em qualquer grau de jurisdição, antes da lide ser definitivamente julgada [06]. No entanto, a parte final da referida norma alerta que o magistrado não poderá suprir tal alegação; o que equivale dizer que o juiz não poderá reconhecer a decadência convencional de ofício, sem ser impulsionado, sem existir o requerimento, da parte interessada.
A argüição da decadência, por sua vez, só poderá ser efetuada por quem detiver o legítimo interesse jurídico em seu reconhecimento, ou seja, poderá argüi-la àquele que sofreria as conseqüências do direito decaído, caso a decadência não o tivesse extinguido (DINIZ 1994, 213).
Portanto, na lição de Maria Helena Diniz, "podem argüir a decadência contra o titular do direito decaído: 1) o sujeito passivo do direito, se este for oriundo de relação jurídica obrigacional; 2) o sujeito passivo da ação, quando esta tiver por fundamento o direito decaído; 3) os sucessores, a título universal ou particular, do sujeito passivo do direito ou da ação; 4) qualquer terceiro a quem a eficácia do direito decaído acarretaria prejuízo, representando a decadência o afastamento desse prejuízo" (DINIZ, 1994, p. 213).
Por fim, cabe ressaltar que "salvo disposição legal em contrário", o artigo 207 do Código Civil em vigor estabelece que não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição (artigos 197 até 204 do Código Civil Brasileiro). Ou seja, com relação a decadência, a mesma não se suspende e nem se interrompe e só é impedida pelo efetivo exercício do direito, dentro do lapso de tempo pré-fixado (CÂMARA LEAL, 1948, p. 105 e 106, apud DINIZ, 1994, p. 214). Não obstante, mais a frente, no item 02.04, que trata da "obstaculização da decadência", debatermos com maior objetividade este assunto, no que concerne ao Direito do Consumidor, sob a luz do artigo 26, parágrafo 02º, do Código de Defesa do Consumidor.
02.01 - A Decadência no Direito do Consumidor
Superado o tema "decadência" sob a visão do Direito Civil, trataremos, então, de direcionar o assunto para o Direito Consumerista, mais precisamente para o artigo 26 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), o qual estabelece:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II – VETADO [07];
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Como observamos, o artigo 26 e seus parágrafos 01º até 03º, do Código de Defesa do Consumidor regulamenta a extinção do direito de reclamar em face de vícios aparentes ou de fácil constatação, bem como os vícios ocultos, os quais fazem com que os bens adquiridos ou os serviços prestados sejam inadequados ou impróprios para o consumo (DENARI, 1996, p. 149).
Conforme se depreende pelos parágrafos 01º até 03º da supra mencionada norma, os prazos estabelecidos dão evidentemente decadenciais, vez que tratam da extinção do direito.
Em primeira análise ao referido artigo, nos dirigimos ao seu caput, onde nos deparamos com a expressão "vícios aparentes ou de fácil constatação", a qual sofreu crítica – acertada, no nosso entendimento – do professor Rizzatto Nunes, o qual esclarece que o termo "aparente" não é dos melhores se analisado pela semântica, vez que tal palavra tem o sentido de "aparência", daquilo que não é real; sendo que o vício, pelo contrário, é algo bem real. Segundo Rizzato Nunes, o legislador tinha a intenção de aproveitar do vocábulo o sentido de aparecimento, do que aparece, mas ele não se presta a isso. Por conseguinte, o emérito Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça Paulista, optou por abandonar o seu uso e permanecer tão somente com a outra expressão, "de fácil constatação", a qual, realmente, diz respeito ao sentido desejado pela norma (NUNES, 2009, p. 376 e 377).
Ressalta o professor Rizzatto Nunes que "O que pretende a lei é que a garantia legal com seus curtos prazos seja exercida pela fácil constatação da existência do vício, isto é, pelo singelo uso e consumo do produto e do serviço" e exemplifica o caso em que "[...] o consumidor adquire um televisor que não sintoniza os canais", caso em que, a bem da verdade, "o vício é evidente e decorre no mero uso" (NUNES, 2009, p. 377).
Portanto, o vício abarcado pelo "caput" do artigo 26 do Código de Processo Civil refere-se àquele que é facilmente constatado em relação ao bem e ao serviço quando de sua utilização normal ou regular consumo.
Tratando-se de bens e serviços prestados de natureza "não durável", o Código de Processo do Consumidor estabelece o prazo decadencial de 30 (trinta) dias para o interessado reclamar quanto aos vícios de fácil constatação (ou "aparentes", de acordo com a norma), conforme determina o inciso I do seu artigo 26.
Com relação ao bem ou serviço "não durável", podemos conceituá-los como "[...] àqueles que se exaurem após o consumo [...]" (GARCIA, 2008, p. 164).
Os bens ou serviços não duráveis "[...] são àqueles que perecem ante um ato isolado do consumidor. A sua utilização implica necessariamente a sua deterioração, como ocorre com os medicamentos, produtos alimentícios etc." (NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 122).
No entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"Entende-se por produtos não-duráveis aqueles que se exaurem no primeiro uso ou logo após sua aquisição, enquanto que os duráveis, definidos por exclusão, seriam aqueles de vida útil não-efêmera". (STJ, REsp. 114473/RJ, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05/05/1997).
Portanto, em contraposição, os produtos duráveis, "[...] àqueles que não se exaurem após o consumo, mas que também não se perpetuam, tendo sua vida útil" (GARCIA, 2008, p. 164), são regrados pelo inciso II, do mencionado artigo 26, que concede um prazo decadencial três vezes maior, de 90 (noventa) dias, para que o interessado reclame de um vício mais facilmente constatável.
Ocorre que a distinção entre bens duráveis e não duráveis, em alguns casos especiais, se torna uma empreitada mais complexa que apenas se mostra viável após a melhor análise do caso concreto, conforme podemos depreender pelo julgado que se segue:
"Decadência – Inocorrência – Ação indenizatória – Sementes de graminídeas – Entrega de produto diverso do comprado – Bem que não pode ser equiparado ao não-durável, pois não se consome ou se destrói pelo simples lançamento ao solo – Espécie sui generis de peculiaridades correlatas com produtos duráveis, uma vez que o fim a que se destina somente vem a ser conhecido após relativamente longo processo reprodutivo – Circunstâncias que transcendem à conceituação binária do art. 26 da Lei 0.078/90" (RT 767/260).
O parágrafo 01º, do artigo 26 em estudo, discorre sobre o momento em que tem início o prazo decadencial para os vícios facilmente constatáveis, firmando o seu começo no instante da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. Diferente dos vícios ocultos, como veremos em breve.
Com referência aos vícios ocultos, o parágrafo 03º do citado artigo 26, estabelece que o prazo decadencial tem o seu início a partir do momento em que o defeito for constatado.
O Professor Rizzatto Nunes, por sua vez, tece crítica ao mencionado parágrafo, vez que entende existir um de erro de redação ao mencionar a palavra "defeito" em vez de "vício", sob o argumento de que, sob o sistema do Código de Defesa do Consumidor, "defeito" é diferente de "vício" (NUNES, 2009, 405).
"São considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária" (NUNES, 2009, 180).
Por sua vez, o defeito "é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mau funcionamento, o não-funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago – já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam [...]" (NUNES, 2009, 181).
Realmente, a existência de um defeito presume que exista um vício, porém, pode acontecer que um vício ocorra sem que haja defeito algum. Ambos estão relacionados, mas, "em termos de dano causado ao consumidor" o defeito "é mais devastador" (NUNES 2009, 181).
No que concerne aos vícios ocultos, estes "[...] são os que não são constatáveis de plano; manifestam-se após algum tempo da aquisição do bem" (NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 123).
No cotidiano, muitas vezes adquirimos bens onde não nos é permitido constatar com facilidade a existência de vícios, pois estes estão ocultos aos nossos olhos, a nossa percepção natural.
O vício oculto, portanto, é aquele não detectável normalmente por uma pessoa comum:
"Consumidor – Prestação de serviços – Manutenção de equipamentos duráveis – Reparos em peças internas de tecnologia que não é de conhecimento comum – Constatação de permanência do defeito após o prazo de garantia de três meses – Circunstância que não acarreta em decadência do direito de reclamar pela má prestação do serviço, pois trata-se de vício oculto – Inteligência do art. 26, § 3º, da Lei 8.078/90 (1º TACCivSP)" (RT 800/281).
E, caracterizado o vício oculto, questiona-se qual seria o prazo máximo para que se abra o prazo decadencial de 90 (noventa) dias, na forma do parágrafo 03º do supra mencionado artigo 26, vez que a legislação vigente é absolutamente omissa nesse sentido.
Nas palavras de Héctor Valverde Santana, "a noção em tela deve ser analisada com vista à realidade do mercado que fornece produtos com durabilidade limitada. Não é toda imperfeição do bem de consumo que configura o vício oculto. A questão deve ser enfrentada mediante a consideração da vida útil de cada bem de consumo colocado no mercado [...]" (SANTANA, p. 119, apud NUNES JUNIOR e SERRANO, 2008, p. 123).
Trata-se, acima de tudo, de uma questão de bom senso e coerência, haja vista que se um produto possui determinada vida útil, o início do prazo decadencial em face de um vício oculto não poderá estender-se pela eternidade, devendo respeitar o prazo razoável de durabilidade do bem.
Traria evidente desequilíbrio na relação de consumo e conseqüente insegurança jurídica à aplicação do parágrafo 03º do referido artigo 26, no sentido de se perpetuar o começo do prazo decadencial em vício oculto que ocorresse após o tempo habitual de duração de determinado bem, considerando que, com o uso freqüente, certos produtos sofrerão o normal e conseqüente desgaste, o que, ao final da vida útil do bem, escondem a anterioridade ou não do vício, sendo, nas palavras de Cláudia Lima Marques, "causas alheias à relação de consumo como se confundem com a agora revelada inadequação do produto para o seu uso normal" (MARQUES, 2002, p. 1022 a 1023, apud GARCIA, 2008, 165).
Este, aliás, vem sendo o entendimento de nossa jurisprudência:
"RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MATERIAIS – VEÍCULO AUTOMOTOR – PEÇA – RUPTURA POR FADIGA – CONDUÇÃO ADEQUADA – VÍCIO OCULTO CONFIGURADO. Configura a ruptura da biela por fadiga de material, inexistenmte prova de má condução do veículo por seu proprietário, presente a responsabilidade do fabricante pelas indenizações devidas. VFício oculto configurado. Vida útil do bem de consumo que não pode ficvar restrita ao prazo de garantia do fabricante " (TJRS, Apel. Cível nº 70014964498. Des. Rel. Jorge Alberto Schreiner Pestana, DJ. 09/04/2007).
02.02 - A garantia contratual
O "caput" do artigo 50 do Código de Defesa do Consumidor regulamenta a garantia contratual:
"Art. 50 – A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito".
Temos por garantia legal àquela prevista nos incisos I e II do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor; e por garantia contratual a estabelecida em contrato, na forma disposta no artigo 50 e seu parágrafo único do mesmo diploma legal.
A garantia contratual faculta as partes pactuar a ampliação do prazo decadencial para reclamar em relação aos vícios existentes, de forma a tornar o produto mais atraente ao consumidor, que, evidentemente, vê com bons olhos a vantagem de ter o produto adquirido resguardado por maior tempo do que o previsto em lei.
Não há, porém o que se falar em redução do prazo decadencial estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, sendo que a garantia contratual apenas poderá aumentar o tempo previsto na norma consumerista, sem jamais afrontá-la com a pretensão de reduzir o prazo decadencial.
O Professor Rizzatto Nunes, por sinal, entende que se "o fornecedor estipula prazo igual ou inferior ao legal, nada esta oferecendo, podendo até incidir em punição por prática de publicidade ou informação enganosa" (NUNES, 2009, p. 393).
Porém, o artigo 50, do Código de Defesa do Consumidor, em seu "caput", menciona a palavra "complementar" a respeito da garantia contratual em relação à legal, o que resultou em debate doutrinário a respeito; se o prazo legal e o contratual se acumulam ou não.
Mirella D''Angelo Caldeira, ao abordar o assunto, entende pela somatória dos prazos legal e contratual em razão do vocábulo "complementar" ter sentido de complemento ao prazo estabelecido em lei, dando como exemplo o caso do fornecedor que garante que seu televisor funcionará corretamente até a próxima copa do mundo: "[...] Caso surja um vício no último dia do prazo, o consumidor ainda terá 90 dias para reclamar deste vício [...]". (CALDEIRA, 2005, p. 41).
Para Leonardo de Medeiros Garcia, "a garantia contratual será complementar à garantia legal, possuindo existência distinta. Nesse sentido, os prazos estipulados no art. 26 (chamados prazo de garantia legal) só começarão a correr depois do prazo de garantia que o fornecedor oferecer de livre e espontânea vontade ao consumidor (garantia contratual)" (GARCIA, 2008, p. 261).
E há julgados nesse mesmo sentido:
"Na compra e venda de veículo automotor, a abertura da contagem de prazo decadencial para que o consumidor reclame de eventuais defeitos de fabricação só pode ser feita a partir do vencimento do período de garantia contratual de um ano dado pelo fabricante, nos termos do art. 50 da lei nº 8078/90". (1º TACSP, Apel. Civel 774309-9, j. 11/08/1998, Rel. Juiz Antonio Rigolin).
"Consumidor – Compra e venda – Veículo automotor – Defeitos de fabricação – Prazo decadencial para reclamação que flui a partir do vencimento do período de garantia contratual de um ano dado pelo fabricante – Inteligência do art. 50 da Lei 8.078/90" (RT 761/259).
A outra linha de entendimento é a de que o prazo legal e o contratual não se somam, sendo contados igualmente ao mesmo tempo; ou seja, ao final do prazo previsto em lei, seguirá em frente a apenas a prazo da garantia contratual, de forma "complementar", até o prazo final estabelecido.
Entendemos, porém, que o termo "complementar" disposto no artigo 50, "caput", do Código de Defesa do Consumidor não deixa margem a outra interpretação que não seja a soma dos referidos prazos legal e contratual, pois, se de modo diverso fosse a intenção do legislador, este não faria uso do vocábulo "complementar", o qual, na norma em debate, tem sentido de "adicionar".
Quanto à "garantia estendida", da mesma maneira que a garantia contratual, é também objeto de convenção entre as partes, sendo facultativa a sua aquisição pelo consumidor, sobretudo porque é cobrada junto com o produto adquirido, com a finalidade de estender a garantia do mesmo por mais tempo que o prazo estabelecido na garantia contratual.
E o prazo da garantia estendida começa a correr após terminado o prazo da garantia contratual somado ao prazo da garantia legal.
02.03 - A obstaculização da Decadência
O Código Civil Brasileiro de 2002 determina que "salvo disposição em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição".
Rizzatto Nunes lembra que "Há na tradição jurídica nacional a posição firmada de que os prazos decadenciais estabelecidos não se interrompem nem se suspendem, enquanto os prazos prescricionais podem tanto interromper-se quanto suspender-se" (NUNES, 2009, p. 390).
Com efeito, o Código de Defesa do Consumidor apresentou uma novidade no parágrafo 02º do seu artigo 26, ao utilizar a frase "Obstam a decadência", e deu partida a intensos debates sobre os efeitos dessa ordem legal, se teria efeito interruptivo ou suspensivo no prazo decadencial.
A causa suspensiva, quando ocorre, paralisa o prazo que assim permanece até que a referida causa deixe de existir, quando então, retoma o seu curso, aproveitando todo o tempo já decorrido anteriormente.
Diferente é a causa interruptiva, a qual interrompe o prazo, inutilizando todo o tempo até então decorrido, sendo que, quando a causa interruptiva termina a sua existência, o prazo é reiniciado novamente do princípio, sem nada aproveitar do tempo anterior.
Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, entende que o parágrafo 02º do artigo 26 da Lei nº 8.078/1990, dá efeito suspensivo as causas ali elencadas. E sustenta seu posicionamento com o argumento de que "[...] se a reclamação ou o inquérito civil paralisam o curso decadencial durante um lapso de tempo (até a resposta negativa ou o encerramento do inquérito), parece intuitivo que o propósito do legislador não foi interromper, mas suspender o curso decadencial. Do contrário, não teria estabelecido um hiato, com previsão de um termo final (dies a quo), mas, simplesmente, um ato interruptivo" (DENARI, 1996, p. 151).
A mesma posição é adotada por Nelson Nery Junior [08] e Fábio Ulhoa Coelho [09].
Sustentando que as causas dispostas no parágrafo 02º do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor são interruptivas, encontram-se Cláudia Lima Marques [10], Luiz Edson Fachin [11], Luiz Daniel Pereira Cintra [12] e Odete Novais Carneiro Queiroz [13] (GARCIA, 2008, P. 167).
A tese da interrupção, aliás, é defendida pelo robusto argumento de Hector Valverde Santana [14], de que o parágrafo único do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor foi vetado pelo Presidente da República por reconhecer nele grave defeito de formulação; haja vista que o dispositivo censurado determinava que seria interrompida a prescrição nas hipóteses do parágrafo 01º do artigo 26 do mesmo diploma lega, ocorrendo um erro de remissão, já que pretendia se referir às causas obstativas do parágrafo 02º do artigo 26 da Lei nº 8.078/1990 (GARCIA, 2008, p. 167).
Em meio aos dois posicionamentos, Rizzatto Nunes, que chegou a postar-se favorável a tese da suspensão do prazo decadencial, apontou para a solução proposta pela Professora Mirella D''Angelo Caldeira, para quem não há o que se falar de efeito suspensivo ou devolutivo (NUNES, 2009, p. 395).
Para a Mirella D''Angelo Caldeira "[...] a expressão obstar não foi adotada em nenhum desses dois sentidos, [...]" (interruptivo e suspensivo) "[...] mas sim, no sentido de exercício do direito, por dois motivos. Primeiro porque em se tratando de prazo decadencial, o mesmo é insuscetível à interrupção, suspensão ou extinção, devendo ocorrer de forma contínua e ininterrupta. Segundo porque o prazo decadencial refere-se ao exercício de um direito potestativo, isto é, no prazo previsto em lei, o consumidor tem que constituir o seu direito de reclamar por um vício existente no produto ou serviço, sob pena de perde-lo" (CALDEIRA, 2005, P. 47).
A reclamação do consumidor tem a finalidade de ou obter a solução do problema decorrente do vício existente no produto ou serviço (aqui a resposta do fornecedor é positiva) ou garantir, na hipótese de resposta negativa do fornecedor, bem como da ausência de resposta, os seu direito de pleitear os direitos previstos em Lei, nas hipóteses do parágrafo 01º do artigo 18, nos quatro incisos do artigo 19 e nos três incisos do artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor (NUNES, 2009, p. 395).
Então, com a ocorrência das causas dispostas nos incisos I e III, parágrafo 02º do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, não haveria suspensão ou interrupção do prazo decadencial do direito de reclamar, visto que este sendo exercido pelo consumidor, com a resposta negativa do fornecedor ou a ausência de resposta, a reclamação atinge o seu objetivo, fazendo nascer outro direito de natureza condenatória, mas agora sob a égide do prazo prescricional do artigo 27 da Lei nº 8.078/1990, o qual regulamenta o tempo para o ajuizamento da ação que objetiva à reparação por danos causados por fato do produto ou serviço, da forma da seção II do Código de Defesa do Consumidor [15].
E aplica-se o prazo de qüinqüenal do artigo 27 da Lei nº 8.078/1990, haja vista que se o vício não é solucionado pelo fornecedor, tal problema naturalmente acarretará prejuízo ao consumidor, o qual terá o direito de ser indenizado.
02.04 - A reclamação pelo consumidor
O inciso I, parágrafo 02º, do artigo 26, em estudo, dispõe que obsta à decadência "a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca"
A norma determina que o consumidor comprove que formulou a reclamação perante o fornecedor, não colocando nenhum impedimento para que seja efetuada de forma verbal, seja pessoalmente ou por telefone.
Hector Valverde Santana [16] observa que "[...] não há uma forma preestabelecida para realizar a reclamação. Efetivamente, pode o consumidor, ou quem o represente legalmente, apresentar sua reclamação perante o fornecedor por todos os meios possíveis, seja verbal, pessoalmente ou por telefone, nos Serviços de Atendimento ao Cliente (SAC), por escrito, mediante instrumento enviado pelo cartório de títulos e documentos, carta registrada ou simples, encaminhada pelo serviço postal ou entregue diretamente pelo consumidor, e-mail, fax, dentre outros. A exigência da lei é apenas quanto à comprovação de que o fornecedor tomou ciência inequívoca quanto ao propósito do consumidor de reclamar pelos vícios do produto ou serviço. A reclamação verbal é válida, podendo ser provada mediante a oitiva de testemunhas. Ressalte-se que a reclamação por escrito deve ter a preferência do consumidor, pois é meio mais seguro em caso de necessidade de comprovação em eventual processo judicial" (SANTANA, 2002, p. 128, apud GARCIA, 2008, p. 168).
Com relação à validade da reclamação verbal para obstar a decadência, na forma do inciso I, parágrafo 02º, do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou em sentido favorável:
"A reclamação verbal seria suficiente a obstar os efeitos da causa extintiva (decadência) se efetivamente comprovada" (STJ. REsp 156760/SP, voto do Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ. 22/03/2004).
No caso da reclamação verbal, quando efetuada pessoalmente pelo consumidor, como já exposto, é possível ao mesmo comprovar que a efetuou pessoalmente perante o fornecedor através, por exemplo, de testemunha que presenciou o ato da reclamação.
O consumidor também poderá realizar a sua reclamação verbal por telefone; meio adotado pela maioria das grandes empresas, que organizam um Serviço de Atendimento ao Consumidor (S.A.C.) com a finalidade de manter aberto um canal direto de comunicação com seus clientes.
Aliás, Rizzatto Nunes lembra que "não se deve olvidar da realidade do mercado e da dinâmica do atendimento existente. São centenas de empresas que têm colocado à disposição do cliente os Serviços de Atendimento ao Consumidor, conhecidos como SACs, exatamente para receber, via telefone, as reclamações relativas a vícios dos produtos e dos serviços".
E complementa "Supor que o consumidor, em vez de servir-se desse atendimento oferecido, vá burocratizar a relação, preparando um documento escrito e remetendo-o pelo Cartório, é ir contra o andamento natural das relações de consumo. Além de que, como o SAC é oferecido pelo fornecedor, como serviço posto à disposição do consumidor, ele integra a oferta e, como ela, vincula o ofertante (arts. 30 e s.)" (NUNES, 2009, 398).
Não obstante, a questão é como comprovar a reclamação verbal efetuada por telefone, haja vista a evidente dificuldade, neste caso, da produção de prova testemunhal em seu favor.
O Decreto 6.523, de 31 de julho de 2008, vigente desde de 01º de dezembro de 2008, veio regulamentar os Serviços de Atendimento ao Consumidor (S.A.Cs.) colocados à disposição dos consumidores pelas empresas. O artigo 15 do referido Decreto passou, então, a regrar o que, na prática, já vinha sendo feito parcialmente pela maioria das empresas:
Art. 15 - Será permitido o acompanhamento pelo consumidor de todas as suas demandas por meio de registro numérico, que lhe será informado no início do atendimento.
§ 1º - Para fins do disposto no caput, será utilizada sequência numérica única para identificar todos os atendimentos.
§ 2º - O registro numérico, com data, hora e objeto da demanda, será informado ao consumidor e, se por este solicitado, enviado por correspondência ou por meio eletrônico, a critério do consumidor.
§ 3º - É obrigatória a manutenção da gravação das chamadas efetuadas para o SAC, pelo prazo mínimo de noventa dias, durante o qual o consumidor poderá requerer acesso ao seu conteúdo.
§ 4º - O registro eletrônico do atendimento será mantido à disposição do consumidor e do órgão ou entidade fiscalizadora por um período mínimo de dois anos após a solução da demanda.
Os S.A.Cs., ao receberem um requerimento por parte do consumidor, devem fornecer ao mesmo um número de protocolo, com que formalizam o pedido ou reclamação; o que, desde a vigência do Decreto nº 6.523/2008, passou a ser obrigatório, bem como ter acesso à gravação da chamada efetuada para o Serviço de Atendimento ao Consumidor e ao registro eletrônico do atendimento.
Em teoria, ao menos, trata-se se um considerável e bem-vindo avanço na proteção ao consumidor, que tem a defesa de seu direito mais facilitada, em vista da possibilidade de gerar a prova necessária em seu favor quanto ao ato da reclamação apresentada, tendo como base o disposto no artigo 06º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/1990.
O professor Rizzatto Nunes, aliás, vai mais distante, e esclarece que "o uso pela norma no inciso I do termo ''comprovadamente'' não implica que o ônus da prova seja do consumidor. Aplica-se ao caso plenamente a regra do inciso VIII do art. 6º, com o que, no caso concreto, poder-se-á determinar a inversão do ônus da prova para deixar comprovada a reclamação feita pelo consumidor" (NUNES, 2009, p. 398 e 399).
02.05 - A reclamação perante órgãos de defesa do consumidor
As causas que obstam a decadência estão elencadas, de forma taxativa, nos incisos I e III, § 02º do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor.
Ocorre que o inciso II foi vetado pelo Presidente da República, sob o argumento de que "O dispositivo ameaça a estabilidade das relações jurídicas, pois atribui a entidade privada função reservada, por sua própria natureza, aos agentes públicos (e.g. Cod. Civil, art. 172 e Cod. Proc. Civil, art. 219, § 1º)" [17].
Dizia o inciso vetado:
§ 2º - Obstam a decadência:
[...]
II – a reclamação formalizada perante os órgãos ou entidades com atribuições de defesa do consumidor, pelo prazo de noventa dias;
[...]
Ou seja, a reclamação efetuada pelo consumidor perante os órgãos ou entidades que promovem a defesa do consumidor encontra-se fora do rol taxativo do parágrafo 02º do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, que possibilita obstar à decadência.
Sobre o assunto, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
"Não obsta a decadência a simples denúncia oferecida ao Procon, sem que se formule qualquer pretensão, e para a qual não há cogitar de resposta" (STJ, REsp 65498/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 16/12/1996).
Não obstante, compreendemos que tal posicionamento deverá sofrer alterações no futuro, haja vista a crescente e benéfica atuação dos órgãos e entidades que promovem a defesa do consumidor, que, cada vez mais, vêm conquistando o seu espaço.
Todavia, o Professor Rizzato Nunes defende a possibilidade da reclamação efetuada perante órgãos e entidades de defesa do consumidor obstar à decadência. Para ele, "as razões do veto são equivocadas".
Rizzatto Nunes baseia-se no direito de associação, garantia fundamental da Carta Magna de 1988 (conforme o inciso XVII do artigo 05º) e no fato que as Organizações Não-Governamentais (as denominadas O.N.Gs.) têm exercido progressiva influência na defesa dos direitos das pessoas, tendo atuação importante perante o Direito do Consumidor. Ressalta que o próprio Código de Defesa do Consumidor "[...] expressamente dá legitimidade para que a associação privada possa propor ações judiciais para a defesa dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores (art. 82, IV, c/c o art. 81 e parágrafo único [18]). Dá mesma forma a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347, de 24-7-1985) garante que as ações que ela regula possam ser propostas por associação privada (art. 5º) [19]". (NUNES, 2009, p. 399 e 400).
Assim, o ilustre professor questiona: "[...] se uma entidade privada de defesa do consumidor tem garantida legalmente a prerrogativa de ingressar com ações judiciais para a defesa dos direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos que envolvem centenas, milhares e toda a comunidade de consumidores, por que não teria legitimidade para deles receber reclamação a ser encaminhada para os fornecedores?" (NUNES, 2009, p. 400).
Em sua crítica, Rizzatto Nunes lembra que o questionado veto gerou um problema ainda maior, pois, além de atingir as entidades privadas, também abarcou as públicas, acarretando uma grave lacuna. Para ele, "[...] se não se aceitar a reclamação feita perante o Procon obsta a decadência, estar-se-á praticando verdadeira ''publicidade enganosa pública'' contra os consumidores, que poderão perder seu direito de reclamar por acreditar que fizeram o certo: foram ao Procon fazer reclamação. Não tem cabimento que o Estado coloque à disposição do consumidor um órgão para defendê-lo e depois se possa dizer a esse consumidor que, exatamente por ter ido àquele órgão, seu direito caducou!" (NUNES, 2009, p. 401).
Realmente, os órgãos públicos de defesa do consumidor têm poderes mais amplos, conforme depreende pelos artigos 55 [20], "caput", 55, § 01º [21], e 56 [22] e incisos, do Código de Defesa do Consumidor e, sendo assim, realmente, também nos parece um contra-senso que não seja possível obstar à decadência a reclamação que lhe é apresentada pelo consumidor, tratando-se, como lembra Rizzatto Nunes, "de mero direito individual" (NUNES, 2009, p. 402).
Diante do exposto, o eminente Professor conclui que "A reclamação do consumidor perante o órgão público – qualquer que seja ele: PROCON, serviço de Vigilância Sanitária, Banco Central, Contru, IPEM, SUSEP, Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça etc. – obsta (só pode) o decurso do prazo decadencial, porque: a) essa é a teleologia do sistema e é o sentido que se deve dar ao termo "perante" da redação do inciso I do § 2º, conforme explicaremos; b) quem pode o mais, pode o menos. Se o órgão público de defesa do consumidor pode fechar um estabelecimento, inutilizar produtos, cassar licenças etc., pode receber reclamação dos consumidores, com efeito favorável à garantia do seu direito individual (obstaculização da decadência)" (NUNES, 2009, p. 402).
E completa, quanto à redação do inciso I, § 02º, do artigo 26 em estudo, que "é de ter, então, como válida a reclamação formulada pelo consumidor junto a órgão público, por força da teleologia do § 2º e com base no vocábulo ''perante'' utilizado. Com efeito, quando a norma disse ''perante'', não quis dizer apenas diretamente ao fornecedor, mas também, indiretamente, por intermédio do órgão público de defesa do consumidor. E, conseqüentemente, a data da obstaculização é a do dia da apresentação da reclamação no órgão público" (NUNES, 2009, p. 402 e 403).
Deveras, o inconformismo e a crítica do Professor Rizzatto Nunes tem razão de existir, haja vista que, sem sombra de dúvida, o questionado veto presidencial peca pela falta de razoabilidade.
Restringir a atuação das entidades e órgãos privados na atuação plena da defesa do consumidor é, antes de tudo, um verdadeiro desserviço à sociedade; além de que, não há o que se falar em "ameaça das relações jurídicas" em face de atribuição própria dos agentes públicos à entidade privada, conforme expõe as razões do veto, por absoluta ausência de disposição legal impeditiva para a situação em específico.
Entretanto, o veto do citado inciso II, tem os seus efeitos, deixando, por enquanto, as reclamações dirigidas às entidades e órgãos privados de defesa do consumidor fora do rol taxativo do parágrafo 02º do artigo 26 da Lei nº 8.078/1990.
Neste sentido, temos a decisão do Colendo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:
"CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. MUDANÇA. TRANSPORTADORA. CDC. DECADÊNCIA. DANO MORAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. I – A reclamação que obsta a decadência é aquela formulada perante o fornecedor e não aos órgãos de proteção e defesa do consumidor, segundo dispõe o art. 26 do CDC. II – Inexiste nos autos o acordo firmado entre as partes, no qual a transportadora-ré assumiu a obrigação de enviar um representante para conferir a mudança da autora, portanto não demonstrado o descumprimento da avença. III - Não configura dano moral a devolução de cheques por insuficiência de fundos, se a negativação do nome da autora não ocorreu por ordem da empresa-ré. IV – Apelação conhecida e improvida. Unânime" (TJDF, Apelação Cível nº 2004011071468-0, 4ª Turma, Rel. Des. Vera Andrighi, publicado no D.J.U. de 05/09/2006).
Quanto à reclamação dirigida às entidades e órgãos públicos de defesa do consumidor, tem razão o Professor Rizzatto Nunes, não apenas em face de seus lúcidos argumentos, mas, também porque a própria razão do debatido veto expressa, com todas as letras, sua reprovação tão somente em face dos órgãos e entidades privadas, os quais não poderiam ter atribuições próprias dos agentes públicos. Essa foi, strictu sensu, a mensagem do veto presidencial.
Compreendemos, diante de todo o exposto, pela possibilidade da obstaculização do prazo decadencial diante da reclamação efetuada ao órgão ou entidade pública de defesa do consumidor.
E a jurisprudência vem acolhendo esse entendimento:
"CIVIL. CONSUMIDOR. MATERIAL DE CONTRUÇÃO DEFEITUOSO. RECLAMAÇÃO NO PROCON. ACORDO. DECADÊNCIA INOCORRIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. DANO MATERIAL E MORAL COMPROVADO. INDENIZAÇÃO DEFERIDA. RECURSO IMPROVIDO À UNANIMIDADE. I – A reclamação formulada junto ao Procon, onde houve a ciência do fornecedor, é causa que obsta a decadência prevista no artigo 26 do CDC.II – Para a retomada da fluência do prazo decadencial é necessária a negativa expressa e inequívoca do fornecedor quanto ao pleito do consumidor. III – Resposta oferecida ao Procon, por ocasião de notificação de descumprimento de acordo, onde o consumidor não tomou ciência e não está expresso de forma inequívoca a negativa do fornecedor, não gera a retomada do prazo decadencial.IV – Comprovada a entrega de material de construção defeituoso pela apelante, o ressarcimento do prejuízo ao consumidor é medida que se impõe.V – É devido o pagamento de estada em hotel quando de nova reforma do imóvel, por culpa exclusiva do apelante.VI – A demora em resolver o problema gerado pelo fornecedor, gerando constrangimento ao consumidor caracteriza-se dano moral. VII – Recurso Improvido. Unânime" (TJDF – 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Apelação Civel no Juizado Especial, Processo nº 2003.01.1.114542-5, Rel. Juiz Alfeu Machado, publicado no D.J.U, em 17/06/2004).
"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESSARCIMENTO - AGRAVO RETIDO - RESPONSABILIDADE DA TELEMAT CONFIGURADA - REJEIÇÃO DE PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM E DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO COM A EMPRESA EMBRATEL - PREJUDICIAL DE MÉRITO - RECLAMAÇÃO FORMULADA PELO CONSUMIDOR NO PROCON - FATO OBSTATIVO DA DECADÊNCIA - ART. 26, § 2º, DO CDC -MÉRITO - SERVIÇOS DE TELEFONIA NÃO PRESTADOS, PORÉM PAGOS PELO USUÁRIO - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL, VIA PREPOSTO DA RÉ, NÃO IMPUGNADA PELOS MEIOS LEGAIS - VALIDADE PLENA - ART. 353 DO CPC -INDENIZAÇÃO PERTINENTE - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAIS DE 6% AO ANO - INCIDÊNCIAA PARTIR DO PREJUÍZO MATERIAL SUPORTADO PELO CREDOR -DECISÃO MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. A reclamação formulada pelo usuário no PROCON obsta o prazo decadencialdo direito de reclamar por vícios ocultos ou de difícil constatação, em se tratando de fornecimento de serviço contratado sob o manto do Código de Defesa do Consumidor. A confissão expressa e não impugnada pelos meios legais e moralmente legítimos,nos moldes dos artigos 348 e 353 do CPC , faz prova contra o confitente e via de regra importa na veracidade dos fatos alegados na petição inicial" (TJMT, Apelação Civil nº 27858/2003 – classe II-20 – Comarca da Capital, Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho, j. 01/12/2003).
02.06 - A instauração do inquérito civil
O inciso III, § 02º, do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor determina que a instauração de inquérito civil, até o seu encerramento, obsta à decadência.
Ou seja, a reclamação efetuada perante o Ministério Público possibilita a instauração de inquérito civil, conforme o artigo 08º, parágrafo 01º da Lei nº 7.347/1985 [23]. E, desde a instauração do inquérito civil até o seu encerramento, terá obstada a decadência.
Entre as formas de reclamação colocadas à disposição do consumidor, certamente, esta é a menos comum de ocorrer.
No entanto, Rizzato Nunes nos chama a atenção quanto ao texto da referida norma, uma vez que a mesma menciona, como momento da obstaculização a "instauração do inquérito civil" e não a reclamação efetuada perante o Ministério Público.
Ocorre que entre o ato da reclamação pelo consumidor e a instauração do inquérito civil, pode levar dias, por motivos alheios à vontade do Parquet, em face das providenciais iniciais para a que o inquérito seja convenientemente instaurado, podendo, desta forma, ultrapassar o prazo decadencial previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Também, poderá o Ministério Público compreender que não há razão para promover o inquérito civil e, assim sendo, este não é instaurado, também ultrapassando o prazo decadencial previsto na norma consumerista.
Temos, então, duas situações em que, por força do disposto no inciso III, § 02º, do artigo 26 da Lei nº 8.078/1990, o consumidor sofrerá a decadência de seu direito, muito embora tenha apresentada a reclamação de forma tempestiva perante o Ministério Público.
Para o Professor Rizzatto Nunes, portanto, "a lei disse menos do que deveria", e argumenta que a norma do referido inciso III deve ser interpretada de forma extensiva, de maneira que o início da obstaculização à decadência ocorra com a apresentação da reclamação perante o Ministério Público.
Trata-se, evidentemente, do entendimento mais sensato, levando em conta o espírito da mensagem contida na norma em estudo; a qual, aliás, deve ser interpretada da maneira mais favorável ao consumidor.
03 - A Prescrição
O termo "prescrição" procede do vocábulo latino "praescriptio", formado de "prae" e "scribere", com a significação de "escrever antes" ou "no começo". Tem por objeto as ações, visto ser uma exceção oposta ao exercício da ação com a finalidade de extingui-la, tendo por fundamento um interesse jurídico social (DINIZ, 1994, p. 201 e 202).
Maria Helena Diniz, em relação á prescrição, ressalta que "Esse instituto foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do fato de se possibilitar o exercício da ação por tempo indeterminado. Constitui-se como uma pena para o negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante uma pretensão resistida" (DINIZ, 1994, p. 202).
Pontes de Miranda, conforme menção feita por Maria Helena Diniz, ensina que a prescrição é "uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão" (DINIZ, 1994, p. 202).
Porém, o próprio artigo 189 do Código Civil de 2002 encarrega-se de esclarecer sobre a prescrição:
Art. 189 – Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Ou seja, a prescrição é o término do prazo para que o titular de um direito que tenha sido violado efetue alguma pretensão.
No vigente Código Civil Brasileiro, a prescrição é disciplinada pelos artigos 189 até 206, onde constam a sua aplicação (artigos 189 até 196), causas de impedimento [24] ou suspensão [25] (artigos 197 até 201), causas de interrupção [26] (que só poderá ocorrer uma única vez [27]) da prescrição (artigos 202 até 204) e seus respectivos prazos (artigo 205 e 206).
E para que se configure a prescrição, necessário que se apresentem quatro requisitos: 1º) que exista uma ação exercitável - seu objeto -, em face da violação do direito que a ação objetiva remover; 2º) que ocorra a inércia do titular da ação pelo seu não-exercício - sua causa eficiente -, mantendo-se passivo diante do direito violado e permitindo que assim permaneça; 3º) que a inércia continue durante um determinado lapso temporal - seu fator operante - haja vista que a norma jurídica objetiva punir a inércia prolongada; 4º) que não exista nenhum fato ou ato que a lei confere eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva de curso prescricional - seu fator neutralizante (DINIZ, 1994, 203).
Fato recente a respeito da prescrição deu-se com o advento da Lei nº 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, a qual também revogou o artigo 194 dfo Código Civil de 2002, que tratava da prescrição e estabelecia que "O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz".
O mesmo diploma legal também alterou a redação do § 05º, artigo 219 do Código de Processo Civil, determinando que "O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição", trazendo para o magistrado a obrigatoriedade de reconhecê-la e declará-la de ofício, independente do impulso das partes.
Como a decadência, a prescrição também é causa de resolução de mérito, na forma do inciso IV do artigo 269 do Código Civil Brasileiro.
03.01 - A Prescrição no Direito do Consumidor
O artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor trata do instituto da prescrição:
Art. 27 – Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Parágrafo único – (VETADO) [28].
Portanto "O artigo trata da prescrição do direito de pleitear judicialmente a reparação pelos danos causados por um acidente de consumo (responsabilidade pelo fato do produto e do serviço – arts. 12 a 17)" (GARCIA, 2008, p. 171).
Leonardo de Medeiros Garcia, ressalta o ensinamento de Zelmo Danari [29] que "a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre da exteriorização de um vício de qualidade, vale dizer, de um defeito capaz de frustrar a legítima expectativa do consumidor quanto à sua fruição. (...) um produto ou serviço é defeituoso, da mesma sorte, quando sua utilização ou fruição é capaz de adicionar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros. Nesta hipótese, podemos aludir a um vício ou defeito de insegurança do produto ou serviço. (...) A insegurança é um vício de qualidade que se agrega ao produto ou serviço como um novo elemento de desvalia. De resto, em ambas as hipóteses, sua utilização ou fruição suscita um evento danoso (eventus damni) que se convencionou designar ''acidente de consumo''" (GARCIA, 2008, p. 171 e 172).
Levanta-se, no entanto, a questão quanto à aplicação da regra estabelecida no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, se estaria tão somente restrita a acidentes de consumo (a existência de vício de qualidade por insegurança) ou se seria possível aplicá-la de forma geral a todas as ações indenizatórias resultantes de uma relação de consumo.
Na opinião de Leonardo de Medeiros Garcia "Ao que parece, o CDC não desejou disciplinar toda espécie de responsabilidade. Somente o fez em relação àquelas que entendeu ser específicas para relações de consumo. Nesse sentido é que deu tratamento diferenciado para a responsabilidade pelo fato e por vício do produto e serviço, deixando outras modalidades de responsabilidade serem tratadas em normas específicas ou no Código Civil" (GARCIA, 2008, p. 172).
Por essa ótica, não haveria o que se falar, então, em generalizar a aplicação do referido artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor a todas as ações indenizatórias com origem em relação de consumo, mas tão somente àquela taxativamente prevista na norma, limitando o seu emprego às situações relativas à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço previstos nos artigos 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, que regulam especificamente a responsabilidade civil pela reparação dos danos causados pelo fornecedor aos consumidores em razão de defeitos relativos ao produto ou à prestação do serviço.
E na mesma direção temos o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"O art. 27 do mesmo diploma legal cuida somente das hipóteses em que estão presentes vícios de qualidade do produto por insegurança, ou seja, casos em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo eminente" (STJ, REsp 114473 / RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 05/05/1997).
Nesse mesmo sentido:
"Em ação de indenização, sendo a causa de pedir o inadimplemento contratual, não incide o prazo prescricional estabelecido no art. 27 do CDC, aplicável somente à hipótese de danos decorrentes de acidente de consumo" (STJ, REsp 476.458-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/08/2005).
"A ação de indenização decorrente do inadimplemento do contrato de transporte, por atraso de vôo, não se aplica o art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, dispondo essa norma a propósito da decadência em trinta (30) dias no caso de vício aparente, de fácil constatação. De qualquer forma, nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o prazo prescricional do art. 177 do Código Civil (CC/1916) subsiste mesmo com o advento do Código de Defesa do Consumidor, considerando que suas disposições não se confundem" (STJ, Resp 304705-RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 13/08/2001).
"O Código de Defesa do Consumidor, como lei nova, estabeleceu disciplina especial apenas quanto à ação de reparação de danos por fato de serviço, não revogando o art. 178, § 6º, II, do Código Civil (206, § 1º, II do Novo Código Civil), dispositivo mais amplo, pois engloba toda e qualquer ação entre segurado e segurador. A jurisprudência desta Corte, consolidada por sua Súmula 101, posterior, inclusive, ao Código de Defesa do Consumidor, é no sentido de que a ação do segurado contra a seguradora, decorrente do contrato de seguro, prescreve em um ano" (STJ, REsp 255147-RJ, DJ 02/04/2001, Rel. Min. Waldemar Zveiter).
Não obstante as divergências doutrinárias, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem interpretando o artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor de modo mais amplo, entendendo que o prazo de cinco anos, disposto na norma, deverá ser aplicada toda ver que existir ação de natureza condenatória em uma relação de consumo.
No entanto, Leonardo de Medeiros Garcia ressalta que o S.T.J. não vem aplicando, de forma pacífica, o prazo do artigo 27 no caso de ações entre segurados e seguradora, no que emprega o prazo prescricional de um ano, na forma do artigo 206, parágrafo 01º, inciso II, do Código Civil Brasileiro (GARCIA, 2008, 174).
Todavia, mesmo não sendo caso de acidente de consumo, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela aplicação do artigo 27, estabelecendo a prescrição qüinqüenal:
"Direito do consumidor. Oferecimento de curso de mestrado. Posterior impossibilidade de reconhecimento, pela CAPES/MEC, do título conferido pelo curso. Alegação de decadência do direito do consumidor a pleitear indenização. Afastamento. Hipótese de inadimplemento absoluto da obrigação da instituição de ensino, a atrair a aplicação do art. 27 do CDC. Alegação de inexistência de competência da CAPES para reconhecimento do mestrado, e de exceção por contrato não cumprido. Ausência de prequestionamento. Na esteira de precedentes desta Terceira Turma, as hipóteses de inadimplemento absoluto da obrigação do fornecedor de produtos ou serviços atraem a aplicação do art. 27 do CDC que fixa prazo prescricional de cinco anos para o exercício da pretensão indenizatória do consumidor" (STJ, REsp 773994-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 18/06/2007).
"Consumidor. Recurso especial. Danos decorrentes de falha na prestação do serviço. Publicação ioncorreta de nome e número de assinante em listas telefônicas. Ação de indenização. Prazo. Prescrição. Incidência do art. 27 do CDC e não do art. 26 do mesmo código. – O prazo prescricional para o consumidor pleitear o recebimento d indenização por danos decorrentes de falha de prestação de serviço é de 5 (cinco) anos, conforme prevê o art. 27 do CDC, não sendo aplicável, por conseqüência, os prazos de decadência, previstos no art. 26 do CDC. – A ação de indenização movida pelo consumidor contra a prestadora de serviço, por danos decorrentes de publicação incorreta de seu nome e/ou número de telefone em lista telefônica, prescreve em cinco anos, conforme o art. 27 do CDC" (STJ, REsp 722510-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 01/02/2006).
Acompanhando a posição mais ampla do Superior Tribunal de Justiça, o Professor Rizzatto Nunes ensina que o prazo prescricional do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor refere-se ao direito de "pleitear indenização por defeito" conforme a Seção II do Capítulo IV desse msmo diploma legal; no que "o defeito gera um dano material (dano emergente e/ou lucros cessantes) e/ou moral, criando o direito do consumidor de receber indenização por tais danos". (NUNES, 2009, p. 405).
Rizzatto Nunes expõe que "[...] a referida Seção II regula toda espécie de defeito que ocorre pelo fato do produto ou do serviço, de maneira que, sempre que o consumidor sofrer dano por defeito que diretamente, como lá está expressamente tratado, quer indiretamente, como conseqüência do não-cumprimento da obrigação de resolver o vício, conforme estabelecido no inciso II do § 1º do art. 18, no inciso III do art. 19 e no inciso II do art. 20, aplica-se o período prescritivo fixado no artigo em comento". E conclui: "Na verdade, toda e qualquer situação relativa a relação jurídica de consumo que gerar dano por defeito está enquadrada na norma do art. 27" (NUNES, 2009, p. 405).
Nessa esteira, no confronto de prazos prescricionais entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, em face de pretensão a ressarcimento pelo dano civil causado em uma situação relativa à relação jurídica de consumo, não haveria o que se falar no prazo trienal do artigo 206, parágrafo 03º, inciso V, do Código Civil de 2002, prevalecendo o prazo qüinqüenal do Código de Defesa do Consumidor (NUNES, 2009, p. 407).
Não obstante, temos situações extraordinariamente interessantes como a decisão do Supremo Tribunal Federal (infra transcrito na íntegra) que, em o caso de indenização de danos causados em contrato de transporte internacional, decidiu pela aplicação do prazo prescricional de dois anos previsto no artigo 29 da Convenção de Varsóvia [30]:
RE 297.901 – S.T.F.
Segunda Turma
Recurso Extraordinário 297.901-5 Rio Grande do Norte
Relatora : Min. Ellen Gracie
Recorrente : Viação Aérea São Paulo S/A - Vasp
Advogados : João Câncio Leite de Melo e Outros
Recorrida : Janekelly Ribeiro Rêgo
Advogados : Camila Léllis Galvão de Souza e Outro
PRAZO PRESCRICIONAL. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99). 2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos. 3. Recurso provido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora.
Brasília, 7 de março de 2006.
Ellen Gracie - Relatora
Supremo Tribunal Federal
Diário da Justiça de 31/03/2006
R E L A T Ó R I O
A Senhora Ministra Ellen Gracie: 1. Trata-se de recurso extraordinário, com fulcro no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Cível e Criminal de Natal, Estado do Rio Grande do Norte. 2. A decisão recorrida entendeu que, no conflito entre as normas do Código de Defesa do Consumidor e da Convenção de Varsóvia sobre a prescrição, em ação de indenização do passageiro contra empresa aérea, prevalecem as disposições mais favoráveis do Código, que estabelecem o prazo prescricional de cinco e não de dois anos. 3. A recorrente sustenta que a decisão recorrida ofende os arts. 5º, § 2º, e 178 da Constituição Federal. Argumenta que prevalecem, no âmbito interno, as normas estabelecidas em tratados internacionais, pois estes têm hierarquia superior às leis. Por outro lado, afirma ainda, a Convenção de Varsóvia é lei especial, e o Código de Defesa do Consumidor é lei geral, e aquela se sobrepõe a este, como determina a Lei de Introdução ao Código Civil. 4. As contra-razões pugnam pela manutenção da decisão recorrida (fls. 110/117). O parecer da Procuradoria-Geral da República opina pelo não-provimento do recurso (fls. 127/131).
É o relatório.
V O T O
A Senhora Ministra Ellen Gracie - (Relatora): 1. No julgamento de caso semelhante, a Primeira Turma desta Corte entendeu que a alegação de ofensa ao art. 5º, § 2º, da Constituição Federal não ocorre, pois esse dispositivo se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99). Não é cabível, pois, o recurso extraordinário nesse ponto. 2. Já no que se refere à sustentada supremacia da Convenção de Varsóvia, com relação ao Código de Defesa do Consumidor, observo que, no julgamento de conflito entre norma da Convenção de Genebra e o Decreto-Lei 427/69, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que leis internas posteriores revogam os tratados internacionais (RE 80.004, redator para o acórdão o Min. Cunha Peixoto, DJ 29.12.77). Não obstante, na hipótese ora em julgamento, cabe observar que o art. 178 da Constituição Federal de 1988 expressamente estabeleceu que, quanto à ordenação do transporte internacional, a lei observará os acordos firmados pela União. Assim, embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso de contrato de transporte internacional aéreo, em obediência à norma constitucional antes referida, prevalece o que dispõe a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos, não o de cinco anos, do Código de Defesa do Consumidor. 3. Dou provimento ao recurso.
Supremo Tribunal Federal
Decisão: A Turma, por votação unânime, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.
2ª Turma, 07.03.2006.
Presidência do Senhor Ministro Celso de Mello. Presentes à sessão a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner Gonçalves. Carlos Alberto Cantanhede Coordenador
Supremo Tribunal Federal.
03.02 - O início da contagem do prazo prescricional
Conforme estabelece o artigo 27 em estudo, o início da contagem do prazo prescricional se dará a partir "a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".
Portanto, é necessário que ocorram estes dois requisitos (conhecer o dano e conhecer quem o causou), para que comece a fluir o prazo prescricional do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor.
Rizzatto Nunes observa que "A norma se utiliza adequadamente da conjuntiva ''e'' para determinar o início do prazo, porque pode acontecer de o consumidor sofrer dano e não conseguir de imediato identificar o responsável por ele ou, pelo menos, todos os responsáveis, uma vez que, como se viu, a Lei nº 8.078 estabelece ampla solidariedade entre os fornecedores" (NUNES, 2009, p. 408).
Neste sentido, a Lei nº 8.078/1990 concedeu à prescrição um tratamento diferente do que é dado pelo Código Civil, o qual estabelece, como regra geral, que a prescrição tem seu início a partir do momento em que ocorre a violação do direito, sem nada mencionar quanto ao conhecimento da respectiva autoria (artigo 189 do Código Civil Brasileiro).
Quanto ao assunto, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o prazo prescricional é o do conhecimento do dano e da lesão, não importando se a lesão persiste a ocorrer no tempo:
"A prescrição da ação de reparação por fato do produto é contada do conhecimento do dano e da autoria, nada importa a renovação da lesão no tempo, pois, ainda que a lesão seja continua, a fluência da prescrição já se iniciou com o conhecimento do dano e da autoria" (STJ, REsp 304.724-RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 24/05/2005).
03.03 - Causas impeditivas, suspensivas ou interruptivas
O artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, teve vetado o seu parágrafo único, que determinava: "Interrompe-se o prazo de prescrição do direito de indenização pelo fato do produto ou serviço nas hipóteses previstas no § 1º do artigo anterior, sem prejuízo de outras disposições legais".
O referido parágrafo único sofreu veto porque, no entendimento do Sr. Presidente da República, "Essa disposição padece de grave defeito de formulação, que impossibilita o seu entendimento, uma vez que o § 1º do art. 26 refere-se ao termo inicial dos prazos de decadência, nada dispondo sobre interrupção da prescrição" [31].
Quanto ao veto, o Professor Rizzatto Nunes entende que "As razões estão corretas; porém o que a assessoria da Presidência, que as elaborou, não percebeu foi que havia apenas uma falha de redação e remissão no parágrafo único vetado. Quando a norma fez referência ao § 1º, queria, na verdade, estar fazendo ao § 2º, que trata dos casos de obstaculização da decadência do direito de reclamar por vícios" (NUNES, 2009, p. 409).
No entanto, o espírito na regra vetada era coerente, no sentido de interromper o prazo prescricional disposto no "caput" do artigo 27 no caso de se verificar alguma das hipóteses dispostas no parágrafo 02º do artigo 26, concedendo maior dilação de prazo para o consumidor buscar a reparação pelos danos que lhe foram causados.
Não há grande prejuízo, a bem da verdade, considerando que o prazo qüinqüenal para a prescrição do artigo 27 é razoavelmente extenso, possibilitando ao consumidor o exercício do seu respectivo direito com bastante espaço de tempo.
Mas, no que concerne ao assunto, a regra do artigo 07º do Código de Defesa do Consumidor "[...] a incidência da lei consumerista não exclui as demais normas que não sejam com ela incompatíveis, assim como aquelas que as complementam" (NUNES, 2009, p. 409):
Art. 07º - Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
Com base nisso, constata-se razoável a posição do Professor Rizzatto Nunes quando ensina que "as causas de interrupção do Código Civil aplicam-se ao subsistema consumerista". Conclui que, "[...] no tema da prescrição, anote-se que não só as disposições gerais da Seção I do Capítulo I do Título IV do Código Civil aplicam-se à hipótese de consumo (arts. 189 a 196) [32], como também a seção que cuida das causas que impedem ou suspendem a prescrição quando compatíveis (arts. 197 a 201) [33] e as da Seção III que trata das causas que interrompem a prescrição (arts. 202 a 204 [34])" (NUNES, 2009, p. 409 e 410).