O presente ensaio tem por objetivo tecer breve comentário acerca do mais atual posicionamento do STJ e STF sobre a vinculação ou não do prazo de estágio probatório ao período exigido para aquisição de estabilidade no serviço público, que foi estendido de 2 (dois) para 3 (três) anos com a reforma perpetrada pela Emenda Constitucional nº 19/98.
Importante destacar que o motivo da controvérsia reside, sobretudo, no fato de o prazo de estágio probatório também figurar nos estatutos infraconstitucionais como um dos requisitos para a concessão de progressão e promoção na carreira dos servidores.
Conforme sabido, a redação original do caput do art. 41 da Constituição Federal estabelecia o prazo de 2 (dois) anos para que os servidores adquirissem estabilidade. Àquela época, apesar de a Constituição não fazer menção em seu texto à expressão "estágio probatório", as leis orgânicas e estatutos do funcionalismo público restaram por utilizá-la para definir o período compreendido entre a nomeação e a aquisição da estabilidade, bem como marco para a concessão de vantagens na carreira.
Essa associação feita pelo legislador infraconstitucional tinha um fundamento lógico, já que o estágio probatório teria sido criado para servir de instrumento de aferição da assiduidade, aptidão, eficiência e idoneidade do servidor, para fins de verificar a conveniência da confirmação do mesmo no serviço público, isto é, a viabilidade de estabilizá-lo.
Entretanto, com a reforma administrativa imprimida pela Emenda Constitucional nº. 19/1998, o caput do art. 41 passou a exigir o transcurso de 3 (três) anos para a obtenção da estabilidade no serviço público, alteração esta que acabou não sendo reproduzida pelas normas infraconstitucionais.
A maioria das normas infraconstitucionais, a exemplo da Lei nº 8112/90 – Estatuto do Servidor Público Federal, permaneceu inalterada, isto é, continuou conferindo ao estágio probatório o prazo de 24 (vinte e quatro) meses.
Essa aparente dissociação entre a estabilidade e o estágio probatório deu azo a inúmeros questionamentos administrativos e judiciais, embora a melhor doutrina permanecesse afirmando que, mesmo após as alterações perpetradas pela Emenda Constitucional nº 19/98, o prazo de estágio probatório permaneceria vinculado ao prazo fixado na Constituição para o alcance da estabilidade. Veja-se:
"A estabilidade somente é alcançada pelo titular dessa espécie de cargo após três anos de seu efetivo exercício, conforme estabelece o art. 41 da Constituição Federal. Esse período, sempre continuado, é chamado, como dissemos, de estágio probatório. Nele se apura, conforme regulado em lei, sua capacidade(aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação, idoneidade moral, eficiência) para a permanência." (Direito Administrativo, p.188. Diógenes Gasparini. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002)
"O período de três anos para a aquisição da estabilidade pode ser desde logo aplicado. Com efeito, no caso de servidor nomeado por concurso, a estabilidade somente se adquire depois de três anos; o período compreendido entre o início do exercício e a aquisição da estabilidade é denominado de estágio probatório e tem por finalidade apurar se o funcionário apresenta condições para o exercício do cargo, referentes à moralidade, assiduidade, disciplina e eficiência. Pelo §4º, acrescentado ao artigo 41 pela Emenda 19, além do cumprimento do estágio probatório, deve o servidor, para adquirir estabilidade, submeter-se a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade." (Direito Administrativo, p.462. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. 12 ed. São Paulo: Altas:2002)
"Esse período de três anos é definido nos estatutos dos servidores públicos como de estágio probatório (ou estágio confirmatório), durante o qual a administração apura a conveniência de sua confirmação no serviço, mediante a aferição dos requisitos de assiduidade, aptidão, eficiência, idoneidade moral etc."(Curso de Direito Constitucional, p.698. José Afonso da Silva. 29 ed. São Paulo: Malheiros: 2007)
Considerando que a Administração vinha adotando esta linha de raciocínio, que, entretanto, traduzia-se num maior ônus para os servidores públicos, várias demandas foram ajuizadas com o propósito de provocar o Judiciário a firmar entendimento contrário ao perfilhado pela doutrina.
Após o enfretamento de inúmeros recursos recebidos sobre a matéria, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, num primeiro momento, firmou entendimento no sentido de que a estabilidade no serviço público e o estágio probatório seriam institutos distintos, razão pela qual seria incabível a exigência de cumprimento do prazo constitucional de três anos para que o servidor figurasse em lista de promoção na carreira.
Este primeiro posicionamento do STJ resta bem evidenciado no julgamento do Mandado de Segurança nº 12.389 – DF, impetrado por dois Procuradores Federais contra ato do Advogado Geral da União que indeferiu pedido em recurso hierárquico relativo à promoção à primeira categoria da carreira, sob o fundamento de que estariam, ainda, sob o estágio probatório, fixado em três anos. Este julgamento foi realizado em 25 de junho de 2008.
Os Procuradores Federais fundamentavam o seu argumento na regra do art. 20 da lei nº 8.112/90 – Estatuto dos Servidores Públicos Federais, que, malgrado o alargamento ocorrido no prazo de alcance da estabilidade pela Emenda Constitucional nº 19/98, permanecia com a sua redação originária que preconiza ser de 24 (vinte e quatro) meses e não de 03 (três) anos o período de estágio probatório.
Diante deste contexto, em meados do ano de 2008, a discussão sobre o prazo do estágio probatório foi levada ao Supremo Tribunal Federal, através de pedidos de Suspensão de Tutela Antecipada (STA) aviados pela União.
A provocação da manifestação do STF por meio da célere e excepcional via da Suspensão de Tutela Antecipada teve como pressuposto o fato de essa discussão, que estava sendo travada não apenas no STJ, mas nos juízos de primeira instância, ser de índole constitucional e de as liminares e as tutelas antecipadas concedidas nos processos relacionados estarem violando a ordem e economia pública.
Nas várias STAs ajuizadas desde o final do ano de 2008, o Ministro Gilmar Mendes, à época presidente do STF, declarou ser indissociável o prazo do estágio probatório do prazo da estabilidade. Além disso, declarou que a nova regra constitucional do art. 41 seria imediatamente aplicável e que as legislações estatutárias que estabeleciam prazo inferior a três anos para o estágio probatório estariam em desconformidade com o comando constitucional.
Pela importância da matéria, julgamos válido transcrever trecho da decisão proferida na STA nº 310, que evidencia os fundamentos utilizados pelo presidente da Suprema Corte para sustentar o seu posicionamento. O julgamento desta STA se deu em 12 de março de 2009. Vejamos:
"A nova norma constitucional do art. 41 é imediatamente aplicável. Logo, as legislações estatutárias que previam prazo inferior a três anos para o estágio probatório restaram em desconformidade com o comando constitucional. Isso porque, não há como se dissociar o prazo do estágio probatório do prazo da estabilidade.
A vinculação lógica entre os dois institutos restou muito bem demonstrada pelo Ministro Maurício Corrêa, ao analisar o Recurso Extraordinário nº. 170.665:
"3.1 A estabilidade é a garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado por concurso público em caráter efetivo, tenha transposto o estágio probatório de dois anos (art. 100, EC-01/69; art. 41 da CF/88). O estágio, pois, é o período de exercício do funcionário durante o qual é observada e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade." (RE 170.665, Ministro Maurício Correia, DJ 29.11.1996)
O art. 28 da Emenda Constitucional nº. 19/98, ao definir o prazo de dois anos para a aquisição da estabilidade pelos servidores que já estavam em estágio probatório quando de sua promulgação, reforça esse entendimento:
"Art. 28. É assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para a aquisição da estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório, sem prejuízo da avaliação a que se refere o art. 41 da Constituição Federal."
Esta, também, foi a interpretação adotada por esta Corte na Resolução Nº. 200, de 31 de maio de 2000, que, considerando a redação dada pela Emenda Constitucional nº. 19/98 ao art. 41, caput, § 1º, III e § 4º, da Constituição e o disposto no art. 20 da Lei nº. 8.112/90, dispôs que o estágio probatório compreende o período de três anos:
"Art. 1º Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo cumprirá estágio probatório pelo período de trinta e seis meses, durante o qual sua aptidão e sua capacidade para o desempenho das atribuições do cargo serão objeto de avaliação."
Em conformidade com este entendimento, o Conselho Nacional de Justiça, por unanimidade, conheceu a Consulta do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e respondeu que o estágio probatório a ser observado para os servidores do Poder Judiciário foi ampliado de dois para três anos, consoante disposto no art. 41 da Constituição:
"Ementa: Pedido de Providências. Consulta sobre a vinculação do estágio probatório (art. 20 da Lei 8.112/90) ao período de três anos exigidos para a aquisição da estabilidade no serviço público (CF, art. 41). Pertinência dos questionamentos e definição do prazo de 03 anos para o estágio probatório, na forma do art. 41 da CF c/c a Resolução STF Nº. 200/2000." (PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS Nº. 822/2006, Conselheiro Douglas Alencar Rodrigues, DJ 12.9.2006)
Assim, a decisão liminar que, ao distinguir os prazos do estágio comprobatório e da estabilidade, permite a participação de Advogados da União com menos de três anos de efetivo exercício no concurso de promoção na carreira, contraria a norma do art. 41 da Constituição, acarretando, inclusive, grave lesão à economia pública, uma vez que a promoção desses servidores implicará majoração de seus vencimentos."
Possivelmente influenciada pelas últimas decisões do STF sobre a questão, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do Mandado de Segurança nº 12.523-DF, decidiu rever o seu posicionamento para definir que, com a alteração promovida no art. 41 pela Emenda Constitucional nº 19/98, o prazo de estágio probatório dos servidores públicos teria passado para 3 (três) anos.
A Terceira Seção se baseou no voto do Ministro Relator Felix Fisher (RMS 9.373) que, ao rediscutir a questão, concluiu que o prazo de estágio probatório dos servidores públicos deve observar a alteração promovida pela EC nº 19/98, que aumentou para três anos o prazo para aquisição da estabilidade no serviço público. O Ministro Relator asseverou que, apesar de esses institutos jurídicos (estágio probatório e estabilidade) serem distintos entre si, de fato, não haveria como dissociá-los, porquanto ambos estariam pragmaticamente ligados.
O Ministro Relator observou que a finalidade do estágio seria fornecer subsídios para a estabilização ou não do servidor público. Assim, segundo ele, não faria sentido que o servidor público fosse considerado apto para o cargo num estágio probatório de dois anos e apenas depois de três anos de efetivo exercício fosse estabilizado.
O magistrado além de destacar que, segundo a doutrina, quando a EC nº 19/98 diz que os servidores são estáveis após três anos este prazo, só pode se referir ao estágio probatório, julgou por bem enfatizar que o STF, em recentes julgados, teria manifestado ser esta a nova ordem constitucional (art. 41). Oportuno salientar que o voto proferido pelo referido Ministro Relator foi acolhido, à unanimidade, pela Terceira Seção.
Tecidas essas considerações, inferimos que, diante da manifestação da Suprema Corte acerca da matéria e conseguinte adequação da jurisprudência do STJ, inexiste fundamento legal ou constitucional a justificar a dissociação entre as figuras do estágio probatório e da estabilidade. Assim, entendemos que o prazo do estágio probatório deverá ser interpretado à luz da nova redação constitucional, isto é, estendido para 3 (três) anos, de forma a permanecer vinculado ao prazo para a aquisição da estabilidade.
Bibliografia
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p.462. 12ª Edição. São Paulo: Altas: 2002, p.462.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p.188.
SILVA da José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 29ª Edição. São Paulo: Malheiros: 2007, p.698.