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Aplicação da Lei 9099/95 na Justiça Militar

01/11/1999 às 01:00
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1. Introdução

O art. 98, I, da Constituição Federal disciplina que "A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

"I- juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante o procedimento oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes no primeiro grau".

Para dar atendimento ao disposto no Texto Constitucional foi promulgada a Lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, e que somente entrou em vigor 60 dias após a sua publicação, ou seja, no dia 27 de novembro de 1995, revogando às Leis 4.611 de 02 de abril de 1995 e a Lei 7.244 de 07 de novembro de 1984.

A Lei trouxe como observa Damásio E. de Jesus inúmeros avanços ao nosso Direito Penal Clássico, que se encontra em plena concordata com presídios superlotados, sem qualquer infra-estrutura ou condições para dar cumprimento ao disposto na Lei de Execução Penal.(1)

Seguindo as mais modernas tendências do Direito, que foram expostas e discutidas no 9.o Congresso das Nações Unidas realizado no Cairo (Egito) sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinqüente, o Sistema Criminal e as Penas Alternativas, a Lei 9.099/95 cria institutos que permitem a auto-composição entre a vítima e o acusado baseada na reparação dos danos civis sofridos, e a possibilidade de transação entre o acusado e o Ministério Público, a disponibilidade da ação penal e a suspensão condicional do processo.

No momento em que o nosso país vem sendo influenciado pelas correntes defensoras do movimento "Lei e Ordem", que acreditam que a criminalidade pode ser controlada por meio da edição de Leis que cominem penas mais severas inclusive com a supressão das garantias constitucionais, com institutos confusos, a Lei 9.099/95 demonstra que existem outras formas de se combater a criminalidade e impor sanções ao cidadão, seja ele civil ou militar, sem retirar a sua dignidade e desrespeitar a Carta Política.


2. Disposições Legais da Lei 9099/95

O artigo 76 " caput" da Lei 9.099/95 disciplina que, "Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta".

Na seção VI da Lei 9.099/95 que trata das disposições finais, o art. 88 disciplina que, "Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas". E o art. 89 "caput" preceitua que, " Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Dispõe o artigo 95 da Lei sob análise que, "Os Estados, Distrito Federal e Territórios criarão e instalarão os Juizados Especiais no prazo de seis meses, a contar da vigência desta Lei". O fato das unidades federativas terem o prazo de 6 (seis) meses para criarem e instalarem os juizados especiais não impede que os institutos de natureza processual previstos na Lei sejam aplicados de plano ao final de sua "vacatio legis". A respeito do assunto, Damásio E. de Jesus preleciona que , " O juízo comum pode aplicar imediatamente, a partir de 27 de novembro de 1.995, a exigência de representação nos crimes de lesão corporal dolosa leve e lesão corporal culposa (artigo 88 da Lei 9.099/95). O mesmo ocorre no tocante aos institutos da composição civil pela reparação do dano (artigo74) e da transação (artigo 76), enquanto não foram criados os Juizados Especiais Criminais".(2)

Assim, os institutos de natureza processual previstos na Lei 9.099/95 terão aplicação imediata pelos juízes das Varas Criminais enquanto não forem instalados os Juizados Especiais Criminais.


3. Justiça Militar e a Lei 9099/95

A Lei que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais é uma Lei Federal, que foi editada em atendimento a expressa disposição prevista na Constituição Federal, devendo ser observada e respeitada em relação aos institutos ali disciplinados. Nesse sentido, a Lei 9.099/95 seria aplicável a Justiça Militar, Federal ou Estadual ?

Como ensina o professor Jorge Alberto Romeiro, "O direito penal militar é um direito especial, porque a maioria de suas normas, diversamente das de direito penal comum, destinadas a todos os cidadãos, se aplicam exclusivamente aos militares, que têm especiais deveres para com o Estado , indispensáveis à sua defesa armada e à existência de suas instituições militares "(3)

Na lição de Grispigni, "o Direito Penal Militar é uma especialização, um complemento do direito comum, apresentando um corpo autônomo de princípios, com espírito e diretrizes próprias "(4)

A especialidade da Justiça Castrense (Federal ou Estadual) não impede a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, uma vez que esta em nenhum momento ou a Constituição Federal fizeram restrições aos delitos capitulados no Código Penal Militar (C.P.M). Assim, não cabe ao intérprete infra-constitucional fazer restrições que não foram feitas pelo legislador.

Nos crimes de lesão corporal leve e culposa, que dependerá de representação da vítima na forma do art. 88, e nos demais crimes em que o Código Penal Militar comine pena igual ou inferior a um ano, são aplicáveis os artigos 76 e 89 da Lei 9.099/95, e o Ministério Público Militar ao oferecer a denúncia, desde que preenchidos os requisitos disciplinados na norma, deverá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, ou ainda, a suspensão do processo por dois a quatro anos.

A Lei como observa Damásio E. de Jesus impede a sua aplicação aos crimes que possuem rito especial como abuso de autoridade, a propriedade industrial, de responsabilidade própria de funcionário público, contra a honra, tóxicos, de imprensa, que serão processados e julgados pela Justiça Comum. (5)

Ao comentar o art. 89 da Lei 9.099/95 o professor Damásio E. de Jesus defende à aplicação da suspensão condicional do processo aos delitos militares, posição esta que já era defendida pelo professor Paulo Tadeu Rodrigues Rosa quando da edição da Lei em artigo publicado no Jornal Tribuna do Advogado(6). Segundo Damásio, "A Suspensão condicional do processo é aplicável aos delitos militares arrolados pelo art. 89 da lei especial, sendo a competência da Justiça Militar. (7)

Portanto, a Lei 9.99/95 também se aplica aos militares das Forças Armadas e Forças Auxiliares (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares), mesmo que naquela Justiça Especializada, e não Tribunal de Exceção como pretendem alguns, não exista o Juizado Especial Criminal.

Os juízes auditores juntamente com os juízes militares que compõem os Conselhos de Justiça (Permanentes ou Especiais) deverão aplicar a Lei no tocante aos artigos 76, 88 e 89, sob pena de estarem cerceando direito público subjetivo do acusado passível de reparação por meio de "habeas corpus", que deve ser impetrado perante o Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que estes existirem (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), e nos demais casos perante os Tribunais de Justiça, onde o presente da Corte remeterá o "writ" constitucional para ser julgado em uma Câmara Especializada que tenha competência para conhecer matéria proveniente da Justiça Militar. Em sede de recurso a matéria deverá ser apreciada pelo Superior Tribunal Militar (S.T.M), podendo a discussão chegar até o Supremo por envolver matéria constitucional.

As Cortes Castrenses por meio de provimentos de seus Tribunais como o fez o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deverão regulamentar a aplicação dos institutos previstos na Lei 9.099/95, até a instalação dos Juizados Especiais Criminais, que também poderão ser organizados e instalados pelas Justiças Militares.

A Justiça Militar Estadual assim como a Justiça Comum possui uma grande quantidade de processos, que devido aos seus procedimentos especializados levam a uma demora nos julgamentos, deixando a grande parte da população com uma visão de que nestes Pretórios a impunidade estaria garantida. Tomando-se como exemplo a Justiça Militar do Estado de São Paulo temos 15.000 (quinze) mil processos para serem julgados por quatro auditorias militares, que estão sediadas apenas na Capital, em um Estado em que o efetivo ativo da Polícia Militar é superior a 80.000 (oitenta) mil homens.

Com o advento da Lei dos Juizados Especiais, a Justiça Militar Estadual, que integra o Poder Judiciário Estadual, sendo que na maioria do Estados, o segundo grau de jurisdição é exercido por Câmaras Especializas dos Tribunais de Justiça, possui a possibilidade de buscar a celeridade para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo viabilizando a composição e a suspensão do processo.


4.

Posição jurisprudencial

Existe na doutrina uma discussão a respeito da aplicação ou não da Lei 9.099/95 à Justiça Militar, Estadual ou Federal, sendo que a nível dos Tribunais também há posicionamentos nos dois sentidos.

O Supremo Tribunal Federal julgando o HC n.o 74.207-6 que teve como relator o Ministro Maurício Correia entendeu pela aplicação da Lei 9.099/95 ao crime de lesão corporal culposa, conforme publicado no Diário Oficial da União do dia 15 de agosto de 1997.

O Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (TJM/SP), tem aplicado efetivamente a Lei 9.099/95 aos crimes de sua competência, o mesmo ocorrendo em relação as Autorias Militares. Nesse sentido, observa o professor Marco Antonio de Barros, segundo o qual,

"A propósito desta lei, que versa sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, cabe salientar que nas Auditorias Militares do Estado de São Paulo, entre os juízes auditores e promotores de justiça, prevalece o entendimento, expressivamente majoritário, no sentido de que em relação aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas, o ajuizamento da ação penal depende do oferecimento da representação do ofendido (art. 88). Além disso, a suspensão condicional do processo, outra medida criada por aquele diploma (art. 89), foi igualmente acolhida pela Justiça Militar Paulista. (8)

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Em posição diversa a adotada pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (TJM), e contrariando os precedentes do Supremo Tribunal Federal, encontramos o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, segundo o qual, "A teor do art. 1.o da Lei n.o 9.099/99, de 26/09/95, os Juizados Especiais são órgãos da Justiça Ordinária, a que não corresponde, pela própria nomenclatura, a Justiça Militar, que é uma Justiça Especial. Assim ficam fora do âmbito dos Juizados Especiais as matérias criminais de competência da Justiça Militar. O delito militar não se circunscreve e limita, atendendo só as pessoas do culpado e da vítima, mas em especial, à quebra do dever militar e à lesão dos fins e interesses da instituição militar. No Direito Penal Militar, não é a liberdade a nota suprema e necessária, mas os princípios básicos da disciplina e hierarquia, com formas precípuas e finalísticas de preservação da instituição militar. Daí uma Justiça especializada e que não deve ser tratada pela legislação comum, destinada a outros propósitos. (9)

O Supremo Tribunal Federal adotando entendimento contrário ao formulado pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais e acompanhando o entendimento do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo tem se posicionado pela aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes militares, sejam em relação aos integrantes das Forças Armadas, militares federais, ou das Forças Auxiliares, militares estaduais.


5. Conclusão

O legislador pátrio por falta de uma técnica mais apurada quando da edição da Lei dos Juizados Especiais Criminais não fez menção expressa da sua aplicação à Justiça Militar, Estadual ou Federal. Mas, ao mesmo tempo, também não fez nenhuma restrição à efetiva aplicação da norma junto as Cortes Castrenses.

O texto da Lei 9.099/95 somente excepcionou à legislação especial, sendo certo que o Código Penal Militar, apesar de entendimentos em sentido contrário, não é uma legislação especial, mas um ramo do Direito Penal destinado aos integrantes das Corporações Militares (Forças Armadas e Forças Auxiliares).

A alegação de que nos crimes capitulados no Código Penal Militar a vítima é a Administração Pública Militar (Federal ou Estadual), sendo que muitas vezes a vítima também é o administrado civil, como ocorre nos crimes de lesão corporal, não impede a efetiva aplicação da Lei 9.099/95 ao Direito Penal Militar. Como observa Márcio Luís Chila Freyesleben, "O grande equívoco reside na idéia de que o instituto da suspensão condicional do processo e a exigência de representação do ofendido nos crimes de lesão corporal leve e culposa possam abalar as vigas mestras da estrutura sobre a qual a Polícia Militar se assenta". (10)

Pode-se afirmar, que a nova Lei quando bem aplicada significará uma resposta aos anseios populares, pois a maioria das pessoas desconhece o significado de prescrição, decadência, procedimentos, mas acredita no Poder Judiciário e na efetiva aplicação da norma, como instrumento de Justiça e paz social.

Na busca do aprimoramento do Poder Judiciário, a criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas Criminais na Justiça Militar (Federal ou Estadual) seria um aprimoramento da Justiça Castrense, que deve ser célere na resposta ao ilícito praticado pelo infrator. Mas a Justiça Especializada não está afastada das modificações que vem ocorrendo no campo do direito penal em relação as penas. Deve-se observar, que o militar encontra-se amparado pela

Constituição Federal, estando diferenciado apenas pela atividade desenvolvida, mas a sua liberdade é a mesma que assegurada pelo Estado ao funcionário civil ou aos demais cidadãos.

A Justiça Militar também deve ficar mais próxima dos seus jurisdicionados, e no caso da Justiça Militar Estadual a criação de Auditorias Militares no interior seria um caminho para essa aproximação. No caso do Estado de São Paulo, as auditorias militares poderiam ser instaladas nas principais cidades do Estado, como Santos, Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, utilizando para tanto a estrutura da Justiça Comum, uma vez que a Justiça Especializada por força do disciplinado na Constituição Federal e na Constituição do Estado de São Paulo integra a estrutura do Poder Judiciário


NOTAS

  1. JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo : Ed. Saraiva, 1995.
  2. JESUS, Damásio E. de. ob. cit. p. 31.
  3. ROMEIRO, Jorge Alberto.Curso de Direito Penal Militar - parte geral, São Paulo : Saraiva, 1.994, p. 40.
  4. ROMEIRO, Jorge Alberto. ob.cit, p.6.
  5. JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo : Ed. Saraiva, 1995. p.40-1.
  6. ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei. 9.099/95 ao Direito Penal Militar. Jornal Tribuna do Advogado de Ribeirão Preto. Dezembro/95 p. 7.
  7. JESUS, Damásio E. de. Lei dos Juizados Criminais Anotada. 3a ed. rev . e ampl. São Paulo :Saraiva, 1996. p.109.
  8. BARROS, Marco Antônio. A Situação do Réu Revel Citado por Edital na Justiça Militar. Boletim do IBCCRIM n.o 81, agosto/99. P. 5-6.
  9. FREYESLEBEN, Márcio Luís. A Prisão Provisória no CPPM. Belo Horizonte : Livraria Del Rey Editora Ltda, 1997. P. 233.
  10. FREYESLEBEN, Márcio Luís. ob. cit. p. 234-235.
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Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito. Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Aplicação da Lei 9099/95 na Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1583. Acesso em: 17 nov. 2024.

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