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Ilegalidade de corte de fornecimento de água por falta de pagamento

01/11/2001 às 01:00
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Sentença declarando a ilegalidade de suspensão de fornecimento de água por concessionária em virtude da falta de pagamento, baseada no Código de Defesa do Consumidor.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
22º. VARA CÍVEL DE BELÉM

Juíza da 22ª Vara Cível de Belém

Juíza: Dra. Ruth do Couto Gurjão
            Impetrante: Maria da Glória Rabelo Costa
            Advogado: Dr. Mário Antônio Lobato de Paiva
            Impetrado: Diretor-Presidente da Companhia de Saneamento do Pará- COSANPA

Ação de Mandado de Segurança
            Autos de nº: 2000131144-6

Vistos, etc...

MARIA DA GLÓRIA RABELO COSTA, devidamente qualificada e legalmente representada, impetra MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR INALDITA ALTERA PARS, contra DIRETOR- PRESIDENTE DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ- COSANPA, pelos fatos e fundamentos:

Alega a impetrante que no mês de dezembro de 2000 foi surpreendida por funcionários da COSANPA que, sem maiores explicações, interromperam o serviço de funcionamento de água, não permitindo que a impetrante fosse procurar os comprovantes de pagamento.

Ressalta que o serviço funcionamento de água é uma relação de consumo, considerado fornecedor a empresa de Saneamento- COSANPA, na forma do art.3º do código de defesa do consumidor, e os seus usuários são consumidores na forma do art. 2º, parágrafo único da mesma norma.

Aduz que o art. 6º, inciso x, do código da defesa do consumidor, consigna que é direito básico do consumidor "a adequada é eficaz prestação dos serviço público em geral". O art. 4º do CDC estabelece a política nacional das relações de consumo, cujo objetivo é atender às necessidades dos consumidores, respeitando a sua dignidade, saúde e segurança, providenciando a melhoria de sua qualidade de vida, citando ainda o art. 175, parágrafo único, inciso IV da constituição Federal.

Destaca o art. 4º, inciso VI do CDC, o qual consagra a ação governamental de coibição e repressão eficiente de todos os abusos no mercado de consumo, pois cada dia torna –se mais comum relações contra o fornecedor pelos serviços prestados, sendo muitas vezes o consumidor surpreendido com o débito indevido em suas contas, recebendo a orientação de pagar para depois discutir, sobre pena de corte do fornecimento.

Ao final, requer a concessão da medida liminar, suspendendo o ato abusivo e ilegal de corte de fornecimento de água, com notificação da autoridade como coatora para prestar as devidas informações.

Concluso, foi concedida a liminar.

A autoridade coatora, COSANPA, ao prestar suas informações alega que:

No mandado da citação da liminar, ocorreram fatos processuais capazes de tumultuar o regular andamento do feito, pois contava no mesmo, ordem não proferida no despacho de fls.23, sendo entre tanto obedecido.

A natureza jurídica da remuneração exigida pelo fornecimento da água aos usuários de tal serviço, não é taxa específica do gênero tributo, mas sim pagamento de um serviço. é preço de serviço que só aparece com a sua utilização, com tipificação diferente de taxa.

O STF tem admitido que a remuneração de serviços prestados por departamentos, companhia ou empresa de saneamento, constitui preço público e também consagrou legitimidade da interrupção do fornecimento de água por falta de pagamento da tarifa.

O serviço publico é prestado mediante a remuneração de tarifas, sendo essa remuneração que sustenta a comunidade do serviço. Sem a cobrança de tarifas, o sistema de fornecimento de água não existe. Determinar a "religação" do fornecimento de água ao consumidor inadimplente, impede à autoridade impetrada um óbice mortal à prestação dos serviços.

O serviço publico não é gratuito e se assim fosse, assistiria razão a impetrante, contudo tal gratuidade não pode ser presumida em função de essencialidade do serviço prestado, ao contrário, deve ser definitivamente afastada para manutenção e continuidade do serviço.

Estando caracterizada a mora do usuário, o corte do fornecimento de água não pode estar eivado de qualquer ilegalidade, pois o Regulamento das Instalações Prediais de águas e Esgotos Sanitários da cidade de Belém, homologado pelo decreto nº 60656,de 09.05.1969, assim autorizada.

O contrato de prestação de serviços de fornecimento de água e esgoto, na verdade tem natureza de contrato de adesão, onde o usuário de serviço adere as clausulas contratuais automaticamente, com a simples autorização do serviço. A relação Jurídica entre a contratante e o contratado, pressupõe um contrato liberal, de cunho oneroso, prevalecendo o previsto no art. 1.092 do código civil.

Que, com o advento do código do consumidor, o art. 22 prescreveu um fator do consumidor obrigatoriedade dos órgãos público, por si ou empresas concessionárias ou permissionárias de fornecer serviços adequados, seguros e, quantos aos essenciais continuos, o que desconsidera espancado este equivoco do código do consumidor.

Invoca o art. 3º, parágrafo 2º da lei nº 8.078/90 do mesmo código, porque tais serviços de remuneração pelo pagamento de taxas ou tarifas, portanto, não tem remuneração específica e por isso não pode ser prestigiado o consumidor inadimplente que os serviços essenciais sejam suspensos por motivos injustificados. Assim, os órgãos públicos ou entidades paraestatais estão obrigados a fornecer os serviços essenciais como água e energia elétrica, desde que sejam pagos, dependendo disto a sua continuidade.

Considera que estando em casos interesses individuais de determinado usuário, a oferta de serviço pode sofrer solução de continuidade, caso não estejam observadas as normas administrativas, porque a norma visa interesse da coletividade e não do indivíduo consumidor.

Ao final, requer a denegação do mandado e a condenação da impetrante nas custas e normas de advogado.

Junto aos autos documentos de fls. 57/58.

Às fls. 59, o Recurso de Agravo interposto pela impetrada, nos termos dos art. 529 do CPC, sem tudo juntar a cópia do agravo

Com vista ao Ministério Publico, entende que sendo o serviço de água específico, divisível, facultativo e de execução indireta, o seu fornecimento pode ser interrompido mormente pela inadimplência, devendo o usuário ser comunicado dessa interrupção com o prazo mínimo de 15 dias de antecedência.

Ao final, por entender que o serviço de água domiciliar não goza do caráter de essencialidade obrigatória, indivisibilidade e nem de obrigatoriedade de um poder publico o prestar de maneira direta, opina pelo indeferimento do mandado de segurança, uma vez que não houve violação a direito liquido e certo a reclamar pela interrupção desse serviço em domicilio comum, por inadimplência do usuário.

Ë o relatório.

Ao Mérito.

Na verdade, o serviço de água é, indubitavelmente relação de consumo, considerada fornecedora a COSANPA, na forma do art. 2º, parágrafo único e 3º do CDC, sendo os seus usuários os comunicadores.

"O serviço de fornecimento de água é PÚBLICO E ESSENCIAL, subordinado ao princípio da continuidade (o grifo é nosso), na forma do art. 22 do código do consumidor, da mesma forma que o serviço de telefonia e energia elétrica".

Enuncia o art. 22 e seu parágrafo único do CDC que: "Os órgãos públicos, por ou suas empresas, concessionárias, permissionária ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, continuos".

Examinado os autos, constato que a liminar concedida, embasada nos arts. 5º, inciso XXXII e 170, inciso V da Constituição Federal, c/c o art.. 7º, inciso II da Lei nº1.533/51, inquinou-se necessária, haja visto que :

É a própria jurisprudência pátria que vem determinando em seus julgados como consta na EMENTA :

MANDADO DE SEGURANÇA. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA, EM VIRTUDE DE ATRASO NO PAGAMENTO DE CONTAS. QUESTÕES PRÉVIAS REJEITADAS. ABASTECIMENTO DE ÁGUA É SERVIÇO PÚBLICO, POR SER UMA UTILIDADE FRÍVEL PELOS ADMINISTRADOS E POR ESTAR JUNGINDO A UM REGIME JURIDICO DE DIREITO PÚBLICO. ESSENCIALIDADE DO BEM (ÁGUA) QUE DESAUTORIZA O CORTE, MANU MILITAREI, COM FEITO DE OBRIGAR O DEVEDOR A PAGAR. CREDITO QUE HÁ DE SER BUSCADO EM OUTRAS VIAS. ORDEM CONCEDIDA.

1.Mandado de Segurança ajuizado com o azo de assegurar ao independente a ligação do fornecimento de água de seu imóvel, cortado em virtude de atraso no pagamento.

2.Matéria prévia de inadequação da via eleita e de interesse de agir afastadas, posto que cabível o writ, desde que aja direito liquido e certo a ser tutelado, e que há necessidade da tutela jurisdicional e utilidade da via eleita

3.Ausência do direito liquido e certo e inexistência de impossibilidade de discussão de matéria fática no writ que se confundem com o mérito, onde devem ser analisados.

4.Questões previas rejeitadas.

5.O serviço de abastecimento de água e saneamento é serviço público (por ser uma utilidade por todos frivél-substrato material de sua noção- e por estar junjindo a um regime jurídico próprio, de direito público, erigido pela Constituição Federal e pelas leis nº 8.987/95- traço formal de sua noção).

6.O fornecimento de água é hoje em dia, para quem já teve acesso ao mesmo, uma assencialidade. Com relevo, denominado "liquido precioso" serve para a higiene do ser humano, para sua alimentação, para saciar sua sede, enfim, para tudo o mais que sabemos e ressabemos da maior importância.

7.Ante essa conjuntura, é desarrazoada a ruptura no fornecimento para compelir o consumidor a arcar com as tarifas em atraso, valores estes que haverão de ser buscados em outras vias idôneas. Inteligência, ademais do art. 22, da Lei nº 8.078/90 (Código do consumidor).

8.Procedência do writ.

Notificada a autoridade coatora, pede vista dos autos, enquanto que o cartório, desavisadamente faz a remessa dos autos ao Ministério Público, o qual na sua manifestação, inicialmente pede a revelia da parte suplicada por entender que a mesma não se manifestou nos autos em tempo hábil, e em sua exposição opina pelo indeferimento de writ, por entender que o serviços de água domiciliar não tem o caráter de essencialidade obrigatória, acompanhando corretamente doutrinária e referindo-se em especial, neste aspecto, nos estudos esposados por HELLY MEIRELES e JOSÉ CRETELLA JÚNIOR.

Obsta-se entretanto a este entendimento, a norma do consumidor no art.4º, inciso I da CDC.

O fato de que a impetrante se encontrava em débito para com a recorrida, não lhe autorizava submete-la a qualquer constrangimento ou ameaça, coação ou qualquer outro procedimento que exponha ao ridículo ou interfira com o seu trabalho, descanso ou lazer. A ÁGUA É REALMENTE NECESSÁRIA PARA A SOBREVIVÊNCIA DO SER HUMANO.

É um direito natural a vida. A água é vida, portanto, o CDC se impõe nos seus art. 42 e 71, proibindo que a cobrança do fornecedor de água, possa interromper o serviço o serviço publico essencial do usuário consumidor.

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É portanto, o fornecimento de água serviço essencial, o que concede a qualquer ofendido pleitear a medida judicial a defesa do seu direito básico, para que seja observado o fornecimento de produtos e serviços (relação de consumo) a teor de art. 6º, incisos VI e X, c/c o art. 22 do CDC.

Tal principio proíbe o retrocesso, porque o seu art. 5º, inciso XXXII, 170 e art. 48 e suas disposições transitórias, vem protegidos pelo art.1º do CDC, o que atende à política a política nacional de relação de consumo, cujo o objetivo é o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a dignidade, saúde4 e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia de relações de consumo (art.4ºcaput, do CDC).

Assim é que o jurista Marcos Maselle Gouveia afirma: "A defesa do consumidor é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, inciso XXXII, bem como um princípio de relação econômica, previsto no art. 170, item V da CF"

O direito do consumidor possui garantia fundamental na constituição e, a interrupção no fornecimento, alem de causar uma lesão, afeta diretamente a sua dignidade e flagrante retrocesso ao direito do consumidor.

Assim é que a prática abusiva do corte já vem sendo conhecida em casos de fornecimento de água, pois a água é de necessidade da população, de consumo imprescindível e não pode ser cortada sob nenhum propósito.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou:

"Seu fornecimento é serviço público subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso em seu pagamento "(Decisão unânime do stj, que rejeitou o recurso da Companhia Catarinense de Água e Saneamento- CASAN. Proc. RESP. 201112).

Esta decisão do STJ fundamentou-se em que:

"O fornecimento de água, por se tratar de serviço público fundamental, essencial e vital ao ser humano, não pode ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o poder público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários".

Para o Ministro Garcia Vieira, a água deve ser servida a população de maneira adequada, eficiente, segura e continua e, em caso de atraso por parte do usuário, não pode ser cortado o seu fornecimento porque expõe o consumidor ao ridículo e ao constrangimento "não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim no império da lei, sendo os litígios compostos pelo Poder Judiciário e não pelo particular. A água é bem essencial a saúde e higiene da população".

Neste sentido é o inteiro entendimento deste Juízo por se tratar da defesa de um direito básico da consumidora, não podendo a pessoa Jurídica criar descontinuidade, pois os serviços essenciais se tornam indispensáveis para a conservação, preservação da vida, saúde, higiene, educação e trabalho das pessoas, o que, ainda para o Ministro Garcia Vieira, "na época moderna exemplificadamente se tornam essenciais, nas condições de já estarem sendo prestados, o transporte, água, esgoto, fornecimento de eletricidade com estabilidade, linha telefônica, limpeza urbana, etc".

Para o jurista Mário de Aguiar, "uma inovação trazida pela atual constituição é a extensão do mesmo critério às concessionárias ou permissionárias dos serviços públicos.

Comentando o art.22 do CDC, o jurista Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim, assim se expressa: "A Segunda inovação importante é a determinação que os serviços essenciais- e só eles- devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço, podendo o consumidor postular em juízo que se condene a administração a fornecê-lo".

Tal situação está reconhecida por nossas Câmaras Civis, como por exemplo do tribunal Catarinense, cujo reexame de sentença de ação de mandado de segurança confirmou a sentença a qual, fundamentado-se em que: "Se houver débito a cobrança devera ser feita pela via própria. O que não pode é o usuário ser coagido a pagar o que julga razoavelmente não deve sob teor de ver interrompido o fornecimento de água, bem indispensável para a vida humana".

Entendendo este Juízo que o art. 5º, inciso XXXXV da Constituição Federal que: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direita e, a ré está resguardada pelo Principio da Isonomia para ingressar em juízo e cobrar o que lhe é devido.

Isto Posto, JULGO PROCEDENTE O MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por MARIA DA GLÓRIA RABELO COSTA contra ato do DIRETOR PRESIDENTE DA COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARÁ- COSANPA, declarando a ilegalidade do ato ruptura do fornecimento de água no imóvel da impetrante, fundamentando esta decisão nos termos do art. 6º, inciso VI e X e art. 22, ambos do código de defesa do consumidor, c/c o art. 170 e art.5º, inciso XXXXV da lei básica prática.

E para que surta seus efeitos legais,

P.R.I.C.

Belém, junho de 2001

Ruth do Couto Gurjão

Juíza da 22º. Vara Cível de Belém
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Ruth do Couto Gurjão

juíza em Belém (PA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GURJÃO, Ruth Couto. Ilegalidade de corte de fornecimento de água por falta de pagamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16441. Acesso em: 22 nov. 2024.

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