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Os efeitos jurídicos decorrentes da aprovação do "estado de greve"

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04/08/2010 às 12:33
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3 – Da aprovação do estado de greve pela assembleia SINDICAL. Efeitos jurídicos.

Toda a abordagem acima foi necessária para que se possa analisar os efeitos jurídicos que decorrem de aprovação do "estado de greve" pelas assembleias sindicais. Surgem as indagações que conduzem o presente artigo:

1.A partir da aprovação do "estado de greve" e, se atendidas as demais condições da Lei n.º 7.783/89, os trabalhadores poderão suspender a execução dos serviços?

2.Os trabalhadores "em estado de greve" poderão se valer dos direitos previstos na Lei n.º 7.783/89?

Antes de responder aos referidos questionamentos, é preciso ter em mente que o "estado de greve" não possui previsão legal na Constituição Federal, tampouco encontra-se amparo na lei n.º 7.783/89.

Na verdade, o "estado de greve" não é um estado jurídico, mas sim um ambiente de natureza política criado pelas entidades sindicais com o objetivo de arregimentar os trabalhadores para a futura deflagração da greve. É uma situação de fato cujas consequências e repercussões jurídicas não estão previstas na Constituição Federal e na Lei n.º 7.783/89.

Não existe previsão legal dispondo que o "estado de greve" suspende o contrato de trabalho, diversamente do que ocorre durante a greve. Como resultado, os contratos de trabalho permanecem inalterados, donde se extrai a obrigação dos empregados em realizar as atividades contratadas, assim como dos empregadores em efetuar o pagamento da contraprestação pecuniária.

Como o "estado de greve" não suspende, ainda que parcialmente, a prestação dos serviços, não há que confundi-lo com outras modalidades de greve que são aceitas pela doutrina e jurisprudência, como as greves de zelo, greve relâmpago, greve tartaruga et cetera.

Desta feita, por não se confundir com a greve propriamente dita, nem com as suas formas assemelhadas, entende-se que não haveria como respladar que os trabalhadores em "estado de greve" suspendam a execução dos serviços nem se utilizem dos direitos a Lei n.º 7.783/89.

São raros os casos em que a jurisprudência trabalhista efetivamente se deteve na distinção entre as figuras de greve e "estado de greve". O v. acórdão adiante colacionado, proferido pelo TST, é um dos poucos que realizam esta distinção, reconhecendo que o estado de greve possui viés político e não estaria protegido pela lei n.º 7.783/89:

ESTADO DE GREVE. DESPEDIDA. FRUSTRAÇÃO DO MOVIMENTO GREVISTA

1. Despedidas efetivadas quando os empregados achavam-se em -estado de greve-, no interregno entre greve de um dia e greve anunciada para o futuro.

2. A proteção concedida pela Lei nº 7783/89 (art. 7º) destina-se ao contexto específico de uma paralisação concertada e coletiva do trabalho, a fim de que, durante o exercício do direito de greve, não se permita ao empregador proceder despedidas retaliativas ou frustrantes da própria greve. Não protege os empregados que se acham trabalhando normalmente, ainda que em -estado de greve- ante a perspectiva de futuro e planejado movimento paredista.

3. Vulnera diretamente o artigo 7º, da Lei nº 7.783/89, decisão que determina a reintegração de empregados despedidos em -estado de greve-.

3. Recurso de revista conhecido e provido para afastar a ordem de reintegração. [16]

Sendo assim, não basta à entidade sindical pré-notificar o empregador acerca do "estado de greve" para então suspender o processo produtivo, uma vez que não é objetivo que o empregador e a sociedade, no caso de greve nas atividades essenciais, sejam surpreendidas com uma paralisação.

O prévio aviso então emitido será imprestável para o fim que se destina, pois não comunicará a data em que ocorrerá a suspensão coletiva da pretação dos serviços. Não atenderá o seu objetivo maior, porquanto deixará o empregador no mais absoluto estado de incerteza quanto ao início da greve, impedindo que o mesmo possa adotar as medidas necessárias para minorar ou evitar prejuízos durante o movimento.

Em outras palavras, se a notificação prévia informar apenas sobre a aprovação em assembleia do "estado de greve" aprovado em assembleia, sendo silente sobre o início da greve, e se os serviços forem suspensos, entende-se que ocorreu a suspensão dos serviços é abusiva, porquanto não amparada pela Lei n.º 7.783/89.

Isso porque, por mais justa que possa ser o mérito das reivindicações da categoria profissional, o direito do trabalho não respalda a greve supresa. Tal atitude configura a abusividade do movimento (art. 14 da Lei n.º 7.783/89), restando incompatível o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias para estes trabalhadores nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 10, da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho:

"Nº10. GREVE ABUSIVA NÃO GERA EFEITOS. Inserido em 27.03.1998

É incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo."

À conta do exposto, considerando que a paralisação realizada com base somente no "estado de greve" é abusiva, bem como o entendimento do TST consubstanciado na OJ n.º 10 da SDC, pode-se inferir que os empregadores atingidos poderão aplicar as sanções disciplinares aos trabalhadores que suspenderem a prestação dos serviços, desde atendidos os requisitos dispostos na doutrina e jurisprudência trabalhistas.


4 – Conclusão

Pelo exposto neste artigo jurídico, conclui-se que a greve é um fenêmeno social e um direito assegurado na Constituição Federal, não podendo ser exercido de forma ilimitada. Pelo contrário, diante dos efeitos que a greve pode causar na esfera jurídica de terceiros, a ordem jurídica brasileira impõe algumas condições no início e durante deflagração do movimento, dentre os quais se destacam a necessidade de aprovação da greve pela assembleia sindical e o envio de notificação prévia ao empregador (e de comunicação aos usuários, se movimento for em atividades essenciais).

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Essas condições devem ser estritamente observados pelos trabalhadores em greve, sob pena do movimento vir a ser considerado abusivo, na forma prevista pelo art. 14 da Lei n.º 7.783/89, impedindo que os mesmos possam se valer dos direitos garantidos pela Lei de Greve.

Nesta linha de raciocínio, constata-se que a aprovação do "estado de greve" pela assembleia sindical, com a consequente notificação prévia do empregador (bem como a comunicação aos usuários, se for o caso), não permite que os trabalhadores possam suspender coletivamente a execução dos serviços.

Isso porque o "estado de greve" é um fato político, sem previsão na Lei n.º 7.783/89, sendo criado com o objetivo de mobilizar a categoria profissional para uma futura paralisação, não tendo o condão de suspender os contratos de trabalho dos trabalhadores - principal efeito da greve.

Sendo assim, caso a suspensão da prestação dos serviços ocorra com amparo tão somente no "estado de greve", a paralisação deverá ser considerada abusiva, conforme dispõe o art. 14 da Lei de Greve.

Em consequência, os trabalhadores não poderão se beneficiar dos direitos que são concedidos pela Lei de Greve, conforme entendimento da Orientação Jurisprudencial n.º 10, da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, e os empregadores, por outro lado, poderão aplicar as sanções disciplinares, desde que atendidos aos requisitos previstos na doutrina e jurisprudência trabalhistas.


REFERÊNCIAS

AROUCA, José Carlos. Curso básico de Direito Sindical. São Paulo: Editora LTr, 2006.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª edição: Editora: LTr, 2008.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 3ª edição. São Paulo:Editora Método, 2009.

GONÇAVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. I, 6ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve como Direito Fundamental. Curitiba: Editora Juruá, 2000.

MARTINS. Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 19ª edição. São Paulo: Editora Atlas Jurídico, 2004.

MELO. Raimundo Simão. A Greve no Direito Brasileiro. 2ª Edição. São Paulo: Editora: LTr, 2009.

RODRIGUEZ. José Rodrigo. Dogmática da Liberdade Sindical – Direito, Política e Globalização. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2003.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em http://www.stf.jus.br: Acesso em 30/04/2010.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Disponível em http://www.tst.jus.br: Acesso em 02/05/2010.


Notas

  1. Não é o foco deste artigo abordar a história mundial da greve. No entanto, e com o objetivo de demonstrar a sua importância como fenômeno social, merece ser transcrito o seguinte trecho da obra de GARCIA (2009, p. 1271), quando menciona que "na história mundial da greve, ela foi inicialmente considerada um delito, principalmente no regime corporativista, observando-se a evolução na matéria,passando a ser considerada uma liberdade, passando a ser considerada uma liberdade, como se verifica em regimes democráticos).
  2. As características da Lei n.º 4.330/64 foram abordadas por MELO (2008, p. 21): "A Lei n.º 4.330/64 permitia a greve em atividades normais, embora com muitas restrições que, na prática, tornavam quase impossível o seu exercício. (...) Essa lei, como se sabe, foi promulgada logo após à decretação do golpe militar de 1964 e representou a real filosofia do regime ditatorial, consubstanciado, no âmbito das relações de trabalho, em muitas ocupações e intervenções em sindicatos, cassações e punições de dirigentes sindicais e ativistas, como represálias aos movimentos trabalhistas."
  3. Note-se que a greve é um instrumento de autotutela de uso dos trabalhadores. A autotutela exercida pelo empregador, entendida como a sustação das atividades empresariais – lock out - é vedada pelo ordenamento jurídico (art. 17 da Lei n.º 7.783/89).
  4.  Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
  5. RODC - 680019-24.2000.5.15.5555; Data de Julgamento: 28/06/2001, Relator Ministro: Vantuil Abdala, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 10/08/2001.
  6. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
  7. Súmula Nº 189 do TST. GREVE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ABUSIVIDADE (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
  8. A Justiça do Trabalho é competente para declarar a abusividade, ou não, da greve.

  9. Art. 15. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.
  10. Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.

  11. Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.
  12. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação.

  13. Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.
  14. § 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

    § 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.

  15. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo 2023000-43.2005.5.02.0000; Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 19/10/2007.
  16. Art. 3º. Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.
  17. Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação.

  18. Art. 13. Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação.
  19. Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
  20. § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

  21. Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
  22. I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

    II - assistência médica e hospitalar;

    III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

    IV - funerários;

    V - transporte coletivo;

    VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

    VII - telecomunicações;

    VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

    IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

    X - controle de tráfego aéreo;

    XI compensação bancária.

    Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

    Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

    Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.

  23. Recurso de Revista n.º 503024-73.1998.5.17.5555; Data de Julgamento: 07/03/2001, Relator: Ministro João Oreste Dalazen, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 14/05/2001.
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Sobre o autor
Henrique da Silva Louro

Advogado no Rio de Janeiro. Ex-professor da Universidade Federal Fluminense . Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Veiga de Almeida - UVA. Pós-Graduando em Direito Empresarial com ênfase em regulação e negócios em Petróleo e Gás pela Fundação Getúlio Vargas - FGV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURO, Henrique Silva. Os efeitos jurídicos decorrentes da aprovação do "estado de greve". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2590, 4 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17053. Acesso em: 29 mar. 2024.

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