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Os paradigmas do Estado de Direito.

O Estado Liberal, o Estado Social (socialista) e o Estado Democrático de Direito

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11/09/2010 às 14:14
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1. PARADIGMAS E PARADIGMAS JURÍDICOS NA PÓS-MODERNIDADE

Para compreender o real sentido de um paradigma e a forma pela qual ele foi introduzido na discussão epistemológica contemporânea, mister se faz uma análise, mesmo que breve, da concepção de paradigma construída por Thomas Kuhn [01].

No seu uso estabelecido, um paradigma, segundo Kuhn, é um modelo ou padrão aceito, que, na dimensão científica, raramente é suscetível de reprodução, porque, assim como decisões judiciais, o paradigma "é um objeto a ser mais bem articulado e precisado em condições novas ou mais rigorosas" [02]. Entende-se, portanto, que a cada mudança de paradigma, há uma implicação necessária de que o passado seja re-trabalhado de forma a permitir que o novo paradigma seja visto como um implemento do anterior.

A noção de paradigma, segundo Menelick de Carvalho Netto, apresenta um duplo aspecto, haja vista que, por um lado, possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo de rupturas e/ou, que se verifica mediante rupturas, por meio "da tematização e explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões-de-mundo", consubstanciados no background das práticas sociais, "que a um só tempo tornam possível a linguagem, a comunicação, e limitam ou condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo". Por outro lado, observa-se que "também padece de óbvias simplificações, que só são válidas na medida em que permitem que se apresente essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determinados" [03].

Conceitualmente, um paradigma pode ser entendido como "consenso científico enraizado quanto às teorias, modelos e métodos de compreensão do mundo" [04], ou, como o define Kuhn, eles são "realizações cientificas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência". [05]

Transportando a concepção de paradigma para o campo das ciências sociais e desse, para o campo do direito, J. Habermas [06], citado por Marcelo Cattoni, entende que paradigmas de direito são "as visões exemplares de uma comunidade jurídica que considera como o mesmo sistema de direitos e princípios constitucionais podem ser realizados no contexto percebido de uma dada sociedade". Com efeito, "um paradigma de direito delineia um modelo de sociedade contemporânea para explicar como direitos e princípios constitucionais devem ser concebidos e implementados para que cumpram naquele dado contexto as funções normativamente a eles atribuídas". [07]

Com efeito, a razão de no presente estudo apresentarmos e contrapormos os paradigmas dos Estados Liberal e Social de Direito – mostrando a insuficiência de cada um e a releitura proposta a cada ruptura –, decorre da necessidade de se tomar por base as formações anteriores (modelos paradigmáticos de estados constitucionais) para melhor compreender o novo paradigma exsurgente, ou seja, o do Estado democrático de direito, que no Brasil, foi inaugurado (positivado) e suposto pela Constituição da República de 1988.


2. O PARADIGMA DO ESTADO LIBERAL DE DIREITO

O Estado Liberal de Direito, que teve algumas de suas bases teóricas lançadas por Locke [08] e Monstequieu [09] caracterizou-se pela difusão da idéia de direitos fundamentais, da separação de poderes, bem como, do império das leis, próprias dos movimentos constitucionalistas que impulsionaram o mundo ocidental a partir da Magna Charta Libertatum de 1215.

Nesse paradigma – o do Estado Liberal –, há uma divisão bem evidente entre o que é público, ligado às coisas do Estado (direitos à comunidade estatal: cidadania, segurança jurídica, representação política etc.) e o privado, mormente, a vida, a liberdade, a individualidade familiar, a propriedade, o mercado (trabalho e emprego capital) etc. Essa separação dicotômica (público/privado) era garantida por intermédio do Estado, que lançando mão do império das leis, garantia a certeza das relações sociais por meio do exercício estrito da legalidade.

Com a definição precisa do espaço privado e do espaço público, o indivíduo guiado pelo ideal da liberdade busca no espaço público a possibilidade de materializar as conquistas implementadas no âmbito do Estado que assumiu a feição de não interventor.

Nesse diapasão, sob a égide do paradigma liberal, compete ao Estado, por meio do direito posto, "garantir a certeza nas relações sociais, através da compatibilização dos interesses privados de cada um com o interesse de todos, mas deixar a felicidade ou a busca da felicidade nas mãos de cada indivíduo" [10], rompendo-se, via de conseqüência, com a anterior concepção de Estado (pré-moderno [11]), no qual, até a felicidade dos indivíduos era uma atribuição estatal.

O direito passa a ser considerado um ordenamento constitucional/legal, deixando para trás aquela idéia de que ele era uma coisa devida transcendentalmente com base na imutável hierarquia social oligarca.

Exsurgem idéias como o exercício das liberdades individuais, de se poder fazer tudo que não for proibido em lei. Em contraposição à liberdade dos antigos, encarada como participação nas decisões políticas (liberdade de ser), abrolha-se a liberdade dos modernos, vista como autonomia da conduta individual (liberdade de ter) [12].

Com efeito, a igualdade de todos diante da lei é consagrada. Formalmente, todos são iguais perante a lei, ou "são iguais no sentido de todos se apresentarem agora como proprietários, no mínimo, de si próprios, e, assim, formalmente, todos devem ser iguais perante a lei, porque proprietários, sujeitos de direito, devendo-se pôr fim aos odiosos privilégios de nascimento". [13]

A liberdade, que só se concebe em relação a outrem, passa a ser exercitada pela primeira vez na história pós-tribal. Ao menos em tese os indivíduos são proprietários, quando no mínimo, do próprio corpo.

Os indivíduos que outrora eram coisificados, agora contam com a elevação de sua dignidade pessoal à de sujeitos de direitos, mormente, com a realização de contratos de compra e venda de sua força de trabalho.

De um modo geral, são consagrados os direitos de primeira geração, ou seja, na esfera privada, o movimento reflete no reconhecimento do que à época convencionou chamar direitos naturais. Consagra-se a vida, a liberdade e a propriedade como valores máximos. Por outro lado, no âmbito da esfera pública, "convencionam-se direitos perante o Estado e direitos à comunidade estatal: status de membro (nacionalidade), igualdade perante a lei, certeza e segurança jurídicas, tutela jurisdicional, segurança pública, direitos políticos etc". [14]

O constitucionalismo moderno surge com o tema central da fundação e legitimação do poder político, assim como a constitucionalização das liberdades. A idéia, na idade moderna, é impor limites ao leviatã e garantir os direitos individuais.

Num primeiro momento, com a inversão da polaridade ocorrida com a ascensão da burguesia, constrói-se a idéia de liberdade do homem perante o Estado, com base na concepção burguesa de ordem política. Eram os ideais da liberdade burguesa contra os ideais do absolutismo, o indivíduo contra o Estado (privado versus público).

Uma vez detentora do controle político da sociedade, a burguesia não mais se interessa em manter como apanágio de todos os homens, a prática universal dos princípios filosóficos de sua revolta social. "Só de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicação política eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe". [15]

Em um outro momento, começa a detonação da primeira fase do constitucionalismo burguês, oportunidade em que as idéias avançam para uma participação total e indiscriminada do homem livre perante o Estado, na formação da própria vontade estatal. Essa idéia – democrática – se agita com ímpeto invencível, rumo ao sufrágio universal. [16]

Decaída a autoridade do ancien régime e rompida a ideologia do passado, o homem caminha firme rumo à democracia, prosseguindo com seus combates e determinando a mudança ocorrida, no sentido das Cartas Constitucionais, cada vez mais exigentes de conteúdos que se destinassem a fazer valer objetivamente o ideário burguês das liberdades concretas, dignificadoras da pessoa humana. [17]

O vitorioso Estado burguês de Direito eleva os direitos da liberdade ao cume da ordem política. Liberdade essa, indispensável à manutenção do poder político e que, só nominalmente, se estendiam às demais classes.

Conforme impende Bonavides, "disso não advinha para a burguesia dano algum, senão muita vantagem demagógica, dada a completa ausência de condições materiais que permitissem às massas transpor as restrições do sufrágio e, assim, concorrer ostensivamente, por via democrática, à formação da vontade estatal". Ademais, permitia aos burgueses falar ilusoriamente em nome de toda a sociedade, com os direitos da liberdade (fundamentais de primeira geração) que ela mesma proclamara, os quais se apresentavam, em seu conjunto, do ponto de vista teórico, "válidos para toda a comunidade humana, embora, na realidade, tivesse bom número deles vigência tão-somente parcial, e em proveito da classe que efetivamente os podia fruir" [18].

A separação de poderes ganhou maior projeção como garantia contra o abuso do poder estatal, técnica fundamental de proteção dos direitos da liberdade, em razão do exercício fracionado e simultâneo das funções administrativas, legislativas e judiciais.

Além dos direitos da liberdade (fundamentais) e da separação de poderes, erige-se o ideal do law’s empire. Com observância estrita ao direito posto, garantiu-se ao indivíduo, além de outras prerrogativas, a segurança jurídica.

A Constituição passa ser concebida como uma ordenação normativo-sistemática da comunidade política – o fundamento de validade do direito posto – organizada em razão do poder público (respeitando o comando principiológico da separação de poderes), modelada documentalmente e com vistas a garantir os direitos fundamentais dos indivíduos. Nessa esteira, J. J. Canotilho a define como uma "ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político". [19]

Aos olhos de um cidadão revolucionário, a Constituição transporta necessariamente dois momentos essenciais, quais sejam: o da ruptura (com a ordem histórico-natural em que se encontravam as coisas no antigo regime) e o Construtivista (por ter sido elaborada por um novo poder – o Poder Constituinte – que define os esquemas e projetos de uma nova ordem racionalmente construída) [20].

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Na perspectiva do paradigma do Estado liberal de direito, todo aparato de garantias das liberdades individuais conta com o alicerce constitucional.

A Constituição escrita passa a configurar, desde a Independência Americana e a Revolução Francesa, um pacto político que representa esquemática e fundamentalmente o Estado burguês de direito.

A Constituição é compreendida como instrumento de governo (instrument of goverment), "como estatuto jurídico-político fundamental da organização da sociedade política, do Estado", no qual o poder político encontra limites e o Estado se juridifica, legitimado pelo Direito e pela representação popular. De Estado de Direito erige-se à condição de Estado Constitucional. [21]

No sistema de check and balances implementado pelo Estado liberal de Direito, ao Poder Legislativo compete a supremacia, por ser ele o elaborador das leis – fontes por excelência do Direito.

Ao Poder Judiciário, por sua vez, cabe dirimir conflitos interparticulares ou, "conforme o modelo constitucional, entre esses e a Administração Pública, quando provocado, através dos procedimentos devidos, aplicando o direito material vigente de modo estrito" por intermédio de processos lógico-dedutivos de subsunção do fato à norma, "sob os ditames da igualdade formal, estando sempre vinculados ao sentido literal" [22], numa evidenciada posição subalterna perante o poder a que competia a produção normativa, pois o Poder Judiciário ficava limitado a uma atividade mecânica, ou seja, em ser apenas, no dizer de Montesquieu, la bouche de la loi. [23]

Por fim, ao Poder Executivo incumbe a tarefa de implementar o Direito, "garantindo a certeza e a segurança jurídicas e sociais, internas e externas, na paz e na guerra". [24]

Com efeito, a relação entre os três poderes pautou-se por um sistema de contenção, de freios e contrapesos (check and balances), no qual o poder limitava o poder, no exercício das faculdades de impedir. [25]

Resumindo, o paradigma do Estado liberal de direito importa na liberdade de todos, ou seja, todos devem ser livres, proprietários e iguais, num sistema alicerçado no império das leis, na separação de poderes e no enunciado dos direitos e garantias individuais. O direito, nesse paradigma é visto como um sistema normativo no qual as regras, gerais e abstratas, são válidas universalmente para todos os membros da sociedade, e tão-somente a ele, incumbe a tarefa de pautar a atuação do leviatã.


3. O PARADIGMA DO ESTADO SOCIAL DE DIREITO

A vivência das idéias abstratas que conformavam o paradigma do Estado liberal de direito, mormente, o exercício das liberdades e igualdades formais, bem como, a propriedade privada, culminou por fundamentar idéias e práticas sociais no período que ficou caracterizado na história como de maior exploração do homem pelo homem.

Se de um lado o homem alcançou o ideal de liberdade em face do Estado, mormente com a implementação de um documento formal que lhe garantia formalmente uma gama de direitos (de 1ª geração), por outro, essa garantia reduzia-se ao campo meramente formal, pois, no paradigma constitucional do Estado liberal de direito, a condição humana não melhorou muito em relação à noção pré-moderna, haja vista que a alteração aconteceu apenas no âmbito do senhor em quase nada alterando a condição do escravo.

A ordem liberal é posta em xeque com o surgimento de idéias socialistas, comunistas e anarquistas, que a um só tempo, "animam os movimentos coletivos de massa cada vez mais significativos e neles reforça com a luta pelos direitos coletivos e sociais". [26]

Nesse momento da história do liberalismo, seu movimento e sistemas sofreram "diversas transformações à medida que conectaram com outros movimentos ou reformaram seu quadro institucional para se ajustar a novas exigências sociais" [27].

Com o desenvolvimento do movimento democrático e o surgimento de um capitalismo monopolista, o aumento das demandas sociais e políticas, além da Primeira Guerra Mundial, abrolha-se a crise da sociedade liberal, possibilitando o surgimento de uma nova fase do constitucionalismo – agora social – com alicerce na Constituição da República de Weimar, e em razão disso, inaugura-se o paradigma constitucional do Estado social de direito.

Esse novo paradigma que exsurge, o do Estado social, implica a materialização dos direitos anteriormente formais. Não se trata de acrescer uma gama de direitos de 2ª geração (direitos coletivos e sociais) aos de 1ª geração (direitos individuais) [28], que já existiam no paradigma do Estado liberal, pois o novo traz em seu bojo a necessidade de se realizar uma releitura historizada dos primeiros direitos chamados fundamentais, que os adapte à novel demanda social.

Dessa forma, a liberdade do Estado liberal não pode mais ser considerada como desdobramento da legalidade estrita, na qual o indivíduo podia fazer tudo o que não fosse proibido por lei, "mas agora pressupõe precisamente toda uma plêiade de leis sociais e coletivas que possibilitem, no mínimo, o reconhecimento das diferenças materiais e o tratamento privilegiado do lado social ou economicamente mais fraco da relação" [29], de modo a satisfazer um mínimo material de igualdade. Em outras palavras, a nova pauta inaugurada pelo paradigma do Estado social implica a "internalização na legislação de uma igualdade não mais apenas formal, mas tendencialmente material". Na verdade, com a ruptura do paradigma do Estado liberal, ocorre uma redefinição dos clássicos direitos de 1ª geração, ou, como diz Habermas, uma materialização do direito. [30]

Em razão da complexificação da sociedade, resultante no modelo paradigmático social ou de bem-estar-social, no qual o direito é materializado, o Estado vivencia um momento de ampliação extraordinária na sua seara de atuação, mormente pela necessidade de abranger tarefas vinculadas aos novos fins econômicos e sociais que lhes são atribuídos, e, via de conseqüência, reduzir a distância entre a realidade do senhor e do escravo à luz de uma igualdade material.

Nesse novo paradigma, o antigo cidadão-proprietário do Estado liberal é encarado como o cliente de uma Administração Pública garantidora de bens e serviços.

A releitura do paradigma anterior não ocorre tão-somente no âmbito dos direitos individuais, pois o princípio da separação de poderes (outro pilar do modelo liberal) também é reinterpretado.

Com efeito, ao Poder Executivo são atribuídos novos mecanismos jurídicos e legislativos "de intervenção direta e imediata na economia e na sociedade civil, em nome do interesse coletivo, público, social ou nacional". [31] Ao Poder Legislativo, por sua vez, além de sua atividade típica, compete o exercício de funções de controle, ou seja, "fiscalização e apreciação da atividade da Administração Pública e da atuação econômica do Estado". [32] Por outro lado, o "direito passa a ser interpretado como sistema de regras e de princípios otimizáveis, consubstanciadores de valores fundamentais (ordem material de valores, como entendeu a Corte Constitucional Federal alemã), bem como de programas e fins, realizáveis no limite do possível". [33]

Diferente do que ocorria no paradigma anterior, na idade do Estado social o Poder Judiciário não se limita a ser a bouche de la loi, realizando, tão-somente, uma tarefa mecânica de aplicação da lei subsumida automaticamente ao fato.

Agora, exige-se que o juiz seja la bouche du droit, pois a hermenêutica jurídica estabelece métodos mais sofisticados como a análise teleológica, a sistêmica e a histórica, "capazes de emancipar o sentido da lei da vontade subjetiva do legislador na direção da vontade objetiva da própria lei, profundamente inserida nas diretrizes de materialização do direito que mesma prefigura, mergulhada na dinâmica das necessidades dos programas e tarefas sociais". [34]

Do Poder Judiciário exige-se uma aplicação construtiva do direito material vigente de modo a alcançar seus fins últimos na perspectiva do ordenamento jurídico positivo. No paradigma do Estado social, cabe ao juiz, no exercício da função jurisdicional, "uma tarefa densificadora e concretizadora do direito, a fim de se garantir, sob o princípio da igualdade materializada, a Justiça no caso concreto". [35]

3.1. A distinção entre Estado Social e Estado Socialista

O Estado social, na verdade, representa uma transformação efetiva da superestrutura do Estado liberal.

Quando coagido pela pressão das massas confere os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços etc., em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, o Estado pode ser chamado de social. [36]

Não obstante, ele conserva a adesão anteriormente existente à ordem capitalista, princípio ao qual não abdica, pois, no ocidente, o poder político repousa na estrutura econômica do capitalismo.

Por outro lado, no oriente socialista, a base estatal se transforma, "e é essa modificação que justifica o corte dicotômico entre o sistema político marxista e o sistema político ocidental". [37]

Primeiro os socialistas utópicos (Owen, Saint-Simon, Fourier etc.), depois, Marx e Engels, desenvolveram uma profunda revisão crítica da base do Estado liberal, bem como, do social, que repousavam na estrutura capitalista. Esses teóricos socialistas denunciavam o caráter formal e individualista dos direitos e propunham novas bases com uma metódica voltada para o proletariado.

A própria liberdade política, a liberdade individualista da Declaração de Direitos do Homem não encontrou perdão por parte dessa nova doutrina. A pura liberdade de direito, proteção metafísica e morta, que deixava o fraco à mercê dos fortes, exatamente como a igualdade de direito, não servia aos teóricos do Estado socialista. Dessa forma, a liberdade e a igualdade formais foram completamente repensadas, "não mais no plano enganador da pura política, mas no plano social, para dar-lhes enfim um conteúdo real". [38]

Com efeito, apresentando um plus ao Estado social e mostrando-se no pólo oposto ao modelo liberal/burguês, o arquétipo socialista se caracteriza na medida em que o Estado produtor remove o Estado de base capitalista, ampliando-lhe a esfera de ação, alargando o número das empresas sob seu poder e controle, suprimindo ou estorvando a iniciativa privada, colocando em xeque o modelo econômico estatal iniciado com o paradigma do Estado liberal de direito [39].

O Estado socialista, aproveitando a estrutura do modelo social, vai além na sua constituição, e, passando a negar os valores capitalistas – aceitos pelo modelo social –, culmina por promover ampla ruptura com o modelo de Estado liberal, postando-se, após amplo intervalo, lado oposto ao modelo criado a partir dos movimentos liberais burgueses.

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Sobre o autor
Ralph Batista de Maulaz

Professor de Direito Constitucional na Universidade de Itaúna. Mestre e Doutorando em Direito. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAULAZ, Ralph Batista. Os paradigmas do Estado de Direito.: O Estado Liberal, o Estado Social (socialista) e o Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2628, 11 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17368. Acesso em: 19 abr. 2024.

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