RESUMO
Este trabalho trata do tema do princípio da não discriminação nas relações de trabalho, integrado no primeiro pilar estratégico da noção de Trabalho Decente instituída pela Organização Internacional do Trabalho.
Palavras-chaves: Discriminação. Trabalho Decente.
1. INTRODUÇÃO
O tema deste artigo está inserto no ramo do Direito do Trabalho, precisamente no estudo do princípio da não discriminação nas relações de trabalho, integrado no primeiro pilar estratégico da noção de Trabalho Decente instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Já tendo escrito sobre o conceito de Trabalho Decente [01], este arrazoado tem como finalidade divulgar e ampliar, no âmbito acadêmico-jurídico, as discussões deste tema através de seu enfoque no combate à discriminação nas relações de trabalho.
Dessa forma, tratar-se-á especificamente sobre o princípio da não discriminação das relações de trabalho. Serão identificados o conceito do princípio, assim como o conceito de discriminação em si, além de apontadas algumas das normas internacionais e nacionais que resultam da sua aplicação. Em seguida, serão elencados os principais projetos e programas desenvolvidos pela OIT com relação ao tema da discriminação no mundo do trabalho, e expostas as conclusões e referências bibliográficas.
2. TRABALHO DECENTE E NÃO DISCRIMINAÇÃO
O conceito de Trabalho Decente foi introduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1999, e visa a traduzir o objetivo de garantia a todas as pessoas oportunidades de emprego produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.
A noção de trabalho decente se apóia em quatro pilares estratégicos: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; d) diálogo social.
O princípio da não discriminação nas relações de trabalho está inserido exatamente no primeiro pilar, consistindo, por isso, numa das formas de atingimento do conceito de Trabalho Decente.
3. PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
Enquanto aspecto fundamental para o desenvolvimento do Trabalho Decente, a eliminação da discriminação no trabalho está intimamente ligada à garantia do direito fundamental da dignidade da pessoa humana e à promoção do desenvolvimento humano. Isso porque, quando o local de trabalho reúne trabalhadores de diferentes raças, sexos e idades, por exemplo, e os trata com igualdade, ele ajuda a construir um sentimento de objetivo comum. Fazendo isso, ele desarma os estereótipos e os preconceitos que se encontram no cerne da discriminação. Combatendo a discriminação no local de trabalho também pode ajudar a reduzir desvantagens tais como em educação, resultantes da discriminação que as pessoas sofreram em fases anteriores da vida.
De início, importa tecer breves considerações acerca do termo ‘discriminar’.
Discriminar significa distinguir, estabelecer diferenças. Assim, não é, essencialmente, algo pejorativo. Aliás, juridicamente, tem-se como característica funcional das leis justamente a de discriminar situações para submetê-las à regência de tais ou quais regras (MELLO, 2002, p.11). Portanto, as discriminações são inerentes ao próprio ordenamento jurídico. Saliente-se mais, o fato de não ser possível a existência de qualquer tipo de sistema normativo – quer jurídico, ético, religioso, etc. -, sem conteúdo discriminatório, porquanto é impossível tratar sobre condutas e valorá-las, sem distingui-las das demais.
No entanto, em seu sentido comum, a palavra ‘discriminação’ possui um teor depreciativo, daquilo que seja conflitante com a isonomia, um dos princípios constitucionais, previsto no art.5º, da Constituição Federal do Brasil de 1988, pelo qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Tem-se que o princípio da igualdade liga-se à repulsa do ordenamento jurídico a discriminações injustificadas – aquelas em que não há correla entre o critério tomado como discrimen e o tratamento diferenciado dispensado – e desconformes com os ditames constitucionais (MELLO, 2002, p.21-22).
Outrossim, não é possível dissociar o princípio da igualdade do conceito aristotélico de justiça, pelo qual devem ser tratados igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Está ligado, ainda, - e deste é corolário -, ao princípio maior do ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que é ofensiva à dignidade humana qualquer prática distintiva desarrazoada e conflitante com os valores constitucionalmente defendidos.
Correlato ao princípio da isonomia, ou visto sob outro ângulo, está o princípio da não discriminação nas relações de trabalho, um dos pilares estratégicos do conceito de Trabalho Decente, como anteriormente exposto, em razão do qual há todo um arcabouço jurídico criado com vistas proteger o trabalhador de óbices a seu acesso e permanência na relação jurídica laboral em virtude de quaisquer tipos de práticas discriminatórias juridicamente intoleráveis, porque conflitantes com o princípio da isonomia.
Discriminação é, assim, no seu sentido comum e ora pretendido, o ato de tratar as pessoas de forma diferenciada e menos favorável a partir de determinadas características pessoais, tais como, entre outras, o sexo, a raça, a cor, a origem étnica, a classe social, a religião, as opiniões políticas, a ascendência nacional, que não estão relacionadas com os méritos e nem com as qualificações necessárias ao exercício do trabalho.
Entre os atos de discriminação no trabalho está a interferência de critérios subjetivos de admissão e/ou promoção, o que resulta em privilégios para os grupos dominantes ou hegemônicos. É, portanto, uma ação que provoca benefícios e malefícios decorrentes de uma escolha baseada no preconceito e nos estereótipos.
No mercado de trabalho, especialmente os negros e mulheres são discriminados em função de estereótipos preconceituosos, mesmo quando há outros elementos de distinção entre as pessoas, tais como competência, experiência e qualificação.
A discriminação no trabalho não é conseqüência apenas de atos individuais e/ou esporádicos de um empregador ou de um trabalhador, mas também e principalmente resulta de procedimentos e práticas arraigadas nas instituições, que operam dentro e fora do mercado de trabalho, que reproduzem e reforçam, muitas vezes de forma sutil mas poderosa, a discriminação. É a chamada discriminação institucional.
Daí a necessidade de combater a discriminação tanto em nível individual como no nível das instituições, como empresas, instituições de formação profissional, organizações de empregadores e trabalhadores etc.
O princípio da não discriminação visa, exatamente, a afastar todas essas práticas negativas no âmbito das relações de trabalho.
4. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
No Direito Brasileiro, reflexos do princípio da não discriminação no trabalho estão insculpidos na Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
No art.3º, inciso IV, da CF/1988, um dos objetivos fundamentais da República Brasileira é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Também consta a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor ou estado civil (art.7º, XXX, CF/1988); ou de diferenças de critérios de admissão e de salário em razão de deficiência física (art.7º XXXI, CF/1988); e, bem assim, que se distinga, na aplicação das normas gerais entre os respectivos profissionais (art.7º, XXXII, CF/1988) (SUSSEKIND, 2003, p.43).
No nível infraconstitucional, existem também normas que traduzem a aplicação do princípio da não discriminação.
Especial relevo tem a Lei nº 9.029/1995, que probie a exigência de atestado de gravidez, esterelização e outras práticas discriminatorias para admissão ou permanência no emprego e, em seu artigo 1º, prevê a proibição da adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, nesse último caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art.7º da Constituição Federal.
Também merecem destaque a Lei nº 7.716/1989, que define crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e a Lei º9.455/1997, a qual estabelece penas em razão de discriminação racial ou religiosa contra criança, gestante, deficiente e adolescente.
Ressalta-se, ademais, a Lei nº 9.799/1999, a qual modifica a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) nos seus artigos 373 (proíbe referência ao sexo nos anúncios de emprego e proíbe realizar revistas íntimas nas empregadas) 391 e 400 (proteção à maternidade), 392 (condições de trabalho da mulher grávida).
5. NORMAS INTERNACIONAIS RELATIVAS AO PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
No plano do Direito Internacional do Trabalho, destacam-se algumas convenções da OIT e da Organização das Nações Unidas (ONU) acerca do princípio da não discriminação nas relações de trabalho em suas diversas formas.
A convenção OIT nº 111 define a discriinação como qualquer distinção, exclusão, ou preferência baseada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social (entre outras características), que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.
Ressaltem-se, ainda, as seguintes convenções da OIT: a) Convenção nº 97/1949, que, em seu art.6º explicita que não deve existir, entre nacionais e imigrantes, distinção de tratamento unicamente em razão de nacionalidade, raça, sexo ou religião; b) Convenção nº 100/1951, que trata do princípio da não discriminação de remuneração da mão de obra, por um trabalho de igual valor, unicamente em razão do sexo; c) A Convenção nº117/1962, que, em sua quinta parte, dispõe sobr a não discriminação em matéria de raça, cor, sexo, crença, associação tribal ou filiação sindical, observando que a supressão da discriminação entre os trabalhadores é um dos fins da política social dos Membros associados à OIT; d) A Convenção nº 122/1964, que no seu art.I, 2, c, dispõe sobre o direito de livre escolha de emprego pelo trabalhador qualquer que seja sua raça, cor, sexo, religição, opinião política, ascendência nacional ou origem social; e) Convenção nº 142/1975, que prevê, em seu art.1º, 5, que as políticas de Recursos Humanos devem encorajar e habilitar todas as pessoas, em bases iguais e sem qualquer tipo de discriminação, a desenvolver e utilizar suas capacidades para o trabalho em seus melhores interesses e da sociedade; f) Convenção nº 169/1989, contra a discriminação sobre povos indígenas e tribais e, g) Convenção nº 159/1983, contra a discriminação de pessoas com deficiência, tratando especificamente sobre reabilitação profissional e emprego. Além disso, a OIT produziu e aprovou um Repertório de Recomendações Práticas sobre Portadores de Deficiência no Mundo do Trabalho, orientado a promover princípios de igualdade de acesso de pessoas com deficiência a trabalho remunerado. Em 2001, produziu, ainda, o Repertório de Recomendações Práticas sobre HIV-AIDS no Mundo do Trabalho.
Ainda no âmbito da OIT, registra-se a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho adotada pela Conferência Internacional do Trabalho (CIT) em 1998. Esta Declaração reafirma o princípio constitucional de eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, confirmando desse modo a determinação universal de eliminar a discriminação no mundo do trabalho através de promoção de igualdade de tratamento e oportunidades. Ressalta que todos os Estados membros da OIT, ainda que não tenham ratificado Convenções fundamentais, têm o compromisso de respeitar os princípios relativos aos direitos fundamentais nela contidos.
Importante destacar-se a ratificação quase universal dos dois instrumentos principais da OIT na área da promoção da igualdade no local de trabalho, a Convenção sobre Igualdade de Remuneração (N.º 100), de 1951, e a Convenção sobre Discriminação (Emprego e Ocupação) (N.º 111), de 1958. Apenas seis Estados-Membros ainda não ratificaram estas Convenções.
Dentre as convenções da ONU sobre políticas de não discriminação, ressaltem-se, a título de exemplo, a Convenção de 1966, que versa sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial e a Convenção de 1979, a qual trata acerca da eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.
6. PRINCIPAIS PROJETOS E PROGRAMAS DESENVOLVIDOS PELA OIT COM RELAÇÃO AO TEMA DA DISCRIMINAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO
• Pojeto Políticas de Emprego e Igualdade de Oportunidades de Gênero e Raça/Etnia nos Países do Mercosul e Chile – em andamento;
• Projeto Combate ao Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual comercial e
trabalho forçado no Brasil – em andamento;
• Programa da OIT sobre o HIV/Aids e o Mundo do Trabalho (ILO/Aids) – em andamento;
• Projeto Desenvolvimento de Ações na Qualificação Social e Profissional para a Promoção da Inclusão Social dos Trabalhadores – realizado no período 2003/2007;
• Programa de Fortalecimento Institucional para a Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE) – realizado no período 2003/ 2006;
• Projeto Desenvolvimento de uma Política Nacional para Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação e Promoção da Igualdade Racial no Brasil – realizado no período de 2003/2006;
• Projeto Negociação Coletiva e Equidade de Gênero – realizado no período 2000/ 2003;
• Projeto Eliminando as Piores Formas de Trabalho Infantil no Brasil, em andamento;
• Projeto de Ações Integradas Referenciais para o Enfrentamento do Tráfico de Meninas e Meninos para Fins de Exploração Comercial Sexual, em andamento e
• Projeto Fortalecimento da Prevenção do Tráfico de Crianças, Adolescentes e Mulheres para Exploração Sexual, realizado no período 2004/2006.
7. CONCLUSÃO
A despeito de todo o arcabouço normativo e preocupações nacionais e internacionais em torno do tema Trabalho Decente e seu especial aspecto voltado à não discriminação nas relações de trabalho, é notório que muito ainda há que se construir, debater e colocar em prática para a sua expansão no Brasil e no mundo.
O objetivo é colocar na pauta de discussões que, para reduzir a pobreza e construir sociedades mais equitativas, não é suficiente apenas gerar postos de trabalho, mas sim que esses postos de trabalho sejam produtivos, adequadamente remunerados, exercidos em condições de liberdade, equidade, segurança e sejam capazes de garantir uma vida digna.
Nesse sentido, o tema da obrigação da eliminação da discriminação no trabalho é responsabilidade de todos: do Estado, na obrigação de banir as práticas discrimatórias e estabelecer leis sólidas, insitituições e políticas que promovam a igualdade de oportunidades no trabalho; e das organizações de empregadores e trabalhadores, individualmente ou unidas, com a obrigação de identificar e combater práticas discriminatórias no local de trabalho.
É assim que toda a discussão em torno de Trabalho Decente e políticas de não discriminação no mundo do trabalho tem relação direta com metas gerais de redução da pobreza, impulso ao desenvolvimento humano e à igualdade de gênero e raça. Diz respeito, enfim, à garantia da dignidade da pessoa humana. Daí a importância e urgência da busca incessante por sua urgente e efetiva implementação.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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__________________. Direito Internacional do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, 1987.
Nota
1 Trabalho Decente Segundo Estudos da Organização Internacional do Trabalho, pendente de publicação.