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Violência doméstica e natureza jurídica das medidas protetivas de urgência

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14/10/2010 às 07:58

Resumo:


  • As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) são de natureza jurídica cível e configuram tutela inibitória, visando proteger a integridade física ou psíquica da mulher em situação de violência doméstica.

  • O procedimento aplicável às medidas protetivas segue o Código de Processo Civil, com a decisão cabendo agravo de instrumento e, se necessário, julgamento mediante sentença, sendo o recurso a apelação dirigida à turma cível.

  • A prisão preventiva como garantia da execução das medidas protetivas é considerada inconstitucional, pois representa uma forma de prisão civil, incompatível com o sistema de garantias individuais da Constituição Federal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 ostentam natureza jurídica de tutela inibitória cível, devendo ser adotado o procedimento ordinário do Código de Processo Civil.

1. Introdução

A previsão de medidas protetivas de urgência na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, é apontada como um dos maiores avanços no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.

Afastamento do agressor do lar, proibição de contato e aproximação com a vítima, suspensão de visitas aos dependentes e prestação de alimentos provisionais são exemplos das disposições trazidas nos artigos 22, 23 e 24 da referida lei.

Quando bem contextualizadas, as medidas de proteção traduzem providência de utilidade insubstituível, na medida em que garantem o amparo da mulher, presumidamente hipossuficiente, em equilíbrio com direitos essenciais do apontado agressor, em especial a liberdade.

A despeito de sua importância, desde a promulgação da chamada Lei Maria da Penha, pouco se debateu acerca da natureza jurídica das medidas protetivas de urgência por ela disponibilizadas.

Entretanto, a determinação da natureza jurídica de um instituto, mais do que mero exercício teórico de categorização, implica opção por padrões de procedimentos pré-definidos, cuja repercussão prática justifica e demanda a perquirição.

A incompreensível lacuna doutrinária tem gerado decisões judiciais de múltiplos e incompatíveis sentidos, inexistindo uniformização sequer entre julgados de um mesmo tribunal.

Por conseguinte, restam indefinidas questões como a duração das medidas de proteção, a perda de eficácia pelo não ajuizamento de ação principal, o recurso cabível contra a decisão que aprecia sua aplicação, a competência para conhecimento do recurso e as conseqüências do descumprimento da ordem.

Nesse sentido, as protetivas seriam medidas de caráter cautelar, demandando ajuizamento de processo principal? O processo principal seria cível ou criminal? O não ajuizamento do principal implicaria cessação da eficácia da ordem cautelar? Ou estas guardariam caráter satisfativo, dispensando qualquer outro instrumento? Qual o procedimento a ser seguido? Contra a decisão que aprecia o pedido, seria cabível o agravo de instrumento, o recurso em sentido estrito, a apelação ou o habeas corpus? Qual a turma competente para conhecimento do recurso ou da ação autônoma, a cível ou a criminal? A prisão preventiva seria instrumento idôneo para garantia de sua execução?

Essas e tantas outras questões podem ser respondidas somente quando se pressupõe a natureza jurídica da medida protetiva, o que se passa a analisar.


2. Posicionamento doutrinário

De modo geral, a doutrina, mesmo sem se deter especificamente no tema da natureza jurídica, trata a protetiva como medida cautelar, atribuindo a algumas delas caráter cível e a outras caráter penal.

Representativas desse posicionamento majoritário são as explanações de Maria Berenice Dias:

"Encaminhado pela autoridade policial pedido de concessão de medida protetiva de urgência – quer de natureza criminal, quer de caráter cível ou familiar – o expediente é autuado como medida protetiva de urgência, ou expressão similar que permita identificar a sua origem. (...) Não se está diante de processo crime e o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária (art. 13). Ainda que o pedido tenha sido formulado perante a autoridade policial, devem ser minimamente atendidos os pressupostos das medidas cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas ‘inaudita altera pars’ ou após audiência de justificação e não prescindem da prova do ‘fumus boni juris’ e ‘periculum in mora"1.

Igualmente, Denílson Feitoza:

"Assim, firmamos um primeiro ponto: há procedimentos cíveis e criminais separados, conduzidos por juízes com competência cumulativa, cível e criminal, quanto à matéria violência doméstica e familiar contra a mulher. As medidas protetivas, por sua vez, são, conforme o caso, medidas cautelares preparatórias, preventivas ou incidentes, como constatamos por suas características e por interpretação sistemática com outras leis. A mudança de denominação ("protetivas") não lhes retirou seu caráter. Por outro lado, há várias medidas protetivas, na Lei 11.340/2006, que têm, de modo geral, caráter dúplice, podendo ser utilizadas como medidas cautelares cíveis ou criminais (...)"2.

Segundo o autor, ostentariam caráter penal as medidas do artigo 22, incisos I, II, III, alíneas "a", "b" e "c". Já as medidas do artigo 22, incisos IV e V, artigo 23, incisos III e IV, e artigo 24, incisos II, III e IV, teriam caráter cível. Ainda, guardariam caráter administrativo as disposições do artigo 23, incisos I e II, e artigo 24, inciso I.

Por fim, destaca-se igual entendimento de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinho, que, em capítulo denominado "cautelaridade", asseveram: "Como tal, devem preencher os dois pressupostos tradicionalmente apontados pela doutrina, para concessão das medida cautelares, consistentes no perciculum in mora (perigo da demora) e fumus bonis iuris (aparência do bom direito)". Adiante, complementam apontando a duplicidade de sua natureza: "Ocorre que várias dessas medidas possuem, inequivocamente, caráter civil"3.


3. Posicionamento jurisprudencial

A jurisprudência tem se mostrado vacilante. Com perplexidade, constatam-se posicionamentos diametralmente opostos dentro de um mesmo Tribunal de Justiça.

À míngua de deliberação do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, divergem as cortes acerca do recurso cabível e da turma competente para apreciá-lo.

Em louváveis, porém estranhas tentativas de apaziguamento da dissensão, chega-se a conhecer agravo de instrumento como recurso em sentido estrito4, admitir-se a fungibilidade entre apelação cível e criminal5, ou ainda conceder-se habeas corpus de ofício no bojo de agravo de instrumento6.

Ilustrativas da divergência, que se repete em igual gravidade em outras cortes brasileiras, destacam-se as seguintes decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

PROCESSUAL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA POR JUIZ CRIMINAL COM FUNDAMENTO NA LEI MARIA DA PENHA - COMPETÊNCIA DA TURMA CRIMINAL.1. O julgamento de recurso interposto contra decisão proferida em processo de medida cautelar submetida à jurisdição de Juizado Especial Criminal e de Violência Doméstica Familiar contra a Mulher, consubstanciada em medidas protetivas, é da competência de Turma Criminal. 2. Conflito julgado procedente, declarando-se competente a 2ª Turma Criminal. Unânime.

(20080020137058CCP, Relator ESTEVAM MAIA, Conselho Especial, julgado em 11/11/2008, DJ 28/01/2009 p. 47)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRELIMINAR: APELO INTERPOSTO COM APOIO NAS REGRAS DO PROCESSO CIVIL. ADMISSIBILIDADE, EM FACE DE ERRO JUSTIFICÁVEL CAUSADO PELO PRÓPRIO SENTENCIANTE. MÉRITO: CONCESSÃO DE MEDIDA PROTETIVA DE AFASTAMENTO DO LAR CONJUGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NÃO OBSERVÂNCIA. NULIDADE. 1.Apesar da natureza penal da decisão resistida, o recurso de apelo, interposto de acordo com as regras processuais civis, não pode ser considerado intempestivo se o próprio julgador que proferiu a sentença resolveu o feito com base no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, levando o apelante, portanto, a erro justificável (...) 3. Apelo conhecido e provido.

(20060111217028APR, Relator ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS, 2ª Turma Criminal, julgado em 02/04/2009, DJ 24/06/2009 p. 247)

AGRAVO DE INSTRUMENTO - NÃO CONHECIMENTO - HABEAS CORPUS - CONCESSÃO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE - LEI MARIA DA PENHA - MEDIDAS PROTETIVAS - MODULAÇÃO DE INTENSIDADE - ORDEM PARCIALMENTE MODIFICADA 1) - Não se conhece, em Turma Criminal, de agravo de instrumento, que é recurso cível, previsto no artigo 522 do CPC, sendo competente para dele conhecer Turma Criminal (sic), nos precisos termos do artigo 18, I, do Regimento Interno desta Casa. 2) - Possível conceder-se, de ofício, Habeas Corpus, nos exatos termos do §2º, do artigo 644, do CPP (...). 3) - Agravo de instrumento não conhecido. Habeas Corpus concedido de ofício, parcialmente.

(20100020000138AGI, Relator LUCIANO MOREIRA VASCONCELLOS, 1ª Turma Criminal, julgado em 18/02/2010, DJ 19/03/2010 p. 124)

PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INDEFERIMENTO DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE NATUREZA CÍVEL. RECURSO PRÓPRIO. NÃO CONHECIMENTO. 1. As medidas protetivas de natureza cível e o processo criminal são absolutamente independentes e desafiam deslinde específico, sendo que o indeferimento daquelas desafia recurso próprio na esfera cível, mais especificamente o de agravo de instrumento, tornando-se inadmissível o manejo de apelação criminal. Afasta-se a competência da Turma Criminal em favor da Turma Cível. 2. Remessa dos autos à uma das Turmas Cíveis, competente para conhecer da matéria questionada.

(20070810005359APR, Relator GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, julgado em 12/06/2008, DJ 09/07/2008 p. 95)

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - AMEAÇA - INDEFERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS - NATUREZA CÍVEL - INCOMPETÊNCIA DA TURMA CRIMINAL. I. As cautelas relacionadas no art. 22, incisos II e III, alíneas "a" e "b" da Lei 11.340/06 possuem natureza cível. O recurso interposto pelo indeferimento das medidas refoge à competência da Turma Criminal. II. Recurso não conhecido. Determinada a remessa a uma das Turmas Cíveis.

(20090210046414APR, Relator SANDRA DE SANTIS, 1ª Turma Criminal, julgado em 05/07/2010, DJ 29/07/2010 p. 265)


4. Crítica à ambivalência

Pressupondo-se que os julgadores encontram boa parte dos fundamentos de suas decisões na doutrina, de uma breve análise do apanhado de jurisprudência retro, observa-se que o atual posicionamento daquela tem gerado alarmantes divergências.

Tal resultado advém do tratamento ambivalente atribuído às medidas de urgência, oscilante entre regras de direito material e processual incompatíveis entre si.

Se por um lado a afirmação de que algumas protetivas ostentam caráter penal enquanto outras ostentam caráter cível procura sanar a omissão – se não a atecnia – legislativa, por outro fere a homogeneidade necessária à resolução segura de conflitos.

O cenário se torna caótico quando se verifica a inexistência de consenso entre os operadores sequer sobre quais seriam as medidas cíveis e quais seriam as criminais.

Por conseguinte, imagine-se, por exemplo, o deferimento, em uma mesma decisão, de duas medidas protetivas, sendo uma considerada cível e a outra penal. Desejando recorrer, o apontado autor do fato deveria, seguindo a orientação acima, manejar dois recursos, sendo um dirigido à turma cível e o outro à turma criminal, no que encontraria óbice no princípio da unirrecorribilidade.

Ainda no mesmo exemplo, caso desobedecidas as ordens, a execução forçada da medida cível seguiria o rito do cumprimento de obrigação de fazer do Código de Processo Civil, ao passo que a medida criminal poderia ser assegurada pela prisão preventiva.

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Parece pouco razoável admitir-se a ocorrência cotidiana de tais complicações.

Ainda que se vislumbrem traços de caráter cível e traços de caráter penal, a boa técnica, pautada nos princípios da igualdade, da celeridade e da segurança – e, por que não dizer, no bom senso – impõe que se atribua natureza jurídica única a todas as medidas protetivas, tendo como vértice as mais elementares definições do direito, como se verá a seguir.


5. Método de definição da natureza jurídica

O que determina a natureza jurídica de um instituto é sua relação com o objeto da disciplina paradigma.

Para a enunciação do caráter da medida protetiva de urgência, portanto, basta que essa seja confrontada com as definições de direito penal e direito civil.

Nesse sentido, sabe-se que o direito penal é o conjunto de normas editadas pelo Estado definindo crimes e contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança7.

Por sua vez, o processo penal deve conferir efetividade ao direito penal, fornecendo os meios para materializar a aplicação da pena ao caso concreto8.

Já o direito civil é o ramo que regula as relações entre os indivíduos nos seus conflitos de interesses9, ao passo que o processo civil consiste no sistema de princípios e normas aplicado à solução de conflitos em matéria não-penal 10.

Portanto, em linhas gerais, se um instituto diz respeito à definição de delitos ou, de algum modo, à aplicação de sanção em razão de seu cometimento, ostenta caráter penal. De outro lado, se limita-se a reger as relações entre particulares em conflito, ostenta caráter civil.

Isso posto, sabendo-se que as medidas protetivas nada mais são do que providências judiciais com vistas a garantir a integridade física ou psíquica da vítima em situação de violência doméstica em face do suposto agressor, a conclusão por sua natureza jurídica cível deflui naturalmente.


6. Crítica à natureza penal

Consoante acima exposto, doutrina e jurisprudência majoritárias apontam que muitas das medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha ostentam caráter penal.

Todavia, para tanto, deveriam dizer respeito à descrição de delitos ou à aplicação de sanção por seu cometimento, o que não ocorre em absoluto. Os artigos 22, 23 e 24 do referido diploma legal, ao mesmo tempo em que não definem crimes ou contravenções, tampouco estabelecem procedimentos de repercussão no processo penal, que, se houver, tramitará em autos apartados.

A finalidade da medida de proteção, como visto, é garantir a integridade da mulher vítima de violência pelo suposto agressor, em nítida disciplina de conflito de interesses.

É fato que, no mais das vezes, as medidas se fazem necessárias porque foi a mulher vítima de delito.

Tal situação, entretanto, não tem o condão de transmudar o caráter da ordem, sob pena de injustificada imiscuição das diferentes esferas, sendo inquestionável que um único fato possa gerar conseqüências em mais de um âmbito jurídico.

A mesma situação existe, por exemplo, com o possuidor esbulhado. Ora, ainda que a invasão de terreno ou edifício alheio constitua crime previsto no artigo 161, parágrafo 1º, inciso II, do Código Penal, a ordem de reintegração de posse obtida em ação possessória nem por isso ostenta caráter penal.

Poder-se-ia argumentar, ainda, que a natureza criminal seria sinalizada pela possibilidade de formulação do pedido por intermédio da autoridade policial, cuja atribuição se circunscreveria ao âmbito penal.

Todavia, o artigo 12, inciso III, da lei em comento, é expresso em determinar a autuação do expediente da medida protetiva em apartado ao inquérito ou ao termo circunstanciado. Uma vez remetido o pleito ao Judiciário, esgota-se a função do delegado de polícia.

Cuida-se, pois, de mecanismo de aceleração da postulação da protetiva, na medida em que permite à ofendida formular o pedido sem o trâmite necessário, e por vezes moroso, à obtenção de assistência de advogado ou ao contato com órgão do Ministério Público, tudo nos termos dos artigos 19 e 27 do mesmo diploma legal.

Ademais, a atribuição de natureza penal teria o condão de vincular a medida protetiva ao processo criminal, do que decorreriam consequências preocupantes.

Nesse sentido, uma vez retratada a representação nos crimes de ação penal condicionada, seja por desinteresse na punição do autor, seja para evitar-se o constrangimento da vitimização secundária advinda dos sucessivos atos processuais, a vítima ver-se-ia desprovida da proteção desejada.

De outro lado, não seria incomum a manutenção da representação apenas como forma de garantir-se a vigência das protetivas, em evidente desvio de finalidade do processo-crime.

Por tais razões, parece pouco razoável que se sustente o caráter criminal das medidas protetivas de urgência.


7. Natureza cível

Por regularem as relações entre vítima e agressor em conflito de interesses, ostentam as medidas protetivas de urgência natureza cível.

A conclusão se reforça pela análise do texto legal.

Em diversas passagens, a Lei 11.340/2006 se refere aos procedimentos de natureza cível. Assim, assumida a natureza penal das medidas, muitos dos dispositivos legais seriam completamente esvaziados.

Com efeito, o artigo 13 é expresso em determinar a aplicação do Código de Processo Civil aos processos cíveis decorrentes de violência doméstica.

Por sua vez, os artigos 14 e 33 mencionam a competência cível dos juizados especializados.

Já o artigo 15 define o juízo competente para apreciação das ações cíveis de igual origem, permitindo à vítima optar por sua distribuição no juizado de seu domicílio, do domicílio do agressor ou do local do fato em que se baseou a demanda. Note-se, nesse ponto, a diferença das regras de definição de competência estabelecidas no Código de Processo Penal, que, a princípio, determinam a apreciação do feito no lugar em que se consumar a infração.

Ainda, o artigo 25 ordena a intervenção do Ministério Público nas causas cíveis de igual origem, bem como o artigo 27 a assistência de advogado nesses atos processuais.

Ora, ostentando as protetivas caráter criminal, tais dispositivos perderiam aplicabilidade, não parecendo ser essa, por óbvio, a intenção do legislador.

Isso posto, cumpre analisar as consequências advindas da definição ora adotada.


8. Procedimento

O procedimento aplicável às medidas protetivas é o definido nos artigos 18 e 19 da Lei Maria da Penha, bem como, parece-nos, os relativos ao processo de conhecimento do Código de Processo Civil.

Assim, recebido o expediente, o juiz deve conhecê-lo e decidi-lo no prazo de 48 horas.

Verificada a verossimilhança das alegações e havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, deferirá o pleito em antecipação de tutela, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil.

Da decisão cabe agravo de instrumento, conforme artigo 522 do mesmo diploma legal.

O feito deve seguir trâmite regular, instaurando-se o contraditório e produzindo-se prova em audiência, se necessário.

Após, deve ser julgado mediante sentença proferida nos termos dos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil. Eventual recurso será a apelação, dirigida à turma cível do Tribunal de Justiça.

A ordem comporta execução – provisória ou definitiva – em caso de descumprimento. Para tanto, o artigo 22, § 4º, da lei em comento, estabelece como mecanismo de coerção o sistema de cumprimento de obrigações de fazer e não fazer previsto no artigo 461 do Código de Processo Civil. Com isso, possibilita a efetivação da tutela mediante imposição, por exemplo, de multa diária, providência, aliás, ainda sem previsão dentro da atual sistemática processual penal.

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Sobre a autora
Julia Maria Seixas Bechara

Defensora Pública do Distrito Federal. Titular da Procuradoria de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição Judiciária de Sâo Sebastião

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BECHARA, Julia Maria Seixas. Violência doméstica e natureza jurídica das medidas protetivas de urgência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2661, 14 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17614. Acesso em: 22 dez. 2024.

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