Capa da publicação Família e obrigação alimentar: conceitos históricos
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O conceito de família ao longo da história e a obrigação alimentar

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Resumo: No presente estudo, buscou-se analisar o fenômeno social que é a família, seu conceito e origens, fazendo para isto uma análise histórica que começou no Direito Antigo, passou pelo Direito Intermédio e chegou ao Direito Moderno e Contemporâneo. Analisou-se também este instituto à luz da realidade do Direito Brasileiro, onde algumas peculiaridades foram ressaltadas. Percebeu-se, com isto, o quanto seu caráter mudou ao longo dos anos, saindo de uma situação de informalidade, passando pelo fenômeno da secularização – no Brasil ligado à entrada em vigor do Decreto 181, de 1890 –, culminando com o reconhecimento legal da situação de fato que é a união estável no fim do século XX. Consistiu também numa análise a respeito do instituto dos alimentos. Neste sentido procurou-se apresentar uma noção geral destes, enfatizando a importância assumida no direito de família. Fez-se também uma exposição sobre suas origens, pressupostos, características e modalidades. Em relação à união estável, buscou-se delimitar o caminho percorrido por esta até que assumisse o status de integrante da ordem familiar, em substituição ao chamado concubinato puro. Notou-se assim, que, o afeto passou a ser a base desta relação familiar, outrora tratada como negócio jurídico. Viu-se ainda que, embora a união estável seja reconhecida como entidade familiar recebe tratamento legislativo diferente do casamento, por esta razão, os alimentos possuem pressupostos de ocorrência e características diversas daqueles provenientes da extinção do matrimônio, principalmente no que concerne à questão da culpa pelo rompimento da relação a dois. No trato dos alimentos na união estável se observou o quanto a Constituição de 1988 influenciou esta realidade. Influenciou ainda a elaboração da Lei n.º 8.971/94 e da Lei n.º 9.276/96. Além das supracitadas leis, fez-se por fim, algumas observações atinentes ao novo Código Civil, inclusive quanto aos princípios norteadores da relação alimentar, em muito alterada com a entrada em vigor deste.


INTRODUÇÃO

O tema a ser tratado neste trabalho é, sem dúvida, um campo fértil para a discussão doutrinária e jurisprudencial. Afinal, desde que o mundo existe, o viver em sociedade tem sido uma constante na história da humanidade. Sendo a família a principal célula deste órgão, o tema se torna ainda mais relevante, sobretudo no contexto de enfraquecimento da base sobre a qual a família, por séculos, se assentou: o casamento.

Face ao imperativo constitucional de que a família, e não mais o casamento, deve ser a base da sociedade, o legislador pátrio ofereceu proteção jurídica à uma realidade até então apenas de fato, a da convivência com o intuito de formar uma família entre homem e mulher. Assim, o tema passou a se assentar em duas leis federais, ambas versando especificamente sobre união estável, o que veio a atender ao preceituado no art. 226, § 3º da CF. No contexto destas leis encontra-se tratamento para a extinção, para os direitos decorrentes da sucessão e para os alimentos devidos entre os companheiros, o novo nome que se dá aos antes denominados concubinos. Além disto, temos ainda a Lei n. 10.406/02 que, entrando em vigor no ano de 2003, trouxe mais apontamentos para o tema, pois embora seja uma lei geral, versa também sobre a problemática da união estável.

No que concerne aos alimentos, enfoque do presente estudo, a discussão se agiganta em razão da pouca técnica do legislador brasileiro. A situação em questão permite, por exemplo, que diplomas distintos tratem da mesma matéria, exigindo do intérprete um trabalho exegético cada vez maior. Assim, qualquer interpretação que se dê para um instituto nos dias de hoje deve ser feita tendo em vista à finalidade da norma, no atual contexto constitucional, fundada na chamada função social.

Quanto aos alimentos decorrentes da situação de fato que é a união estável, um trabalho mais envolvente de observação deve ser desenvolvido, antes de mais nada, para definir qual lei rege a matéria.

A Lei n. 8.971/94, em síntese, afirma que os companheiros que conviverem por mais de cinco anos, desimpedidos para a contração de matrimônio, ou mesmo separados judicialmente, terão direito a alimentos, comprovada a sua necessidade, enquanto não constituírem nova união. Esta disposição deve ser entendida a luz da Lei n. 10.406 [01], pois, nesta, nem todos os impedimentos à contração de outro matrimônio são obstáculos à constituição da união estável. Assim as pessoas separadas de fato, embora não possam se casar, podem contrair união estável.

O lapso temporal de 5 anos, apontado na Lei n. 8.971, poderia ser sanado pela existência de filhos advindos da relação. Além disto, se os companheiros convivessem por mais de cinco anos e tivessem prole desta situação fática, emergiriam direitos sucessórios e o reconhecimento da sociedade de fato, no caso de morte de um deles.

A Lei n. 9.278 alarga o conceito trazido na primeira legislação no Brasil, cabendo ser destacada a abolição da imposição do lapso de tempo para a caracterização da união estável. A affectio maritalis, hoje denominada convivência more uxorio, passa a ser determinante para a configuração da situação em tela, independendo, portanto, do decurso do tempo. Outro ponto que merece destaque especial é o que elenca o art. 7º da lei em questão, onde se percebe a intenção do legislador de preservar o local da convivência entre os companheiros, instituindo assim o chamado direito real de habitação.

Em verdade, a primeira lei veio para disciplinar os alimentos, trazendo para a esfera jurídica do alimentando o direito subjetivo e a faculdade de se valer do disposto na Lei n. 5478/68, bem como de garantir direito sucessório. As questões atinentes à situação deixam de ser tratadas pelas Varas Cíveis, como se meros negócios jurídicos fossem, para serem tratadas pelas Varas de família. A segunda, por sua vez, veio para regulamentar o comando constitucional do § 3º do artigo 226.

As descrições a respeito do tema apontam quão essencial este é para o mundo jurídico, dada a concretude que assume numa sociedade onde as relações são cada vez mais de fato. Assim, o presente trabalho busca falar das várias facetas que possuiu e possui a família. Além disto, visa apontar como estas facetas influenciam em importante tema do direito de família, que é a questão alimentar.


1. CONCEITO DE FAMÍLIA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e como tal deve ser protegida, como se conclui do disposto na "Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969." [02]

No mesmo sentido, podemos citar outras convenções internacionais que reforçam o fato de ser a família pedra fundamental da sociedade, tais como a "Declaração Universal dos Direito Humanos" [03], o "Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos" [04], o "Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais" [05] e a "Convenção sobre os Direitos da Criança." [06]

Na posição de primeira e mais importante instituição organizada do mundo, uma vez que é base de todas as outras, a família deve ser considerada como principal unidade básica de desenvolvimento do ser humano.

Para todos os fins – e todas as possíveis interpretações –, é importante registrar que a família é um sistema muito complexo, passando por vários ciclos de desenvolvimento ao longo da história. Assim, transformou-se através dos tempos, acompanhando mudanças religiosas, econômicas e socioculturais.

Segundo Jacques Commaille [07], a família é a instituição jurídica e social resultante das justas núpcias, que dão origem à sociedade conjugal, da qual derivam três diferentes vínculos: o conjugal, o de parentesco e o de afinidade. Esse conceito certamente teve papel de destaque na história, mas cabe frisar que atualmente o casamento, enquanto único instituto a ensejar e a legitimar a família, perdeu importância.

Alargou-se, assim, o conceito de família, antes profundamente atrelado aos efeitos do casamento, considerado então a fonte geradora de suas normas básicas. O Estado deixa de interessar-se apenas pelo ato formal do casamento, preocupando-se, sobretudo, em resguardar o grupo familiar. Desta forma, a família não mais se baseia na concepção canônica de procriação e educação da prole, nem tampouco na concepção meramente legalista, mas na mútua assistência e satisfação sexual, o que permite que sejam vislumbradas novas possibilidades de entidade familiar, uma vez que o afeto passa a ser pressuposto de constituição dessas relações.

Essa mudança de entendimento pode ser compreendida à luz dos períodos históricos. A partir desta análise se constatam as transformações ocorridas no conceito de família, que hoje admite outras formas de constituição, dentre as quais a união estável.

1.1. NO DIREITO ANTIGO

Houve, ao longo da história, modelos diferenciados de família primitiva, sendo que a maior parte deles tinha como características essenciais a mútua proteção e a segurança. A constituição das famílias mantinha estreita ligação com a unidade de culto e com liames místicos. A formação da família era determinada pela necessidade de subsistência. Era essa necessidade de subsistência quem regulava as uniões e o número de filhos.

Na Grécia e na Roma antigas, predominavam as micro-religiões. A família tinha, portanto, seu próprio culto, sua justiça, seus costumes e tradições. O culto adotado era uma escolha do chefe da família, denominado pater [08]. Nãoera cabível, portanto, falar-se em "liberdade de culto" [09] tal como a conhecemos hoje, notando-se uma nítida sujeição dos membros do clã às determinações do pater.

O casamento romano tinha base nitidamente consensual, fundado num acordo, que se devia sempre renovar e permanecer, extinguindo-se quando esse acordo cessasse . O divórcio decorria, portanto, da natureza consensual do matrimônio e exigia igualmente o firme propósito de separação definitiva.

Não-obstante ter o casamento romano base nitidamente consensual, cabe frisar que seu caráter não foi absoluto, tanto que a união de patrícios e plebeus, através do casamento, era impedida. Assim, estes ligavam-se pela união de fato, onde havia coabitação sem a affectio maritalis. Sem esta característica de valoração da relação, não havia a possibilidade de se falar em casamento. Para os romanos, o que diferenciava o casamento da simples posse era a affectio maritalis. Assim, apesar de ter a afeição cunho subjetivo, face à imposição impeditiva de misturas de castas, esta possuía também caráter objetivo. Em razão de tal orientação, a conceituação de família passa a vincular-se à idéia da contração das núpcias justas.

Em Roma, o casamento era, por essência, monogâmico [10], definindo-se como a união entre o homem e a mulher com o fim de estabelecer uma comunhão de vida íntima e duradoura. No plano jurídico, era um estado de fato que não surgia, como o atual, da troca inicial de consentimentos, mas da permanência da união baseada na convivência e na intenção de ser marido e mulher. A colocação da mulher à disposição de seu marido era indispensável, sendo a entrada da mulher na casa de seu marido a melhor prova.

A evolução histórica apontou, todavia, no sentido de emergirem novos modos de formação da família, abrindo espaço ao concubinato.

No período clássico "o concubinato não gerava efeitos jurídicos, admitindo-se apenas doações à concubina e a legitimação dos filhos naturais no direito justinianeu." [11] Tais concessões feitas pelo direito romano, ainda que dissipadas com o tempo, fizeram com que o concubinato recebesse tratamento mais dignificante, não sendo mais vinculado à devassidão e à prostituição.

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No Baixo Império, torna-se verdadeiro "casamento inferior, embora lícito." [12] Já com os imperadores cristãos começa a receber o "reconhecimento jurídico." [13]

Em Roma, consistiu o concubinato na convivência more uxorio, não incestuosa nem adulterina, de um homem e uma mulher não unidos pelo vínculo do matrimônio. O concubinato romano era legalmente reconhecido, desde que as partes não fossem casadas e não tivessem outros concubinos.

Nos primeiros séculos do cristianismo – os últimos do império romano do ocidente –, o direito canônico começa a se fortalecer, influenciando assim o direito de família. Ainda assim, aponta Marco Aurélio Viana [14] que o direito canônico dos primeiros tempos não desconhecia totalmente o concubinato como instituição legal, tendo o Concílio de Toledo, realizado no ano 400, autorizado o concubinato de caráter perpétuo.

1.2. NO DIREITO INTERMÉDIO

Na Idade Média, o conceito de família passa pela forte determinação e influência da Igreja. Com o Cristianismo sendo reconhecido como religião oficial de praticamente todos os povos ditos civilizados, o culto familiar deslocou-se para as capelas, deixando o pater de ser o seu sacerdote. A família perde parte de suas funções, eis que o culto não é mais celebrado pelo patriarca, como ocorria em tempos passados.

Nos primórdios da Igreja Católica, esta não se opunha diretamente a outras formas de constituição da família que não o casamento. Entretanto, durante a Idade Média, a Igreja impôs a forma pública de celebração, criando o dogma do matrimônio/sacramento. O Cristianismo, então representado com exclusividade pela Igreja de Roma, reconheceu na família uma entidade religiosa, transformando o casamento, para os católicos, num sacramento. A família foi convertida em célula-mãe da Igreja, hierarquizada e organizada a partir da figura masculina.

Não-obstante a nítida mudança de posição da Igreja, aponta-se que "Santo Agostinho admitia o batismo da concubina, desde que esta se obrigasse a não deixar o companheiro. Santo Hipólito negaria a contração de matrimônio a quem o solicitasse para abandonar a concubina, salvo se por ela fosse traído primeiro" [15]

Na Idade Média surge também a idéia de que a família deve ser garantia de amparo aos seus membros doentes, inválidos e impossibilitados de prover o próprio sustento, idéia que hoje se confunde com o dever de prover alimentos. O conceito de assistência aos incapacitados é essencial neste período histórico, eis que as famílias produziam todos os bens necessários à sobrevivência, tais como alimentos, peças do vestuário e armas. A assistência implicava também no dever familiar de ajuda moral e psicológica aos membros.

Num momento histórico em que os nobres fechavam-se em seus feudos, vivendo da exploração de camponeses que dependiam de suas terras para a sobrevivência, onde o

Estado era apenas a representação de um homem – o Senhor Feudal –, a família era a única garantia de assistência recíproca entre seus membros.

Muito atrelada à religião, a procriação era, na Idade Média, considerada essencial para a constituição de uma família, eis que se interpretava literalmente o preceito bíblico: "Crescei e multiplicai-vos. Ide e enchei a terra." [16] Assim, a família, surgida necessariamente com o casamento, enquanto instituição legítima, deveria reproduzir-se, sendo considerado um casal sem filhos inferior aos demais. O sexo dentro do casamento tinha apenas duas finalidades: a satisfação do desejo masculino – a mulher era considerada incapaz de sentir prazer –, e a geração de filhos, razão pela qual as famílias eram muito numerosas.

1.3. NO DIREITO MODERNO E CONTEMPORÂNEO

No início do século XVI, com a Reforma protestante, a Igreja Católica deixa de ser representante exclusiva dos preceitos cristãos. Diante deste contexto, ela se reúne no "Concílio de Trento" [17], realizado entre 1545 e 1563, na Itália, reafirmando alguns dogmas, dentre eles o do casamento, enquanto sacramento gerador da entidade familiar. Esse Concílio impôs, inclusive, excomunhão aos concubinos que não se separassem após a terceira advertência, como afirmam as encíclicas 990 a 992. Os "matrimônios clandestinos", realizados com o consentimento livre dos contraentes, seriam válidos e verdadeiros enquanto a Igreja não os declarasse nulos. Deduz-se da leitura destas encíclicas que a união de duas pessoas, mesmo sem impedimentos à contração do matrimônio stricto sensu, caracterizaria uma situação de pecado perpétuo, em não sendo atendida a advertência imposta pela Igreja.

Com a Reforma, altera-se o enfoque dado à família. Para os católicos, caberia somente à Igreja disciplinar o casamento; para os não católicos, caberia ao Estado, e tão somente a ele, a regulamentação dos atos nupciais. Nos países onde ocorreu a Reforma Protestante, surgiram as primeiras leis civis disciplinando o casamento não religioso e transformando-o no único válido legalmente.

Na Idade Moderna, o sistema feudal é substituído pela idéia de Estado Nacional, tirando da família outras de suas funções, entre as quais a de defesa e de assistência, já que os cidadãos passaram a contar, em tese, com a proteção estatal, em vez de recorrer à autotutela.

Com a Revolução Industrial, a família deixa de ser uma unidade de produção, sob o comando de seu chefe, passando cada membro a trabalhar dentro das fábricas. A família, antes produtora dos bens para a sua própria subsistência, passa a exercer função econômica, auferindo o seu sustento da produção, ora como proprietária, ora como proletária.

Com a Revolução Francesa – introdutora dos preceitos de liberdade, igualdade e fraternidade no mundo ocidental – mudam muitos dos paradigmas até então tidos como absolutos, permitindo assim a existência de novos modelos de família. Apesar disso, o direito francês não contemplou essas mudanças, pois, por influência do direito canônico, quaisquer outras formas de constituição da família que não o casamento formal, não produziam efeitos jurídicos. O próprio Código de Napoleão, produzido 15 anos após a Revolução e fonte inspiradora de diversas codificações modernas, dentre elas o Código Civil brasileiro de 1916, silenciou a respeito.

No século XX, simultaneamente ao distanciamento do Estado em relação à Igreja, chamado laicização, novos fenômenos surgiram. A liberação dos costumes, a revolução feminina, fruto do movimento feminista e do aparecimento dos métodos contraceptivos, e a evolução da genética, que possibilitou novas formas de reprodução, foram fatores que contribuíram para redimensionar o conceito de família.

À luz do direito contemporâneo, baseado em princípios democráticos de aperfeiçoamento e de dignidade da pessoa, consagrados na maior parte das constituições modernas, não mais se pode considerar como família apenas a relação entre um homem e uma mulher, ungidos pelos laços do matrimônio. Assim, rompidos os paradigmas identificadores da família, que antes se assentavam na tríade casamento/sexo/reprodução, necessário se faz buscar um novo conceito de família. Dentro deste novo conceito, pode-se vislumbrar novos modelos de família, dentre eles a união estável, tema a ser tratado no presente trabalho.

1.4. NO DIREITO BRASILEIRO

No Brasil, a influência no direito de família foi, num primeiro momento, exclusiva dos dispositivos canônicos. Já em 1564, Portugal tornou obrigatórias em todas as suas terras, incluindo as colônias, as Normas do Concílio de Trento relativas ao casamento. Estas foram entre nós introduzidas através das Ordenações Filipinas e vigoraram até a promulgação do Código Civil de 1916. Portanto, é nítida a influência do direito canônico na formação de nossos valores, bem como da religião e da moral na constituição dos vínculos familiares e na adoção das soluções legislativas.

A Constituição de 1824 ignorou o casamento civil, importando-se apenas com a família imperial, permitindo que as demais fossem instituídas livremente. Como era grande o número de católicos, o casamento eclesiástico era comumente o mais praticado.

Até o ano de 1861, a Igreja foi a detentora e a disciplinadora exclusiva dos direitos matrimoniais. Entretanto, com o aumento dos cidadãos não católicos e com as influências dos países protestantes e de seus imigrantes em nossas terras, algumas mudanças começaram a ocorrer neste campo.

Em 1861, foi publicada a Lei n. 1.144, conferindo efeitos civis ao casamento religioso realizado por outras religiões que não a católica. O Decreto n. 3.069, de 1863, que regulamentou a Lei n. 1.144, permitiu outras formas de celebração do casamento além do realizado pela Igreja Católica. Esta mudança fez com que a Igreja perdesse parte de seu poder e, ao mesmo tempo, abriu caminho para o surgimento do casamento civil.

No ano de 1890, com a proclamação da República, foram separados os poderes religiosos e estatais. Com a edição do Decreto n. 181, de 1890, introduziu-se no Brasil o casamento civil. Por conseguinte, retirou-se do casamento exclusivamente religioso qualquer valor jurídico.

A Constituição Republicana de 1891 cuidou de estabelecer que somente seriam reconhecidas as uniões fundadas no casamento civil, o que causou furor na sociedade, visto que a Igreja, mesmo estando desligada do Estado, ainda era formadora de opinião e havia disseminado entre os seus seguidores a idéia de que a união civil era uma heresia.

Praticamente toda a legislação da República ateve-se ao casamento civil como única forma de matrimônio. Na Lei n. 3.071 – o conhecido e recentemente revogado Código Civil de 1916 –, o legislador disciplinou o instituto do casamento em inúmeros artigos, consolidando a importância deste ato para a constituição da família enquanto comunidade legítima. Embora não tenha definido o instituto da família, "condicionou a sua legitimidade ao casamento civil" [18], sem fazer qualquer alusão ao casamento religioso. O primeiro grande efeito jurídico do casamento civil era legitimar a família.

A união de fato de pessoas de sexos diferentes, embora tenha sido sempre numerosa no Brasil, não foi devidamente regulamentada à época. Nossos civilistas tradicionais sempre compreenderam que a união sem casamento era fenômeno estranho ao direito de família, gerando somente efeitos obrigacionais.

O casamento civil, como única forma de constituição legítima da família, perdurou até 1937. Naquele ano, a Constituição volta-se para o casamento religioso, declarando que poderiam ser atribuídos efeitos civis ao mesmo, norma que foi mantida na Constituição de 1946.

Algumas leis ordinárias foram editadas para amparar situações fáticas de evidente injustiça e acabaram, paulatinamente, abrandando a rigidez dos dispositivos elencados no Código Civil. O reconhecimento dos filhos naturais após o desquite veio a ser permitido em 1942, com o Decreto Lei n. 4.737. A Lei n. 883/49 permitiu esse reconhecimento em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal.

A Lei n. 4.069/62, em seu art. 5º [19], aponta a concubina como beneficiária da pensão deixada por servidor civil, militar ou autárquico, solteiro, desquitado ou viúvo, que não tenha filhos.

A Constituição de 1967 trouxe um dado novo para o conceito de família, pois, ao contrário das demais, não declarou ser a família constituída pelo casamento civil indissolúvel.

Quanto à concubina, a Lei n. 6.015/73, art. 57 e parágrafos [20], com redação dada pela Lei n. 6.216/75, permitiu-lhe usar o nome do companheiro, se vivessem em comum por, no mínimo, cinco anos, ou em caso de haver filhos dessa união.

O Decreto n. 73.617/74, em seu art. 2º [21], considera a companheira dependente do trabalhador rural. A Lei n. 6.515/77, no art. 51 [22], estatui o reconhecimento dos filhos ilegítimos durante a vigência da sociedade conjugal, desde que em testamento cerrado, além de permitir a ação de alimentos pelos mesmos, garantindo seu direito à herança, ainda que de forma limitada.

A Lei n. 7.087/82, em seu art. 28 [23], institui a companheira como dependente do segurado perante o IPC – Instituto de Previdência dos Congressistas. A Lei n. 8213/91, art. 16, I, com redação dada pela Lei n. 9.032/95, regulamentada pelo Decreto n. 2.172/97, art. 13, I [24], permite a inclusão da companheira ou do companheiro na categoria de beneficiários do Regime Geral da Previdência Social, com tratamento idêntico ao do cônjuge, ainda quando o (a) companheiro (a) não esteja inscrito como beneficiário.

Até a CF de 1988, o legislador pátrio identificou no casamento a única forma de constituição da família, negando efeitos jurídicos à realidade de um país onde boa parte das uniões era formada sem casamento. No contexto atual, deixa de ser o casamento o bem jurídico maior a ser tutelado, passando a ser dever do Estado assegurar "proteção à família," [25] independente de sua forma de constituição. A família continua sendo a base da sociedade, independentemente de casamento. Não se promoveu uma equiparação entre casamento e união estável, mas afastou-se esta última do direito das obrigações. O legislador constitucional parece ter pretendido proteger as uniões que se apresentam como casamento, sem estabelecer um período determinado de duração dessa união.

Posteriormente à Constituição de 1988, foram editadas as Leis 8.971/94 e 9.278/96. A primeira dispõe a respeito do direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Já a segunda reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, estabelecida com o fim de constituir família.

Além das referidas leis cabe apontar as inovações trazidas pelo novo Código Civil. Enquanto o estatuto de 1916 fazia referência ao "homem", o código atual emprega a palavra "pessoa". Esta mudança veio adequar-se ao disposto na Constituição Federal de 1988, que estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

A modificação reflete, portanto, o objetivo de igualdade entre homem e mulher.

O novo código estabelece que o conceito de família passa a abranger as unidades familiares formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendente, enquanto no código de 1916 a família legítima era aquela formada pelo casamento formal. A nova legislação estabelece que o casamento é a comunhão plena de vida, com direitos iguais para os cônjuges, obedecendo a regra constitucional segundo a qual os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Enquanto a legislação revogada dispunha que o objetivo do casamento era constituir família, o novo código considera o casamento apenas uma das formas de constituição da família.

O poder do pai sobre os filhos passa a ser chamado de poder familiar, exercido igualmente pelo pai e pela mãe. O homem deixa de ser o "chefe da família", que é dirigida pelo casal, com iguais poderes para o homem e para a mulher. Se marido e mulher divergirem, por não mais haver a prevalência da vontade do pai, a solução será transferida ao Judiciário.

Seguindo a mesma orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069/90, o novo código dispõe que perderá o poder familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixá-lo em abandono ou praticar atos contrários à moral e aos bons costumes.

Pelo novo código, parentes, cônjuges ou conviventes podem pedir pensão alimentícia, quando dela necessitarem. No código de 1916, ocorrida a separação, somente a mulher podia pedir alimentos, direito negado ao marido, apesar de admitido pela jurisprudência, principalmente no decurso da década de 1990, com base na Constituição.

Atualmente, por força do art. 1704 do CC, existe inclusive a possibilidade de que alimentos sejam fornecidos ao conjugue culpado pela dissolução do casamento. Esta aplicação não nos parece poder ser estendida ao companheiro culpado, uma vez que o referido artigo é expresso ao fazer referência apenas ao conjugue.

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Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. O conceito de família ao longo da história e a obrigação alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2664, 17 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17628. Acesso em: 23 nov. 2024.

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