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Autoexecutoriedade do poder de polícia da Anatel: busca e apreensão

17/12/2010 às 08:59
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A decisão liminar do STF também atinge o disposto na Lei nº 11.292/06? Autoexecutoriedade é atributo do poder de polícia subordinado a prévia decisão judicial?

SUMÁRIO. Introdução. 1. Autoexecutoriedade como característica do Poder de Polícia de busca e apreensão. 2. Efeito da ADIN 1.668-5/DF sobre o poder busca e apreensão da ANATEL. 3. Efeitos do advento da Lei n.º 11.292/2006 ao restabelecer o poder de apreensão. Conclusão.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo analisar o poder de busca e apreensão da Agência Nacional de Telecomunicações, decorrente da autoexecutoriedade do poder de polícia desta agência reguladora. O poder de realizar busca e apreensão foi conferido à ANATEL através da Lei nº 9.472/98 (art. 19, XV), como medida necessária ao atendimento do interesse público. Assim que esta lei entrou em vigor foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1668-5/DF no Supremo Tribunal Federal, questionando a constitucionalidade deste poder estatal de realizar busca e apreensão sem prévio amparo em decisão judicial. O Supremo, em sede liminar, deferiu medida cautelar suspendendo a execução e aplicabilidade do referido dispositivo legal. Contudo, com o advento da Lei nº 11.292/06, que deu nova redação ao art. 3º Lei nº 10.871/04, voltou-se a prever a medida de apreensão de bens como prerrogativa do poder de polícia da Anatel visando a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos utilizados sem a devida autorização legal. Por isso questiona-se: a decisão liminar do STF também atinge o disposto nesta lei? Autoexecutoriedade é atributo do poder de polícia subordinado a prévia decisão judicial? Sobre tais questões que nos oferecemos a propor uma resposta.


1. AUTOEXECUTORIEDADE COMO CARACTERÍSTICA DO PODER DE POLÍCIA DE BUSCA E APREENSÃO

O poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. O legislador tributário pátrio, influenciado pelo princípio da tipicidade que norteia o direito tributário [01], buscou catalogar no art. 78 do CTN os interesses públicos tutelados no Poder de Polícia, definindo esta atividade estatal na: "atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes à disciplinas da produção e do mercado, ao exercício das atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos".

Para tutelar o interesse público acima descrito, limitando o exercício de direitos individuais, à atividade de policial foi conferida as características da: discricionariedade; autoexecutoriedade e; coercibilidade.

A discricionariedade decorre da incapacidade da lei de prever todas as situações possíveis de dano ao interesse público em face de uma atividade particular. A lei disciplinará os limites da atuação do poder de polícia, mas conferindo margem de liberdade ao agente público para decidir o meio mais adequando para sua atuação. Embora, como ressalta Maria Sylvia Zanella di Pietro, existem atos de polícia que podem ser integramente vinculados ao disposto na lei, sem conteúdo discricionário, como uma licença para exercício de atividade comercial [02].

Já a coercibilidade, segundo José dos Santos Carvalho Filho, estampa o grau e imperatividade de que se revestem os atos de polícia [03]. Ou seja, os particulares não têm a opção de se sujeitarem, ou não, ao poder de polícia, estes são impostos pelo Estado, decorrem do ius imperii estatal. É o que Renato Alesi cunhou chamar de poder extroverso.

Autoexecutoriedade é o atributo do poder de polícia que possibilita o Estado compelir materialmente o particular a limitar seu direito individual face à predominância do interesse público, sem a necessidade de prévia intervenção do Poder Judiciário. Ou seja, a Administração por seus próprios meios pode executar as sua decisões sem que para isso seja necessário recorrer ao Judiciário. Esta é a finalidade da autoexecutoriedade: promover a instantaneidade da atividade estatal.

O instrumento de poder polícia objeto do presente estudo (busca e apreensão de bens) decorre da autoexecutoriedade do poder de polícia da Anatel, uma vez que confere à agência o poder de adentrar em domicílio particular para realizar busca e apreensão no âmbito de sua competência, conforme prever o art. 19, XV da Lei nº 9.472/98:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

(...)

XV - realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência;

Ainda, o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871/2004, com a redação dada pela Lei nº 11.292/2006, prevê a possibilidade de apreensão de bens e produtos:

Art. 3º São atribuições comuns dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1o desta Lei

(...)

Parágrafo único. No exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder de polícia, são asseguradas aos ocupantes dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1º desta Lei as prerrogativas de promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções. (Redação dada pela Lei nº 11.292, de 2006) Grifo nosso.

Como o atributo da autoexecutoriedade confere ao ente estatal a prerrogativa de executar suas próprias decisões, inclusive com o uso da força, a doutrina pátria não tem divergido a respeito da necessidade de previsão legal desta medida excepcional. Embora caiba registrar o posicionamento de Zanella Di Pietro que defende ser prescindível a previsão em lei em situações de urgência, quando houver riscos de prejuízos maiores ao interesse público, senão vejamos:

"A autoexecutoriedade não existe em todas as medidas de polícia. Para que a Administração possa se utilizar dessa faculdade, é necessário que a lei a autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público. No primeiro caso, a medida deve ser adotada em consonância com o procedimento legal, assegurando-se ao interessado o direito de defesa, previsto expressamente no art. 5º, inciso LV, da Constituição. No segundo caso, a própria urgência da medida dispensa a observância de procedimento especial, o que não autoriza a Administração a agir arbitrariamente ou a exceder-se no emprego da força , sob pena de responder civilmente o Estado pelos danos causados (cf. art. 37, §6º, da Constituição) sem prejuízo da responsabilidade criminal, civil e Administrativa dos servidores envolvidos." [04]Grifo nosso.

Assim, verifica-se que do ponto de vista formal, as medidas de busca e apreensão conferidas à Anatel, estão aptas a gerar efeito, vez que possuem escoramento legal nas Leis n.º 9.472/98 e 10.871/2004.


2. EFEITO DA ADIN 1.668-5/DF SOBRE O PODER DE BUSCA E APREENSÃO DA ANATEL

Pouco tempo depois de sancionada a Lei Geral das Telecomunicações (Lei nº 9.472/98), foi proposta ADIN 1.668-5/DFquestionando a constitucionalidade de diversos dispositivos, dentre eles, o inciso XV do seu art. 19, que prevê o poder de busca e apreensão no âmbito das competências da Anatel, justificada, segundo o caput, no atendimento do interesse público.

O Supremo Tribunal Federal, em juízo prelibatório, por entender que a referida medida de busca e apreensão atinge o devido processo legal assegurado no inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal [05], suspendeu os efeitos do referido dispositivo legal até a decisão final da ação declaratória de inconstitucionalidade.

Entendeu o Ministro relator Marco Aurélio de Mello, no voto vencedor, que poder de polícia desta espécie, que atinge diretamente o patrimônio do particular, deveria ser apreciado previamente por órgão independente, ou seja, pelo Estado-juíz, senão vejamos:

"Quanto ao inciso XV, exsurge a relevância do pedido formulado. A rigor, o que se tem, na espécie, é o exercício, pela Administração Pública, de maneira direta, a alcançar patrimônio privado, de direito inerente à atividade que exerce. Se de um lado à Agência cabe a fiscalização da prestação de serviços, de outro não se pode compreender, nela, a realização de busca e apreensão de bens de terceiros. A legitimidade diz respeito à provocação mediante o processo próprio, buscando-se alcançar, no âmbito do Judiciário, a ordem para que ocorra o ato de constrição, que é o de apreensão de bens. O dispositivo acaba por criar, no campo da administração, figura que, em face das repercussões pertinentes, a de ser sopesada por órgão independente e, portanto, pelo Estado-Juiz. Diante de tais premissas, defiro parcialmente a liminar para suspender, no artigo 19 da Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, a eficácia do inciso XV, no que atribuída à ANATEL, isto é, à Agência Nacional de Telecomunicações, a possibilidade de empreender a busca e apreensão de bens. Entendo que a norma contraria o inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal, que encerra a garantia de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal." Grifo nosso.

Assim, por força da suspensão deste dispositivo legal, a Anatel viu-se obrigada a propor medidas cautelares de busca e apreensão para, por exemplo, apreender equipamentos de rádio utilizados sem autorização legal (rádios piratas). Tendo o Superior Tribunal de Justiça reconhecido a legitimidade desta Agência para propor a referida cautelar, é o que se extrai do REsp 626.774:

"PROCESSO CIVIL - MEDIDA CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO - LEGITIMIDADE - NECESSIDADE.

1. O dispositivo legal (artigo 19, inciso XV, da Lei 9.472/97) que concedia à ANATEL a competência para, administrativamente, proceder à apreensão de aparelhos radiotransmissores em funcionamento ilegal foi suspenso pelo STF na ADin 1668-5, necessitando a agência, para imediata cessação de funcionamento, recorrer ao Judiciário.

2. Seja pela via cível, seja pela via penal, pode a ANATEL acautelar-se, com o pedido de imediata apreensão de aparelhos clandestinamente instalados, sem que possa fazê-lo de modo próprio.

3. Recurso especial provido."

(REsp 626.774/CE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/06/2004, DJ 13/09/2004, p. 220) Grifo nosso.


3. EFEITOS DO ADVENTO DA LEI N.º 11.292/2006 AO RESTABELECER O PODER DE APREENSÃO.

Como visto acima, o parágrafo único da Lei n.º 11.292/2006, decorrente da conversão da Medida Provisória nº 265, de 2005, alterou a redação da Lei n.º 10.871/2004, e trouxe novamente a previsão de apreensão de bens, como prerrogativa derivada do poder de polícia da Anatel.

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Note-se que este dispositivo legal não prevê a possibilidade de busca, mas apenas apreensão de bens. Logo, os agentes de polícia administrativa devem saber previamente onde se encontram os bens a serem apreendidos, já que estão impedidos de procurar a aparelhagem no local da apreensão, em face da decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal.

Ainda assim, fica o questionamento: essa norma, que apenas revigorou o poder de apreensão, também terá sua eficácia suspensa pela decisão do Supremo? O legislador estaria impedido de legislar sobre matéria já julgada, ainda que em sede liminar, pelo STF?

A primeira pergunta o próprio Supremo já respondeu, no acórdão da lavra da Ministra Carmen Lúcia, o pleno decidiu que os efeitos da ADIN 1668-5/DF não atingem o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871/2004, tendo em vista que a aplicação deste dispositivo não poderia ser questionada via reclamação constitucional, senão vejamos a ementa:

"EMENTA: RECLAMAÇÃO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO QUE DECIDIDO NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.668/DF. AGÊNCIA REGULADORA. DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINA A BUSCA E A APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS RADIOFÔNICOS DE EMISSORA DE RÁDIO COMUNITÁRIA CLANDESTINA. 1. No julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.668/DF, entre vários dispositivos questionados e julgados, decidiu-se pela suspensão do inc. XV do art. 19 da Lei n. 9.472/97, que dispunha sobre a competência do órgão regulador para "realizar busca e apreensão de bens". 2. Decisão reclamada que determinou o lacre e a apreensão dos equipamentos da rádio clandestina fundamentada no exercício do regular poder de polícia. 3. Ao tempo da decisão judicial reclamada, já estava em vigor a Lei n. 10.871/2004, na redação da Lei n. 11.292/2006, que prevê aos ocupantes dos cargos de fiscal dos órgãos reguladores as prerrogativas de apreensão de bens e produtos. 4. Ausência de descumprimento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.668-MC/DF. 5. Reclamação: via inadequada para o controle de constitucionalidade. 6. Reclamação julgada improcedente."

(Rcl 5310, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2008, DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008 EMENT VOL-02319-03 PP-00454 RTJ VOL-00205-01 PP-00155) Grifo nosso.

De outro lado, verifica-se que esta decisão não examinou a constitucionalidade do referido dispositivo da Lei nº 10.871/2004, já que o Supremo reiterou seu entendimento de que a reclamação constitucional não pode ser utilizada como sucedâneo recursal. Logo, o referido dispositivo legal poderá ter sua constitucionalidade discutida futuramente seja no âmbito do controle difuso, seja no âmbito do controle concentrado.

Até lá, o parágrafo único do art. 3º da Lei 10.871/2004 será considerado constitucional, em face do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, que pugna pelo entendimento de que toda espécie normativa nasce de acordo com a Constituição e, como tal, deve ser preservada.

Seguindo este princípio o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, enfrentou a questão e posicionou-se pela plena eficácia do referido dispositivo da Lei nº 10.871/2004, é o que se depreende:

"3. A Lei nº 9.472/97 conferiu à ANATEL, entre outras, a competência para realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência (inciso XV do art. 19). Em 20/08/1998, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, na ADIN 1668-DF, concedeu medida liminar suspendendo, até a decisão final da ação, a execução e aplicabilidade do art. 19, inciso XV, da Lei 9.472/97. 4. Esta Corte, entretanto, tem admitido a medida de apreensão do equipamento com fundamento no art. 3º da Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, sem que tal medida importe em descumprimento da liminar deferida naquela ADIN. Precedentes desta Corte e do Eg. STJ. 5. Apelação provida." (AC 200081000192670, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - Segunda Turma, 23/10/2009). Grifo nosso.

Quanto à segunda pergunta, se estaria vedado ao legislador criar dispositivo de teor semelhante ao suspenso pelo STF, entendemos que não, uma vez que o efeito vinculante da ADIN não atinge o Poder Legislativo, mas sim a Administração Pública e o Poder Judiciário, conforme estabelece o parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.869/1999:

"Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal." Grifo nosso.

Ademais, segundo o Min. Cerzar Peluso, na Reclamação 2.617 Agr/MG, o Poder Legislativo não pode ser atingido pelo efeito vinculante sob pena da fossilização da Constituição. Se assim não fosse, tal concepção comprometeria a relação de equilíbrio entre o tribunal constitucional e o legislador, reduzindo este ao papel de subalterno perante o poder incontrolável daquele, com evidente prejuízo do espaço democrático-representativo da legitimidade política do órgão legislativo. [06]

Por outro lado, Luciana Rolim Antunes, em trabalho monográfico sobre o poder de polícia da Anatel, elenca dois limites ao exercício da prerrogativa da apreensão de bens: proporcionalidade da medida (ar. 2º, Lei nº 9.784/99); inviolabilidade do domicílio (at. 5º, XI, da Constituição). [07]

O primeiro limite decorre, em verdade, da própria essência do poder de polícia, que implica em limite ao exercício dos direito individuais. Logo, toda medida de polícia deve observar o princípio da proporcionalidade, para assegurar que a ação estatal não atinja o núcleo duro direito sacrificado, ou seja, proíbe-se o excesso da ação estatal.

Já a segunda limitação, atinge especificamente o poder de apreensão, mitigando substancialmente sua eficácia, uma vez que a nossa Carta Republicana confere ao domicílio a prerrogativa da inviolabilidade, salvo nas situações de flagrante de delito, socorro ou determinação judicial. Ou seja, salvo se fato investigado constituir crime, os agentes da Anatel não poderão adentrar em domicílios para apreender bens e equipamentos sem prévia autorização judicial. Ainda mais porque o conceito de domicílio não se restringe à residência domiciliar. O Supremo Tribunal Federal elasteceu o conceito de casa do inciso XI, do art. 5º, da Constituição para abranger também a qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade, senão vejamos:

"Para os fins da proteção constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Carta Política, o conceito normativo de ‘casa’ revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, §4º, III), compreende os consultórios profissionais dos cirurgiões-dentistas. Nenhum agente público pode ingressar no recinto de consultório odontológico, reservado ao exercício da atividade profissional de cirurgião-dentista, sem o consentimento deste, exceto nas situações taxativamente previstas na Constituição (art. 5º, XI)." (RE nº 251.445-4/GO – Relator Celso de Mello). Grifo nosso.

Por outro vértice, quando o fato investigado constituir infração penal, havendo a certeza da sua execução, os agentes da Anatel terão amparo constitucional para entrar no local, por exemplo, na hipótese do recinto abrigar rádios piratas, vez que este fato configura crime tipificado no art. 183 da Lei nº 9.472/97: "Desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicações: pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada até a metade de se houver dano a terceiro e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)."

Em verdade, qualquer do povo tem autorização constitucional para violar domicílio alheio em caso de flagrante de delito, porém os agentes da Anatel, regularmente investidos, ainda terão a prerrogativa de apreender bens e equipamentos utilizados para desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicações.

Assim, em síntese, percebe-se que o poder de apreensão foi restabelecido pela Lei 11.292/2006, não sendo alcançado pelos efeitos vinculantes da decisão cautelar da ADIN 1.668-5/DF, visto que o Legislador encontra-se imune a tais efeitos (ex vi, parágrafo único do art. 28 da Lei n.º 9.869/1999). No entanto, agora a autoexecutoriedade do poder de apreensão Anatel encontra-se mais limitado, vez que, além de não contar com o poder de busca suspenso pelo STF, também encontrará especial restrição decorrente do princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio.


CONCLUSÃO

O poder de polícia tem como característica a autoexecutoriedade, que permite a execução da medida de polícia sem depender de prévia autorização judicial.

O poder de busca e apreensão dos agentes da Anatel, embora respaldados na Lei Geral de Telecomunicações, teria, segundo o STF (em grau de cognição sumária) violado o princípio constitucional encravado no inciso LIV do art. 5º, que impede a privação dos bens sem o devido processo legal que, para o Supremo, significa: sem prévia decisão judicial. Nesta decisão nossa Corte Constitucional retira a característica elementar da autoexecutoriedade: a prescindibilidade de provocar o Judiciário para execução da atividade de polícia.

No entanto o legislador, não vinculado à decisão do STF, produziu nova norma restabelecendo o poder de apreensão de bens (parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871). E, enquanto esta norma não for examinada pelo Supremo, presume-se constitucional e deve ser aplicada.

De outro vértice, deve-se reconhecer que a autoexecutoriedade desta medida de polícia ainda encontra-se limitada, uma vez que o poder de busca não foi restabelecido e o poder de apreender, isoladamente, encontra-se bastante mitigado pelo princípio constitucional da inviolabilidade de domicílio.


Notas

  1. TORRES, Ricardo lobo. Princípio da Tipicidade no Direito Tributário. Revista eletrônica de direito administrativo. Salvador. Instituto de direito público da Bahia. Nº 5, fev/mar/abr de 2006. Disponível da internet em: <http://direitodo estado.com.br>. Acesso em 12/11/2010.
  2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª Ed. São Paulo:Atlas. 2010. p. 119.
  3. CARVALHO FILHO, José dos Santos . Manual de direito Administrativo. 15ª Ed. Rio de janeiro: Lúmen Júris. 2006. p. 75.
  4. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23ª Ed. São Paulo:Atlas. 2010. p. 120.
  5. Art. 5º inciso LIV: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
  6. (Rcl 2617 AgR, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2005, DJ 20-05-2005 PP-00007 EMENT VOL-02192-02 PP-00314 RTJ VOL-00193-03 PP-00858).
  7. ANTUNES, Luciana Rolim. PODER DE POLÍCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. Disponível da internet em: <http://www.anatel.gov.br/.../Monografia%20ER9%20Luciana%20Rolim%20Antunes.pdfr>. Acesso em 12/11/2010.
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Sobre o autor
Arthur Porto Carvalho

Advogado da União, membro da Advocacia-Geral da União, pós-graduando no Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Arthur Porto. Autoexecutoriedade do poder de polícia da Anatel: busca e apreensão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2725, 17 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18052. Acesso em: 24 abr. 2024.

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