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A extensão da imunidade recíproca às empresas estatais

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Resumo:


  • A imunidade recíproca é uma limitação ao poder de tributar que proíbe entes políticos de instituírem impostos uns sobre os outros, baseada na isonomia entre os entes constitucionais.

  • A imunidade recíproca foi estendida às autarquias, fundações públicas e empresas estatais prestadoras de serviço público, visando garantir a harmonia do pacto federativo e a eficiência na prestação de serviços públicos.

  • A extensão da imunidade recíproca às empresas estatais que atuam sob regime de monopólio tem sido objeto de debates, sendo exigido, em algumas correntes jurisprudenciais, que tais empresas não tenham intuito lucrativo para serem beneficiadas com a imunidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A imunidade recíproca concedida às autarquias e fundações públicas deve ser estendida às empresas estatais?

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. AS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS; 3. A APLICAÇÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS; 3.1. A IMUNIDADE RECÍPROCA; 3.2. A IMUNIDADE RECÍPROCA EM RELAÇÃO ÀS ENTIDADES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA; 3.3. DA EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO; 3.4. EMPRESAS ESTATAIS QUE AGEM SOB O REGIME DE MONOPÓLIO; 4. CONCLUSÃO; 5. REFERÊNCIAS


1. Introdução

O presente artigo tem como tema a indagação a respeito da extensão da imunidade recíproca concedida às autarquias e fundações públicas às empresas estatais.

O tema proposto vem sendo bastante debatido pela doutrina e pela jurisprudência nos últimos anos, sendo possível observar uma evolução tanto na fundamentação teórica, como na criação de novos requisitos a fim de viabilizar a aplicação de uma interpretação sistemática e teleológica em benefícios daqueles entes públicos de direito privado.


2. A aplicação da imunidade recíproca às empresas estatais

2.1. A imunidade recíproca

Entende-se por imunidade recíproca a proibição imposta a um ente político detentor de competência tributária para instituir impostos de exercer essa prerrogativa sobre o patrimônio, a renda ou os serviços de outras entidades políticas.

Nessa linha, o artigo 150, inciso VI, alínea "a", da Constituição Federal dispõe que:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.

Segundo a doutrina de Paulo de Barros Carvalho e Hugo de Brito Machado [01], a razão de ser para essa limitação ao poder de tributar tem fundamento imediato no postulado da isonomia dos entes constitucionais, dado que, pela nossa estrutura de federação, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, embora não sejam independentes, são autônomos no sistema brasileiro de organização político-administrativa [02].

Cumpre notar que, no intuito de não arrostar a harmonia do pacto federativo, o texto constitucional prevê diversos mecanismos que tendem a repelir a interferência de um ente federado sobre o outro, entre os quais se inclui a imunidade recíproca [03].

Com base nesse raciocínio, se a Constituição Federal Brasileira encerra um federalismo atípico, que põe em grau de paridade até o ente municipal [04], não haveria sentido em viabilizar uma competência impositiva de um ente federativo sobre o patrimônio, a renda e os serviços dos demais. Note-se que o poder de instituir impostos caracteriza uma relação de sujeição, o que seria inusitado quando se fala em autonomia entre os entes políticos.

Neste sentido, vale lembrar da famosa frase do juiz John Marshall – atualmente bastante criticada em doutrina pelo seu exagero e por conta das garantias fundamentais hoje conferidas aos administrados –, no sentido de que o poder de tributar envolve o poder de destruir (the power to tax involves the power to destroy).

Sobre essa questão, merece transcrição o seguinte excerto de voto do Min. Celso de Mello:

É importante por em destaque, neste ponto, a própria razão de ser da cláusula que instituiu a imunidade tributária recíproca.

Sabemos que a Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõe o Estado Federal.

(...)

A imunidade tributária recíproca – consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras – representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes do Estado Federal, constituindo, ainda, importante instrumento de manutenção do equilíbrio e da harmonia que devem prevalecer, como valores essenciais que são, no plano das relações político-jurídicas fundadas no pacto da Federação. (STF, 2ª Turma, RE 363412 AgR/BA, data de julgamento 07.08.2007)

Em resumo, pode-se afirmar que a imunidade recíproca deriva de um vínculo fundado na isonomia entre os entes políticos que compõem a República Federativa do Brasil, representando uma cláusula impeditiva de conflito federativo.

Ademais, vale notar que a Constituição da República prevê um complexo sistema de repartição e compartilhamento de competências para a prestação de serviços públicos, os quais são custeados decisivamente pela percepção de valores decorrentes da instituição de impostos.

Significa dizer que, se não houvesse a limitação imposta pela imunidade recíproca, estariam os entes dotados da competência tributária de um poder capaz vulnerar a prestação de serviços públicos pelos demais, criando uma sistemática paradoxal de competição por recursos entre os entes políticos. Uma estrutura circular de arrecadação, no mínimo, ineficiente.

Nesse ponto, também importa transcrever os ensinamentos do Min. Celso de Mello:

A concepção de Estão Federal, que prevalece em nosso ordenamento positivo, impede – especialmente em função do papel que incumbe a cada unidade federada desempenhar no seio da Federação – que qualquer delas institua impostos sobre patrimônio, a renda e os serviços tanto das demais pessoas políticas quanto das respectivas pessoas administrativas, quando criadas para executar, mediante outorga, serviços públicos constitucionalmente incluídos na esfera orgânica de competência das entidades governamentais.

No processo de indagação das razões políticas subjacentes à previsão constitucional da imunidade tributária recíproca, cabe destacar, precisamente, a preocupação do legislador constituinte de inibir, pela repulsa à submissão fiscal de uma entidade federada a outra, qualquer tentativa, que, concretizada, possa, em última análise, inviabilizar o próprio funcionamento da Federação. (STF, 2ª Turma, RE 363412 AgR/BA, data de julgamento 07.08.2007)

Desta maneira, Kiyoshi Harada sintetiza essa dupla fundamentação para a existência da imunidade recíproca entre os entes políticos nos seguintes termos:

a) os impostos servem para custear os serviços públicos em geral. Logo, tendo em vista que as três entidades políticas prestam tais serviços, cada uma na área de sua competência ou de forma conjunta, não teria sentido um ente político tributar outro ente político;

b) a relação jurídico-tributária é a que mais conflitos gera entre as partes, comprometendo o princípio federativo da convivência harmônica entre os entes componentes da Federação. Sabe-se que o fenômeno da tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções ou transformações sociais. A própria Inconfidência Mineira, genuíno movimento de afirmação da nacionalidade, teve como motivação principal a sangria econômica provocada pela Metrópole, com o aumento da derrama [05].

2.2. A imunidade recíproca em relação às entidades da administração indireta

Nesta esteira, com o intento de resguardar a boa prestação do serviço público por intermédio das instrumentalidades administrativas dos entes federados (administração indireta), a Constituição da República estendeu a garantia de imunidade recíproca às autarquias e fundações públicas.

Neste caso, todavia, o texto constitucional foi expresso ao restringir àquela limitação à instituição de impostos frente ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados às finalidades de cada uma daquelas entidades públicas. É o que se depreende do parágrafo 2º do artigo 150 do texto constitucional, que prevê: "a vedação do inciso VI, ‘a’, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes".

Ora, pode-se observar do comando normativo constitucional supracitado que o constituinte utilizou a mesma técnica no capítulo VII do corpo constitucional, o qual trata da Administração Pública. Em outras palavras, o constituinte brasileiro quis promover uma distinção entre as autarquias e fundações, como entidades públicas de direito público, pondo-as em contraposição com as empresas públicas e sociedades de economia mista, enquanto entidades públicas de direito privado.

2.3. Da extensão da imunidade recíproca às empresas estatais prestadoras de serviço público

A exclusão das empresas públicas e das sociedades de economia mista do rol de entidades administrativas beneficiárias da imunidade recíproca estaria em consonância como o disposto no parágrafo 2º do artigo 173 da Constituição Federal, o qual dispõe que "as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado".

Entretanto, olvidou-se o constituinte que, também de acordo com o texto constitucional, às entidades públicas de direito privado é dado atuar sob dois prismas distintos: a) para promover atividade econômica de produção ou comercialização de bens (art. 173); b) para prestar serviços públicos (art. 175).

Daí cabe um questionamento: se um dos motivos que dão ensejo à existência da imunidade recíproca é garantir a livre atuação do ente político na prestação de serviços públicos que lhe foram incumbidos pela vontade constitucional, por que não haveria de se estender tal privilégio às empresas públicas e sociedades de economia mista criadas com a mesma finalidade de executar serviços públicos?

Inicialmente, cumpre ressaltar que, em regra, a escolha da espécie do ente público da administração indireta que irá se desincumbir do ônus estatal de prestar determinado serviço público reside puramente na discricionariedade combinada entre o Chefe do Poder Executivo e o Poder Legislativo no processo legislativo deflagrado com lastro no artigo 61, §1º, II, "b", da Constituição Federal. Isto é, de maneira exemplificada, a mesma tarefa que pode ser atribuída a uma empresa pública para a prestação de determinado serviço público também pode ser delegada a uma autarquia, pois não há espécie de serviço público imanente um tipo ou outro de entidade pública.

A exceção a esta regra se dá quando o serviço público a ser prestado representa atividade típica de Estado, ocasião em que a atividade necessariamente deverá ser promovida mediante entidade de direito público, como nos casos de entidade dotada de poder de polícia:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (STF, ADI 1.717-DF, Min. Sydney Sanches)

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Em resumo, via de regra, a opção pelo exercício de determinado serviço público por uma espécie de entidade administrativa ou outra é questão de mera técnica de arranjo governamental (descentralização administrativa de competências). Obviamente, a escolha poderá ter conseqüências na maneira de provimento das funções laborais, na forma de gestão e controle administrativo, no foro jurisdicional, entre outras circunstâncias fáticas e jurídicas, mas ela não será determinada pela natureza da atividade a ser desempenhada.

Acerca dessa situação da empresa estatal prestadora de serviços públicos, importa registrar as lições de Regina Helena Costa:

Tais pessoas detêm personalidade de Direito Privado e compõem a Administração Pública Indireta ou Descentralizada. Têm sua criação autorizada, sempre por lei (art. 37, XIX, da CF), para desempenhar atividade de natureza econômica, a título de intervenção do Estado no domínio econômico (art. 173 da CF) ou como serviço público assumido pelo Estado (art. 175 da CF). Recebendo tais entes o encargo de prestar serviço público - consoante a noção exposta -, o regime de sua atividade é o de Direito Público, o que inclui, dentre outras prerrogativas, o direito à imunidade fiscal.

O raciocínio resume-se no seguinte: se o serviço público for prestado diretamente pela pessoa política estará, indubitavelmente, imune à tributação por via de impostos. Ora, a mera delegação da execução desse serviço público, pela pessoa que é titular da competência para prestá-lo à coletividade, por meio de lei, a uma empresa por ela instituída - empresa pública ou sociedade de economia mista -, que se torna delegatária do serviço, não pode, portanto, alterar o regime jurídico - inclusive tributário - que incide sobre a mesma prestação.

A descentralização administrativa, como expediente destinado a garantir maior eficiência na prestação de serviços públicos (art. 37, ‘caput’, da CF), não tem o condão de alterar o tratamento a eles dispensado, consagrador da exoneração tributária concernente a impostos [06].

2.4. Empresas estatais que agem sob o regime de monopólio

A par da distinção entre as empresas estatais promotoras de atividade empresarial e àquelas prestadoras de serviço público, ainda há de ser pôr em relevou uma outra diferenciação: a) empresas estatais que agem em regime de monopólio; b) empresas estatais que agem em regime de concorrência.

Nessa esteira, vale a transcrição do entendimento de Lucas Rocha Furtado:

Mais importante do que distinguir os serviços públicos das atividades empresariais é saber quais serviços públicos são prestados por empresas estatais em regime concorrencial ou em caráter exclusivo, ou não-concorrencial. Caso uma empresa estatal explore atividade sem que haja qualquer outra empresa provada atuando em regime de concorrência, é possível que lei lhe assegure prerrogativas de Direito Público, além daquelas expressamente prevista na Constituição Federal. Todavia, se a empresa estatal explora atividade em regime de concorrência com empresas privadas, em que elas disputam clientela ou mercado, a aplicação do disposto no art. 173 do texto constitucional impede a concessão de prerrogativas públicas, ressalvadas as que tenham sido previstas no próprio texto da Constituição [07].

A distinção é importante porque nem todo serviço público é prestado com exclusividade pelo Estado. Na verdade, pode-se considerar como serviço público qualquer atividade inserida na competência material dos entes políticos, isto é, tarefas que o Estado possui o dever de prestar por expressa determinação constitucional.

Significa dizer que a mera inclusão, no corpo constitucional, de uma atividade como competência administrativa não significa dizer que aquele dever somente poderá ser prestado sob a direção de uma entidade governamental. É possível, pois, que tal incumbência estatal derive de fundamentos de natureza técnica, social ou econômica, mas também que decorra de pura vontade política.

Há serviços públicos, portanto, que simplesmente podem ser explorados pela iniciativa privada por sua conta e risco e com um viés empresarial, sem que haja a sua descaracterização como serviço público. É o caso, por exemplo, dos serviços públicos de ensino e saúde, que convivem harmonicamente com a concorrência dos particulares.

Em suma, "atividade empresarial e serviço público não são atividades opostas ou incompatíveis" [08]. Em outras palavras, é possível a existência de serviços públicos que podem ser explorados simultaneamente como atividades empresariais pela iniciativa privada, sem que, com isto, percam a sua natureza.

Por outro lado, também é possível que o Estado explore determinada atividade econômica sem, contudo, estar sujeito à concorrência da iniciativa privada, isto é, sob um regime de monopólio instituído pela Constituição ou pela lei. Ora, se apenas o ente político pode explorar essa atividade econômica, por que, então, onerá-lo com a cobrança de impostos? Essa atividade econômica não se confundiria com um serviço público?

Com base na distinção entre os regimes de prestação, ganhou força inicialmente um movimento que pugnava pela extensão da imunidade recíproca concedida às autarquias e fundações públicas às empresas estatais que atuassem sob o regime de monopólio em sua atividade. E isto era feito com lastro no afastamento, no caso concreto, do contido no artigo 173, §1º, inciso II, da Constituição, o qual dispõe que as empresas estatais devem estar sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

O Supremo Tribunal Federal aderiu inicialmente a esse entendimento no RE 407.099, firmando posição no sentido de que apenas as empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica, sem monopólio, sujeitam-se a idêntico regime jurídico que norteie a tributação das empresas privadas, dado que o fazem em concorrência com estas.

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido. (RE 407.099, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 22-6-2004, Segunda Turma, DJ de 6-8-2004)

A INFRAERO, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de infra-estrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII, alínea "c", da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, "a"), do poder de tributar dos entes políticos em geral. Conseqüente inexigibilidade, por parte do Município tributante, do ISS referente às atividades executadas pela INFRAERO na prestação dos serviços públicos de infra-estrutura aeroportuária e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim. O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA, QUE REPRESENTA VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA FEDERATIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO STF. INAPLICABILIDADE, À INFRAERO, DA REGRA INSCRITA NO ART. 150, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. - A submissão ao regime jurídico das empresas do setor privado, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributárias, somente se justifica, como consectário natural do postulado da livre concorrência (CF, art. 170, IV), se e quando as empresas governamentais explorarem atividade econômica em sentido estrito, não se aplicando, por isso mesmo, a disciplina prevista no art. 173, § 1º, da Constituição, às empresas públicas (caso da INFRAERO), às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias que se qualifiquem como delegatárias de serviços públicos. (RE 363.412-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-8-2007, Segunda Turma, DJE de 19-9-2008)

Em curtas palavras, se não há concorrência, não há obrigatoriedade de subsunção das empresas estatais às mesmas normas que regem a tributação da iniciativa privada.

Recentemente, contudo, o tema, que parecia pacificado na Suprema Corte Brasileira, ganhou novos contornos, de sorte que vem ganhando força uma corrente jurisprudencial que também exige a ausência de desígnio lucrativo na atividade econômica prestada pela entidade pública a fim de que ela possa ser beneficiada com a aplicação da regra de imunidade recíproca.

De acordo com esse entendimento, o critério essencial para a tributação seria o objetivo de auferir ganho patrimonial em benefício dos proprietários do negócio, de modo que o simples fato de a atividade promovida pela empresa pública estar submetida a monopólio estatal não seria capaz de afastar a exação. Desta maneira, se não houver a conjugação do monopólio com a ausência de intuito lucrativo do empreendimento, não haveria que se falar em reconhecimento de imunidade recíproca.

Esse critério fora utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para negar a aplicação da regra de imunidade recíproca à Petrobrás, tomando como fator decisivo a circunstância de a empresa demonstrar capacidade econômica, entendida como a exploração de atividade econômica com a finalidade de obter acréscimo patrimonial:

Recurso extraordinário interposto de acórdão que considerou tributável propriedade imóvel utilizada pela Petrobrás para a instalação e operação de condutos de transporte de seus produtos. Alegada imunidade tributária recíproca, na medida em que a empresa-agravante desempenha atividade sujeita a monopólio. É irrelevante para definição da aplicabilidade da imunidade tributária recíproca a circunstância de a atividade desempenhada estar ou não sujeita a monopólio estatal. O alcance da salvaguarda constitucional pressupõe o exame (i) da caracterização econômica da atividade (lucrativa ou não), (ii) do risco à concorrência e à livre-iniciativa e (iii) de riscos ao pacto federativo pela pressão política ou econômica. A imunidade tributária recíproca não se aplica à Petrobrás, pois: Trata-se de sociedade de economia mista destinada à exploração econômica em benefício de seus acionistas, pessoas de direito público e privado, e a salvaguarda não se presta a proteger aumento patrimonial dissociado de interesse público primário; A Petrobrás visa a distribuição de lucros, e, portanto, tem capacidade contributiva para participar do apoio econômico aos entes federados; A tributação de atividade econômica lucrativa não implica risco ao pacto federativo." (RE 285.716-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 2-3-2010, Segunda Turma, DJE de 26-3-2010)

Essa nova postura parece ser a mais adequada, pois, ainda que agindo sob a forma de monopólio, é certo que empresas estatais com capital aberto (caso da Petrobrás) disputam recursos no mercado de valores mobiliários, lugar em que os investidores visam apenas a valorização dos papéis e a percepção de dividendos (lucros). O reconhecimento da imunidade recíproca nestes casos implica a concessão de vantagem às empresas estatais frente às suas congêneres privadas, o que afetaria negativamente o mercado, face o desequilíbrio gerado na livre concorrência e na livre iniciativa.

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Sobre a autora
Tarsila Ribeiro Marques Fernandes

Procuradora Federal. Pós-Graduada em direito público. Graduada pela UFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Tarsila Ribeiro Marques. A extensão da imunidade recíproca às empresas estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2729, 21 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18063. Acesso em: 22 dez. 2024.

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