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Dos limites subjetivos da eficácia da coisa julgada

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Em certas situações, terceiros "juridicamente interessados" podem ser atingidos pela imutabilidade da sentença, mesmo sem terem integrado a relação processual que deu origem à sentença.

RESUMO

Tem-se como ensinamento corrente na doutrina processual que a imutabilidade da sentença, o que caracteriza o instituto da coisa julgada, apenas se manifesta perante as mesmas partes que integraram o processo em relação a qual a declaração judicial definitiva foi obtida. Não há dúvida de que, no plano fático, os terceiros são atingidos pelos efeitos da sentença, todavia, ao contrário das partes envolvidas na demanda, a eficácia da sentença jamais se torna imutável. Grande celeuma se instaura quando, em determinadas situações, aqueles terceiros qualificados como "juridicamente interessados" possam ser atingidos pela imutabilidade da sentença, mesmo sem terem, categoricamente falando, integrado a relação processual que deu origem a sentença que transitou em julgado. Desse modo, mostra-se necessária e imprescindível a realização de uma pesquisa que tenha por propósito, com base no tratamento conferido à coisa julgada no Brasil, observar, à luz das garantias constitucionais relativas ao devido processo legal e à segurança jurídica, a abrangência e regularidade da extensão da coisa julgada aos indivíduos que não participaram do processo.

Palavras-chave: Coisa julgada; sentença; limites subjetivos.


INTRODUÇÃO

Tem-se como ensinamento corrente na doutrina processual que a imutabilidade da sentença, o que caracteriza o instituto da coisa julgada, apenas se manifesta perante as mesmas partes que integraram o processo em relação a qual a declaração judicial definitiva foi obtida.

De fato, há que se consignar a distinção flagrante entre a autoridade da coisa julgada e a eficácia da decisão. Não há dúvidas de que uma decisão judicial, ou seja, a concreção da norma abstrata, indubitavelmente, acarretará efeitos não só às partes envolvidas na lide, mas também aos terceiros que nenhuma participação tiveram no processo. Assim, no plano fático, os terceiros são atingidos pelos efeitos da sentença, todavia, ao contrário das partes envolvidas na demanda, a eficácia da sentença jamais se torna imutável.

Grande celeuma se instaura quando, em determinadas situações, aqueles terceiros qualificados como "juridicamente interessados" possam ser atingidos, agora sim, pela imutabilidade da sentença, mesmo sem terem, categoricamente falando, integrado a relação processual que deu origem a sentença que transitou em julgado.

Diante de tais situações, faz-se necessário um estudo mais acurado e sistemático sobre o tratamento adequado, nos termos do ordenamento pátrio, a ser aplicado à matéria.

Casos como o do litisconsorte necessário que não integra o processo, do litisconsórcio ativo facultativo unitário, do substituído processual, da pluralidade de legitimados à impugnação de um único ato, entre outros, merecem um atencioso estudo.

Desse modo, mostra-se necessária e imprescindível a realização de uma pesquisa que tenha por propósito, com base no tratamento conferido à coisa julgada no Brasil, observar, à luz das garantias constitucionais relativas ao devido processo legal e à segurança jurídica, a abrangência e regularidade da extensão da coisa julgada aos indivíduos que não participaram do processo.

Em assim sendo, em vista o tema a ser abordado, há que se valer, basicamente, do método dialético para o desenvolvimento do trabalho, uma vez que a conclusão será obtida a partir da contraposição de diversas correntes doutrinárias que divergem quanto à conceituação de coisa julgada, de partes, de terceiros e da possibilidade de extensão da autoridade da coisa julgada àqueles que não integraram a relação jurídica que resultou na prolatação da sentença.

Dessa forma, será realizado um confronto dialético entre os argumentos de cada corrente de modo a se obter uma conclusão ponderada e analítica.

Tem-se como referencial teórico o Neo-positivismo, uma vez que está a se buscar a observância e o respeito das regras presentes no direito positivado, aliando a subsunção da norma ao caso concreto através de um juízo de ponderação e sopesamento dos princípios identificados no sistema jurídico-normativo.


1 A COISA JULGADA

Com o desenvolvimento da sociedade moderna e a conclusão do processo de transmutação de um Estado Absolutista para um Estado Liberal, calcado no império da lei, tem-se como claras e delimitadas as funções estatais.

A idéia de jurisdição traduz a função precípua do chamado "Poder Judiciário", função essa que consiste, basicamente, em dizer o direito diante do caso concreto.

Enquanto o Poder Legislativo é o responsável pela aprovação da lei, deve o Poder Judiciário realizar um juízo de concreção, ou seja, adequando o fato específico, então delineado em juízo, a uma norma abstrata prevista no ordenamento. Daí se dizer que a jurisdição presta-se à atuação da vontade concreta da lei [01].

A concepção substancial da res iudicata é, por isso mesmo, inaceitável porque confere função criadora ao julgamento, concebendo este como elemento produtor da situação jurídica que se formou, ao ficar solucionada a lide. No julgamento, vale-se o juiz ou tribunal das regras do Direito objetivo e as aplica ao caso concreto de caráter sigiloso, para dar a cada um o que é seu. Não se constitui Direito novo, nem se cria norma destinada a compor a lide: o juiz aplica o Direito existente e, com isso, soluciona o conflito litigioso de interesses. A norma da ordem jurídica a ser aplicada, preexiste ao julgamento e ao processo. E se depois de individualizada pela incidência hic et nunc a lide, passa a vigorar como lei do caso concreto, não mais podendo, nessa qualidade, ser alterada ou revista – isto se deve a vínculos e imperativos de natureza jurídico-processuais, que impedem os órgãos jurisdicionais de prestar nova tutela estatal aos litigantes, para o caso já decidido [02].

Assim como se busca conferir às normas jurídicas abstratas considerável grau de estabilidade, visto que, dessa forma, teriam o condão de permanecerem regulando as condutas da sociedade, "considerando que na sentença o juiz ‘concretiza’ a norma abstrata, fazendo a lei do caso concreto, nada mais normal que essa lei também se mostre imutável [03]".

Chega-se aí à concepção da necessidade de se dotar o pronunciamento do Poder Judiciário sobre determinado caso concreto - realizada, portanto, a subsunção da norma geral - do atributo da imutabilidade.

É cediço que, em termos principiológicos, assim como a lei, ato dotado de generalidade e abstração, que, além do fundamento da cidadania e do Estado Democrático de Direito, o instituto da coisa julgada calca-se no primado da segurança jurídica.

A estabilidade das relações jurídicas e a proteção à certeza e confiança do cidadão perante o Estado são as diretrizes que norteiam o fenômeno da coisa julgada como direito fundamental estabelecido na ordem constitucional pátria.

Com efeito, no presente momento, há que se valer de um conceito incipiente de coisa julgada para permitir o aprofundamento da análise: trata-se da imutabilidade resultante da sentença de mérito que constitui fator de inibição de sua discussão posterior.

Mas, aqui, vale indagar a amplitude da característica de indiscutibilidade conferida ao instituto. Seria a vedação da discussão aplicada apenas ao âmbito interno do processo na qual foi gerada? Ou seus efeitos superariam os muros da relação processual que deu origem à sentença?

Pontue-se que só há de se falar em indiscutibilidade da sentença fora do processo, ou seja, em situações externas à relação processual, quando existe a coisa julgada material.

Por outro lado, se a indiscutibilidade da decisão judicial limita-se ao âmbito interno do processo, temos a chamada coisa julgada formal. Enquanto a coisa julgada material refere-se a um fenômeno de ordem extraprocessual, a coisa julgada formal cinge-se a um fenômeno endoprocessual, o que conduz à idéia de preclusão.

A bem da verdade, a chamada coisa julgada formal nada mais é do que uma modalidade de preclusão [04] que não guarda relação axiológica com a coisa julgada material [05]. Nessa senda, é indiscutível que a primeira é pressuposto para a segunda.

Em vista dos objetivos a que se propõe o presente trabalho, registre-se, desde já, ser o instituto da coisa julgada material o objeto de interesse e discussão do estudo que ora se delineia.

Considerando o importante efeito acarretado pela coisa julgada material, qual seja, a indiscutibilidade da decisão judicial prolatada em relação, inclusive, à outras demandas, cumpre precisar os pressupostos para a sua formação.

Para que se viabilize a formação da coisa julgada material, há que se garantir que a sentença seja capaz, de fato, de declarar a existência ou não de um direito.

Consoante lição de LUIZ GUILHERME MARINONI [06], in verbis:

Se o juiz não tem condições de "declarar" a existência ou não de um direito (em razão de não ter sido concedida às partes ampla oportunidade de alegação e produção de prova), o seu juízo – que na verdade formará uma "declaração sumária" – não terá força suficiente para gerar a imutabilidade típica da coisa julgada. Se o juiz não tem condições de conhecer os fatos adequadamente (com cognição exauriente) para fazer incidir sobre estes uma norma jurídica, não é possível a imunização da decisão judicial, derivada da coisa julgada material. (grifo assim como no original)

Assim, para a formação da coisa julgada material, há necessidade da realização de cognição judicial exauriente, no sentido de conferir ao Poder Judiciário a oportunidade de aprofundar-se no exame dos fatos e do direito, de modo a compatibilizar a segurança jurídica proveniente da imutabilidade da sentença com a justiça da decisão.

Calha ressaltar que a coisa julgada não é instrumento de justiça, visto que não objetiva assegurar a "justiça das decisões", ligando-se, inexoravelmente, à noção de verdade. A coisa julgada tem o fito de, em atenção à segurança jurídica como postulado do Estado Democrático de Direito, impor definitividade à solução da lide então confiada ao Poder Judiciário.

Com a palavra, novamente, LUIZ GUILHERME MARINONI:

Em realidade, a coisa julgada não se liga, ontologicamente, à noção de verdade. Não a representa, nem constitui ficção (ou presunção) legal da verdade. Trata-se, antes, de uma opção do legislador, ditada por critérios de conveniência, que exigem a estabilidade das relações sociais, e consequentemente das decisões judiciais. É notório que o legislador, ao conceber o sistema jurisdicional, pode inclinar-se para a certeza jurídica ou para a estabilidade. Pode privilegiar a certeza, buscando incessantemente descobrir como as coisas acontecem, autorizando sempre e a qualquer tempo a revisão da decisão prolatada, e fazendo infinita a solução da controvérsia. Ou pode fazer prevalecer a estabilidade, colocando, em determinado momento, um fim à prestação jurisdicional, e estabelecendo que a resposta dada nessa ocasião representa a vontade do Estado relativamente ao conflito posto à sua solução. É comum observar que o processo penal tende para a primeira opção, enquanto o processo civil dirige-se, com maior freqüência, para a segunda. Nenhuma das alternativas, porém, é adotada de forma radical por qualquer desses sistemas, sempre se buscando o equilíbrio ideal entre elas.

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Daí porque se dizer, considerado o evidente exagero da expressão, que a coisa julgada faz do branco preto, transforma o quadrado em redondo, transforma falso em verdadeiro...

De toda sorte, é indubitável que, a despeito de seu fundamento constitucional, como bem observa FREDIE DIDIER JR., cabe ao legislador infraconstitucional traçar o perfil dogmático da coisa julgada [07]. Assim, "é possível que o legislador, em juízo de ponderação, não atribua a certas decisões a aptidão de ficar imutáveis pela coisa julgada, ou, ainda, exija pressupostos para a sua ocorrência mais ou menos singelos/rigorosos [08]".

O que não se pode conceber é a mutilação do núcleo essencial do instituto assim como estabelecido no art. 5º, inciso XXXVI, Constituição da República, como idéia de garantia da segurança jurídica e instrumento de estabilização das relações, mesmo em face de superveniência de lei.

1.1 Teorias sobre a coisa julgada

Nos termos do art. 467 do Código de Processo Civil brasileiro (Lei nº 5.869/73), "denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

Para se avaliar a orientação seguida pelo legislador de 1973, consubstanciada no digesto processual pátrio, cumpre destacar a existência de três acepções básicas sobre o instituto da coisa julgada.

1°) Teoria alemã: a coisa julgada seria um efeito da decisão, de forma que a carga declaratória da decisão seria imutável, indiscutível. Os defensores dessa teoria "confinam a autoridade da coisa julgada à pura declaração de existência (ou inexistência) de um direito; seria uma força vinculante desta declaração que a torna obrigatória e indiscutível [09]". É defendida por KONRAD HELLWIG, PONTES DE MIRANDA e OVÍDIO BASTISTA [10].

2°) Teoria italiana: a coisa julgada seria uma qualidade dos efeitos da decisão, dado que a coisa julgada não é um dos efeitos produzidos pela sentença, mas sim a qualidade da imutabilidade que recai sobre todos os efeitos da sentença. Apenas a imutabilidade está sujeita a limites, de ordem objetiva e subjetiva, que não operam quanto à eficácia. Tal teoria é capitaneada por ENRICO TULLIO LIEBMAN [11] e acompanhada, no Brasil, dentre outros, por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO [12], MOACYR AMARAL SANTOS [13] JOSÉ FREDERICO MARQUES [14].

3°) Coisa julgada como uma situação jurídica do conteúdo da decisão: a coisa julgada consiste na imutabilidade do conteúdo da decisão, do seu comando (dispositivo), que é composto pela norma jurídica concreta. Não se trata, portanto, de imutabilidade dos efeitos da decisão, já que estes, no plano fático, podem ser disponíveis e, assim, alteráveis. Tal teoria tem como expoente JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [15], seguido, inclusive, por FREDIE DIDIER JR [16].

Expostas as teorias e retornando à concepção do art. 467 do CPC, segundo o qual a coisa julgada é um efeito da sentença, tem-se que o legislador pátrio de 1973 aderiu à teoria alemã.

A despeito das lições de LIEBMAN sobre a distinção entre os efeitos da sentença e a autoridade da coisa julgada, seguida por ALFREDO BUZAID, conforme noticia DIDIER JR. [17], "a redação inicial do Anteprojeto do CPC/73 elaborada por Alfredo Buzaid – dileto discípulo de Liebman – foi rejeitada, optando o legislador por definir a coisa julgada como eficácia (doutrina alemã) e, não, qualidade (doutrina liebmaniana)".

É oportuno registrar: a autoridade da coisa julgada distingue-se da eficácia da decisão. Segundo ENRICO TULLIO LIEBMAN [18], verbis:

…a autoridade da coisa julgada (imutabilidade que recai sobre os efeitos da sentença) forma-se apenas entre as partes. Já os efeitos da sentença não se restringem àqueles que tiveram a oportunidade de participar do processo, e podem atingir terceiros.

Assim, os terceiros, no plano fático, são indubitavelmente atingidos pelos efeitos da sentença. Contudo, há uma diferença fundamental entre estes e as partes envolvidas no litígio: para os terceiros, a eficácia da sentença jamais se torna imutável.

Anote-se que a doutrina processual pátria também critica a teoria desenvolvida por LIEBMAN dado que os efeitos da decisão, até por questões naturais, não são imutáveis, podendo, inclusive, serem disponíveis e modificáveis pelas partes. É o que concebe ARAKEN DE ASSIS [19], in verbis:

Se, no tráfico jurídico, uma coisa parece normal quanto à vida das sentenças providas de autoritas rei iudicate, consiste ela na ampla e irrefreável alterabilidade dos "efeitos". O que proíbe ao credor remitir a dívida do devedor após uma condenação, supostamente "imutável", proveniente da coisa julgada? Ou aos cônjuges, separados através de demanda de força constitutiva negativa, de se reconciliarem, restabelecendo, contrariamente ao sucedido em divórcio, o próprio casamento desfeito? Essas situações além de possíveis, se revelam freqüentes na prática.

Assim sendo, mostra-se mais adequado à realidade prática e compatível com as implicações processuais do instituto da coisa julgada material no Brasil a concepção segundo a qual a coisa julgada consiste na imutabilidade do comando dispositivo da decisão.

Outrossim, não é desnecessário lembrar que o próprio art. 468 do CPC contempla a tese defendida por BARBOSA MOREIRA ao prescrever que: "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas".

1.2. Do regime jurídico da coisa julgada: limites objetivos e subjetivos

Consoante as conclusões expostas alhures, tem-se que a coisa julgada refere-se à declaração contida na sentença, de modo a torná-la imutável e insuscetível a futuras discussões.

Com base em tal premissa, é mister avaliar o que, de fato, fica abrangido pela coisa julgada.

A resposta a tal questionamento encontra amparo no disposto no art. 468 do CPC, onde se preconiza que a sentença transitada em julgado tem força de lei "nos limites da lide e das questões decididas". Temos aí os chamados "limites objetivos da coisa julgada".

Conforme dispõe o art. 458 do CPC, a sentença é composta de três "partes" essenciais, quais sejam, o relatório, os fundamentos e o dispositivo. A atividade jurisdicional propriamente dita, quando se realiza o juízo de subsunção, dando concretude à norma, somente se observa na parte dispositiva da sentença.

Há aqui de se fazer um destaque. Não se está a dizer que todo o dispositivo de uma sentença está, necessariamente acobertado pela coisa julgada. Tem-se que o dispositivo "é a parte da decisão em que o órgão jurisdicional estabelece um preceito, uma afirmação imperativa, concluindo a análise acerca de um (ou mais de um) pedido que lhe fora dirigido [20]". Com efeito, o dispositivo não é algo exclusivo das sentenças, podendo, também, ser observado em decisões interlocutórias. Todavia, para restar imune pela coisa julgada, cumpre avaliar o conteúdo do dispositivo, que varia de acordo com a questão que nele se encontra resolvida. Só há coisa julgada em relação às decisões sobre o mérito da demanda. Ademais, tal decisão, como visto, deverá ser resultante de uma cognição exauriente.

É isento de dúvidas, portanto, que no relatório e na fundamentação não há um julgamento propriamente dito [21]. Não há em tais momentos do ato "sentença", certificação, por parte do magistrado, da vontade do direito que incide sobre o caso concreto.

O próprio art. 469 do digesto processual é enfático ao proclamar que não fazem coisa julgada: a) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; b) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; c) a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.

De toda forma, somente se submeterá à coisa julgada material a norma jurídica concreta - situada na parte dispositiva da sentença - decorrente da atuação da jurisdição, que julga, de forma profunda e exauriente, a questão principal posta na demanda. Logo, só haverá coisa julgada em relação à questão abordada em caráter principaliter tantum.

Calha, nesse desiderato, transcrever as palavras de LUIZ GUILHERME MARINONI [22], valendo-se das lições de MONIZ ARAGÃO, sobre aspecto essencial da referida imutabilidade do dispositivo da sentença que transita em julgado, verbis:

... a imutabilidade da coisa julgada protege a declaração judicial apenas enquanto as circunstâncias (fáticas ou jurídicas) da causa permanecerem as mesmas, inseridas que estão na causa de pedir da ação (...) Sempre, portanto, que as circunstâncias (fáticas ou jurídicas) da causa forem alteradas de maneira tal a compor nova causa de pedir, surgirá ensejo a nova ação, totalmente diferente da ação anterior, e, por essa razão, não preocupada com a coisa julgada imposta sobre a primeira decisão (...) Em essência, como esclarece Moniz Aragão, "o que a lei concebe é a possibilidade de ser proferido outro julgamento à face de fatos novos, sobrevindos à sentença, a qual diante deles tornar-se insustentável precisamente porque exarada rebus sic stantibus. O que se examina, pois, são novos fatos, que constituem por sua vez nova causa de pedir, a qual autoriza outro pedido".

Sendo a questão meramente incidental (incidenter tantum), a solução judicial, nos termos do art. 469, III, CPC, não terá aptidão para ser acobertada pela coisa julgada material.

A lide decidida é aquela levada a juízo através de um pedido da parte, colocado como questão principal. Logo, resta evidente que, de acordo com esse artigo [art. 468 do CPC], a autoridade da coisa julgada só recai sobre a parte da decisão que julga o pedido (a questão principal, a lide), ou seja, sobre a norma jurídica concreta contida no seu dispositivo [23].

Note-se que o próprio art. 470, através de uma colocação a contrario sensu, deixa claro que as questões deduzidas e examinadas incidentalmente não serão acobertadas pela imunidade da coisa julgada, tanto que aduz:

Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide.

Temos aí, pois, delineados, de forma geral, os limites objetivos da coisa julgada. Passemos à análise de seus limites subjetivos.

Nesse ponto, estar-se-á a desvendar a seguinte indagação: quem está submetido à coisa julgada?

A parte inicial do art. 472 do CPC oferece a regra geral sobre os limites subjetivos da coisa julgada: "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros".

Resta claro, assim, a título de regra geral, que somente as partes ficam vinculadas à decisão judicial que estabelece a lei do caso concreto. Afinal, foram elas, sujeitos da relação jurídica deduzida em juízo, que, sob o pálio do contraditório e ampla defesa, tiveram condições de influenciar na função jurisdicional. Dessa forma, tais partes passam a se sujeitar à resposta jurisdicional quanto à questão posta em juízo e, não sendo esta mais passível de discussão (esgotamento das vias recursais), o conteúdo da decisão torna-se imutável àquelas partes.

Não há dúvida de que a previsão do art. 472 do CPC apresenta profundo embasamento constitucional, inspirando-se nas garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, inafastabilidade da jurisdição e segurança jurídica. Nesse sentido, vejamos o pronunciamento de EDUARDO TALAMINI [24], verbis:

Estabelecer como imutável uma decisão perante terceiro, que não teve a oportunidade de participar do processo em que ela foi proferida, afrontaria não apenas a garantia do contraditório, como também o devido processo legal e a inafastabilidade da tutela jurisdicional. Estaria sendo vedado o acesso à justiça ao terceiro, caso se lhe estendesse a coisa julgada formada em processo alheio: ele estaria sendo proibido de pleitear tutela jurisdicional relativamente àquele objeto, sem que antes tivesse ido a juízo. Portanto, isso implicaria igualmente privação de bens sem o devido processo legal. Haveria uma frustração da garantia do contraditório: de nada adiantaria assegurar o contraditório e a ampla defesa a todos os que participam de processos e, ao mesmo tempo, impor como definitivo o resultado do processo àqueles que dele não puderam participar.

Ocorre que, no ordenamento jurídico pátrio, existem exceções à regra estatuída no art. 472 do CPC. Tratam-se daqueles casos em que a eficácia da coisa julgada se estende àqueles que não participaram do processo.

Como será analisado do decorrer do presente trabalho, há diversas situações contempladas no ordenamento na qual uma pessoa que não tenha participado efetivamente do processo fica vinculada à imutabilidade da decisão judicial.

A título de exemplo, temos o caso da substituição processual, quando se verifica o fenômeno da legitimação extraordinária (art. 6º do CPC), na qual o substituído, mesmo não tendo tecnicamente participado do processo, tem sua esfera de direitos atingida pelos efeitos da coisa julgada.

Há, também, o caso da substituição processual ulterior decorrente da alienação de coisa julgada, fenômeno previsto no art. 42, §3º, do CPC, segundo o qual, "a sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente ou ao cessionário".

Por fim, sem prejuízo de outros exemplos que ainda serão abordados e sem adentrar na polêmica doutrinária a respeito do tema, temos o caso do litisconsórcio unitário facultativo, no qual aquele que poderia ter sido parte no processo e não o foi, fica vinculado aos efeitos da coisa julgada produzida a partir da relação processual de que não participou.

Consigna-se que os casos específicos que contrariam a regra geral preceituada no art. 472 do CPC serão analisados minuciosamente no capítulo seguinte.

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Sobre o autor
Victor Aguiar Jardim de Amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Victor Aguiar Jardim. Dos limites subjetivos da eficácia da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2841, 12 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18883. Acesso em: 16 abr. 2024.

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