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"Amicus curiae" e o controle concentrado de constitucionalidade

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15/06/2011 às 09:01
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O "amicus curiae" é verdadeiro instrumento de aperfeiçoamento das decisões judiciais, símbolo da democratização do exercício da função jurisdicional.

RESUMO: O presente artigo destina-se ao estudo do instituto do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Figura ainda recente no sistema brasileiro, é alvo de acirradas controvérsias, no que diz respeito às hipóteses de atuação, poderes, momento da intervenção e de sua natureza jurídica. O ingresso do amicus curiae representa a abertura do processo objetivo de controle de constitucionalidade, de forma a permitir que terceiros detentores de conhecimentos específicos, especializados, possam contribuir no deslinde das questões constitucionais, desde que demonstrem a presença do binômio relevância-representatividade. Trata-se, o amicus curiae, de verdadeiro instrumento de aperfeiçoamento das decisões judiciais, símbolo da democratização do exercício da função jurisdicional.

Palavras-chave: Amicus curiae. Controle concentrado de constitucionalidade. Legitimação das decisões Suprema Corte. Intervenção de terceiros. Auxiliar do juízo.

ABSTRACT: The present article intends to analyze the AMICUS CURIAE principle in Brazilian Constitutional Concentrated Control. This principle is recent in Brazilian Legal System, being cause of warm discussions, about the circumstances of its action, the moment of its intervention in the process and its juridical nature. The ingress of the AMICUS CURIAE principle represents the open of the objective process of concentrated control, that permits third persons who have particular knowledge may contribute to decisiveness of the constitutionals questions, since has been demonstrated the relevance-representative binomial. The AMICUS CURIAE is, in fact, as instrument of judicial decisions improvement, being a symbol of democratic function of jurisdictional acting.

Key words: Amicus Curiae. Constitutional Concentrated Control. Legitimating of the Supreme Court Decisions. Third Persons Intervention. The Judge Auxiliary.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O amicus curiae no sistema brasileiro; 1.1. Origens do instituto; 1.2. Hipóteses de atuação no direito brasileiro; 1.3. Da natureza jurídica do amicus curiae; 2 Atuação no Controle concentrado; 3 Na Ação Direta de Inconstitucionalidade; 3.1 Os requisitos para intervenção; 3.2 O momento processual da intervenção; 3.3 Prazo para a manifestação; 3.4 Poderes; 4 Na Ação Declaratória de Constitucionalidade; 5 Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

A figura do amicus curiae é nova e pouco estudada pela doutrina brasileira, sendo o ordenamento jurídico carente de diplomas normativos que regulamentem a atuação do amigo da corte.

A tendência de ampliar e pluralizar o debate das questões jurisdicionais está ganhando importância no direito brasileiro, a exemplo da ampliação do rol de legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, da previsão da ação popular, da ação civil pública, etc.

O exercício da democracia não está mais restrito à participação dos cidadãos somente na escolha dos seus representantes, pelo voto direto, mas além da esfera do Executivo e do Legislativo, manifesta-se, também, no poder Judiciário.

É nesse cenário de abertura, de uma nova compreensão dos princípios do contraditório e da cooperação, que se situa a figura do amicus curiae. Trata-se da participação de um "terceiro", estranho à lide, mas que pode contribuir com seus conhecimentos técnicos, especializados, sobre o tema objeto do debate judicial, trazendo ao magistrado informações que serão úteis no momento de decidir o conflito de interesses sob sua análise, de forma a assegurar maior legitimidade às suas decisões.

A admissão da figura do amicus curiae significa a democratização do processo objetivo de controle de constitucionalidade, de forma a permitir um debate em que a sociedade participe e interfira de forma direta nas decisões da Corte Suprema.

Portanto, tendo em vista ser o amicus curiae um instrumento de aperfeiçoamento das decisões jurisdicionais, assim como possuir a função de conferir maior legitimidade a essas, decorre a importância no aprofundamento do estudo sobre o tema.


1 O AMICUS CURIAE NO SISTEMA BRASILEIRO

O tema da atuação do amicus curiae no direito brasileiro apresenta várias controvérsias. Trata-se se assunto recente, ainda pouco explorado, mas que vem ganhando a cada dia maior importância e novos contornos, sobretudo diante do Supremo Tribunal Federal e do controle de constitucionalidade.

O controle de constitucionalidade no Brasil divide-se em controle concentrado ou por via de ação, e controle difuso ou por via de exceção.

O controle concentrado é feito exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a guarda da Constituição.

Apesar de já existir previsão deste tipo de controle nas Constituições anteriores, a consolidação do sistema ocorreu com a Emenda Constitucional n° 16 de 26/11/1965.

Porém, a Constituição de 1988 inaugura um novo cenário, uma vez que ampliou o rol de legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, anteriormente exclusividade do Procurador-Geral da República; criou a argüição de descumprimento de preceito fundamental; e a Emenda n° 45/2004 unificou os legitimados para a propositura da ação declaratória inconstitucionalidade e de constitucionalidade, assim como o efeito vinculante das decisões finais proferidas em ambas.

É nesse contexto de democratização da participação da sociedade no processo de controle da constitucionalidade das leis que está inserida a figura do amicus curiae.

A doutrina aprecia a intervenção do amicus curiae no controle de constitucionalidade como uma forma de pluralizar o debate acerca da constitucionalidade das leis.

Nesse sentido, o entendimento de Carlos Rodrigues Del Prá [01]:

A partir de 1988, inaugura-se uma nova ordem constitucional, que erigiu os valores da democracia e da soberania popular a condições de pilares do próprio Estado brasileiro. Essa mudança de foco refletiu-se em todo o texto constitucional e, no que ora nos interessa, também no que tange à prestação jurisdicional.

A participação popular passa a não mais restringir-se à esfera política, no sentido, v.g., de exercício da representação direta pelo voto, mas, ao contrário, inunda campos maiores de atuação, possibilitando mais amplo debate nas instâncias jurisdicionais, com o objetivo de fazer valer os direitos constitucionalmente assegurados, quer de forma individual, quer coletiva. [...]

Nesse sentido, emblemática foi a ampliação dos legitimados ativos para as ações diretas de inconstitucionalidade, promovida pela Constituição Federal de 1988.

[...]

Ora, com efeito, o alargamento subjetivo da via do controle da constitucionalidade é manifesta concretização de uma tendência mundial – em grande parte iniciada e desenvolvida a partir da obra de Häberle, em 1975 – de reconhecer que as normas constitucionais necessitam ser integradas no tempo e na realidade sócio-econômica-cultutal, tarefa incumbida não só aos juízes, mas a todos aqueles que, de qualquer forma, vivenciam a Constituição.

Esse processo de abertura hermenêutica constitucional é essencial para a saúde de um regime democrático, porque somente por meio dele se pode efetivamente obter uma verdadeira integração da realidade ao conteúdo das normas constitucionais. E, quanto mais ampla for, do ponto de vista objetivo e metodológico, a interpretação constitucional, mais amplo há de ser o círculo dos que dela devem participar.

Também Mirella de Carvalho Aguiar [02] defende a participação do amicus curiae, de forma a ampliar o debate:

Através da ampliação do debate objeto da causa, proporciona-se ao órgão julgador uma visão mais completa da questão a ser decidida, que compreende, além de aspectos fáticos e jurídicos, a dimensão das conseqüências (inclusive sociais) do julgamento, enfim, o pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões, elementos informativos estes que poderiam passar desapercebidos [sic] à análise da Corte.

Os doutrinadores apresentam diversos conceitos de amicus curiae, dentre eles citamos aquele dado por Fredie Didier Jr [03]:

É o amicus curiae verdadeiro auxiliar do juízo. Trata-se de uma intervenção provocada pelo magistrado ou requerida pelo próprio amicus curiae, cujo objetivo é o de aprimorar ainda mais as decisões proferidas pelo Poder Judiciário. A sua participação consubstancia-se em apoio técnico ao magistrado.

Importante ressaltar, porém, que a intervenção do amicus curiae não se encontra restrita ao controle de constitucionalidade. O sistema brasileiro apresenta outros casos de participação do amigo da corte, como, por exemplo, a intervenção da CVM, prevista na Lei 6385/76; a participação do CADE, objeto da Lei 8884/94, além de outras que estudaremos a seguir.

É nesse contexto de um tema pouco estudado e de novas teorias que buscam o aprimoramento do amicus curiae é que vamos desenvolver nosso trabalho a fim de melhor traçarmos os contornos dessa figura contraditória.

1.1. Origens do Instituto

Existem doutrinadores, como Antônio do Passo Cabral [04], que defendem que as origens mais remotas do instituto do amicus curiae encontram-se no direito romano.

No entanto, segundo Elisabetta Silvestri [05]:

[...] a origem do instituto do amicus curiae está no direito inglês, mais especificamente no direito inglês medieval. Foi de lá que o instituto passou para os demais países, sobretudo para os Estados Unidos, local em que o instituto alcançou amplo desenvolvimento.

Ainda que exista certa divergência quanto à origem do instituto ora em estudo, resta evidente que foi no direito inglês e, posteriormente nos Estados Unidos, que a figura do amicus curiae foi concebida com os contornos que hoje conhecemos.

Nesse sentido, as lições de Mirella de Carvalho Aguiar [06]:

[...] Destarte, como conseqüência da adoção do sistema da common law, são as decisões judiciais que conferem contornos à letra da lei, estabelecendo parâmetros, de forma que tais precedentes (stare decisis) passam a vincular o julgamento de futuros processos. E é em tal contexto que o friend of the Court surgiu com o intuito de possibilitar a terceiro, interessado em julgamento favorável a uma das partes, o ingresso em processo subjetivo alheio, com o fito de influenciar a decisão judicial, a qual provavelmente se refletiria em todos os julgamentos posteriores sobre idêntica questão, auxiliando a Corte através de ventilação de matéria relevante ainda não abordada pelas partes no processo.

1.2. Hipóteses de Atuação no Direito Brasileiro

Além da hipótese de atuação do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade, objeto central do nosso estudo neste trabalho, há outros dispositivos legais que autorizam sua participação. Vejamos.

A Lei 6.385/1976, em seu artigo 31, assim dispõe:

Art. 31 - Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.

§ 1º - A intimação far-se-á, logo após a contestação, por mandado ou por carta com aviso de recebimento, conforme a Comissão tenha, ou não, sede ou representação na comarca em que tenha sido proposta a ação.

§ 2º - Se a Comissão oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, será intimada de todos os atos processuais subseqüentes, pelo jornal oficial que publica expedientes forense ou por carta com aviso de recebimento, nos termos do parágrafo anterior.

§ 3º - A comissão é atribuída legitimidade para interpor recursos, quando as partes não o fizeram.

§ 4º - O prazo para os efeitos do parágrafo anterior começará a correr, independentemente de nova intimação, no dia imediato aquele em que findar o das partes.

Dessa forma, sempre que existir um processo judicial no qual se discutem questões relativas ao mercado de capitais, matéria sujeita às atribuições da Comissão de Valores Mobiliários, esta poderá intervir para prestar os esclarecimentos que julgar necessários.

Segundo Cassio Scarpinella Bueno [07], a doutrina considera essa hipótese como verdadeira e pioneira atuação da figura do amicus curiae no direito brasileiro:

Daí se tratar o dispositivo em comento de inequívoca hipótese em que o direito brasileiro reconhece, expressamente, embora sem qualificá-lo com tal nome, a participação de um ente na qualidade de amicus curiae. Interessante destacar, a esse propósito, que grande parte dos textos que, mais recentemente, voltaram-se ao tema apontou a Comissão de Valores Mobiliários como a pioneira dos amici curiae em nosso direito. Não obstante, convém que afirmemos, o legislador não tenha empregado nesse texto de lei – como, de resto, em nenhum outro – aquele nomen iuris.

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Outro caso, previsto na Lei 8.884/1994, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências, encontra-se no seu art. 89:

Art. 89. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta lei, o Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.

Importante destacar que o dispositivo faz menção à atuação do CADE na qualidade de assistente. A figura da assistência, prevista no Código de Processo Civil, nos artigos 50 a 55, tem como traço característico a necessidade da demonstração de um interesse jurídico do assistente para que este possa intervir na lide.

Portanto, se fizermos uma interpretação literal do artigo 89 da Lei 8884/94, o CADE ao intervir para os fins previstos nessa lei, deveria sempre demonstrar a existência de um interesse jurídico no processo, atuando para que uma das partes obtivesse êxito na sua demanda.

Não obstante, entendemos, que embora a lei classifique a intervenção do CADE de assistência, estamos diante de um caso de atuação do amicus curiae.

O CADE ao intervir na demanda em que se discuta a aplicação da lei antitruste não estará defendendo o interesse de quaisquer da partes, nem tampouco terá de demonstrar a existência de interesse jurídico para intervir. Basta que esteja sendo discutida a aplicação da Lei 8884/94 que a autarquia poderá intervir para auxiliar o magistrado na solução das complicadas questões concorrenciais.

Para ilustrar esse posicionamento, citamos as lições de Cassio Scarpinella Bueno [08]:

Assim, o termo "assistente" empregado pelo art. 89 da Lei n. 8.884/94 não pode levar o intérprete a confundir as hipóteses. Não se trata, a toda evidência, de ingresso do CADE na qualidade de assistente de nenhuma das partes, porque não está ele, CADE, defendendo direito próprio em juízo, ou, de qualquer forma, direito seu que dependa da relação posta em juízo.

Trata-se, assim, inegavelmente, de mais uma hipótese em que a intervenção do ente estatal justifica-se em função de sua atividade fiscalizatória, no sentido de verificar, ainda que em juízo e diante de um litígio concreto, de que forma os bens jurídicos que cabem a ele, CADE, tutelar estão sendo interpretados e aplicados. A lei brasileira, a bem verdade, foi tímida quando optou por usar o nome "assistente". A hipótese por ela regulada difere da figura tradicional do nosso direito. O caso é, inegavelmente, de amicus curiae.

No mesmo sentido, Antônio do Passo Cabral [09]:

Porém, cabe notar que a lei diz que o Cade intervém "na qualidade de assistente". Não obstante o texto da lei, certamente não se trata de assistência, pois não há qualquer interesse jurídico do Cade nestes litígios vez que, assim como visto em relação à CVM, inexiste relação jurídica material entre o conselho e as partes envolvidas.

Situação também citada pela doutrina [10] como de intervenção do amicus curiae é aquela prevista no § 7º do artigo 14 da Lei 10.259/2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, in verbis:

Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

[...]

§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias. (grifo nosso)

Trata-se do caso de pedido de uniformização de interpretação da lei federal quando existente divergência entre Turmas Recursais, sobre questões de direito material. A lei admite que eventuais interessados possam intervir para prestar esclarecimento sobre a questão analisada, sem, contudo, requerer a demonstração de qualquer interesse por parte do interveniente.

Por outro lado, hipótese que gera controvérsia é aquela prevista na Lei 9.469/1997, em seu artigo 5º, parágrafo único, segundo o qual:

Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.

Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.

Essa hipótese diz respeito aos casos em que as pessoas jurídicas de direito público estão legitimadas a intervir nas causas que possam geram reflexos diretos ou indiretos de natureza econômica. Portanto, dispensa a lei, a presença de interesse jurídico, bastando para a intervenção a comprovação de interesse econômico.

Uma primeira posição, que apresenta entre seus defensores Athos Gusmão Carneiro apud Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá [11], sustenta que:

Entende o citado autor que a situação, por não poder ser encartada completamente na figura da assistência, e por inexigir exigência de interesse jurídico a autorizar a intervenção, deveria ser visualizada como sendo de intervenção do amicus curiae.

Em sentido contrário, Fredie Didier Jr [12], entendendo tratar-se de modalidade interventiva sem precedentes no Código de Processo Civil:

Em primeiro lugar, trata-se de modalidade interventiva sui generis, cujos únicos legitimados a intervir são as pessoas jurídicas de direito público, que estariam, a princípio, dispensadas da demonstração do interesse jurídico, bastando o econômico.[...]

Outro caso citado como de atuação do amicus curiae por autores como Cássio Scarpinella Bueno [13] e Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá [14], é o da intervenção do INPI nas situações dispostas na Lei 9.279/1996, a seguir transcritas:

Art. 57. A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

[...]

Art. 118. Aplicam-se à ação de nulidade de registro de desenho industrial, no que couber, as disposições dos arts. 56 e 57.

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

[...]

Qualificam, os autores acima citados, a participação do INPI através da prestação de informações ou qualquer outro tipo de manifestação, como caso de amicus curiae. Justificam, afirmando que o INPI intervirá a fim de tutelar interesses institucionais, sem defender interesse individual algum, agindo sempre para a correta observância das normas referentes à propriedade industrial.

Cassio Scarpinella Bueno [15] ainda aponta como hipótese de atuação do amicus curiae, a intervenção da OAB nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB, de acordo com o previsto no parágrafo único do art. 49 da Lei 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.

Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.

Por fim, citamos a atuação no incidente de constitucionalidade, previsto no § 3º do art. 482 do CPC, de acordo com a redação conferida pela Lei 9868/1999, que além de inserir a participação do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade, ampliou sua atuação para o controle difuso. Nítida a intenção do legislador de conferir efetividade ao princípio do contraditório ao pluralizar o debate acerca das questões constitucionais também no caso do controle concreto e difuso.

Vejamos o texto do art. 482 do CPC:

Art. 482. Remetida a cópia do acórdão a todos os juízes, o presidente do tribunal designará a sessão de julgamento.

§ 1º O Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado, se assim o requererem, poderão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade, observados os prazos e condições fixados no Regimento Interno do Tribunal.

§ 2º Os titulares do direito de propositura referidos no art. 103 da Constituição poderão manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do Tribunal, no prazo fixado em Regimento, sendo-lhes assegurado o direito de apresentar memoriais ou de pedir a juntada de documentos.

§ 3º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades. (grifo nosso)

No que diz respeito ao controle concentrado de constitucionalidade, a lei 9868/99, em seu artigo 7º, § 2° trouxe previsão da figura, que a doutrina a jurisprudência, paulatinamente, passaram a denominar de amicus curiae.

Art. 7° (...)

§ 1° (...)

§ 2° O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgão ou entidades.

A intervenção de terceiros, vista sob uma perspectiva geral, é vedada no controle de constitucionalidade, de acordo com o caput do art. 7º da Lei 9868/99.

A admissão da figura do amicus curiae não significa a existência de contradição entre o caput do art. 7º e seu parágrafo segundo, pois o amigo da corte exerce a função de atribuir maior legitimidade e qualidade às decisões do STF. A fim de ilustrar essa idéia transcrevemos a lição de Cássio Scarpinella Bueno [16]:

[...]

Com efeito. A expressão "processo objetivo" é, em geral, associada à noção de que o Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle concentrado de constitucionalidade, não "julga" nenhum interesse ou interesse subjetivado, isto é, concretizado em uma específica relação jurídica que dá ensejo, por definição, ao nascimento de pretensões concretas. É nesse sentido que, usualmente, se veda a intervenção de terceiros naquelas ações, já que não há qualquer "interesse" ou "direito" pertencente individual e exclusivamente a quem quer que seja que possa ser usufruído diretamente a partir daquilo que é julgado.

[...]

O que o § 2° do art. 7° da Lei n. 9868/99 apresenta de novo é a alteração radical da perspectiva em que a questão pode e deve ser analisada. Não se trata de reconhecer que há, na ação direta de inconstitucionalidade, "direitos subjetivos" capturáveis ou fruíveis diretamente pelos interessados. Bem diferentemente, o que passou a ser admitido é que "terceiros" possam vir perante os Ministros do Supremo Tribunal Federal e tecer suas considerações sobre o que está para ser julgado, contribuindo, com sua iniciativa, para a qualidade da decisão. Daí a nossa observação anterior de que esse "terceiro" atua em qualidade diversa das usualmente ocupadas pelos "terceiros-intervenientes". "Terceiro" ele é, mas não aquele terceiro que o Supremo Tribunal Federal sempre negou – e continua negando – pudesse – ou possa – intervir nas ações voltadas ao controle concentrado de constitucionalidade.

O estudo do amicus curiae no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade será objeto do capítulo seguinte.

1.3. Da Natureza Jurídica do Amicus Curiae

Mais uma vez, como na maioria das questões que dizem respeito à intervenção do amicus curiae no direito brasileiro, há acirrada controvérsia quanto à natureza jurídica deste instituto.

Quando se estuda a natureza jurídica de um instituto estamos buscando descobrir o que é esse instituto para o Direito. Poderia parecer que essa questão é meramente acadêmica, não trazendo maiores contribuições para o nosso trabalho.

No entanto, ao definirmos, ou tentarmos definir sua natureza jurídica, as conseqüências são imediatas como a delimitação de seus poderes, o âmbito de sua atuação e a submissão ou não aos efeitos da coisa julgada, para citarmos algumas situações.

Assim sendo, percebemos que não se trata de discussão meramente acadêmica, mas de um enfretamento que irá auxiliar na fixação dos limites da atuação do amicus curiae.

As correntes doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema são basicamente três, de acordo com a classificação proposta por Mirella de Carvalho Aguiar [17]: a) intervenção de terceiros, na modalidade de assistência qualificada; b) intervenção atípica de terceiros; c) auxiliar do juízo.

Passamos a análise de cada uma delas.

A primeira corrente entende que a figura do amicus curiae constitui intervenção de terceiros na modalidade de assistência qualificada.

Terceiro porque o amicus curiae não é parte, já que não demanda em nome próprio ou alheio e não atua com parcialidade.

Antônio do Passo Cabral elucida que o amicus curiae não pode ser considerado parte [18]:

Aquele que atua como amicus curiae não se inclui no conceito de parte, pois não formula pedido, não é demandado ou tampouco titulariza a relação jurídica objeto do litígio. Também não exterioriza pretensão, compreendida como exigência de submissão do interesse alheio ao próprio, pois seu interesse não conflita com aquele das partes. E, dentro da conceituação puramente processual de terceiros, devemos admitir que o amicus curiae inclui-se nesta categoria.

Esta corrente parte do pressuposto de que a participação do amicus curiae é exceção à regra da vedação de intervenção de terceiros no processo objetivo de controle de constitucionalidade. Acrescenta que a intervenção ocorreria na modalidade de assistência qualificada, ou seja, que além de demonstrar interesse na causa, o amicus curiae teria de preencher outros dois requisitos: relevância da matéria e representatividade.

Dentre os autores que defendem esta corrente encontramos Edgar Silveira Bueno Filho [19]:

Embora a lei diga que não é possível a intervenção de terceiros nos processos de controle direto de constitucionalidade, e o regimento interno do STF haja proibido a assistência, o fato é que a intervenção do amicus curiae é uma forma qualificada de assistência.

Com efeito, para intervir no processo judicial comum basta ao terceiro demonstrar o interesse legítimo. Nas ações diretas de constitucionalidade e de inconstitucionalidade, como já se viu, a intervenção só se admite quando o terceiro seja uma entidade ou órgão representativo. Portanto, além da demonstração de interesse no julgamento da lide a favor ou contra o proponente, a assistência do amicus curiae só será admitida pelo Tribunal depois de verificada a representatividade o interveniente. Daí a conclusão de que se tratar de assistência qualificada.

De acordo com Mirella de Carvalho Aguiar [20] a jurisprudência do STF é vacilante, ora apontando que a participação do amicus curiae não configura intervenção ad coadjuvandum, ora simplesmente estabelecendo que a criação do instituto significou o abrandamento da vedação legal à intervenção assistencial, de acordo com as decisões a seguir transcritas:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE - ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PECAS DOCUMENTAIS - DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE - IRRECORRIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. - O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de pecas documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. - Os despachos de mero expediente - como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteudo decisorio, não são passiveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504). (STF, ADI-AgR748 / RS, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 01.08.1994, DJ. 18.11.1994, p. 31392)

Não obstante tais razões, cabe ter presente a regra inovadora constante do art. 7º, § 2º, da Lei 9868/99 que, em caráter excepcional, abrandou o sentido absoluto da vedação pertinente à intervenção assistencial, passando, agora a permitir o ingresso de entidade dotada de representatividade adequada no processo de controle abstrato de constitucionalidade. (STF, ADI 2777-8/SP, Tribunal Pleno, Min. Celso de Mello, j. 26.11.2003) (grifos no original)

Já a segunda corrente sustenta que a participação do amicus curiae se dá na modalidade de intervenção atípica de terceiros, diferente, portanto, daquelas enunciadas no Código de Processo Civil.

A maioria da doutrina brasileira filia-se a esta teoria.

O Min. Milton Luiz Pereira [21] assim explicou a natureza jurídica do amicus curiae:

[...] conclui-se que o amicus curiae, como terceiro especial ou de natureza

excepcional, pode ser admitido no processo civil brasileiro para partilhar na construção de decisão judicial, contribuindo para ajustá-la aos relevantes interesses sociais em conflito.[...]

Dirley da Cunha Jr. [22], dissentindo da opinião de Fredie Didier Jr., que nega a qualidade de terceiro ao amicus curiae, entende que "o amicus curiae é terceiro, sim, que pode intervir, a critério do relator, no processo objetivo de controle de constitucionalidade para defender interesse objetivo relacionado à questão constitucional controvertida".

Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá [23] entende de maneira um pouco distinta, uma vez que faz diferença entre a intervenção voluntária e aquela por requisição do juiz. Vejamos:

Para o amicus curiae, como já se viu acima, a lei distintas situações jurídicas, ora autorizando ao juiz requisitar sua participação, ora autorizando ao próprio terceiro pleiteá-la. Ou seja, ora participará por iniciativa do juiz, ora por vontade própria.

Portanto, não se pode atribuir a mesma natureza jurídica a hipóteses tão distintas [...]

[...] Nos casos de manifestação por iniciativa do juiz (Lei 9868/99, arts. 9º, § 1º, e 20, § 1º; Lei 9882/99, art. 6º, § 1º), os terceiros exercerão função claramente semelhante à do "auxiliar do juízo", como já se afirmou anteriormente. [...]

[...] Assim, quanto às hipóteses de intervenção voluntária (Lei 9868/99, art. 7º, § 2º; CPC, art. 482, §§ 1º a 3º; Lei 9.882/99, art. 6º, § 2º; Lei 10.259/01, art. 14, § 7º e 15; Lei 8.884/94, art. 89; art. 31 da Lei 6.385/76, incluído pela Lei 6.616/78; Lei 9279/96, arts. 57 e 175), pensamos que esses terceiros assumirão a qualidade de terceiros intervenientes, por se tratarem de casos de intervenção de terceiros, não obstante diversas daquelas previstas no diploma processual civil.

A terceira e última corrente, defende que o amicus curiae é auxiliar do juízo.

Mirella de Carvalho Aguiar [24] está dentre os doutrinadores que se filiam a essa corrente, sustentando a impossibilidade de atribuir outra natureza jurídica que não a de auxiliar da justiça:

Lastreando-se em tal papel, afigura-se claramente absurda a atribuição de outra natureza jurídica que a não de auxiliar do juízo. Deve-se perceber, inicialmente, que, consoante a melhor doutrina, a enumeração das espécies de auxiliar no Código de Processo Civil (art. 139 e seguintes) é meramente exemplificativa. Ademais, o principal fito da admissão de uma pessoa ou entidade, completamente estranha à causa, é justamente a contribuição que poderá prestar à Corte, das mais diversas formas, ampliando o contraditório e trazendo à lume questões que poderiam escapar ao órgão julgador, municiando-o com o máximo de informações possíveis acerca do thema decidendum, da hermenêutica normativa, de suas implicações e repercussões, de forma a brindar suas decisões com maior qualidade e legitimidade.

Também Fredie Didier Jr. [25] corrobora esse entendimento:

O amicus curiae, compõe, ao lado do juiz, das partes, do Ministério Público e dos auxiliares da justiça, o quadro dos sujeitos processuais. Trata-se de outra espécie, distinta das demais, porquanto sua função seja de auxílio em questões técnico-jurídicas. Municia o magistrado com elementos mais consistentes para que melhor possa aplicar o direito ao caso concreto. Auxilia-o na tarefa hermenêutica. Esta última característica o distingue dos peritos, uma vez que esses têm a função clara de servir como instrumento de prova, e, pois, de averiguação do substrato fático. Não se cogitam honorários, nem há grandes incidentes em sua atuação, tendo em vista que, normalmente, ela se dá por provocação do magistrado.

Posicionamo-nos com a terceira corrente, uma vez que entendemos não ser possível atribuir à figura do amicus curiae a qualidade de assistente, já que a sua intervenção não requer a comprovação de qualquer interesse jurídico, de acordo com os casos existentes no sistema brasileiro e que foram objeto de análise anteriormente.

Tampouco concordamos com a corrente que sustenta tratar-se o amicus curiae de uma forma de intervenção atípica de terceiros.

A um, porque aqui não se mostra necessária a comprovação da existência de interesse jurídico. Exigir do amicus curiae a comprovação de interesse jurídico seria restringir em demasia sua participação, praticamente aniquilando a sua função de prestar informações ao juízo, trazendo novos elementos que contribuirão na melhor solução da demanda.

A dois, porque quando se trata de modalidade de intervenção de terceiros, à exceção da assistência, o terceiros torna-se parte na demanda. No caso do amicus curiae, porém, em momento algum o mesmo passa a integrar a lide na qualidade de parte.

A três, porque o amicus curiae não se sujeita aos efeitos da sentença, seja quanto à coisa julgada (partes) ou quanto aos efeitos reflexos da mesma (assistente simples).

A possibilidade de intervenção do amicus curiae tem por fundamento o aprimoramento das decisões judiciais, tendo em vista que em algumas situações o magistrado necessita de informações qualificadas para proferir uma decisão adequada ao caso.

O STF, em algumas situações já reconheceu a natureza de auxiliar do juízo ao amicus curiae. Para ilustrar, citamos a seguinte decisão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE - ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PECAS DOCUMENTAIS - DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE - IRRECORRIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. - O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de pecas documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. - Os despachos de mero expediente - como aqueles que ordenam juntada, por linha, de simples memorial expositivo -, por não se revestirem de qualquer conteudo decisorio, não são passiveis de impugnação mediante agravo regimental (CPC, art. 504). (STF, ADI-AgR748 / RS, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Celso de Mello, j. 01.08.1994, DJ. 18.11.1994, p. 31392) (grifo nosso)

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Sobre a autora
Michele Franco Rosa

Procuradora Federal em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Michele Franco. "Amicus curiae" e o controle concentrado de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2905, 15 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19321. Acesso em: 21 nov. 2024.

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