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Breves críticas sobre a possibilidade da decretação da prisão preventiva à luz da Lei nº 12.403/2011

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Como é de conhecimento geral, a partir do dia 4 de julho de 2011, o regramento sobre as medidas cautelares, especificamente, sobre a segregação cautelar durante a investigação ou no curso do processo, encontram-se sob a batuta da Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011.

Referida legislação cuidou de disciplinar em um só Título do Código de Processo Penal (embora seja possível visualizar outras medidas cautelares fora do Título delimitativo "Título IX") sobre a prisão, medidas cautelares e sobre a liberdade provisória.

Nessa perspectiva, as medidas cautelares só poderão ser aplicadas quando estiverem presentes, num primeiro plano, dois requisitos relevantes: a necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; e a adequação da medida à gravidade do delito, circunstâncias do fato e condições pessoais do acusado.

Confira-se a regra insculpida no artigo 282 do Código de Processo Penal:

"Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I – necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado".

Com efeito, de uma exegese gramatical e sistemática da nova lei, extrai-se que a aplicação das medidas cautelares, incluindo-se, dentre elas, a prisão preventiva, pode ocorrer tanto no correr as investigações quanto durante a marcha processual penal, tendo em vista a utilização pelo legislador das expressões "para a investigação ou instrução criminal". Portanto, nos parece equivocado dizer que a prisão preventiva foi abolida da fase investigatória, onde seria cabível, tão somente, o uso, quando em condições específicas, da prisão temporária, afeta à Lei nº 7.960/89.

Porém, segundo a própria disposição da Lei nº 12.403/11, a decretação da prisão preventiva terá lugar somente quando não for cabível a sua substituição por nenhuma outra medida cautelar, ao passo que o artigo 310, inciso I, dispõe que a conversão da prisão em flagrante em preventiva só ocorrerá quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as demais medidas cautelares, o que lhe confere caráter nitidamente excepcional.

Assim disciplina o artigo 310 do Estatuto Processual:

"Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do artigo 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do artigo 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação".

Segundo a embrionária doutrina sobre o tema, com a vigência da nova legislação, foram criadas três espécies de prisão preventiva: a) a prisão preventiva convertida (decorrente da conversão da prisão em flagrante em preventiva), fundamentada no artigo 310, inciso I, do Código de Processo Penal; b) prisão preventiva propriamente dita, disciplinada no artigo 311 e seguintes do Codex; c) prisão preventiva pelo descumprimento de outra medida cautelar imposta na fase investigatória ou durante a instrução criminal, conforme rezam os artigos 282, parágrafo 4º, e 312, parágrafo único, ambos do Código de Processo Penal, e, por fim, d) prisão preventiva pela dúvida sobre a identidade civil da pessoa (CPP, artigo 313, parágrafo único).

Nesse ínterim, convém-nos, para melhor análise sobre esta abordagem, transcrever, mais uma vez, os dispositivos supracitados:

"Art. 311.

Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (artigo 282, parágrafo quarto).

Art. 313. Nos termos do artigo 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do artigo 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida".

Pois bem. Afora os requisitos mencionados alhures (necessidade e adequação), num segundo plano, tem-se, também, que para a decretação da prisão preventiva, devem estar presentes os indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, além de uma das situações discriminadas no artigo 312 do CPP (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal).

No entanto, a grande inquietação que paira sobre o tema da prisão preventiva está na nova redação atribuída ao artigo 313 do Código de Processo Penal, substancialmente, no inciso I, in verbis:

"Art. 313. Nos termos do artigo 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do artigo 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida".

Nesse diapasão, parece-nos que a exigência descrita no inciso I, do artigo 313, do CPP (crimes dolosos cuja pena máxima privativa de liberdade seja superior a 4 (quatro) anos), atrela-se à espécie de prisão preventiva propriamente dita, e não às demais, tendo em vista que tal exigência inviabilizaria a medida em face de muitas das infrações penais previstas no nosso ordenamento jurídico-penal.

Ocorre que, ainda assim, há situações a reclamar pronunciamento jurisprudencial, as quais esta singela abordagem propõe uma reflexão.

Na hipótese de dois indivíduos em concurso de pessoas, cometerem um delito de furto simples (CP, artigo 155, caput), e um deles for preso em flagrante delito, ao passo que o outro empreende fuga de modo eficaz, surgem dois questionamentos, um dos quais sobremaneiramente mais gravoso. Veja-se: com relação ao agente que praticou o furto e foi preso em flagrante delito, pode-se converter a prisão em flagrante em preventiva, com base no artigo 310, inciso II, do CPP, ao passo que com relação ao agente que fugiu do local, não se poderá decretar a prisão preventiva, tendo em vista que o crime de furto simples tem a pena máxima em 4 (quatro) anos, exceto no caso de estarem presentes as demais hipóteses previstas no artigo 313 (incisos I e II). Com efeito, evidencia-se que o novel diploma legal acaba por beneficiar aquele que empreender fuga, a fim de evitar ser preso em flagrante delito, o que se mostra inaceitável, considerando a finalidade pela qual a lei foi criada.

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De outro bordo, no caso da prática de diversos crimes em concurso formal, material ou em continuidade delitiva, ou ainda, com a existência de agravantes ou causas de aumento, o marco de 4 (quatro) anos previsto no artigo 313, inciso I, refere-se a cada crime isoladamente considerado ou à soma das penas com todos os acréscimos em razão as majorantes? A esse respeito, aliás, induvidoso de que a resposta dependerá do olhar da parte envolvida, ou ainda, se o operador do direito adota ou não uma posição mais garantista.

Evidente que a temática suscitará divergências, tendo em vista, ainda, que com relação à consideração para propor o benefício despenalizador da suspensão condicional do processo, o Superior Tribunal de Justiça e o Colendo Supremo Tribunal Federal já se pronunciaram no sentido de que:

"O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um 1 ano" (STJ, Súmula 243).

"Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano" (STF, Súmula 723)

No caso da prisão preventiva, haveria de se aplicar o mesmo raciocínio? Em crimes dolosos com pena privativa de liberdade menor ou igual a 4 (quatro) anos, em havendo concurso de crimes ou continuidade delitiva, causa de aumento ou agravante possibilitaria a sua decretação? Creio que ainda é cedo para apontar uma posição sem que se reflita detidamente sobre o espírito do legislador nesse caso.

No entanto, sobreleve-se que no caso atinente à Lei dos Juizados Especiais Criminais, existem posicionamentos pró e contra a orientação sumular. A favor do cálculo somatório das penas, podemos citar as seguintes decisões: "STJ, RHC n. 8.093, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 17.5.1999, p. 219-220; STJ, HC n. 7.560, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 12.4.1999, p. 196; TACrimSP, ACrim n. 1.142.949, 1.ª Câmara, j. 15.7.1999, RT 748/702, RT 771/610, RT 771/563, RT 772/574, RT 776/675, RT 782/661".

Contrapondo-se a esta orientação (soma das penas), temos os seguintes julgados: "STF, HC n. 76.717, 2.ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 18.9.1998, DJU 30.10.1998; STJ, RHC n. 7.583, 5.ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, j. em 23.6.1998, DJU 31.8.1998, p. 110; STJ, RHC n. 7.809, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 9.11.1998".

Ainda, em outra hipótese, qual norma prevaleceria, se no caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.340/06, não haveria a exigência de a prisão preventiva operar-se em crimes cuja pena privativa de liberdade não excedesse a 4 (quatro) anos? Prevaleceria a Lei nº 12.403/11, visto que, embora a Lei denominada de Lei Maria da Penha seja considerada norma de caráter especial em relação ao Código de Processo Penal, a Lei nº 12.403 é norma posterior e especial, no que diz respeito ao tema das medidas cautelares, dentre elas, a prisão preventiva? A resposta, a priori, nos parece afirmativa.

Ora, mesmo que assim não se entenda, dúvidas existirão sobre o intento do legislador, já que ele dispunha da oportunidade para definir com plenitude as hipóteses de cabimento ou não da prisão cautelar preventiva e não o fez. Perdeu, assim, grande oportunidade para fazê-lo.


Considerações Finais

Assim, tomando por base que esta abordagem perfunctória, porém, de cunho científico, não tem o condão nem a pretensão de esgotar a discussão sobre o tema que acabara de chegar, concluímos que se faz mister aguardar os próximos pronunciamentos de nossos tribunais, para obtermos um entendimento que melhor se paute, sobretudo, nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e razoabilidade, seja em relação ao investigado ou indiciado, seja em relação à vítima, há muito tempo desamparada pela legislação pátria.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 6 julho 2011.

________. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/12403.htm>. Acesso em 5 julho 2011.

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Sobre o autor
Eduardo Buzetti Eustachio Bezerro

Analista de Promotoria (Assistente Jurídico) do Ministério Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade do Oeste Paulista/SP - UNOESTE. Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina/PR -UEL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEZERRO, Eduardo Buzetti Eustachio. Breves críticas sobre a possibilidade da decretação da prisão preventiva à luz da Lei nº 12.403/2011. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2949, 29 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19639. Acesso em: 18 abr. 2024.

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