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Do direito de petição e obtenção de certidões junto às repartições públicas

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01/04/2001 às 00:00
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1. Introdução

No escólio do inolvidável Pontes de Miranda, o direito de petição, perante o Poder Legislativo, "é usado em interesse particular e privado, por ter sido vítima de algum ato injusto de autoridade a pessoa que reclama e pede providencias, ou em interesse geral, público, e.g., para que se vote a lei nova, ou que se ab-rogue ou derrogue alguma lei. Dir-se-á que estão, misturados, dois direitos inconfundíveis - um, de ordem individual, e outro, político, pela participação, que implica, na proposição, fundamentação e feitura das leis..." 1 . Ainda, convém frisar, que o direito de petição não se circunscreve ao Poder Legislativo, ao contrário, se exerce perante quaisquer Poderes Públicos2.

Por conatural, o direito à obtenção de certidão dos Poderes Públicos decorre do exercício do direito de petição, porquanto, nesta senda, os órgãos públicos somente agem mediante provocação do interessado, vertida em linguagem competente e materializada na petição em si mesmo considerada3. Assim é que, e.g., se o interessado em obter esclarecimentos de determinado órgão público municipal, verbaliza sua irresignação à porta da entidade pública e de lá se retira, não exercita, ultima ratio, seu direito de petição. Faltaria, in casu, sua formalização em linguagem competente e, por conseguinte, não vincularia o indigitado ente público municipal.

Ademais, malgrado o Estado seja o destinatário do comando constitucional, no sentido de impor-lhe um dever jurídico inarredável, o direito de petição4 e de obtenção de certidões não é absoluto comportando hipóteses de indeferimento pelos órgãos públicos, constitucionalmente previstas. Trata-se, este último, segundo a melhor doutrina, de um direito subjetivo, e como tal, condicionado à "defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal" (cf. redação do art. 5º, XXXIV, "b", da CF/88, in fine) e desde que não envolva matéria sigilosa.

Delineado o tema, passamos a analisar juridicamente tais institutos.


2. Dos dispositivos legais aplicáveis

A matéria é tratada pelo ordenamento pátrio pelo artigo 5º, incisos XXXIII e XXXIV da CF/88, bem como pela Lei Federal nº 9.051, de 18.05.1995, de observância compulsória por todos os órgãos públicos, nas três esferas de poder.


3. Do direito de petição (art. 5º, XXXIV, "a", da CF/88)

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "o direito de petição é aquele pelo qual qualquer um faz valer junto à autoridade competente a defesa de seus direitos ou do interesse coletivo 5. Sobre o campo de abrangência de tal instituto, Temístocles Brandão Cavalcanti assevera que "o direito de petição é amplo, devendo a autoridade pública encaminhar esse pedido em forma a que sejam apuradas as irregularidades apontadas. Para tanto, reconhece também, a todos os cidadãos, o direito de ser parte legítima, em qualquer processo administrativo ou judicial, destinado a apurar os abusos de autoridade e a promover a sua responsabilidade 6."

Todavia, conforme escólio de José Afonso da Silva, "a Constituição não prevê sanção à falta de resposta e de pronunciamento da autoridade, mas parece-nos certo que ela pode ser constrangida a isso por via do mandado de segurança 7, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer quando se omite; para tanto é preciso que fique bem claro que o peticionário esteja utilizando efetivamente o direito de petição, o que se caracteriza com maior certeza se for invocado o art. 5º, XXXIV, "a". Cabe, contudo, o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, quando a petição visa corrigir abuso, conforme disposto na Lei 4.898/65." 8

Em nosso sentir, o direito de petição caracteriza-se como forma de provocação do Estado de natureza não jurisdicional9. Note-se que o constituinte distingue o direito de petição e o direito de obtenção de certidões dos Poderes Públicos. Todavia, entendemos que trata-se de imperfeição, porquanto tal diferenciação rompe com a unidade conceitual do instituto, mantida, e.g., no art. 141, § 37, da Constituição de 1946, onde dizia "direito de representação, mediante petição" 10. Em verdade, a Constituição de 1946 apenas estipulou a base material da representação - a petição (linguagem competente) - para efeito do exercício do direito de representação.

Noutro falar, dentro do espectro do direito de petição se insere, exemplificadamente, o direito de solicitar esclarecimentos, de solicitar cópias reprográficas e certidões, ofertar denúncias de irregularidades11. Porém, o constituinte, quiçá, no afã de explicitar a obrigação dos Poderes Públicos em fornecer certidões, tenha rompido, repita-se, com a necessária unidade conceitual do instituto.

Reflexo desta evidência, temos que o exercício do direito de petição não é passível de ser obstado pelos Poderes Públicos, por exemplo, uma pessoa terá o direito de protocolizar uma petição ao Poder Legislativo Municipal solicitando a alteração do Código Penal. Nesta hipótese, caberá a Casa de Leis indeferir o requerimento, sobre o argumento de que não possui competência constitucional para tal; porém, jamais poderá impedir que a pessoa o formule.

Outrossim, como direito subjetivo, poderá ser indeferido nas hipóteses em que a petição não verse sobre defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Frise-se que o indeferimento pode versar tanto sobre o aspecto material do requerimento, quanto sobre o seu aspecto formal. Todavia seu exercício (direito de petição), jamais poderá ser obstado.

Ainda, tendo em vista o que dispõe a Carta Política, cabe analisar, em separado, o direito à obtenção de certidões, junto aos Poderes Públicos.


4. Da obtenção de certidão (art. 5º, XXXIII, "b", da CF/88)

O direito de obtenção de certidão é corolário do Estado Democrático e de Direito12, no sentido de viabilizar a defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal13.

4.1. Da análise vocábulo "certidão"

Para Nina Ranieri, certidões "são documentos oriundos de autoridade ou de agente do Poder Público, que nessa qualidade provam ou confirmam determinado ato ou fato. São provas documentais, sendo esta sua finalidade. Constituem garantia em favor de terceiro da veracidade do afirmado. As certidões podem ser administrativas ou forenses. Compreendem, em geral, a doutrina e a jurisprudência o conceito de certidão em sentido lato. 14". Continua a citada jurista, consignando que "a moderna doutrina administrativa, em consonância com o desenvolvimento tecnológico, não distingue entre certidões, cópias ou fotocópias de documentos. 15"

4.2. Dos pressupostos para obtenção da certidão

Como direito subjetivo, a obtenção de certidões dos Poderes Públicos, subordina-se ao atendimento de pressupostos constitucionalmente elencados: A) ser o requerente o interessado; B) destinar-se ao atendimento das circunstâncias de defesa de direitos e esclarecimento de situações pessoais, com indicação das razões do requerimento, e; C) não ter o documento natureza sigilosa (arcana praxis)16. Somente a ausência de um desses pressupostos, enseja o indeferimento do pedido.

4.2.1. Da legitimação do requerente

Tem legitimidade para obter certidões toda pessoa titular do direito individual ou coletivo atacado, desde que demonstrada tal circunstância. Diz Pontes de Miranda: "o interesse é de qualquer pessoa que tenha processo em andamento na repartição pública, ou tenha interesse - alegado e provado - nesse andamento... omissis... Interessados em despachos são todas as pessoas que podem alegar eficácia de tais despachos, ou contra as quais se quer eficácia de tais despachos." 17

Neste campo a jurisprudência majoritária18 firmou posição no sentido de que a averiguação da legitimidade para requerer certidões deve ser interpretada de forma abrangente19. Em sentido contrário, condicionando o exercício deste direito às situações relacionadas com a esfera jurídica do interessado temos, v.g., STF, 1ª T., RE 89.785-5/MG, j. 01.06.1982, rel. Min. Rafael Mayer; TJSP, 1º Câm. Crim., MS 49.584, j. 13.08.56, rel. Des. Ferraz de Sampaio.

Porém, mesmo adotando-se a hipótese mais abrangente, remanesce "a exigência de informar a autoridade administrativa sobre a legitimidade do propósito 20 ". Noutro giro verbal, a legitimidade para obter certidões não se presume, devendo o requerente demonstrar tal circunstância. Note-se que o dissenso jurisprudencial gravita sobre o alcance dessa legitimação e não sobre sua dispensabilidade, nos requerimentos formulados perante os Poderes Públicos.

Assim sendo será indeferido o pedido cujo enlace entre o conteúdo da certidão e o direito a ser protegido ou tutelado, não for demonstrado, ab initio. 21

Nesse sentido, o julgado da mais alta Corte de nosso país, que trazemos à colação:

"As certidões não dizem respeito diretamente à recorrente e esta não declinou, ao requerê-las, a finalidade do pedido, nem mesmo esclareceu se a documentação solicitada era necessária à defesa de direito ou esclarecimento de situação de cliente seu.

Se, como acentuou o Exmo. Sr. Min. Themístocles Cavalcanti, no julgamento do MS 18.556, o requerente não precisa ser parte na relação jurídica para ter legítimo interesse, no caso em que as certidões não lhe digam respeito diretamente, é indispensável a indicação da finalidade (Pontes de Miranda, Comentários..., 2ª ed., p. 657; Castro Nunes, Rev. de Direito, v. 116, p. 274; Gonçalves de Oliveira, RDA 15, p. 257-61 etc).

Pelo não conhecimento."22

Da mesma forma será indeferido quando o pedido que apresentar " foros de mero capricho ou emulação, tais como certidões referidas à vida funcional de terceiros, sem prova da conexão com possível direito que pretenda invocar o interessado; pedidos que importam abuso de direito, posto que sem qualquer interesse prático para o requerente; pedidos absurdos, configurando o exercício de um direito contrariamente à sua finalidade social etc."23

Nesse sentido já se pronunciou o E. TJSP, em v. aresto da lavra do Des. Macedo de Campos:

"Há uma explicação lógica para a imposição no sentido de que justifique o particular as razões do pedido de certidões em repartição pública. É evitar que desocupados, por graça ou adversários políticos, por subversão, atormentem inutilmente aquêles que estão encarregados de cuidar de coisas mais importantes. Este relator já julgou certa feita mandado de segurança impetrado por Vereador que prometera a seus amigos "parar a Prefeitura" de certa cidade, solicitando milhares de certidões atinentes a todos os proprietários que estavam com os impostos em dia. Nessa hipótese compreende-se que se exija o Poder público, face ao absurdo do pedido, explicações sobre o uso da certidão e qual o interêsse do requerente no ato certificativo."24

4.2.2. Finalidade da certidão

A CF/88 estabelece duas hipóteses para fornecimento de certidões: A) para defesa de direitos; B) para esclarecimentos de situações pessoais. Deverá, portanto, ser declinada as razões do pedido (destinação dos documentos solicitados), para que possa ser acolhido pelo Poder Público.

Tal entendimento é corroborado por remansosa jurisprudência:

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"a norma constitucional não vai a ponto de permitir que quem quer que seja possa saber informações de alguém mediante certidões pretendidas, salvo se se provar que visa ela à defesa de um direito."25

"direito de receber informações das autoridades. Expedição de certidão. Indicação precisa, na postulação, de que o necessita para defesa dos seus direitos."26

"Certidão Administrativa - Direito de obtenção (art. 5º, XXXIV, "b", da CF) - Requerimento não justificado - Solicitação, ademais, sobre assuntos variados a envolver enorme volume de certidões - Justa recusa da Administração - Segurança denegada."27

"Certidão administrativa - Direito de obtenção (art. 5º, XXXIII e XXXIV, "b", da CF) - Solicitação genérica, e não sobre fatos jurídicos específicos - Inadmissibilidade - Inexistência de direito líquido e certo a amparar a amplitude pretendida. Mandado de segurança denegado."28

No mesmo sentido o entendimento do E. Tribunal de Contas da União:

"O preceito de suprema importância, traduz em sua essência a necessidade da prestação de informes para serem utilizados na defesa de direito individual ou coletivo e isto deve estar cabalmente demonstrado pelo interessado para que o agente público forneça as informações solicitadas."29

"TRIBUNAL DE CONTAS - PUBLICIDADE - DIREITO DE CERTIDÃO. Direito a cópia de peças de processo no Tribunal de Contas pressupõe legítimo e direto interesse, à publicidade da matéria. Ementa: denúncia improcedente. Solicitação de cópia da denúncia pelo dirigente atual sem explicitar a finalidade. Impossibilidade de atendimento por não se enquadrar nas disposições do art. 108, § 2º da Lei nº 8.443/92 e dos arts. 220. e 237 do RI/TCU."30

Tal desiderato visa evitar que sejam "as repartições públicas expostas á devassa dos desocupados e que os juízos se convertam em mediadores da curiosidade desses desocupados, que se queiram intrometer em negócios alheios" 31, bem como se visa preservar o bom desenvolvimento das atividades nas repartições públicas32.

Logo o pedido será indeferido nas hipóteses em que não se verificar a existência do direito a ser tutelado ante a prova consubstanciada na certidão. Esse é o entendimento jurisprudencial que ora juntamos:

"A regra é o reconhecimento do direito de obter certidões, requeridas às repartições administrativas, desde que necessárias à defesa de direitos ou esclarecimentos de situação (CF, art. 153, § 35 - CF/67) A administração, assim, somente está obrigada a fornecer tais certidões, se demonstrado for que se trata de qualquer uma dessas hipóteses de limitação constitucional, isto é, desde que se realize a condição."33

"O direito relacionado com a expedição de certidões pelas repartições administrativas não é assegurado de maneira absoluta ou indiscriminada, mas subordinado ao atendimento de determinadas circunstâncias, como a defesa de direitos e esclarecimento de situações."34

4.2.3. Ausência de reserva legal de sigilo

Trata-se de hipótese excepcionadora do dever do Estado em fornecer informações de interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, sempre resultante do texto constitucional ou da lei35 e em matérias que envolvam a segurança da sociedade e do Estado. Tal restrição tem seu limite imposto pelo interesse público36. Trata-se de entendimento de vetustas origens, consoante demonstra v. aresto do antigo Tribunal de Alçada de São Paulo, decidindo que "o direito à certidão só é limitado pelo sigilo imposto pelo interesse público" 37

Nesse passo, a reserva de sigilo "legalmente imposta torna indevassável os assentamentos a que se refere, vedando a divulgação de seu conteúdo sob pena de responsabilidade penal, administrativa e civil, do agente público que lhe der causa, dada a inobservância de princípio de ordem pública" 38 .

4.2.4. Direito de obtenção de certidões. Casos de indeferimento.

Em suma, basta a ausência de um dos pressupostos para o seu exercício (legitimidade, finalidade e documento sem reserva de sigilo) para a não expedição da certidão pelo Poder Público.


5. Vereador. Obtenção de certidão junto à repartição pública.

Há sobre o tema, uma pluralidade de circunstâncias, com distintos desdobramentos: A) tratando-se de pedido versando sobre interesse público, poderá ser formulado pelo Vereador, na condição de agente público, mas sempre através de requerimento 39 , devidamente apreciado pelo Plenário da Casa de Leis40; B) matéria de interesse público, atuando o Vereador destituído da condição de agente público (quisque de populo). Neste caso deverá urdir petição demonstrando a legitimidade e finalidade do pedido, que será atendido caso não esteja protegido pela reserva de sigilo41; C) matéria de interesse particular, onde deverá, de idêntica forma, atender os pressupostos para seu deferimento.

Logo, dependendo da circunstância alvitrada, deverá o Vereador formular seus pedidos através de requerimento (matérias afetas diretamente ao Poder Legislativo Municipal), ou através de petitio simplex, na condição de particular, demonstrando sua legitimidade e a finalidade da certidão (na hipótese de versar sobre matéria do interesse particular ou público do Edil e que será fornecida - regra - se não houver reserva de sigilo - exceção).

Esse é o entendimento que se infere da leitura do v. aresto do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa transcrevemos:

VEREADOR - Pedido de certidão de documentos existentes na Prefeitura Municipal - Admissibilidade - Direito que constitui garantia individual, constitucionalmente assegurada - Concedida a segurança - Inteligência dos arts. 5º, XXXIV, b, e 37 caput, da CF.

"Cidadão que, mesmo sendo vereador municipal, invocando sua cidadania requer fornecimento de certidão de documentos existentes em repartição pública municipal, tem direito individual constitucionalmente assegurado para obtê-la. Recusa que se fundamenta na necessidade de ter o requerente de encaminhar o pedido através da Câmara Municipal não encontrando ressonância nas disposições do art. 5º, inc. XXXIV, "b", da Constituição da República, e ofende, ainda, o princípio da publicidade, com que deve se pautar a Administração Pública. Se o requerente especificou a finalidade da obtenção da certidão, para o fim de instruir eventual ação popular, a sentença que denega o "writ", ao fundamento de que não foi indicada a finalidade, é de ser reformada."42

Logo pode o Vereador, no exercício de seu direito individual de petição constitucionalmente garantido43, requerer a expedição de certidões, mas terá que demonstrar sua legitimidade, a finalidade do pedido, bem como o documento não pode estar sob o manto da reserva de sigilo.

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Sobre o autor
Fábio Nadal Pedro

advogado integrante da Nadal e Cozatti Advogados Associados, assessor jurídico efetivo da Câmara Municipal de Jundiaí (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDRO, Fábio Nadal. Do direito de petição e obtenção de certidões junto às repartições públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -822, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1982. Acesso em: 15 nov. 2024.

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