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Da documentação dos direitos em papel aos títulos de crédito eletrônicos

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30/08/2011 às 15:59

Resumo:


  • A desmaterialização dos títulos de crédito é um fenômeno decorrente da evolução tecnológica e das novas necessidades do comércio, que busca substitutos para os títulos em papel, visando adequar-se à realidade contemporânea.

  • Experiências internacionais e brasileiras demonstram a tendência para a desmaterialização, com a criação de sistemas de registro e liquidação financeira eletrônicos, como o SELIC e o CETIP, além da regulamentação de títulos eletrônicos, como a duplicata escritural.

  • Para viabilizar a circulação de títulos de crédito por meios eletrônicos, a legislação e a doutrina têm discutido a validade jurídica das assinaturas digitais e a necessidade de adaptações no ordenamento jurídico para reconhecer a equivalência funcional entre o suporte papel e o eletrônico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Não obstante as vantagens alcançadas através da circulação dos títulos de crédito, concluiu-se que, contemporaneamente, estes estavam em desacordo com as necessidades práticas e era preciso buscar substitutos que se adequassem à nova realidade.

1. DA DESMATERIALIZAÇÃO COMO TENDÊNCIA OU FENÔMENO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

1.1. Os problemas derivados da documentação dos direitos em papel

A documentação dos direitos em papel, que atingiu o ápice na elaboração dos títulos de crédito, é observada como um dos maiores subsídios do direito para o desenvolvimento do comércio. [01] O advento da circulação de riquezas trazido pelos títulos de crédito, aliados a segurança e a rapidez, consagrou-se igualmente a doutrina e ao regime jurídico a que foram submetidos.

A personificação dos títulos em papel, traduzindo os direitos em matéria escrita, foi a tendência encontrada para separá-los do direito das obrigações e sujeitá-los ao regime do direito das coisas. Ademais, foi através da materialização que a certeza e a segurança jurídicas, principalmente com relação a terceiros, foram garantidas.

A outra vantagem oriunda desta materialização foi que, os títulos de crédito, em comparação com outras formas de representação e de transmissão de posições jurídicas, economizavam espaço, tempo e outros custos de transação, além da assinatura e do correio que desempenhavam a celeridade e a segurança da circulação. [02]

Todavia, não obstante as vantagens alcançadas através da circulação dos títulos de crédito, concluiu-se que, contemporaneamente, estes estavam em desacordo com as necessidades práticas e era preciso buscar substitutos que se adequassem a nova realidade.

Desta feita, a informatização da documentação jurídica representa um acontecimento sem volta, irreversível e ladeado, sendo indispensável aos profissionais do direito o seu acompanhamento, em face da imperfeição da maior parte dos sistemas de exploração e documentação. [03]

1.2. Experiências que assentam na subsistência do título: A desmaterialização da circulação

A desmaterialização é um acontecimento oriundo da volatilidade das relações comerciais. Da origem dos títulos – quando da necessidade dos comerciantes em carregar consigo não moedas, para efetuar a compra, mas o título papel, que lhes trazia segurança no transporte – à informatização da comunicação.

Um passo importante e civilizacional para os títulos de crédito fora a desmaterialização. Com alcance relativo, mas obtido através da evolução informática, realizou-se para melhor satisfação das necessidades contemporâneas.

No Brasil, o pensamento acerca dos problemas jurídicos associados ao fenômeno da desmaterialização dos títulos de crédito é incipiente e pressupõe, preliminarmente, a investigação da teoria geral dos documentos. A compreensão rígida de cártula, enquanto suporte de papel, porém, dá sinais de relativização, [04] como apreciamos alhures acerca do Princípio da Cartularidade.

Nesse contexto, há doutrinadores [05] que equiparam a manifestação de vontade feita por via eletrônica à manifestação de vontade declarada sobre o papel, que ainda, no nosso ordenamento é o meio predominante utilizado para documentar.

A exemplo do que ocorreu em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente no que diz respeito a Lei das Sociedades Anônimas, Lei n.º 6.404/1976, há a exigência de asseverar as prestações incondicionais e irrevogáveis que não se incorporem a documentos, para, desta forma, circular autonomamente. [06]

Desta feita, consagram preciosos avanços as ações escriturais, aventadas em item próprio, e as promessas registráveis. Estas últimas, não incorporadas a documentos, que despontem por disposição legal ou de cláusula expressa, serão incondicionáveis, irrevogáveis e circularão autonomamente, transmitindo-se por assentos em registros especiais. [07]

Podemos, neste ínterim, dividir os títulos de crédito em dois grupos. [08] Um formado por aqueles títulos de crédito com sucedâneo informático, dotado de características jurídicas equivalentes; e outro grupo, formado por títulos de crédito que estão em decadência, ou que desta já ultrapassaram, e não possuem substitutos informatizados.

Estamos examinando separadamente as possibilidades de títulos de crédito emitidos por meios eletrônicos, por três grandes motivos, quais sejam: o uso disseminado da chamada "duplicata escritural", tema que tem causado certa comoção aos estudiosos da matéria; a regulamentação, no direito brasileiro, da ação escritural, modalidade de título virtual e a previsão expressa de títulos emitidos por meios eletrônicos no novo Diploma Civil Pátrio.

O novo Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, publicada, no Diário Oficial da União de 11 de janeiro de 2002, disciplina os títulos de crédito, como fonte obrigacional, em sua Parte Especial, Livro I, Título VIII ("Dos Títulos de Crédito"), da seguinte forma: "Disposições Gerais" (Capítulo I, arts. 887 a 903); "Do Título ao Portador" (Capítulo II, arts. 904 a 909); "Do Título à Ordem" (Capítulo III, arts. 910 a 920); e "Do Título Nominativo" (Capítulo IV, arts. 921 a 926).

As regras contidas no novo Código atinentes aos títulos de crédito foram, em grande parte, elaboradas na fase de anteprojeto pelo Professor Mauro Brandão Lopes e de lá para cá quase nenhuma modificação sofreram. O propósito declarado pelo autor da matéria foi, sobretudo, o de permitir a criação dos títulos de crédito atípicos ou inominados [09], criados, ao sabor dos interesses das partes, pela prática, sem lei específica, embora não estejam completamente afastados dos princípios reguladores dos títulos típicos [10].

Portanto, adotou-se no novo Código, tal como no Código Civil Italiano de 1942, o princípio da livre criação e emissão de títulos de crédito atípicos ou inominados. Sobreleva consignar que as leis especiais que regulam o grande número de espécies de títulos de crédito não serão revogadas, servindo a regulamentação do novo Código como norma supletiva para os títulos de crédito típicos existentes, isto é, na lacuna da lei específica, aplica-se o Diploma Civil Pátrio, consoante artigo 903 [11].

Com a aprovação de uma disciplina destinada a regular os títulos atípicos, surge uma categoria intermediária de documentos de crédito, isso porque não têm os títulos de crédito atípicos as mesmas vantagens do que as oferecidas pelos títulos de crédito disciplinados por leis especiais [12]; no entanto, oferecem maiores vantagens jurídicas do que os documentos comuns, não sujeitos às normas do direito cambiário.

Se por um lado, os títulos atípicos não são exeqüíveis, nem protestáveis [13], não comportam estipulação de juros, nem proibição de endosso [14], nem aval parcial [15], além de, em regra, não acumularem devedores solidários por meio dos sucessivos endossos [16]; por outro lado, são literais e autônomos [17], neles o terceiro portador de boa-fé está a salvo de exceções oponíveis a anterior portador [18], e além de ser transmissíveis por endosso (arts. 910 e ss. e art. 923), admitem o aval, ainda que, em hipóteses determinadas.

Ressalte-se, ainda, a relevante inovação introduzida pelo § 3º do art. 889, segundo o qual é permitida a emissão de títulos de crédito "a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente", desde que o emitente registre a emissão em sua escrituração e que tenha observado, na feitura do título, os requisitos essenciais de que trata o caput do art. 889 [19].

O dispositivo decorre da recomendação do Professor Mauro Rodrigues Penteado, que, sintonizado com a influência da propagação da informática e das modernas técnicas de administração no campo do direito cambiário, especificamente nas operações de desconto e cobrança de duplicatas, teve acolhida sua proposta de legalização do fenômeno por ele designado de "descartularização". Assim, a seu ver, já estaria estável e bem experimentado na prática, uma vez que não seria possível regulamentar o fenômeno da descartularização por inteiro em razão de não estar de todo sedimentado. A intenção manifestada em normatizar parcialmente o fenômeno foi o de dar o primeiro passo para "uma futura elaboração mais completa" [20].

Neste contexto, vale a pena reproduzir, por fim, o pensamento de Paulo Salvador Frontini sobre o fato de permitir-se, na legislação, a criação de títulos de crédito atípicos: "Ora, ante o fato novo da informática, uma fórmula legislativa mais aberta talvez seja a solução para compatibilizar as grandes conquistas da teoria dos títulos de crédito com a instrumentalização eletrônica, conforme a conveniência das partes. A legislação de títulos de crédito, teria, assim, a plasticidade que a informática está forçando surgir, dentro de um figurino eletrônico cuja elaboração final longe está de ser alcançada" [21].

Sob tal concepção, quiçá a disciplina dos títulos de crédito inserida no novo Código Civil facilite o aparecimento de novos instrumentos de crédito, forjados de acordo com a criatividade do meio empresarial. Uma avaliação confiante pode levar a crer como provável o surgimento de títulos de crédito atípicos tão adequados às necessidades de determinado setor da economia que, posteriormente, venham a ser mais detalhadamente regulamentados por leis especiais, podendo então, de um tratamento mais detido, nascer a disciplina legal do protótipo do título de crédito eletrônico.

A tendência de evolução dos títulos de crédito está centrada na desmaterialização e no alargamento a cada vez maior número de títulos escriturais. Porém, no momento presente, nos encontramos ainda em transição; os títulos conservam grande importância, embora se manifestem, sobretudo, através do regime jurídico primordialmente adotado.

Esta tendência para a desmaterialização tem se manifestado em muitos títulos de crédito, sempre seguido de perto com alguma preocupação, que se manifesta em razão da decadência de determinadas formas de título de crédito. O papel atravessa uma inegável crise, no que diz respeito à categoria jurídica e desmaterialização, por sua vez essa também foi vista não tanto como a emancipação dos títulos de crédito por uma técnica específica circulatória, mas sim como uma partida de títulos de crédito ou como um inevitável declínio na prática a utilidade dos mesmos. [22]

Assim, as vantagens trazidas pela desmaterialização são inúmeras, como v.g., o desaparecimento gradativo da tradição, do endosso, do aceite, do aval e a substituição desses pelo registro em entidades autorizadas, todavia a libertação informática e a falta de ‘papel’ produz em parte das pessoas uma certa insegurança e um sentimento de privação sensorial, por não ser já possível tocar, ver e contar o seu tesouro [23].

1.3. Experiências estrangeiras de desmaterialização

Inicialmente, para sanar as dificuldades trazidas pela imaterialidade, no que tange a circulação dos direitos, originaram-se os títulos de crédito. Com a incorporação dos direitos no título, o qual exercia papel de documentos de legitimação, acabaram por trazer benefícios ao tráfego jurídico, [24]

Todavia a partir de determinado momento, o depósito, manuseamento e liquidação dos títulos de crédito tornaram-se cada vez mais inexequíveis, por demasiado burocrático, vagaroso e custoso, indo de encontro ao fim que se destina o título de crédito: circular. [25]

No direito português as ações e obrigações podem ser representadas em forma documental ou escritural, adornando desta forma a natureza de valores mobiliários escriturais, previstos nos artigos 46º, 61º e seguintes do CVM. Todavia, não se reduz aos valores mobiliários, mas sim, estende-se a generalidade dos títulos de crédito. v.g, os títulos reais ou representativos de mercadorias eletrônicos, como a guia de transporte informática, prevista no artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei 239/2003, de 04 de Outubro, ou ainda, o conhecimento de carga eletrônico, previsto no artigo 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro. [26]

O direito francês talvez tenha sido o primeiro a preocupar-se com as alterações no ordenamento jurídico, necessárias para a disciplina da desmaterialização dos títulos de crédito. Quando em 1965, a Comissão Gilet formulou proposta de modernização do sistema de desconto de créditos comerciais, tentou reunir agilidade do processamento eletrônico de dados com a segurança do direito cambiário, através de instrumentos como a fatura protestável. Assim, este sistema, implantado em 1967, foi melhorado com a introdução, em 1973, da cambial-extrato (lettre de chage-revelé), sacáveis em suporte papel ou meio magnético. [27]

Ainda, o direito francês procurou minimizar a necessidade de entrega de documento nos negócios bancários [28] pela criação, v.g., da supracitada lettre de change-revelé, uma letra de câmbio que não circula materialmente: o cliente já remete ao banco seus créditos sob a forma de fitas magnéticas, acompanhadas de um borderô de cobrança. [29]

1.4. A experiência brasileira

Aqui iremos demonstrar que a nossa posição acerca dos chamados "títulos eletrônicos", "duplicatas virtuais", etc., nada mais representa do que a aplicação dos princípios gerais às mensagens criadas em computadores [30], enviadas por meio destes, ou, ainda, pela internete, seja qual for o meio pelo qual se permita o acesso a elas.

Na década de 50, a questão da cartularidade já se fazia sentir nas mentes mais aguçadas da época, como na de Tullio Ascarelli, que, no seu livro "Panorama do Direito Comercial", dispõe sobre aspectos da evolução, no século XX, dos títulos nominativos, que estariam igualmente sujeitos aos princípios gerais dos títulos de crédito.

Segundo o autor supramencionado, "o mérito maior do meu Mestre VIVANTE, como lembrava THALLER, está justamente em ter demonstrado a possibilidade de aplicar os princípios dos títulos de crédito até aos títulos nominativos, o que, por seu turno, se traduziu na disciplina legislativa destes títulos na legislação francesa, italiana, mexicana, análogas, por sua vez, sob este aspecto, aos princípios adotados na América do Norte" [31].

Observe-se que os títulos nominativos já representavam uma mudança na doutrina clássica do título de crédito, visto que esses títulos não se transferem com a mera tradição, sendo necessário também o registro no livro do emissor. Tudo isso faz parte de uma evolução natural do comércio, que surte efeitos na esfera do Direito Comercial, como sempre ocorreu, e nem poderia ser diferente.

Esse desprezo à cártula [32] já se faz sentir inclusive na própria legislação vigente, como é o caso da Lei da Duplicata, que consagra a possibilidade de protestar e cobrar a dívida cambialmente sem a apresentação do título, no caso do aceite presumido (art. 15, II, da Lei nº 5.474/69).

Como já exposto neste trabalho, a economia de massa em que vivemos não mais comporta os antigos meios de circulação de valores. Todo esse fenômeno dos títulos escriturais representa uma assimilação da prática às necessidades da economia moderna, visto que o papel, como meio para circulação de títulos, não possui a agilidade necessária para o comércio de massa hoje existente.

O artigo 889, parágrafo terceiro, do atual Código Civil, inova e espelha a inegável realidade da "sociedade da informação" [33], ao reconhecer a existência do título de crédito eletrônico, dispondo que "o título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo", ou seja, a data de emissão do título, a indicação precisa dos direitos que confere e a assinatura do emitente.

O parágrafo citado algures trata simplesmente da emissão do título a partir de caracteres criados em computador e autoriza que, v.g., o texto de um título de crédito seja totalmente virtual, ou inicialmente digitado em arquivo Word e, uma vez impresso em papel e assinado de punho pelo subscritor, ou ainda, assinado eletronicamente, passe a valer como título de crédito. Com ênfase, quando a lei menciona a emissão do título de crédito a partirde caracteres criados em computador, não necessariamente corresponde à admissibilidade do meio eletrônico como suporte. [34]

Ou seja, a emissão, circulação e cobrança do título de crédito registrado exclusivamente em meio eletrônico não encontram respaldo direto nesse dispositivo de lei, que diz respeito apenas da geração do documento a partir de caracteres criados em computador.

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Neste momento, a juridicidade do título de crédito eletrônico resulta, no Brasil, da conjugação da lacuna existente no ordenamento jurídico nacional, feita nos termos do artigo 4º da LICC [35], mediante a invocação do Princípio Geral, reconhecido pelo Direito Comercial Internacional, da Equivalência Funcional.

Para os fins do nosso estudo, meio eletrônico é qualquer meio de armazenamento ou de comunicação de dados por via eletrônica. Por esse meio eletrônico uma pessoa poderá manifestar uma declaração unilateral de vontade, que é, exatamente, a natureza da manifestação daquele que se obriga cambiariamente. [36]

Essa manifestação de vontade manifestada por meio eletrônico de armazenamento e comunicação de dados caracteriza um documento [37] e, tal documento [38] pode ser um título de crédito perfeitamente válido.

Paralelamente, o Código Civil, no título relativo à prova, em seu artigo 212, inciso II, e artigo 225 [39], abriga a validade jurídica dos documentos mecânicos e eletrônicos. Da mesma forma que, devido ao princípio da livre valoração das provas, previsto nos artigos 130 [40] e 131 [41] do Código de Processo Civil, não se pode restringir o conceito de documento, pois sua apreciação cabe ao juiz.

Depreende-se dos referidos dispositivos legais que a legislação brasileira está se adequando à nova realidade tecnológica – o que se constitui em uma manifestação do princípio da neutralidade tecnológica do Direito [42] – possibilitando a circulação do crédito e de seus títulos representativos de maneira eletrônica. Ainda, compreendemos que não há restrição à apresentação de documentos eletrônicos em juízo, que serão apreciados e valorados como as demais provas.

Assim, exemplificadamente, o título de crédito, v.g., a duplicata emitida por um empresário pode ser enviada para o banco efetuar a cobrança de seu crédito, este envio devida a nova regulamentação, dar-se-á de forma eletrônica, da mesma forma que o banco poderá remeter esta ao Cartório de Protestos de forma on line. Nesta última fase o cartório ainda necessita do documento físico, devido ao apego ao processo "papelizado", para atingir seu fim, imprimindo-o então para realizar o protesto. [43]

Certamente, com o avanço das tecnologias de informação todas as fases dar-se-ão eletronicamente, a jurisprudência brasileira avança neste sentido, permitindo que duplicatas virtuais sejam levadas a protesto, quando ao efetivar-se, a cártula esteja presente na sua forma física.

Neste seguimento, a Lei do Cheque, n.º 7.357, de 2 de setembro de 1985, em seu artigo 1º, tornou possível a assinatura do emitente ou a de seu mandatário com poderes especiais por ser constituída, na forma da legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente. [44]

Quanto a esse título de crédito, registre-se que o cheque, título de crédito típico, passa por uma fase de declínio e desuso, haja vista que este não é mais um título tão ágil e seguro como já o fora. Com relação a agilidade, este possui tempo de compensação variável de acordo com o valor do cheque emitido e, com relação a segurança, somente se consumará se houver recursos efetivamente disponíveis na conta do remetente [45], além do problema da certeza acerca da legitimidade do emitente.

Como dito alhures, o cheque está atravessando um período de declínio, ao que parece irrefreável, provocado não tão-só pelo avanço dos meios eletrônicos de pagamento e financiamento, senão também por impulso do Banco Central do Brasil. Soma-se a isso a progressiva adesão das empresas aos cartões magnéticos, a ponto de alguns empresários, objetivando conferir maior segurança aos seus negócios, não estarem mais aceitando os cheques como meio de pagamento.

Tudo indica que os cheques, gradativamente, terão seu uso restrito aos pagamentos de despesas provenientes de negociações vultosas e mesmo assim na forma de cheque administrativo.

Informam os dados do Banco Central que, no Brasil, entre os anos de 1994 e 2002, a quantidade de cheques compensados caiu de 4,14 bilhões para 2,42 bilhões, uma queda de 41,5%, ao passo que o volume de transações com cartões de crédito cresceram 368,5% no mesmo período. [46]

Por fim, conclui-se que os títulos escriturais, com todas as suas necessidades particulares, devem amoldar-se às normas pertinentes aos títulos de crédito em geral, e, através de construções doutrinárias que se fizerem necessárias, tentar chegar a um "ponto de convergência", de modo a garantir as peculiaridades inerentes ao funcionamento desse novo sistema, ao mesmo tempo em que se respeitem os princípios essenciais dos títulos de crédito. Deve-se, portanto, garantir o funcionamento do sistema de títulos escriturais, tal como vem correndo na prática, porém sempre se buscando soluções, através de construções doutrinárias que respeitem a Lei Uniforme de Genebra e toda a legislação pertinente.

1.4.1. Os Sistemas Selic e Setip

O Banco do Brasil, através da Circular nº 2.727/96 [47], instituiu um "Sistema Especial de Liquidação e de Custódia" — SELIC — para os títulos escriturais emitidos pelo governo e para os depósitos interfinanceiros cujos depositários sejam bancos comerciais e caixas econômicas.

Adiantou-se às mudanças, o Banco do Brasil, ao disciplinar todo um sistema que servisse eficazmente aos títulos escriturais, utilizando-se de uma rede de computadores — LOGON — que permite acessar o SELIC, o OFPUB (Sistema de Oferta Pública Formal Eletrônica) e o LEINF (Sistema de Leilão Informal Eletrônico de Moeda e de Títulos), a partir de qualquer estação que esteja conectada à rede de teleprocessamento do computador do SELIC.

Desta forma, possibilitou-se aos títulos escriturais do governo um sistema moderno e interligado que permite o registro e transferência de modo rápido e seguro. Os títulos privados, como os Certificados de Depósito Bancário (CDB) e debêntures, transitam e transfere-se no sistema CETIP [48], do mesmo modo que os títulos públicos transitam no SELIC.

O CETIP, Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos, tem a competência de administrar todo esse sistema, fazendo o registro e o processamento eletrônico dos títulos nele negociados, de acordo com a Circular 962. Essa e a Resolução 1.524, de 21.09.1988, estabelecem que o "depósito dos títulos registrados no Sistema é feito nos respectivos emissores/aceitante, ou em banco múltiplo com carteira comercial ou banco comercial previamente habilitado junto à CETIP, que, num e noutro caso, assumem a qualidade de fiéis depositários dos papéis sob sua guarda".

O sistema poderá receber, para registro, os títulos emitidos ou com aceite das instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Conselho de Administração da CETIP. Por enquanto, só podem participar do Sistema, como titulares de conta de registro, pessoas jurídicas, principalmente bancos; entretanto, a tendência é que esse leque se abra para permitir, inclusive, a participação de pessoas físicas. A propriedade dos títulos registrados no sistema se presume pela posição de titular na conta do CETIP e, cumulativamente, pelo "Documento Consolidado de Operações", fornecido sempre que há uma movimentação na conta.

O Sistema CETIP, assim como o SELIC, desempenham função essencial no funcionamento de todo esse aparelho escritural, considerada a relevância dos títulos que são transacionados nesse sistema.

No que tange a circulação dos títulos de crédito, devido às poucas normas acerca do assunto e pela incipiente discussão esta é uma questão de difícil análise. Assim, a regulamentação de sistemas como o CETIP e o SELIC, que infelizmente não é feita através de lei formal, e sim por algumas circulares, nos fornece uma idéia vaga e vacilante sobre o assunto.

A transferência desses títulos guarda alguma semelhança com a transferência dos títulos nominativos, que se faz através de um termo de transferência assinado pelo cedente e pelo cessionário e de um "registro no livro do emissor; a transmissão da posse se faz mediante registro no livro do emissor (transfert) seguido da emissão de um novo certificado" [49].

Percebe-se, entretanto, que, no caso dos títulos escriturais, superam-se as dificuldades concernentes ao termo de transferência, um meio pouco ágil para se transferir um título, e se adota procedimento fundado em simples ordens a serem lançadas em um sistema eletrônico de registro e transferência. Observa-se, todavia, que a transferência do título nominativo (não à ordem) apresenta, quando comparado com o título endossável, várias desvantagens para a circulação do crédito, entre elas se destacando o fato de o crédito ficar muito mais desprotegido, vez que não conta com a corresponsabilidade própria do endosso, além de se afastar da dinâmica própria da circulação de mercado.

Acrescente-se, ainda, que, nos termos do artigo 11, da Lei Uniforme de Genebra sobre letra de câmbio e nota promissória, o título de crédito nominativo não à ordem só é "transmissível pela forma e com os efeitos de uma cessão ordinária de créditos".

Assim, analisamos aqui uma das formas de circulação dos títulos de crédito por meios eletrônicos, notamos incipiente e frágil normatização, todavia, cremos ser este o meio mais ágil encontrado para tanto e que certamente será desenvolvido para acompanhar e suprir as necessidades da nossa economia de massa.

1.4.2. As ações escriturais

É mister registrar que o Brasil, pelo que se tem conhecimento, foi o primeiro país a prever – através do arts. 34 [50] e 35 [51] da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), a emissão de ações escriturais pelas sociedades anônimas, desmaterializando as ações [52].

Os títulos caminham no sentido da desmaterialização, o que já se pode sentir de maneira forte na legislação correspondente às sociedades anônimas. As ações ao portador e endossáveis foram retiradas de nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 8.021/90, que modificou a Lei nº 6.404/76 [53], de forma que só existem, atualmente, as ações nominativas e escriturais, sendo esta nada mais do que uma subespécie da primeira.

As ações escriturais adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, no que tange o regime escritural para a emissão, registro de propriedade e transferência de ações, assim como outros institutos, têm origem na experiência norte-americana. [54]

Na década de 60, em razão do grande número de ações negociadas na Bolsa de Valores de Nova York houve empenho no sentido de extinguir os certificados de ações, essencialmente no que diz respeito às empresas de grande porte. Ou seja, a noção de cártula, que tantas facilidades havia trazido para o ordenamento jurídico dos títulos de crédito, estava, neste ínterim, impedindo sua agilidade e crescimento. [55]

As ações nominativas escriturais são aquelas que não são representadas por certificados, funcionando como uma conta-corrente, onde os valores são lançados a débito ou a crédito dos acionistas, não havendo movimentação física de documentos. [56]

Segundo os autores do anteprojeto da Lei das Sociedades por Ações, as ações escriturais destinam-se a permitir a difusão da propriedade de ações, bem como a facilidade de circulação, ambas proporcionadas pela transferência mediante ordem à instituição financeira e mero registro contábil, com a eliminação do custo do certificado.

O estatuto da companhia pode autorizar que todas as ações da companhia, ou uma ou mais classes delas, sejam mantidas em contas de depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem emissão de certificados. Estas são as ações escriturais, que vieram do direito norte-americano, onde têm o nome de "book shares".

No Brasil, várias sociedades anônimas já adotaram as ações escriturais. Entre outras, Banco Itaú S.A., Lojas Americanas S.A., Mesbla S.A.,Orniex S.A., Antarctica do Nordeste, Metalúrgica Abramo Eberle e Companhia Antarctica Paulista. E somente as instituições financeiras autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários podem manter serviços de ações escriturais.

Esta tendência, que já é realidade no que toca às ações, deverá se fazer sentir em relação a todos os outros tipos de títulos de crédito, em razão da já citada economia de massa em que vivemos, a qual necessita de instrumentos muito mais dinâmicos do que a tradicional cártula.

1.4.3. As Chamadas Duplicatas Escriturais

Segundo previsão legal a duplicata tem origem em um contrato de compra e venda [57] ou de prestação de serviços [58]. Todavia, tanto o contrato de compra e venda, como de prestação de serviços que origina a duplicata virtual, não necessariamente deve ser um documento material, como o papel, da mesma forma que há a possibilidade de firmar-se sobre um documento eletrônico, representado pela manifestação de vontade transmitida via e-mail, ou ainda pela compra efetuada em um web site [59].

Como exposto alhures, a duplicata é um título de crédito constituído em virtude de uma negociação mercantil ou prestação de serviços, regido por leis próprias, passível de circulação, personificando em si as características fundamentais dos títulos de crédito, quais sejam, cartularidade, literalidade e autonomia.

A duplicata escritural [60] presente no ordenamento jurídico brasileiro foi inspirada na sua irmã francesa, a Lettre de Change-Revelé – bande magnétique, sendo que o nosso título escritural fora obra dos bancos comerciais, independentemente de previsão legal específica. [61]

No tocante a duplicata, como um título escritural, virtual ou eletrônico, já se encontrava discussão sobre o tema na hipótese do protesto por indicação na duplicata – Lei n.º 9.492/97, em seu art. 21, § 3º [62] e art. 13, § 1º [63], da Lei n.º 5.474/68. Essas leis, admitindo igualmente a indicação a protesto por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, abriram caminho para a introdução da duplicata escritural [64].

A duplicata escritural, ou eletrônica obedece aos requisitos exigidos pelo do art. 2º, §1º, da Lei 5.474/68 [65], porquanto é reconhecida como título de crédito, consubstanciando em obrigação líquida e certa, desde que os caracteres criados em computador, ou meio técnico equivalente, constem da escrituração do emitente e o título observe os requisitos mínimos previstos no art. 889 do Código Civil.

É mister salientar que a Lei nº 9.492/97, em seu art. 8º, parágrafo único [66], admite a recepção de indicações a protestos de duplicatas mercantis e de prestação de serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados [67], sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas.

Em verdade, nos dias de hoje, a duplicata materializada em papel, em cártula, vem aos poucos desaparecendo, abrindo caminho para a utilização do título eletrônico, cuja executividade vem sendo, no entanto, contestada por parte da doutrina [68], com legalidade na sua emissão por meios eletrônicos em nosso direito, dependendo à sua eventual nulidade de aplicação em cada caso concreto, não podendo ser questionada à sua definição.

A norma do art. 889, §3º, do novo Código Civil, vem robustecer o entendimento de parte da doutrina [69] e da jurisprudência [70], no sentido de que a duplicata virtual é título executivo, desde que observados os requisitos essenciais e mínimos previstos no caput do art. 889.

Entrementes, a cobrança da duplicata eletrônica ou duplicata-escritural [71], como viemos designando, e sua sistemática de cobrança que dispensa a existência do título tradicional, como documento material, enquanto cártula, passou a encontrar sério impedimento para sua operacionalização de vez que, para que se realize o protesto por indicação, passou a ser exigida declaração da instituição financeira apresentante no sentido de que ela, efetivamente, enviou ao sacado a duplicata correspondente. [72]

Diante do motivo acima exposto alguns doutrinadores [73] questionam se há necessidade de propugnar-se pela edição de lei específica, ou ter-se por aprovada a duplicata escritural, com fulcro no artigo 889, § 3º do Código Civil, que possibilita a emissão de títulos de crédito a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente.

Ainda assim, embora a divergência de posicionamento doutrinário acerca da necessidade ou não de alteração legislativa, temos por certo que o processo judicial ainda é totalmente "papelizado", ou seja, desenvolve-se em suporte material, não obstante a existência do e-proc na Justiça Federal, pois os documentos são digitalizados e, caso necessário, tem de ser apresentados em juízo. Desta feita, para executar um título de crédito, embora escritural ou eletrônico, à sua impressão em papel é ainda indispensável para exibir-se em juízo. [74]

Neste contexto, a prática difundida no Brasil ainda não é a emissão do título de crédito em meio eletrônico, pois há certa resistência em relação ao novo suporte documental e os envolvidos não querem assumir o risco de verem desconstituídos os seus direitos ao crédito, ou em grau menos relevante, não reconhecida sua executividade, liquidez e certeza; tem-se adotado, portanto, a sistemática de emitir o título de crédito em papel, promovendo-se em suporte eletrônico a circulação e liquidação.

Verifica-se que alguns doutrinadores [75] propõem chamar de transmutação de suporte o título de crédito material que se torna eletrônico e, quando não adimplido, retorna ao antigo suporte para fins de cobrança judicial.

1.4.4. A Nota Promissória Eletrônica

A nota promissória é uma promessa de pagamento [76], um compromisso de pagar a outrem uma determinada importância em dinheiro, ou ainda, uma promessa de pagar, que alguém faz em nome de outrem [77]. Este título assemelha-se a letra de câmbio, todavia por demonstrar maior praticidade, é também mais vantajoso.

A principal diferença entre os supracitados títulos de crédito, letra de câmbio e nota promissória, é a definição da letra de câmbio como ordem de pagamento, mas a garantia conferida pelo emitente é perfeitamente igual em ambos os títulos. Assim, a nota promissória torna-se mais vantajosa, porque, ao ser emitida, se constar o aceite – assinatura do sacador – esta já está convencionalmente pronta. Diferenciando-se da letra de câmbio, neste ínterim, pois esta necessita do aceite para obrigar e efetivar-se como título de crédito [78].

Ultrapassadas essas noções preliminares acerca do conceito e legislação da nota promissória, embora seja um título de crédito típico, passamos a analisá-la como um título de crédito atípico: um título de crédito eletrônico.

O título de crédito eletrônico é o documento eletrônico representativo de direito autônomo ao recebimento de quantia líquida, da mesma forma que a nota promissória eletrônica é o documento eletrônico de que constam todos os requisitos essenciais exigidos pelos artigos 75 [79] e 76 [80] da Lei Uniforme de Genebra. [81]

Se o credor a endossa, lança-se o registro eletrônico das informações pertinentes a esse ato de transferência da titularidade do crédito, como nome do endossatário, data, se há ou não cláusula sem despesas ou cláusula sem garantia, etc. O saque, endosso e aval da nota promissória serão praticados mediante assinatura digital do subscritor, endossante ou avalista, certificada no mesmo arquivo eletrônico. [82]

Assim percebemos que não há óbice com relação a desmaterialização da nota promissória, pois este título tem como elementos obrigatórios para sua validade a promessa de pagamento, o nome do beneficiário, a data da emissão e a assinatura ou declaração admitindo a obrigação. Requisitos estes já totalmente inseridos na informatização jurídica, embora não aceitos por parte da doutrina [83], que vêem engessados os ordenamentos jurídicos, indo de encontro com a realidade moderna.

1.4.5. A Cédula de Produto Rural (CPR) e os Títulos do Agronegócio (Warrant Agropecuário – WA, e o Conhecimento de Depósito Agropecuário – CDA)

É sabido que um sistema de crédito rural em regime de economia de livre mercado deve contar com uma expressiva participação do sistema financeiro privado. E, no nosso ordenamento jurídico, a política pública atual busca atrair capital privado para o financiamento do agronegócio.

Um dos títulos de crédito que primaram pela forma escritural foram os relacionados com o agronegócio, que é um dos setores da economia que se mostra extremamente dinâmico e rentável.

Na evolução histórica dos títulos do agronegócio, notou-se a modificação da política pública em relação ao setor. Eis que há a substituição do Estado intervencionista na atividade rural pelo Estado fomentador da iniciativa privada como fonte principal de financiamento. Assim, a responsabilidade é desviada para o mercado financeiro, como principal fomentador do agronegócio, diminuindo então o gasto público no setor. [84]

Sumariamente, apresentando esboço histórico legal das concessões de crédito ao agronegócio, podemos citar a lei n.º 4.829, de 05 de novembro de 1965 que instituiu o Sistema Nacional de Crédito Rural e deu início a consolidação da política de crédito agrícola no Brasil, ocorrendo após, em 1967, com o advento do Decreto Lei n.º 167, de 14 de fevereiro, uma pequena evolução dos títulos de financiamento rural.

No que tange à Cédula de Produto Rural (CPR) [85], estabelecem o artigo 19 e seus §§ 1º e 3º, inciso I, da Lei nº 8.929/1994 [86], in verbis: "Art. 19 – A CPR poderá ser negociada nos mercados de bolsas e de balcão. § 1º – O registro da CPR em sistema de registro e de liquidação financeira, administrado por entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil, é condição indispensável para a negociação referida neste artigo. (...) § 3º – A CPR registrada em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil terá as seguintes características: I – será cartular antes do seu registro e após à sua baixa escritural ou eletrônica enquanto permanecer registrada em sistema de registro e de liquidação financeira".

Conforme exposto alhures, a principal característica da CPR é a possibilidade de ser negociada nos mercados de balcão e de bolsa de mercadorias, além possibilitar ao emitente, produtor rural, receber o valor da venda antecipadamente, à vista.

O emissor da CPR é o produtor rural e suas associações, inclusive as cooperativas [87]. Ainda, estabelece a lei [88] que a CPR é um título líquido e certo, emitido nas modalidades de liquidação física financeira, bem como é exigível na data de seu vencimento pela quantidade e qualidade de produto nela previsto. Isto é, a CPR, quando na modalidade física, a liquidação ocorrerá pelo produto in natura.

Na emissão da CPR, ocorre a substituição de dinheiro no ato, por mercadoria futura. Desta feita, vende-se nas bolsas de mercadorias no presente o que será recebido no futuro. Sendo requisito formal e obrigatório a descrição do bem de modo simplificado e, quando for o caso, a identificação pela sua numeração própria, e pelos números de registro ou matrícula no registro oficial competente, dispensando-se, no caso de imóveis, a indicação das respectivas confrontações [89].

E, no que diz respeito aos Títulos do Agronegócio (WA e CDA), estipula o art. 15 da Lei nº 11.076/2004 a obrigatoriedade do registro em "sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central", in verbis, "Art. 15 – É obrigatório o registro do CDA e do WA em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo Banco Central do Brasil, no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da data de emissão dos títulos, no qual constará o respectivo número de controle do título, de que trata o inciso II do art. 5º desta Lei. § 1º – O registro de CDA e WA em sistema de registro e de liquidação financeira será precedido da entrega dos títulos à custódia de instituição legalmente autorizada para esse fim, mediante endosso-mandato. § 2º – A instituição custodiante é responsável por efetuar o endosso do CDA e do WA ao respectivo credor, quando da retirada dos títulos do sistema de registro e de liquidação financeira."

Extrai-se dos artigos citados alhures que a lei previu a emissão do título de crédito forçosamente em suporte papel. O documento materializado, todavia, pode não ser, com no caso da CPR, ou não é, como no caso dos Títulos do Agronegócio, o instrumento apto para a negociação e liquidação tempestiva. Ele fica sob a custódia de uma instituição financeira, durante o tempo em que as informações correspondentes são registradas num sistema de registro e liquidação financeira autorizado a funcionar pelo Banco Central, v.g., Cetip. [90]

Após esse registro, o suporte do título de crédito deixa de ser o documento materializado e passa a ser exclusivamente o arquivo eletrônico correspondente, ou seja, deixa de ser papel para ser bytes. No tempo em que está aberto o registro, nenhum ato cambiário que venha a ser praticado no papel terá qualquer eficácia jurídica, porque o suporte do título de crédito, nesse ínterim, é apenas o eletrônico. Todos os endossos e garantias só existirão, serão válidos e eficazes se devidamente registrados no documento eletrônico que serve de suporte para o título de crédito. [91]

A lei, até o momento, trata da transmutação do suporte apenas desses três títulos (CPR, CDA e WA), mas nada impede que ocorra com qualquer outro. A disciplina da operação será, à ausência de norma legal específica, a do regulamento do sistema de registro e liquidação financeira autorizado a funcionar pelo Banco Central em que o título de crédito vier a ser admitido.

O título de crédito emitido em papel e transmutado para o meio eletrônico não costuma voltar ao suporte originário se é liquidado no vencimento. Apenas no caso de inadimplemento do devedor, por se fazer necessária a cobrança judicial, é que o registro eletrônico cessa seus efeitos e volta a existir o título exclusivamente no documento materializado. Aquele que constar dos registros eletrônicos como o último titular do crédito vai buscar esse instrumento da custódia da instituição financeira para, com ele, instruir a ação de cobrança ou execução. [92]

Desse modo, quando se disseminar o processo judicial eletrônico (Lei nº 11.419/2006 [93]), o suporte papel dos títulos de crédito poderá ser completamente descartado. Não haverá, então, mais necessidade da emissão em papel, sua custódia e a transmutação do suporte.

1.4.6. A Assinatura Eletrônica e Digital

Em decorrência da estreita relação entre os computadores e o comércio, surgiu uma nova realidade intitulada "Comércio Eletrônico [94]" e, paralelamente, o Direito Comercial Virtual (ou Direito Comercial Eletrônico) para regulamentar tal atividade desenvolvida com o auxílio da telemática.

Alguns exemplos concretos do que vem sendo desenvolvido na área em análise são as primeiras legislações referentes à assinatura digital e aos contratos comerciais eletrônicos nos Estados Unidos e na Alemanha (na recente Lei Federal que trata dos serviços de comunicação e informação, regulamentando a própria assinatura digital) e o modelo de lei uniforme da UNCITRAL para o comércio eletrônico. Trata-se do excerto do relatório da United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL), apresentado na 29ª Assembléia Geral realizada entre 28 de maio a 14 de junho de 1996. [95]

Desta feita, a UNCITRAL aprovou, em 1996, uma lei-modelo sobre comércio eletrônico, aperfeiçoada em 1998 e recomendada pela Assembléia Geral da ONU para que os países se inspirassem nessa lei-modelo ao disciplinarem a matéria em seus direitos internos. [96]

No intuito de ser coerente com o projeto da UNCITRAL [97], bem como na busca de uma maior segurança jurídica, a legislação brasileira, em consonância com alguns doutrinadores [98], deve adotar o modelo alemão e eleger a "assinatura digital", como aquela que utiliza o modelo de chaves privada e pública de criptografia.

É mister salientar que a assinatura digital [99] é um substituto eletrônico para a assinatura manuscrita [100]. Ela exerce o mesmo papel, e mais, serve também para proteger a mensagem digital transmitida através da rede de computadores, uma vez que o texto é codificado através dos algoritmos de criptografia [101].

Acerca da criptografia, esta se classifica em criptografia simétrica ou assimétrica. Na primeira, o programa codificador do texto em caracteres indecifráveis, utiliza a mesma chave para criptografar e descriptografar, enquanto na segunda, chamada também de chave pública, o programa codificador serve-se de uma chave privada para criptografar e de uma chave pública para descriptografar. [102]

Neste ínterim, no Brasil, um dos primeiros textos a definir a assinatura digital terá sido a Instrução Normativa n.º 156, de 22 de dezembro de 1999, da Secretaria da Receita Federal, que o fez nos seguintes termos: Processo eletrônico de assinatura, baseado em sistema criptográfico assimétrico, que permite ao usuário usar a chave privada para declarar autoria de documento eletrônico, garantindo a não alteração de seu conteúdo. [103]

O funcionamento prático da assinatura digital [104] envolve a necessidade de uma terceira parte desinteressada – Autoridade de Certificação - que faz a certificação de que a chave privada utilizada é mesmo do assinante do documento digital (o que pode ser, ainda, v.g., do emitente da "nota promissória virtual"). [105]

Retomando a análise dos textos legislativos, em 24.08.2001 [106], no Brasil, fora editada a Medida Provisória n.º 2.200, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Pública Brasileira – IPC-Brasil, criando as funções de Autoridades Gestoras e Autoridades Certificadoras.

Essa Medida Provisória retratou a inclinação contemporânea, no plano internacional, de reconhecer a assinatura digital ou eletrônica, aposta por alguém em um documento eletrônico ou físico, como uma demonstração inequívoca da vontade ou intenção de assinar, com préstimo para todos os efeitos legais. [107]

Enquanto ocorria a edição dessa Medida Provisória no Brasil, em Portugal, editava-se o Decreto Lei n.º 375, de 18 de setembro de 1999 [108], sobre as assinaturas digitais. Sendo de grande relevância o disposto no artigo 7º, pois a solução adotada, à época, adequou-se ao posicionamento manifestado acerca da matéria.

Sobre esta matéria há grande turbulência e críticas, e não é nossa pretensão esgotar a matéria acerca da assinatura digital e da certificação eletrônica, todavia adentramos na matéria haja vista que a previsão do art. 889, caput e 889, §3º do Código Civil determinam a assinatura do emitente, e prevêem sua criação a partir de caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente.

Diante do exposto, voltamos a análise legislativa, agora no que tange o Anteprojeto de Lei sobre Regulamentação do Comércio Eletrônico [109], elaborado pela Comissão de Informática da Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil confiado ao presidente da Câmara e entregue ao Deputado Michel Temer.

Este Anteprojeto teve aclamados elogios, como, v.g., ser o mais bem elaborado sobre a matéria, mas também severas críticas [110], especificamente no que tange os artigos 33 [111] e 34 [112], eis que em plena era digital, para o documento possuir qualidade de original, depender-se-á da autenticação de Tabelião.

Evidentemente, como já foi dito acima, este trabalho não pretende exaurir os elementos acerca dessa discussão de tamanha envergadura a respeito das assinaturas digitais, mas também não seria possível passar ao largo sem dedicar certa atenção. Nesse sentido, temos que não é possível dedicar-se ao aprimoramento das leis, na busca pela concatenação entre a realidade informatizada e os institutos jurídicos consagrados como os títulos de crédito. É preciso desprender-se do passado, e como mencionou o Ilustre Ruy Rosado de Aguiar Junior, é preciso livrar-se da concessão exclusiva, aos serviços notariais públicos, a autorização para emitir certificados de autenticidade. Não se pode deixar que esse cartorialismo e todo o dinheiro envolto algemem nossas leis e, consequentemente, nosso esplêndido futuro jurídico.

No que diz respeito a matéria em outros ordenamentos jurídicos, mais precisamente, ao Direito Europeu, podemos citar que na Alemanha, foi aprovada a Lei de 22 de Julho de 1997, sobre assinaturas digitais, Gesetz zur digiyalen Signatur (Signaturgesetz – SigG); na França foi aprovada uma lei sobre telecomunicações, Lei n.º 96.959 de 26 de Julho de 1996, de réglementation des télécommunications, que garantiu um acesso simples e conveniente a toda infra-estrutura e ao serviço de telecomunicações. [113]

No Reino Unido foi lançada uma consulta pública sobre a regulamentação do terceiro garantidor – a autoridade de certificação, Licensing of trusted third parties for the provision of encryption services – public consultation paper on detailed proposals for legislation – March 1997. [114]

E, finalmente, nos Países Baixos criaram uma Task Force interdepartamental na Dinamarca e na Bélgica foram preparados projetos de legislação sobre assinaturas digitais e na Suécia foi realizada uma audiência pública, em Junho de 1997. [115]

Consequentemente, na Itália e na Alemanha adotou-se uma disciplina orgânica acerca da firma digital. Mais especificamente, o direito alemão, a lei fixou o objetivo de criar um ambiente adequado para aumentar a confiança nas assinaturas digitais e para impedir a contra facção do mesmo, embora não diretamente, que regulamenta a questão da validade jurídica das assinaturas digitais. [116]

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Sobre a autora
Simone Lemos Alves

Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Mestranda em Direito Empresarial pela mesma universidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Simone Lemos. Da documentação dos direitos em papel aos títulos de crédito eletrônicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2981, 30 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19882. Acesso em: 23 dez. 2024.

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