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A adoção por pares homoafetivos

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12/09/2011 às 17:23
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CAPÍTULO III

3- A ADOÇÃO

3.1- Origem Histórica

Conforme demonstram documentos históricos, o instituto da adoção já existia na Antiguidade. Na Babilônia, o próprio Código de Hammurabi que possuía grande senso de justiça, do período de 1728 a 1686 a.C, ditava regras acerca do Instituto. A adoção tinha caráter contratual e, além disso, o filho adotivo deveria ser equiparado ao filho biológico. Segue adiante, o que conclui o autor Antônio Chaves, sobre o que dizia o Código de Hammurabi, em seu § 185, acerca da adoção:

"enquanto o pai adotivo não criou o adotado, este pode retornar à casa paterna; mas uma vez educado, tendo o adotante dispendido dinheiro e zelo, o filho adotivo não pode sem mais deixá-lo e voltar tranqüilamente à casa do pai de sangue. Estaria lesando aquele princípio de justiça elementar que estabelece que as prestações recíprocas entre os contratantes devam ser iguais, correspondentes, princípio que constitui um dos fulcros do direito babilonense e assírio". [33]

Há relatos da adoção realizada, também, na Antiguidade, pelos hindus, pelo povo Egípcio, pelos palestinos e inclusive pelos Hebreus. A Bíblia trata do instituto chamando-o de levirato. Dentre as histórias da Bíblia, Moisés é um exemplo prático de adoção. Foi adotado pela filha do Faraó, que o encontrou em um cesto, às margens do rio Nilo, enquanto se banhava.

Na Grécia o Instituto também se fazia presente. Em Esparta, a adoção devia ser, necessariamente, confirmada pelo rei, tendo em vista que a estrutura da família era diferenciada, já que Esparta era uma cidade militar e o filho vivia na companhia da mãe apenas até os 7 anos de idade. Após, era entregue ao exército. Em Atenas somente os cidadãos, denominados Homens Polites, podiam adotar e, somente cidadãos podiam ser adotados. Os estrangeiros e escravos não podiam nem adotar e nem ser adotados. Dependia, portanto, exclusivamente, da classe social.

Em Roma, praticava-se a adoção segundo a lei das XII Tábuas. Existia de duas formas: adoção ad-rogatio ou adoção no sentido estrito. A primeira funcionava de forma que o adotante precisava ter mais de sessenta anos e ser no mínimo dezoito anos mais velho que o adotado. Era necessário haver concordância de ambas as partes e realizava-se por meio de lei e com o concurso da Religião e do Estado, sucessivamente. Em Roma, a adoção ab-rogatio era, principalmente, arma política, uma forma de mudar de classe. Grandes Imperadores Romanos, através da adoção, ganharam oportunidade de mudar de classe e se tornarem Imperadores. São alguns deles: Calígula, Cesar Otaviano, Tibério, Nero.

Quanto à adoção em sentido estrito, eram regras o adotante ser homem, no mínimo dezoito anos mais velho que o adotado, não possuir filhos legítimos ou adotados. Era denominada adoptio e pertencia ao direito privado, diferentemente da adoção ad-rogatio, que pertencia ao direito público. Na adoção em sentido estrito, à princípio, fazia-se a extinção do poder do pai natural e, por meio de cessão de direitos, era passado este poder ao adotante. Em um segundo momento, permitiu-se que fosse feita a mancipatio – extinção do poder do pai natural – através de contrato, ou através de testamento.

Para os povos antigos, no geral, a importância principal da adoção era permitir que, após a morte, o indivíduo passasse a uma categoria de ser divino e feliz. Para que isso acontecesse, afirmava-se ser necessário que os descendentes fizessem homenagens, cultos e banquetes fúnebres para garantir ao falecido a felicidade após a morte. Assim, para os que não tinham filhos biológicos, a adoção era a forma mais simples de se chegar ao reino dos céus. Por este motivo, era permitida apenas aos que ainda não tinham herdeiros. Caso o filho adotivo desejasse romper os laços com o adotante e sua família, era preciso que colocasse outro filho em seu lugar.

Na Idade Média, à época dos feudos, a adoção se tornou desnecessária e até mesmo inconveniente. Contrariava os direitos hereditários no que diz respeito ao senhor feudal e seus herdeiros.

A partir da Idade Moderna, a adoção voltou a ser usada. Vale destacar, especialmente, o período Napoleônico, em que Napoleão precisava de um sucessor para dar continuidade a seus propósitos políticos. Podia acontecer, no período Napoleônico, de forma Ordinária – feita mediante contrato, homologado por magistrado, permitida apenas para pessoas com idade superior a cinqüenta anos e sem filhos -, Remuneratória – em casos em que o adotado tivesse livrado a vida do adotante de algum mal -, Testamentária – permitida após cinco anos de tutela -, Tutela Ofisiosa – criada em favorecimento de menores.

3.2 – A Adoção no Brasil e a Evolução legal

Clóvis Bevilaqua definiu a adoção como: "ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho" [34], enquanto Caio Mário da Silva Pereira caracteriza da seguinte forma: "ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra, como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco ou afim" [35].

No Brasil, não se tratou da adoção anteriormente ao Código Civil de 1916, portanto, o Instituto veio tardiamente, no século XX. O antigo Código Civil acolheu a Adoção em seu Capítulo V, nos artigos 368 a 378. Era instrumento usado para possibilitar que pessoas sem filhos pudessem tê-los. Pai e filho biológico possuem um vínculo natural e seu parentesco tem origem sanguínea. Enquanto isso, o parentesco civil é criado pela lei. O Civilista Clóvis Bevilaqua tratou do instituto:

"O que é preciso, porém, salientar é a ação benéfica, social e individualmente falando, que a adoção pode exercer na sua fase atual. Dando filhos a quem os não tem pela natureza, desenvolve sentimentos afetivos do mais puro quilate, e aumenta, na sociedade, o capital de afeto e de bondade necessário a seu aperfeiçoamento moral; chamando para o aconchego da família e para as doçuras do bem estar filhos privados de arrimo ou de meios idôneos, aproveita e dirige capacidades, que, de outro modo, corriam o risco de se perder, em prejuízo dos indivíduos e do grupo social, a que pertencem"

[36]

No Código Civil de 1916, permitia-se a adoção por maiores de cinqüenta anos que fossem, no mínimo, dezoito anos mais velhos que o adotado, e que ainda não possuíssem filhos, biológicos ou adotados. Era necessário serem casados entre si, os adotantes. Os adotados, por sua vez, quando capazes, deveriam consentir a adoção; se incapazes, o consentimento deveria ser dado pelo representante legal. A adoção podia ter fim por convenção das partes, no ano seguinte em que o adotado incapaz adquirisse sua capacidade civil, além das hipóteses permitidas pelo Código Civil quando discorre acerca do direito sucessório.

Quando se faz o estudo do Instituto, percebe-se que com o decorrer dos anos, pouco a pouco, tem sido liberalizada a adoção, com as transformações nas formas de adotar. Na sequência das inovações trazidas pelo Código Civil de 1916, a Lei 3.133, de 08 de maio de 1957 veio trazer novos parâmetros para o ato de adotar. A nova lei reduziu a idade mínima do candidato, de 50 para 30 anos e reduziu a diferença de idade entre adotante e adotado, de 18 para 16 anos. Além disso, surgiu a possibilidade de adoção por casais com ou sem filhos, em matrimônio há mais de cinco anos.

O Código Civil de 1916 possuía caráter discriminatório e, em virtude disto, muitos de seus artigos foram revogados com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe o princípio da Isonomia. No art. 377, tínhamos: "Art. 377. Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. [37]" Em 1965 vem a Lei 4.665, de 2 de julho, trazendo outras novas modificações.

Com a Constituição Federal de 1988, as possibilidades ampliam-se. A nova Carta Magna trouxe inovações em matéria de família e filiação. Nesta nova Constituição, ficou estabelecido que crianças e adolescentes teriam Direitos Fundamentais superiores aos de qualquer outro indivíduo, conforme o princípio da Prioridade Absoluta. É o que dispõe a Carta Política em seu artigo 227, conforme segue:

"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." [38]

Desta preocupação diferenciada da CF/88 para com os adolescentes e crianças, surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente. A adoção passa, então, a ser regulamentada pelo Código Civil, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo ser permeada por função social e valores jurídicos e afetivos, que concedem igual estima a filiação de ordem biológica. Além da função social que norteia a Adoção, o Instituto vem infestado de preconceitos herdados de leis anteriores e costumes anteriores, que fazem com que haja a sub-valorização da filiação adotiva frente à filiação biológica.

3.3- Inovações trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

Diz-se que o fato de nossa sociedade ser excludente, contaminou o instituto da adoção de preconceitos que influem nas características dos candidatos adotantes, o que acaba por afetar os reais interesses e necessidades da adoção, quais sejam, a concessão de um lar a uma criança órfã, a satisfação do desejo de ser pai e mãe, independente da orientação sexual, e a importância do vínculo afetivo sobre o vínculo sanguíneo. No que diz respeito ao preconceito existente sobre candidatos a adoção que tenham orientação homossexual, sob análise dos princípios trazidos pela nossa Carta Política, a orientação distinta jamais deveria fazer com que o indivíduo fosse encarado como sub-cidadão, incapaz de exercer alguns atos da vida civil, tais como a maternidade e paternidade.

Reiterando o fato de que, conforme dispõe o art. 227 da Constituição Federal, compromete-se o Estado a assegurar, com prioridade, à criança e ao adolescente, direitos como à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência ou discriminação, torna-se injustificável o rigor excessivo e preconceitos na escolha do adotante, enquanto o que deveria haver é somente fiscalização e controle, para fornecer a criança e ao adolescente exatamente o que é encargo do próprio Estado, exclusivamente.

O artigo mencionado concede à criança e ao adolescente o direito a convivência familiar. Privá-los de tal direito e submetê-los a negligência de um abrigo, simplesmente para não conceder a adoção a um casal homossexual, em nome do preconceito decorrente de séculos de discriminação e em nome de uma falsa moral, é atitude ilegal e, no mínimo, insensata.

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O Estatuto da Criança e do Adolescente traz exigências que deveriam ser básicas e exclusivas para a concessão da adoção. A colocação da criança em famílias substitutas, na qual teriam amor, afeto, liberdade, companheirismo, estabilidade familiar e igualdade de tratamento e qualificação com os demais filhos (biológicos ou adotivos), deveriam ser os elementos indispensáveis para a adoção, sem virem recheados de preconceito ou discriminação.

A Lei 8.069/90, ao dispor acerca dos direitos da criança e do adolescente, fala sobre o direito à liberdade, no art. 15 e, na sequência, explica o que se entende por liberdade. Participar da vida familiar é aspecto a ser compreendido dentro de tal conceito e trata-se de liberdade, direito fundamental. Segue:

"Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos [...]

V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;" [39]

O Capítulo III da lei em questão estabelece normas para a participação da vida familiar e comunitária, mencionadas pelo inciso V, do art. 16, já transcrito. Explica sobre a necessidade de ser criado, o jovem, em um seio familiar e, cita a família substituta, em casos excepcionais. Segue o que traz o Art. 19 do dito capítulo.

"Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.[...]

§ 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária." [40]

Ainda, tecendo informações sobre a Família substituta, na Seção III da mesma lei, temos que a colocação em família substituta poderá se dar de três formas: mediante tutela, guarda ou adoção, conforme segue:

"Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei [...]

§ 3º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida." [41]

Como dito em linhas anteriores, tratam da adoção tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto o Código Civil. Este prevê em seu artigo1.623 que: "a adoção de maiores de dezoito anos dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Publico e de sentença constituitiva." [42]

O ECA, por sua vez, trata da adoção na Subseção IV. Segundo esta lei, para adotar, é requisito ter, no mínimo dezoito anos, independente do estado civil. No que diz respeito à adoção conjunta, no entanto, a lei diz que os adotantes precisam ser casados civilmente ou em regime de União Estável, e com estabilidade familiar comprovada. Não há dispositivo que estabeleça, para a adoção, o sexo dos candidatos ou orientação sexual.

No Capítulo anterior foi definido que, pode a União Homoafetiva ser equiparada a União Estável já que, ambas possuem os mesmos requisitos. Levando-se em consideração que o Estado deve proteção a qualquer indivíduo, independentemente de sua orientação sexual e, deve proteção também a família, contanto que tenha caráter duradouro e a convivência seja pública e contínua, a União Homoafetiva caracterizará

União Estável e se, para finalizar, contiver o intuito de constituir família, deverá também ser protegida pelo Estado.

Portanto, um casal em que seus membros tenham idade superior a dezoito anos, sejam no mínimo dezesseis anos mais velhos que o adotando, casados em regime de União Estável – que por vezes equipara-se a União Homoafetiva -, com o intuito de constituir família, caso seja comprovada a estabilidade, independentemente da orientação sexual e, submetidos a um processo de adoção que exige fiscalização, nada obsta que um casal homossexual possa adotar uma criança. Cabe ressaltar que, no processo necessário para a adoção, é imprescindível que haja vantagens para o adotando. Segue o que estatui o Estatuto da Criança e do Adolescente: "Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos." [43]

No decorrer do processo para a adoção, é necessário haver o que a Lei chama de período de convivência para que a criança e a família substituta adquiram vínculo afetivo que, posteriormente, será convertido em vínculo civil, mediante sentença judicial e registro civil. O Vínculo afetivo é requisito para avaliar a conveniência da sua definitiva constituição. A Lei 8.069/90 prevê em seu artigo 46: "Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do casal." [44]O estágio de convivência é a oportunidade que se tem para constatar o grau de solidez do afeto que pode vir a unir adotando e adotante.

Torna-se claro a importância dada pelo legislador ao bem-estar e integral proteção do adotando. Visando benefícios ao adotando, o Estatuto da Criança e do Adolescente traz ainda: "Art. 29. Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado." [45]

Qual seja, toda e qualquer fiscalização e cuidado para integrar a criança ou adolescente a família que, a ele faça bem e contribua para seu melhor e total desenvolvimento, faz parte do que a lei dispõe acerca dos procedimentos para a adoção. É importante salientar também que, ser homossexual – considere tal característica

isolada de qualquer outra -,ou seja, ter orientação sexual distinta da orientação predominante, não significa ter incompatibilidade com o ato de adotar ou constituir família, nem tampouco caracteriza ambiente familiar inadequado para o desenvolvimento de uma criança. Ser homossexual, por si só, não determina o nível de amor que o ser humano possui para dar ao próximo ou a porcentagem de carinho que possa distribuir, ou ainda, a competência para educar criança que esteja sob sua responsabilidade.

3.4 – Sob Aspectos Psicológicos

A psicóloga Cintia Liana explica, em seu blog, que a homossexualidade não se transfere mediante genética ou mediante convivência. A psicóloga crê que, se ligarmos a homossexualidade a uma doença ou a promiscuidade, estaremos cometendo retrocesso ou generalizando comportamento que existe dentro e fora do mundo homossexual, qual seja, no mundo heterossexual. A grande doença não está na orientação sexual, mas no preconceito existente em torno dela. Para a psicóloga, o fato de sofrerem freqüentes discriminações leva os homossexuais a adquirirem maturidade que, talvez, os heterossexuais não tenham.

Segundo Cintia Liana, deve-se considerar um tanto quanto absurda a idéia de deixar crianças e jovens em abrigos, sem família e sem amor, acreditando ser mais proveitoso que conceder a adoção dessas crianças a homossexuais que possam lhes dar amor, carinho e tudo mais o que uma criança precisa, sem que haja influencia sexual. Se houver vantagens para o adotando em ser adotado por uma família de homossexuais, por que ainda permitir que esta criança permaneça desprotegida, contanto que haja todos os outros requisitos necessários ao processo de adoção? Há que se lembrar que, uma família caracterizada pela homossexualidade não possui, necessariamente, condutas promíscuas, da mesma forma que acontece com casais heterossexuais. Então, o ambiente familiar adequado pode se fazer por patriarcas cuja orientação sexual difere do que se considera "comum".

A Psicologia afirma ainda que, para sua educação e desenvolvimento eficazes, a criança não precisa ter, necessariamente, um homem como pai e uma mulher como mãe. O que deve ser inteligível são os poderes paterno e materno. A criança precisa ter alguém que faça o papel de pai. É pai é a primeira pessoa identificada pela

criança depois da mãe. A figura paterna é necessária para facilitar o desprendimento do filho com relação a mãe, dando-o suporte, apoio e, futuramente, estabelecendo e cobrando regras. Do mesmo modo, é preciso alguém que desempenhe o papel de mãe, dando carinho, demonstrando paciência e cuidados.

A negação aos homossexuais de constituir família, por sua vez, fere o rol dos direitos fundamentais, haja vista que são cidadãos e não podem ser submetidos a nenhum tipo de exclusão social. Para todos os efeitos, considerando o país em que vivemos, o termo exclusão social explica grande parte de nossos conflitos e precisa ser abolido de nossos costumes.

Temos que o preconceito desenvolve-se em grupos políticos majoritários que se manifestam, discriminatoriamente perante grupos minoritários. Os preconceitos, portanto, não são simplesmente fruto de questões ideológicas adquiridas ao longo de um determinado período, mas são conseqüência de relações inter-grupais e suas formas de expressão.

3.5 – A Realidade dos Abrigos

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente,os abrigos deveriam ser locais para resguardar crianças órfãs, temporariamente e, preferencialmente, pelo menor tempo possível. No entanto, na prática, há crianças que ficam em abrigos durante toda a sua infância e durante todo o período da adolescência.

Mesmo que os abrigos tentem se adequar ao que determina a lei, não são os locais mais desejados de se estar e, tampouco, trazem para a criança o desenvolvimento do qual precisam. A identidade dos órfãos fica comprometida, sua privacidade é praticamente nula e o carinho que gostariam e precisariam ter, por sua vez, inexiste. Dados recentes do CNA (Cadastro Nacional de Adoção) informam que atualmente, no Brasil, há cerca de 4.427 crianças e adolescentes habilitados para a adoção. No entanto, a quantidade de crianças que habita os abrigos é maior. São crianças entregues aos orfanatos por famílias que passam por dificuldades financeiras, dentre outros problemas. Legalmente, motivos financeiros não são suficientes para que haja suspensão do Poder Familiar, no entanto, na prática, essas crianças vão para abrigos e lá permanecem, sem perspectiva de voltarem para seus lares e, na maioria dos casos, acabam não retornando. Segue o que prevê o Estatuto da Criança e do

Adolescente em seu artigo 23, acerca deste tema: "Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar." [46]

Algumas das crianças enviadas para abrigos perdem o paradeiro de suas famílias e tornam-se elegíveis para a adoção. No entanto, até que possam, finalmente, ser adotadas, passaram dos dois anos de idade. A adoção se torna tardia e, infelizmente, as crianças tem reduzidas as suas chances de serem adotadas e abandonarem o abrigo. Psicologicamente, afirma-se que a adoção tardia não gera boas conseqüências ao adotando, já que levará consigo lembranças vivas de sua história como órfão, juntamente com seus desejos, sonhos e frustrações. Esses traumas podem afetar, inclusive, o relacionamento das crianças com sua família substituta, em razão da insegurança causada por suas vivas lembranças e decepções.

Crianças com irmãos também sofrem grandes dificuldades de serem adotadas. Pesquisa divulgada, recentemente, também pelo CNA, mostra que dos 26.694 interessados pela adoção, cerca de 10.129, tem preferência por crianças ou adolescentes brancos. Do mesmo contingente, 21.376 dos candidatos afirmaram que não adotariam crianças com irmãos. Como é perceptível, as crianças carentes percorrem caminho longo rumo à adoção, que tem pequenas chances de se efetivar. Estão sujeitas a seleções, à escolhas para alcançarem o amor familiar que sonham ter. Assim, não é justo impedir que uma nova possibilidade de adoção venha à tona para tirar as crianças órfãs dos abrigos e conceder a elas chances de ter um lar.

O ex Deputado Federal pelo PT do Rio Grande do Sul, Marcos Rolim, discursou sobre o tema, brilhantemente:

"Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais?"Ora, tenham a santa paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo? Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela circunstância também não agrega nada de relevante, inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças?" [47]

De fato, o que deve ser observado com rigor é a estrutura do lar para o qual o adotando poderá ser enviado. A orientação sexual, por usa vez, não interfere na formação de um lar adequado, com respeito, assistência e carinho. É o que Jane Justina Maschio, afirma em artigo redigido para a Revista Jus Navigandi, no ano de 2001:

"[...] se uma criança sofre maus tratos no seio de sua família biológica, abusos de toda espécie, ou se é abandonada à própria sorte, vivendo nas ruas, sendo usada para o tráfico de drogas, como ocorre em nossos centros urbanos, evidentemente que sua adoção, quer seja por parte de casal homossexual, ou heterossexual ou mesmo por pessoa solteira, desde que revele a formação de um lar, onde haja respeito, lealdade e assistência mútuos, só apresenta vantagens." [48]

Se analisarmos, então, a situação a que estará sujeita a criança abandonada enquanto permanece no orfanato e se compararmos com suas condições de

desenvolvimento após a adoção, seja por homossexual, por heterossexual ou por pessoa solteira, é de absoluta vantagem que a adoção seja realizada.

3.6 – Recentes Julgados. O Caminho a ser Percorrido.

Alguns Magistrados já reconhecem a União Homoafetiva, em seus julgados, como entidade familiar. O STF tem entendido conforme segue:

"RECURSO ESPECIAL REsp 820475 RJ 2006/0034525-4 (STJ)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.

5. Recurso especial conhecido e provido." [49]

A Desembargadora aposentada Maria Berenice Dias vem sempre buscando amparo na idéia de que os aplicadores do direito precisam se adequar às mudanças sociais e adequar, igualmente, suas concepções e decisões. É decisivo o comportamento dos operadores no direito para que a lei se molde de à realidade e para que a justiça e o ordenamento funcionem de forma efetiva. Os magistrados, mais especificamente, tem desempenhado seu papel de forma sensata, julgando conforme segue em ementa do Tribunal do Rio Grande do Sul:

"Ementa: EMBARGOS INFRINGENTES. PEDIDO DE HABILITAÇÃO. ADOÇÃO CONJUNTA POR PESSOAS DO MESMO SEXO. Sendo admitida, pela jurisprudência majoritária desta corte, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, possível admitir-se a adoção homoparental, porquanto inexiste vedação legal para a hipótese. Existindo, nos autos, provas de que as habilitandas possuem relacionamento estável, bem como estabilidade emocional e financeira, deve ser deferido o pedido de habilitação para adoção conjunta. EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70034811810, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/08/2010)." [50]

Além das ementas já citadas, tantos outros julgados tem evoluído no sentido de permitir que crianças, jovens e homossexuais tenham seus direitos protegidos ou garantidos. Em outros países, principalmente países Europeus, já se pratica este tipo de adoção. Na Dinamarca é permitida por pares homoafetivos desde 2009, na Holanda, desde 2001, assim como na Alemanha. Em 2002 a prática foi legalizada na Suécia, a partir de 2005 permitiu-se na Inglaterra, a partir de 2006 foi adotada a prática pela Espanha, Islândia e Bélgica. Nas Américas, os Estados Unidos foram pioneiros, concedendo a adoção a um casal gay ainda no ano de 1986 e, o Uruguai, foi o pioneiro dentre os países sul-americanos, adotando a prática a partir de 2009. A adoção feita desta forma também é percebida na Oceania, África e inclusive no Oriente Médio.

Retomando o início deste capítulo, foi apresentada consideração feita por Clóvis Bevilaqua acerca do Instituto. O Civilista deixa claro o real intuito da adoção e, ao mesmo tempo, nos leva a perceber porque precisa ser aceita sua feitura por casais homossexuais.

A adoção caracteriza-se por dar filhos a quem não pode tê-los, lembrando que constituir família é direito constitucional e, segundo o Princípio da Igualdade, não há que se falar em privação de tal direito a qualquer indivíduo, independente de sua raça, cor ou orientação sexual.

Clóvis Bevilaqua explica ainda que a adoção, quando realizada, "[...] aumenta, na sociedade, o capital de seu afeto e de bondade necessários a seu aperfeiçoamento moral." [51] Então, por que insistirmos na idéia hipócrita e discriminatória de que todo e qualquer tipo de relacionamento que fuja do convencional seja imoral, se o que vai em desacordo com a moralidade é essa falta de amor pelas nossas crianças ao não permitir que sejam inseridas em uma família que possa lhes dar carinho, afeto e educação? O que viola a moralidade é essa ausência de união para com o ser humano, que por fugir do que a história e os preceitos religiosos tomaram como "regular" ou "certo", é taxado como desonesto, libertino, devasso e torna-se privado de suas garantias constitucionais e da proteção estatal.

O que realmente ocorre, é que os homossexuais estão sendo condenados por praticarem condutas diferentes daquelas que um grupo religioso instituiu ao longo da história de forma infundada, irracional, vergonhosa, intolerante, fruto de cegueira moral. A falsa moral pregada pela igreja e adotada pela sociedade ao longo de décadas, não trouxe e jamais trará a perfeição para a humanidade ou sua salvação. Ao contrário, a única conseqüência de todos estes dogmas advindos de profunda intolerância, é a sujeição de crianças e jovens ao abandono e sofrimento.

A lei caminha no sentido de amparar a União Homoafetiva. Não há dispositivo que determine que o caminho a ser percorrido seja distinto, haja vista que a possibilidade de equiparação desta união à União Estável é absolutamente clara. Os julgados, por sua vez, tem acompanhado o que determina a Constituição Federal, em seus princípios, e tem aderido a cada dia mais a aceitação desta nova união.

A psicologia vem incentivando o direito, ao asseverar, após estudos, que não há risco algum de uma criança conviver com um casal homossexual e, por ele, ser criada, já que a orientação sexual dos pais em nada interferirá na orientação de seus filhos. Conclui, a ciência que se dedica ao estudo dos fenômenos psíquicos, que é benéfico para a criança ter seus direitos cumpridos ao ser admitida sua adoção por um casal homossexual, enquanto os mesmos direitos estariam sendo descumpridos e negligenciados com seu abandono em abrigos.

Se fizermos a verdadeira análise do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, grande fundamento da República Federativa do Brasil, que determina que o ser humano é o valor supremo da democracia e deve ter tal valor reconhecido de forma excepcional; se analisarmos o princípio da Igualdade, que determina que os direitos do indivíduo devem ser protegidos, independentemente da cor, raça ou orientação sexual, não há que se falar em negação a concessão da adoção a casais homossexuais.

Não é justo e não é legal impedir que homoafetivos entrem na fila para a adoção. Tal postura caracteriza-se inconstitucional. Diante disso, é inadmissível que o Legislativo permaneça omisso. É de extrema necessidade, sob o aspecto legal, que o ordenamento se adéqüe, finalmente, aos fatos.

É importante que se perceba que a família é mais uma sociedade cultural que biológica, e o afeto é o que distingue a relação familiar das demais. No período de habilitação para a adoção, portanto, o que deve ser revelado não é a orientação sexual do adotante, mas a estabilidade e maturidade do casal e sua capacidade para educar e para amar. No âmbito dos sentimentos, os homossexuais em nada diferem dos heterossexuais.

Há tempos, filhos de pais separados não eram bem aceitos. Hoje, é sabido que a criação por pais separados não é empecilho para o desenvolvimento do menor. As mutações sociais são inteiramente bem-vindas, desde que venham para reforçar o amor ou a felicidade. Quanto a não aceitação da adoção homoparental, derrubados falsos argumentos, o motivo para sua não legalização é a discriminação, argumento este insustentável diante das vantagens apresentadas em linhas anteriores.

Façamos então com que se consagrem os princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Igualdade para que assim, a realidade se volte efetivamente para o interesse do menor. O amor e a solidariedade são as únicas forças capazes de superar qualquer preconceito.

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Sobre a autora
Helena Rodrigues Vaz Pedrosa

Estudante de direito pela PUC-GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSA, Helena Rodrigues Vaz. A adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2994, 12 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19975. Acesso em: 19 mar. 2024.

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Orientador(a): Gustavo Henrique Carneiro Requi

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