Não por causa da Lei Maria da Penha, mas por conta do que estabelece a Constituição, homens e mulheres são iguais perante a lei. Significa dizer que possuem os mesmos direitos e deveres, não podendo ser-lhes dado tratamento diferente exclusivamente em razão do sexo. E é exatamente isso o que a Lei Maria da Penha faz. Aos crimes praticados por homens contra mulheres se confere um tratamento bem mais rigoroso do que aquele cabível para a hipótese inversa. Fica claro, já que o crime é exatamente o mesmo (lesões corporais ou crimes contra a honra, por exemplo), que a diferença se ampara, unicamente, nos respectivos gêneros do sujeito ativo e do sujeito passivo. Com isso, é fácil perceber que a Lei Maria da Penha fere, frontalmente, o Princípio da Igualdade (ou Isonomia), estabelecido pelo art. 5º, caput, da Constituição. Se a Constituição estabelece tal igualdade, não pode uma mera lei ordinária afastá-la.
Argumenta-se que a Lei Maria da Penha viria "reafirmar"a Constituição, na medida em que, ao proteger com maior vigor os direitos das mulheres, garantiria a sua real igualdade ("igualdade material") perante os homens. Acontece que esse raciocínio é construído a partir de dados históricos e estatísticos. Como se observou que os crimes praticados por homens contra suas esposas ou companheiras são muito frequentes, e como se constatou, por várias razões, um alto índice de impunidade, decidiu-se pela criação de uma lei teoricamente capaz de saldar esse "débito" histórico. Ocorre que o "débito" é social. Ele não pode ser transferido para o indivíduo, à custa de seus direitos e garantias constitucionais, porque historicamente a mulher foi preterida. O homem de hoje, equiparado pela Constituição à mulher, não pode arcar com o ônus de seus antepassados. Não se pode fundamentar o maior rigor da punição do indivíduo que comete crime contra sua esposa, companheira ou namorada no "histórico de abuso e violência contra as mulheres". Até mesmo porque a culpa, na sua maior parte, é da ineficiência do Estado. Sua vergonhosa morosidade e a falta de políticas sociais competentes favorecem a proliferação de crimes e a sua impunidade. O que se quer fazer, com a Lei Maria da Penha, é compensar o prejuízo acumulado pelas mulheres. Funciona quase como uma "indenização" para aquele que, contrariando o princípio constitucional, voltaria a ser o "sexo frágil" (expressão odiosa e mentirosa que, sempre tão combatida pelas próprias mulheres, está sendo reavivada pela Lei 11.340/06).
A pena, em um Estado de Direito minimamente organizado, é absolutamente individual. O indivíduo responde pelo que faz de errado, e a intensidade da pena varia de acordo com a gravidade de seu desvio. Importa saber o que ele fez, como fez, por que fez, etc., mas fatores históricos, culturais e sociais, alheios à esfera de responsabilidade pessoal acusado, não podem ser invocados para que seja aumentada a intensidade de seu castigo. O indivíduo não paga pelas injustiças e falhas da sociedade ou do Estado. Somente pelas suas falhas.
A falha de um homem que agride sua esposa ou companheira é a mesma daquela observada na conduta da mulher que agride seu marido ou companheiro. Primeiro, porque é reprovável agredir injustamente qualquer pessoa, independente de gênero, idade, etc. Segundo, porque, do mesmo modo que se enxerga maior gravidade na agressão da esposa pelo marido, deve-se reconhecer a especial gravidade da agressão deste por aquela. Isso, porque o fundamento dessa maior gravidade é exatamente o mesmo: por violar uma relação em que deveriam prevalecer especiais confiança e respeito.
Argumenta-se que, embora exista uma igualdade formal perante a lei, a diferença de tratamento se funda na desigualdade concreta de força física e poder econômico costumeiramente existente entre homens e mulheres. Ora, se for esse, realmente, o fundamento, o tratamento mais severo somente poderia ser aplicado nos casos em que se verificasse, em concreto, essa disparidade de forças, e não "automaticamente", por se tratar de réu homem contra vítima mulher. Indo mais além, se a razão para o tratamento mais severo é a desigualdade concreta de força física e poder econômico, a lei deveria contemplar as duas hipóteses: a da hipossuficiência da mulher, frente ao marido, e da eventual hipossuficiência do marido, frente à esposa.
É um erro muito grave justificar a lei a partir das estatísticas. O réu, em um processo concreto, não quer nem saber se é mais comum a violência doméstica de homens contra mulheres; se há grande impunidade neste tipo de crime; se historicamente a mulher foi preterida; se o propósito da lei é estabelecer uma "igualdade material". O que lhe importa é, somente, a gravidade da sua falha pessoal. Do mesmo modo, um homem que, em condição de hipossuficiência, seja vítima da agressão de sua companheira (para citar exemplo concreto, lembre-se do caso amplamente noticiado ocorrido em São Paulo, em que o homem, idoso e portador de deficiência física, sofria maus tratos pela jovem esposa), não quer saber se isso é mais raro, ou se o mais frequente é que o homem agrida a mulher. Como vítima hipossuficiente em uma situação concreta, espera que sejam dados à agressora os mesmos rigores que ele receberia, se fizesse exatamente o mesmo contra sua esposa.
Aos defensores da lei, um importante lembrete: ela proporciona notáveis injustiças referentes a diversas relações familiares. O avô, idoso e fraco, agride a neta, maior de idade e saudável: aplica-se a Lei Maria da Penha. O mesmo não ocorre se a neta, maior e saudável, agride o avô, enfermo e indefeso. O pai bate na filha: aplica-se a lei Maria da Penha. Isso não se aplica à mãe que espanca o filho. O pai agride o casal de filhos, o menino com seis, a menina com quinze anos de idade: aplica-se a Lei Maria da Penha somente ao segundo crime, embora o primeiro seja visivelmente mais grave.
O pior argumento possível é o que presume que as agressões realizadas pelos homens são sempre mais poderosas. A escala de gravidade das lesões corporais é objetivamente estabelecida pelo Código Penal, independentemente do sexo do agressor ou da vítima. Conforme o tipo de prejuízo causado pela lesão, ela será classificada como leve, grave ou gravíssima, seja praticada em ambiente doméstico ou não. Assim, ao contrário daquilo que se quer incutir na mentalidade da população, a lesão corporal do homem contra a mulher não é necessariamente mais grave. Depende do resultado concreto por ela trazido: escoriações, hematomas, pequenos cortes, etc. – leve; incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias, debilidade permanente de membro sentido ou função, etc. – grave; perda de membro, sentido ou função, deformidade permanente, etc. – gravíssima.
Conclusão: a Lei Maria da Penha viola o Princípio da Isonomia "na ida e na volta": ao tratar mais severamente o réu, apenas por ser do sexo masculino; e ao proteger menos intensamente a vítima, somente por ser do sexo masculino. O que se espera do Estado, para sanar esse lastimável problema, é que a lei seja alterada. Que ela não preveja tratamento mais rigoroso para os casos em que o homem agride sua esposa, mas, sim, para os casos em que um réu mais forte física ou economicamente agride ou abusa de seu parceiro ou parceira hipossuficiente, independentemente dos sexos do ofensor e do ofendido. Se não for possível verificar essa hipossuficência concreta com segurança, então não deve existir lei especial nenhuma. Homens e mulheres, sem constatadas condições de hipossuficiência ou maior vulnerabilidade, devem ser tratados como iguais perante a lei. Ponto.
Não parece que é o que vai ocorrer. A lei, como já dito, tem um forte caráter simbólico – de prestação de contas para a sociedade. A começar pelo seu sugestivo apelido de mulher. Leis simbólicas funcionam como um "cala-boca" dado pelo Estado. O Estado cria uma lei, sem se importar com falhas, contradições e ineficiências; a recheia de expressões apelativas e enfeites; a entrega para a sociedade, como um "livro sagrado" que teria poderes mágicos; mas não atua, concretamente, para atingir os fins que fundamentam a própria lei criada. É como se a lei bastasse, sem que fosse preciso esforço de sua parte para solucionar os problemas que a motivaram. Uma prova simples de que o Estado não se esforça: a Delegacia da mulher, na capital do Espírito Santo, não funciona nos finais de semana e feriados. Pergunta: quando ocorre a grande maioria dos crimes de violência doméstica? Há uma lei lotada de promessas e ornamentos, mas a delegacia da mulher, órgão que daria suporte adequado para a efetivação dos direitos da mulher, não funciona justamente no período em que os crimes mais acontecem. Só de segunda a sexta, das oito da manhã às quatro da tarde.
Alguns juízes, incomodados com os absurdos e injustiças apontados, vêm decidindo pela aplicação da Lei Maria da Penha em certos casos de crimes cometidos por mulheres contra homens. A postura, embora possa partir de uma boa intenção (isonomia), é absolutamente inadmissível. O mais importante de todos os princípios de um Estado de Direito é o da Legalidade. Ele limita o poder punitivo do Estado aos casos expressa e claramente previstos em lei. Com isso, gera segurança e estabilidade jurídica, protegendo o cidadão contra as arbitrariedades e "surpresas" do poder púbico. Se não há previsão em lei para a aplicação da Lei Maria da Penha em casos de crimes cometidos por mulheres contra homens, nenhum julgador está autorizado a empregá-la. Por mais que isso soe justo. Não se pode abrir mão daquela que é a mais importante conquista política do ser humano, enquanto ser livre e digno, obtida, historicamente, às custas de muitas perseguições e sofrimentos.
O problema não pode ser satisfatoriamente solucionado pelo Poder Judiciário. Este, no máximo, pode afastar por completo a incidência da lei, por meio da declaração da sua visível inconstitucionalidade. Compete ao Poder Legislativo providenciar as alterações que venham a adequar o texto legal à Constituição e a garantir a chamada igualdade material, por meio de normas que protejam, independentemente do gênero, as pessoas mais vulneráveis e hipossuficientes nas relações domésticas e familiares.