Muito se diz que um grave problema do Brasil é a corrupção e que sua posição no ranking dos países mais corruptos não é nada de que possa se orgulhar.
Independentemente da verdade ou não desse fato, não se deve negar, pelo menos creio eu, que, quanto menos corrupção houver, melhor.
O termo corrupção pode ter um significado diferente para cada leitor. Segundo o Código Penal, existe a corrupção passiva, quando, em termos simples, um agente público recebe ou solicita vantagem indevida. Também existe a figura da corrupção ativa, que, em suma, ocorre quando um particular promete ou oferece uma vantagem indevida a agente público para que um ato administrativo não seja praticado como deveria.
Pode ocorrer o crime de corrupção ativa sem que ocorra o crime de corrupção passiva. Basta, por exemplo, que alguém ofereça uma vantagem indevida a um agente público, que não seja aceita. Somente o crime da corrupção ativa estará consumado.
Também pode ocorrer corrupção passiva sem corrupção ativa. É só imaginar a hipótese de um agente público que pleiteia vantagem indevida, que é negada pelo destinatário do pedido.
Por fim, também é possível a ocorrência de ambos os crimes.
Vou chamar o sujeito que oferece a vantagem de corruptor e o agente público que a aceita ou solicita de corrupto.
O que há na corrupção é uma traição.
O corruptor trai as regras do jogo democrático, ao querer influir em ato estatal para satisfação de interesse próprio, ainda que esse interesse seja o benefício de outrem. O interesse nada mais é do que o direcionamento do querer, o querer com objeto.
Já o agente estatal corrupto é um traidor, talvez até maior do que o corruptor, uma vez que ele não poderia falhar. O funcionário representa o Estado. O Estado representa a ordem, o controle e, em alguns casos, a última esperança do povo.
O que dizer dos agentes do Poder Executivo que deixam de exercer o poder de polícia por terem recebido vantagem do infrator? O que dizer do legislador que rejeita projeto de lei por ter recebido vantagem daqueles que com ela seriam prejudicados? O que dizer de um juiz que não entrega a tutela jurisdicional devida ao autor, porque recebeu vantagem indevida para beneficiar o réu? São só alguns exemplos.
Mas o Estado não pode frustrar o povo. O Estado existe para garantir a ordem e o bem-estar de todos. É instrumento na busca da felicidade social.
Ocorre que, justamente por seu caráter instrumental, o bom ou mal uso do Estado dependerá de quem estiver investido de cumprir suas funções.
Mas se há lei, porque ainda se pratica corrupção?
Impunidade? Poder do crime?
Nem tudo se resolve com leis ou somente com leis.
E a lei, para que tenha eficácia, deve ter um texto resultante de uma compreensão da natureza humana.
O que quero dizer?
O ser humano age por interesse. Os interesses são insaciáveis. Satisfaça um e logo outro surgirá ou mesmo aquele que foi satisfeito poderá ser revigorado.
O ser humano vive em um mundo estranho. Não sabe para quê está aqui, mas, não sei por qual motivo, alguns dão muita importância ao dinheiro e, mais do que isso, chegam, por vezes, a tornar sua acumulação um objetivo de vida.
Em razão disso, o que se vê na prática?
Na corrupção ativa, é oferecido a um agente estatal, para que ele traia sua missão e sua honra, um valor que lhe permitiria até se aposentar, ou pelo menos lhe garantiria uma renda extra bem significativa. O corruptor medirá o risco de ser pego, as consequências disso, o custo da vantagem oferecida e o valor do benefício esperado.
O agente público, ser humano que é, se for suscetível ao crime, também medirá o custo-benefício, o risco de aceitar a vantagem, as chances de ser pego. Esse mesmo cálculo é feito quando ele solicita vantagem indevida.
O que se poderia fazer para o combate a esse mal ser mais eficaz ou ao menos se tentar reduzir sua ocorrência?
Aumentar as penas? Combater a impunidade? Isso já é comumente citado, motivo pelo qual não vou repetir.
Deve-se usar as forças da própria natureza humana.
O que quer o agente estatal corrupto? O dinheiro, de preferência recebido de uma forma segura para poder usá-lo.
Esse agente, suscetível ao crime, suscetível à traição, não teria maiores escrúpulos para trair o próprio corruptor. Bastaria isso se mostrar vantajoso após uma análise de custo-benefício.
A primeira ideia então é dividir e conquistar, jogar um contra o outro: poderia haver uma previsão legal de que a quantia oferecida pelo corruptor seria adquirida licitamente pelo agente estatal se ele, sem se corromper, colaborasse para a captura daquele. O mesmo aconteceria quando alguém recebesse pedido de vantagem feito por agente público e, negando-se a se corromper, auxiliasse na condenação deste.
O valor poderia ser até maior ou menor. O importante é que o valor seja interessante, mais interessante do que o oferecido ou solicitado pelo criminoso.
É certo que as quantias que não pertençam ao delinquente, como as oriundas de crimes, devem ser restituídas aos legítimos proprietários. No mais, poderia ser tudo tomado pelo Estado.
Aliás, poder-se-ia estabelecer a pena de perda total do patrimônio do criminoso, após o trânsito em julgado, sem prejuízo das demais penalidades cominadas.
Vale lembrar que existe na Constituição autorização para instituição de penas que atinjam o patrimônio.
Em um país de miseráveis honestos, que mal haveria em se retirar o patrimônio de um cidadão que não fez bom uso do privilégio de ter algo?
Aliás, na prisão ele não precisará de dinheiro, pois a estadia é paga pelo povo.
Deve ser notado que pode surgir um problema para conciliar a restituição das quantias que o criminoso adquiriu ilicitamente e a necessidade de recursos para premiar a pessoa que, sem se corromper, colabore no processo. Com efeito, se, por exemplo, o delinquente tiver adquirido todo seu patrimônio ilicitamente, nada sobraria para o sujeito que ajudou a capturá-lo.
Daí, a segunda ideia é criar um fundo com recursos destinados ao combate à corrupção. Esse fundo seria abastecido recursos apreendidos dos corruptos e corruptores após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Se a mídia colaborar, talvez até haja pessoas que voluntariamente façam doação para esse fundo.
Também não cairia mal uma exigência legal de que as pessoas ligadas de alguma forma ao criminoso tivessem que justificar seu patrimônio. Isso não representaria uma ofensa à norma constitucional de que a pena não pode passar da pessoa do infrator. Primeiro porque um dever dessa natureza não consta na relação de penas previstas na Constituição. Em segundo, porque se trataria de mero dever e decorrente de lei. Além disso, não haveria nenhuma novidade nisso, já que atualmente os cidadãos honestos declaram seus bens anualmente à Receita Federal do Brasil.
Sem regular essa questão, os "laranjas" se multiplicariam.
Detectando-se a obtenção ilícita de patrimônio pelo corruptor ou pelas pessoas a ele ligadas, a retirada de seus bens apenas representaria a correção de uma injustiça.
Para o criminoso, que muito valoriza o dinheiro, grande castigo seria perder seu patrimônio.
Quanto maior a quantia oferecida ou solicitada, maior a quantia perdida.
Já para o sujeito que colaborar na condenação do infrator, quanto maior a quantia recebida, mais condições econômicas teria para se proteger e até mesmo para mudar de residência etc. Haveria um auxílio ao programa estatal de proteção às testemunhas e vítimas de ameaças.
O Estado usaria o próprio dinheiro do crime para expurgar o mal que o assombra.
O que é melhor para o agente corruptível? Receber um valor ilicitamente ou enriquecer licitamente, podendo usar os recursos livremente?
Mesmo os cidadãos honestos poderiam se beneficiar e verem recompensada sua honestidade e lealdade ao Estado.
De qualquer forma, o que consta do texto acima, é apenas um esboço.
Resolvi escrever e publicar na esperança de que as ideias aqui expostas encontrem pessoas sábias para desenvolvê-las e concretizá-las ou mesmo rejeitá-las.
Sua implantação dependerá de melhor reflexão e obviamente de alteração legislativa. Porém, o que há de diferente nas propostas aqui feitas é o fato de levarem em conta o interesse em jogo, pois é para seres humanos que a lei é feita. É feita por seres imperfeitos e para seres imperfeitos.
Ainda há certas questões que preocupam.
Entre elas, em primeiro lugar, seria necessária uma medida judicial cautelar para dar segurança ao sujeito que colaborar com o Estado, mesmo antes do término do processo penal. Caso contrário, ameaças de poderosos inibiriam seu interesse em cooperar.
Medidas de indisponibilidade do patrimônio do indiciado também cairiam bem.
A utilização de ferramentas como agente infiltrado, flagrante diferido e outras previstas legalmente para a prevenção e repressão ao crime organizado não podem deixar de ser citadas.
Termino concitando meus concidadãos a agirem nessa empreitada, lembrando a frase de Edmund Burke: "Para o triunfo do mal só é preciso que os bons homens não façam nada."