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A quebra dos sigilos bancário e fiscal

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Resumo:


  • O sigilo bancário e fiscal são protegidos pela Constituição Federal como parte do direito à intimidade, baseados no inciso X do art. 5º, e não no inciso XII, que trata da inviolabilidade da comunicação.

  • As exceções ao sigilo bancário estão previstas na Lei 4.595/64 e no Código Tributário Nacional, que permitem o acesso às informações mediante procedimentos específicos, como requisição judicial ou em processos administrativos fiscais.

  • Discussões sobre a legalidade de leis que interferem no sigilo bancário e fiscal, como a Lei 9.311/96 (CPMF) e a Lei 9.532/97, apontam para potenciais conflitos com princípios constitucionais e a necessidade de respeitar o direito à privacidade dos indivíduos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Sigilo de dados e Intimidade 3. Sigilo Bancário 4. Sigilo Fiscal 5. A Quebra dos Sigilos Bancário e Fiscal 6. A CPMF e o Sigilo Bancário 7. A Lei 9.532/97 e o dever de Sigilo Fiscal 8. Conclusões.


1. Introdução

Com a evolução das relações econômicas e sociais e a conseqüente organização dos trabalhadores em classes profissionais específicas, tornou-se clara a importância de determinados profissionais manterem sob sigilo as informações privativas dos cidadãos obtidas durante o exercício de sua função. Esse sigilo recaía sobretudo a profissionais como advogados, médicos, psicólogos, padres. Porém, a necessidade dos indivíduos de negociar com bancos e instituições financeiras aumentou, fazendo com que confiassem a estes informações acerca dos seus negócios e da sua vida privada. Os bancos, por sua vez, precisaram conquistar a confiança de seus clientes e, para tanto, com respaldo na legislação, garantem o sigilo das informações que lhes são confiadas.

O Estado, através de órgãos e funcionários, recebe dos contribuintes informações importantes sobre seus negócios, bens e atividades e que necessitam ser mantidas em sigilo, já que dizem respeito somente a esses indivíduos.

Pode-se dizer, assim, que os sigilos fiscal e bancário têm a sua origem no dever de sigilo funcional, pois as informações prestadas ao Estado ou a determinadas instituições, em razão de ofício, devem ser protegidas.

O direito à intimidade e ao sigilo de informações, previsto na atual Constituição Federal, é garantido como medida de segurança, revestindo de excepcionalidade a divulgação de dados que clientes tenham confiado a instituições financeiras, bem como a de dados que tenham sido obtidos pelo agente fiscal no exercício de suas atribuições, pois o sigilo garante ao indivíduo a indevassabilidade de informações que exponham ao público a sua vida privada(1).


2. Sigilo de Dados e Intimidade

Para compreender corretamente os conceitos de sigilo bancário e sigilo fiscal, é preciso saber onde se encontram os seus fundamentos. Para tanto, é necessário estabelecer a diferença entre intimidade, da qual ambos decorrem e que está prevista no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, e sigilo de dados, expresso no inciso XII do mesmo dispositivo.

"Art. 5º...

(...)

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(...)

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (...)"

Alguns autores não consideram privacidade e intimidade palavras sinônimas e utilizam as diferenças existentes em seus conceitos para interpretar o disposto nos incisos supracitados. Celso Bastos estabelece as diferenças entre privacidade e intimidade dizendo que aquela abrange a faculdade do indivíduo de não permitir que situações que lhe dizem respeito tornem-se conhecidas de outras pessoas(2). A privacidade não envolve o público, a comunidade, mas eventualmente apenas um grupo de pessoas íntimas(3). São as opções pessoais, os comportamentos, os acontecimentos, as formas de convivência, enfim, que o sujeito não quer revelar ao público, o qual seria um terceiro nessa relação.

A intimidade está inserida na esfera da privacidade, sendo mais limitada a assuntos os quais o indivíduo não revela nem mesmo a pessoas da família, pois não envolve direito de terceiros; "é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si" (4). Desta forma, o sigilo bancário faz parte da intimidade do indivíduo, pois este confia ao banco as suas intenções e projetos, fazendo-o, muitas vezes, de seu confidente(5). O cliente objetiva um bom resultado na operação que pretende realizar e, por isso, necessita confiar dados a seu respeito ao banco(6).

Também o sigilo fiscal é desdobramento da proteção à intimidade prevista no inciso X do art. 5º da Carta de 1988. As informações fornecidas pelo contribuinte ao agente fiscal são de foro íntimo, visto compreenderem desde o cadastro pessoal até a mais detalhada descrição do patrimônio dos indivíduos. Imprescindível, pois, a observância de segredo sobre tais dados.

O inciso XII do art. 5º da CF traz em sua redação a expressão "sigilo de dados", a qual, segundo alguns autores, abrange o sigilo bancário(7). Ao que parece, tal afirmação não procede, pois, analisando o conteúdo do inciso na sua íntegra, conclui-se que o mesmo trata de sigilo da comunicação. Ou seja, enquanto o inciso X visa à proteção de informações as quais o indivíduo deseja conservar em segredo, não as divulgando a outras pessoas, o inciso XII protege a comunicação das mesmas(8). Ao proferir seu voto no julgamento do RE 219.780, o ministro Carlos Velloso explica que o dispositivo constitucional em que encontra respaldo o sigilo bancário é somente o inciso X, do art. 5º da CF(9). Ao apreciar o mesmo recurso extraordinário, o ministro Nelson Jobim diz que "o inciso XII não está tornando inviolável o dado da correspondência, da comunicação, do telegrama. Ele está proibindo a interceptação da comunicação dos dados, não dos resultados. Essa é a razão pela qual a única interceptação que se permite é a telefônica, pois é a única a não deixar vestígios, ao passo que nas comunicações por correspondência, telegráfica e de dados é proibida a interceptação porque os dados remanescem, eles não são rigorosamente sigilosos, dependem da interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos. (...)"(10)

Portanto, o legislador ao redigir ambos os dispositivos, o fez de forma a garantir o sigilo das informações no inciso X e o sigilo da comunicação dessas informações no inciso XII. Interpretá-los no sentido de que em ambos estão tutelados os sigilos bancário e fiscal seria ignorar um dos princípios da hermenêutica, segundo o qual todas as palavras constantes no dispositivo legal devem ser interpretadas de forma harmônica e de tal modo que não se deixe de atribuir sentido a qualquer delas.


3. Sigilo Bancário

O sigilo bancário, atualmente, pode ser compreendido como um dever jurídico, imposto às instituições bancárias, de não divulgar informações acerca das movimentações financeiras de seus clientes (aplicações, depósitos, saques, etc.).

Esse procedimento é tutelado pelo Estado e necessário para garantir a segurança jurídica e social, bem como a estabilidade econômica(11). Obviamente, parece ser intrínseco à atividade bancária o dever de guardar sigilo sobre as movimentações. Desde o Direito Romano observava-se a reserva mantida pelos banqueiros (argentarus), que tinham um livro de créditos e débitos (Codex), cujo conteúdo deveria ser mantido sob sigilo, salvo os casos de conflito entre o cliente e o banqueiro, onde o litígio seria resolvido perante a Justiça, com a divulgação dos dados necessários(12).

Atualmente, inclusive por questões de segurança, há necessidade de se ter protegidas as informações concernentes ao patrimônio.

O sigilo bancário é uma forma de proteção à liberdade do indivíduo, já que se não fosse a regra, seria permitido às autoridades o acesso indiscriminado aos segredos confiados às instituições financeiras, impossibilitando ao sujeito determinar se quer compartilhar determinados dados. Ocorre que o cidadão, por serem tais informações de foro íntimo, pode não as querer expostas. É o caso de um indivíduo que faz apostas, e não pretende que terceiros tomem conhecimento de tal fato. Ou então de alguém que mantém encontros com outra pessoa e quer os mesmos permaneçam no âmbito da sua privacidade(13). Caracteriza-se, assim, o direito ao sigilo como a liberdade de negação do indivíduo, qual seja, de poder optar entre divulgar ou omitir fatos que dizem respeito à sua vida íntima.

Ao longo do tempo, foram desenvolvidas algumas teorias sobre o fundamento jurídico do sigilo bancário.

A teoria do uso, que tem como principais expoentes Molle e Goisi, na Itália, e Garrigues, na Espanha, entende que o fundamento do sigilo bancário encontra-se nos usos e costumes, pois provém da relação de confiança estabelecida com os bancos(14).

A teoria do contrato, que tem Sheerer como principal defensor, sustenta a idéia de que o sigilo bancário provém da relação contratual entre o banco e o cliente, constituindo um dever acessório situado ao lado do dever principal objeto do contrato(15).

Há a teoria do segredo profissional, cujos defensores entendem que os banqueiros têm o dever profissional de manter segredo sobre as informações obtidas durante a relação com os clientes. Essa obrigação ligada à sua profissão é o fundamento jurídico do sigilo bancário(16).

Por fim, a teoria da obrigação jurídica afirma que o sigilo bancário encontra fundamento em uma norma legal. Nesse caso, não há que se falar em fundamento nos usos e costumes consagrados, se há uma obrigação de caráter legal. (17).

No Brasil, o sigilo bancário deriva do dever de segredo profissional e encontra respaldo na Constituição Federal, no que tange à proteção da intimidade. Assim, é possível dizer que há uma fusão das teorias do segredo profissional e da obrigação jurídica.

Na legislação infraconstitucional brasileira, o caput do artigo 38 da lei 4.595/64 é o dispositivo legal que regulamenta o dever de sigilo das instituições financeiras(18).

Todavia, o sigilo bancário não é absoluto, pois não deve servir de respaldo para a prática de atos ilícitos, que atinjam a sociedade, afrontando o interesse público. Em situações específicas, previstas em lei, é possível permitir o acesso às informações de que necessita, tendo em vista o interesse da justiça(19).

Pode ser que ocorra um conflito entre o interesse do indivíduo de manter resguardadas as informações e o interesse coletivo de, com a quebra do sigilo, obter esclarecimentos de certos fatos. Porém, somente no caso concreto será possível ao magistrado julgar qual atitude ocasionará menores danos, sendo que a divulgação das informações só será legitimada se houver forte presunção que a justifique(20).

Os bancos, pela natureza de suas atividades, têm o dever de resguardar as informações e os serviços utilizados pelos clientes, sendo vedada a divulgação a terceiros sobre investimentos, saldo de conta, aplicações e demais movimentos bancários. E, como instituições financeiras que são, têm interesse em proporcionar a seus clientes a reserva de suas operações, garantindo a confiança da população e a captação de recursos, visando, assim, a um eficiente sistema bancário(21).

Sob este prisma, o sigilo é fundamental para o desenvolvimento econômico e social de um país, fazendo com que todos exerçam suas atividades com segurança e privacidade, dentro dos limites legais.

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Ainda existe outro dispositivo legal que regula a matéria em questão, porém, é dirigido especificamente à autoridade fiscalizadora. Trata-se do artigo 197, inciso II do Código Tributário Nacional(22). Neste preceito encontra-se a obrigatoriedade expressa dos bancos e instituições financeiras em prestar informações que disponham sobre terceiros, excetuando-se, porém, aquelas protegidas pelo sigilo bancário(23). Assim, entende-se que o disposto no art. 197 do CTN não revogou as disposições do art. 38 da Lei 4.595/64(24), ao contrário, reitera a obrigação das instituições financeiras e dos bancos de manterem em segredo as informações que recebem no desempenho de suas atividades.


4. Sigilo Fiscal

Semelhante às instituições financeiras, que devem observar sigilo sobre os negócios e informações obtidas nas transações com seus clientes, a autoridade fiscal tem o dever de manter em segredo as informações que obtém através do exercício das suas funções. Essa obrigação de não revelar encontra-se expressa no Código Tributário Nacional:

          Art. 198. "Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza, e o estado dos seus negócios ou atividades.

Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste artigo, unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da autoridade judiciária no interesse da justiça."

O dispositivo acima, além de ordenar à autoridade fiscal manter em segredo as informações obtidas dos contribuintes, estabelece as situações em que ocorrerá a divulgação das mesmas.

Expressa no parágrafo único, a primeira das exceções ao sigilo fiscal ocorrerá quando se realizar convênio entre as Fazendas da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios com o fim de obterem dados para melhor exercer a fiscalização dos tributos(25).

A segunda hipótese de exceção ao sigilo fiscal é dirigida aos casos em que houver processo judicial instaurado e o juiz entender necessário para a solução da lide a juntada, ao processo, de informações obtidas pelo Fisco. Nesse caso, será observado o interesse da justiça, e não o interesse particular de uma das partes. Ou seja, o juiz requisitará as informações se restar comprovada a resistência de uma das partes em resolver o conflito. Assim, procederá ao exame de informações úteis ao alcance da justiça(26).


5. A Quebra dos Sigilos Bancário e Fiscal

5.1 A Quebra do Sigilo Bancário

Como já observado, há hipóteses em que tanto o sigilo bancário como o sigilo fiscal podem ser excepcionados.

As situações em que se permite a divulgação de informações protegidas pelo sigilo bancário verificam-se especialmente nos parágrafos do artigo 38 da Lei nº 4.595/64, que dispõem:

          "Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma.

§ 2º O Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.

§ 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Banco Central do Brasil.

§ 4º Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2º e 3º deste artigo deverão ser aprovados pelo plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente.

§ 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.

§ 7º A quebra de sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis".

Conforme o caput do art. 38, as instituições financeiras conservarão em segredo as informações acerca de empréstimos, descontos, aberturas de crédito, créditos documentários – que são operações ativas; depósitos, contas-corrente, redescontos – exemplos de operações passivas; serviços de cofres de segurança, prestação de informações, cobrança de títulos, etc. – classificados como serviços prestados(27).

Entretanto, há situações específicas em que se permite a divulgação dessas informações. Conforme o § 1º, no caso de processo judicial em que se reconheça a necessidade do exame de informações sigilosas, o juiz determinará às devidas instituições que as forneçam, devendo as informações ficarem restritas às vistas das partes.

O § 2º permite que o Poder Legislativo tenha acesso às informações que o Banco Central e as outras instituições financeiras públicas possuam, sem, no entanto, necessitar observar qualquer condição, não sendo obrigado a conservá-las em segredo, exceto se as entidades respectivas o solicitarem.

5.1.1 As Comissões Parlamentares de Inquérito e o Sigilo Bancário

O § 3º do artigo 38 da lei 4595/64 dispõe que as Comissões Parlamentares de Inquérito poderão promover a quebra do sigilo bancário, desde que esta seja aprovada pela maioria dos seus membros, não sendo necessária uma autorização judicial.

Há divergência doutrinária nesse sentido(28), porém, o artigo 58, § 3. º da CF/88(29) atribui às CPIs "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais", trazendo-lhes legitimidade constitucional para promover a quebra do sigilo bancário. Significa que as CPIs podem produzir provas através da tomada de depoimentos, da realização de perícia e da requisição de documentos – embora não possam fazer o que a Constituição Federal atribuiu exclusivamente aos juízes(30). E é em virtude dos poderes de investigação judicial, atribuídos pela Constituição Federal que as CPIs devem fundamentar a adoção de tal medida, visto que o Poder Judiciário assim deve proceder(31).

O STF se posiciona no sentido de que podem quebrar o sigilo independente de autorização judicial, determinando, ainda, que as CPIs fundamentem a necessidade de tal medida(32).

5.1.2 A autoridade fiscal face ao Sigilo Bancário

Atenta-se para o disposto nos §§ 5º e 6º do artigo em questão, pois eles referem-se à possibilidade do agente fiscal proceder ao exame de informações, respeitados certos procedimentos. A respeito da primeira condição – existência de processo, há posicionamentos divergentes sobre se o legislador estaria aludindo a processo judicial, processo administrativo ou a ambos. Alguns autores, dentre os quais Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, interpretam que na expressão "processo instaurado", contida no § 5º e igualmente aplicada ao § 6º do artigo 38, estaria subentendida a palavra "administrativo" [33]. Tal jurista justifica seu entendimento explicando que o § 1º do mesmo artigo já dispõe a respeito do procedimento a ser adotado quando as informações sigilosas forem requisitadas pelo Poder Judiciário, não havendo necessidade de repetir os mesmos dizeres em mais dois parágrafos, ocasionando redundância. Dessa forma, os §§ 5º e 6º referem-se à necessidade de existência de processo administrativo, e a autoridade competente para apreciar a questão é o próprio fiscal.

Helios Nogués Moyano e Adriano Salles Vanni, contudo, defendem que "o processo instaurado, a que se refere a lei, só pode ser judicial, nunca um procedimento administrativo, pois, como sabido, processo e jurisdição são conceitos correlatos, sendo que a palavra ‘processo’ traduz a própria jurisdição em exercício" (34).

Referindo-se à mesma questão, o STJ decidiu que não basta o processo administrativo para a quebra do sigilo bancário, mas o processo judicial instaurado e a requisição do juiz(35). Em voto proferido no julgamento do REsp 37.566-5, o Ministro Demócrito Reinaldo manifestou-se no sentido de que a interpretação integrada dos parágrafos do artigo 38 da lei 4.595/64 reporta à expressão "processo instaurado" o significado de processo judicial, em razão de estar o interesse do Fisco em pólo oposto ao do direito à privacidade e, para a resolução da questão, é necessária a "prévia autorização da autoridade judicial competente para que sejam franqueadas ao Poder Tributante as informações bancárias atinentes ao contribuinte." (36).

Com base no exposto, afirma-se que a regra é a proteção à intimidade, como direito fundamental. Portanto, os dispositivos que excetuam referido preceito, determinando a quebra do sigilo, devem ser restritivamente interpretados.

Alega-se, ainda, que o §1º do art. 145 da Constituição é o permissivo para o Fisco examinar os dados bancários a respeito dos cidadãos, sem intervenção judicial(37). Diz o referido dispositivo constitucional:

"Art. 145. (...)

§1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. "(Grifamos)

Realmente o parágrafo acima autoriza o agente fiscal a tomar conhecimento de dados sigilosos, mas devem ser "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei". Ora, o sigilo bancário é uma garantia constitucional por ser considerado espécie de proteção à intimidade, prevista no inciso X do art. 5º da CF. Se a administração tributária necessita dessas informações, poderá obtê-las, desde que obedeça os procedimentos referidos nos parágrafos do art. 38 da lei 4.595/64, não sendo necessário ferir o direito do indivíduo de ter a sua vida privada preservada.

Tendo processo instaurado, o entendimento jurisprudencial é que o pedido de quebra do sigilo bancário seja encaminhado ao juiz, com a devida fundamentação e que haja elementos concretos que indiquem que o indivíduo tenha cometido algum fato delituoso(38). Em não havendo elementos incriminadores, não há como permitir a quebra do sigilo. Foi o que ocorreu com o ex-ministro Rogério Magri. O pedido que visava à quebra do seu sigilo bancário e de sua esposa foi fundado em uma notícia de jornal, na qual constava terem sido encontrados, no lixo de sua residência, dois cinturões usados para envolver dinheiro. A petição inicial foi indeferida, pois a autoridade policial limitou-se a informar que necessitava do deferimento do pedido para instruir o inquérito que se instaurava contra Magri. Assim, não havia elementos suficientes para que se quebrasse o sigilo e o pedido foi indeferido.

Dispensando o requisito do processo instaurado, o Código Tributário Nacional, no art. 197, II obriga aos bancos e demais instituições financeiras a prestarem todas as informações referentes a bens, negócios ou atividades de terceiros à autoridade administrativa mediante intimação escrita(39). E, ainda, o parágrafo único do mesmo dispositivo determina que não se aplica esse dever de prestação de informações à pessoa que esteja legalmente obrigado a observar sigilo(40).

Procedendo na análise desses dispositivos, encontra-se dificuldade em estabelecer critérios que identifiquem a que espécie de informações refere-se o caput do art. 197, e quais informações enquadram-se no parágrafo único do mesmo. Necessariamente diferentes, deduz-se que nem todas as informações devem ser fornecidas pelas instituições financeiras ao Fisco, da mesma forma que outras necessitam ser mantidas em segredo.

As informações protegidas pelo sigilo profissional, só serão acessadas pelo Fisco de acordo com os procedimentos previstos no artigo 38 da lei 4.595/64, as demais com mero procedimento administrativo.

5.1.3 A atuação do Ministério Público e o Sigilo Bancário

Não havendo nenhum dispositivo no art. 38 da Lei 4.595/64 que permita ao Ministério Público excepcionar o sigilo expresso em seu caput, entende-se que, como qualquer outra instituição, deva submeter sua solicitação de exame a informações sigilosas à apreciação do Poder Judiciário. Tal procedimento justifica-se por ser o sigilo bancário reconhecido como espécie de direito à privacidade do cidadão, como visto, consagrado no inciso X do art. 5º da CF/88.

Atribui-se ao disposto no art. 129, inciso VIII(41) da Constituição Federal legitimidade para o Ministério Público proceder ao exame de todas as informações que entender necessárias, independente de autorização judicial. Contudo, o posicionamento da Primeira turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 215.301, é contrário a esse entendimento. O ministro Carlos Velloso explicou que como o sigilo bancário está inserido no inciso X do art. 5º da Constituição, o qual é um direito fundamental, somente um dispositivo constitucional, expressamente, poderia legitimar o Ministério Público a obter dados sigilosos sem a intervenção do Judiciário(42). Além do que, apenas alguém com dever de agir imparcialmente pode decidir se é necessária ou não a divulgação de informações, como é o caso do juiz.

O Ministério Público, porém, é parte interessada no processo e não se poderia permitir que agisse de forma arbitrária, quebrando o sigilo bancário dos indivíduos(43).

Entretanto, a questão não cessa neste ponto, pois ainda deve-se considerar o disposto no art. 8º da Lei Complementar nº 75/93:

"Art. 8º. Para o exercício de suas atribuições o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:

IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;

...

VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;

...

§2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado, ou do documento que lhe seja fornecido".

De acordo com o exposto acima, é permitido ao Ministério Público requisitar informações às instituições financeiras sem a intervenção judiciária. No caso, a lei complementar nº 75 o faz com relação ao art. 129, inciso VI da CF(44). A lei 4.595/64 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar e é anterior à lei complementar nº 75/93, estando, portanto, derrogada no que dispõe de forma contrária a esta(45).

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, consolidou em diversas decisões a necessidade do Ministério Público, inclusive o Federal, solicitar ao Poder Judiciário a quebra do sigilo bancário(46).

Diante do exposto, entende-se que o Ministério Público deverá submeter sua pretensão de quebrar o sigilo bancário à apreciação do Poder Judiciário, muito embora pensem o contrário, tendo em vista o disposto na LC nº 75. Ocorre que a garantia de inviolabilidade da privacidade de um indivíduo não deve ser excepcionada sem a devida cautela, por ser demais importante, além de dever ser ordenada por uma autoridade imparcial. Verifica-se apenas um caso em que se julgou a possibilidade do Ministério Público agir sem a intervenção judicial por se tratar de operações bancárias de repasse de recursos públicos, conforme a legislação infraconstitucional, a qual estaria em perfeita consonância com a Constituição Federal(47). Mas ainda há outro caso em que se discutiu a mesma possibilidade, interpretando-se o disposto na Lei Maior, e que se decidiu pela obrigação do Ministério Público buscar a requisição judicial(48). Subentende-se, com base no inciso VIII do artigo 8º, da Lei Complementar retro referida, que o Ministério Público teria acesso somente às informações de caráter público, não abrangendo, neste caso, aquelas que devem ser mantidas em sigilo, devido a um dispositivo legal.

Importante ressaltar que as informações obtidas com a quebra do sigilo, independente do procedimento adotado para sua obtenção, devem ser mantidas no âmbito da investigação, ficando as autoridades competentes responsáveis pela não divulgação dos dados obtidos.

Destarte, entende-se que todos os outros órgãos que pretenderem obter informações das instituições financeiras deverão requisitar ao Judiciário, para que este aprecie e determine se a quebra é necessária ou não.

5.2 A Quebra do Sigilo fiscal

O Fisco deverá apresentar as informações obtidas a terceiros também em ocasiões excepcionais.

O artigo 199 do CTN refere-se à troca de informações entre a Fazenda Pública da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, determinada por lei ou convênio(49). Desta forma, será lícita a permuta de dados entre os órgãos Fazendários para fins de fiscalização de tributo, quando assim estabelecido em lei ou convênio. Este integra o rol das fontes secundárias da legislação tributária, pois, conforme o art. 100 do CTN, é norma complementar de leis, tratados e convenções internacionais, e decretos(50).

Para Aliomar Baleeiro, tais entes federativos constituem a "própria Nação", o que justificaria a possibilidade de cooperação entre eles, através da troca de informações, pois visam ao mesmo resultado: fiscalizar o recolhimento devido dos tributos(51).

Mesmo essas informações obtidas e eventualmente trocadas entre os órgãos responsáveis pela fiscalização ficam protegidas pelo sigilo fiscal, não podendo ser divulgadas a terceiros. A divulgação destes dados sigilosos constitui crime previsto no artigo 325 do Código Penal(52).

A outra exceção é relativa aos casos em que a autoridade judiciária entender fundamental para a resolução da lide a divulgação de determinadas informações. A título de exemplo, o Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro reconheceu, no Agravo nº 2180/96, a possibilidade de requisição da relação de bens do executado à Receita Federal, visto que o exeqüente provou terem sido infrutíferas todas as suas tentativas de localização de bens do devedor a serem penhorados(53), sendo necessário restar provado o interesse da justiça e não do particular.

Portanto, apenas nessas situações, previstas em lei, é permitido ao fisco divulgar, a quem autorizado, as informações de que disponha.

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Sobre os autores
Renata Peruzzo

acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Ritter dos Reis, em Canoas (RS)

Jeiselaure R. de Souza

acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Ritter dos Reis, em Canoas (RS)

Roger Stiefelmann Leal

professor de Direito Constitucional na PUC/RS, doutorando em Direito pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERUZZO, Renata ; SOUZA, Jeiselaure R. et al. A quebra dos sigilos bancário e fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/201. Acesso em: 18 dez. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado após um ano de pesquisas, apresentado no XI Salão de Iniciação Científica da UFRGS e no I Salão de Iniciação Científica das Faculdades Ritter dos Reis

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