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Fixação da Data de Início da Incapacidade (DII) nas doenças de desenvolvimento progressivo e o princípio "in dubio pro misere"

03/11/2011 às 08:02
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É mais plausível e justo que seja fixada a DII através de simples declaração do segurado, cabendo ao INSS apurar os fatos e provas e, se for o caso, contraditar a sua alegação com base em provas idôneas, não cabendo a simples negativa por “falta de comprovação ou convencimento”.

1.Introdução

Uma das questões mais recorrentes e polêmicas nas ações previdenciárias é a questão da fixação da data de início da incapacidade (DII) do segurado, quando não é decorrente de um fato específico como um acidente de trabalho típico ou um uma doença de natureza aguda (AVC, Ataque cardíaco, etc.). No caso de doenças de desenvolvimento progressivo é a maior causa de indeferimento de benefícios por incapacidade e matéria de incansáveis debates.

A fixação da DII define a concessão ou indeferimento dos benefícios previdenciários, e é inúmeras vezes fixada sem um critério técnico específico decorrente principalmente da falta de provas do início da incapacidade laboral, o que causa inúmeros erros de análise do direito, gerando prejuízo ao trabalhador enfermo que resulta em jogar ele e sua família na miséria ou em situações desesperadoras, exatamente quando mais precisa da proteção previdenciária.


2.Da Fixação da Data Inicio da Incapacidade (DII) e o Principio in dúbio pro misere

De acordo com o INSS, a Data de Inicio da Incapacidade (DII) "é a data em que as manifestações da doença provocaram um volume de alterações morfopsicofisiológicas que impedem o desempenho das funções específicas de uma profissão, obrigando ao afastamento do trabalho".

Há doenças muito comuns que a DII pode variar entre meses e até anos, como, por exemplo, a depressão, a AIDS, o Câncer, as LER/DORT e muitas outras, não havendo uma data específica a ser apontada pelo perito.

Por outro lado, muitas vezes a fixação da DII pode decretar a concessão do benefício ou a negativa do direito, mesmo que sendo fixada com a diferença de um dia apenas. [01]

Nesses casos, ocorre a existência da dúvida insuperável e, portanto, deve ser aplicado o Princípio do In dubio pro misere.

Existe muita resistência em relação à aplicação do Princípio do In dubio pro misere no Direito Previdenciário sob a alegação de que o bom funcionamento da previdência e a preservação do equilíbrio atuarial é o interesse social maior. Concordamos em parte com esse posicionamento, devendo os tribunais limitar a aplicação desse brocardo latino. Porém, há situações que ele deve ser aplicado, sob pena de sobrecarregar demais o segurado com ônus de provas praticamente impossíveis para sua condição social.

No caso da verificação da incapacidade nas doenças de desenvolvimento progressivo, o segurado carrega o ônus de provar o vínculo com o RGPS, os devidos recolhimentos das contribuições, o cumprimento da carência, a qualidade de segurado, a própria incapacidade e a data de início da doença (DID). Entre a DID e a data da perícia situa-se a data de inicio da incapacidade (DII), portanto, um período limitado e reduzido de dúvida.

Dentro desse período limitado e reduzido de dúvida é que propomos a aplicação do princípio in dúbio pro mísero, tendo em vista a impossibilidade de a ciência médica apontar com exatidão esta informação. Ora, se a ciência médica e a alta tecnologia nesse campo que a humanidade alcançou depois de séculos de estudo e desenvolvimento não consegue definir com precisão, deve a Lei e o Direito exigir do segurado da previdência social, com todas as suas dificuldades e limitações, a comprovação precisa dessa informação?

A nós não parece justa tal obrigação, pois atribui condição impossível para a concessão do benefício ou, como se faz atualmente, se atribui ao perito médico uma obrigação da qual a maioria das vezes não tem condição material para afirmar. Além disso, essa exigência estaria em choque com o Princípio da Proteção [02].


3.Do ônus da prova da incapacidade laborativa e a interpretação finalística da Previdência Social

O INSS afirma em suas normativas que o ônus da prova da incapacidade laborativa é totalmente do empregado, se eximindo dessa responsabilidade. O "Manual da Perícia Médica da Previdência Social" afirma:

5.3.15 – Ao término de um exame clínico cuidadoso e bem conduzido, o profissional da área médico-pericial, quase sempre tem condições de firmar um diagnóstico provável, pelo menos genérico ou sindrômico, de modo a lhe permitir uma avaliação de capacidade funcional e de capacidade laborativa. Quando o resultado do exame clínico não for convincente e as dúvidas puderem ser claradas por exames subsidiários, poderão estes ser requisitados, mas restritos ao mínimo indispensável à avaliação da capacidade laborativa. Requisições desnecessárias geram despesas inúteis, atrasam conclusões e acarretam prejuízos aos examinados e à Previdência Social. Somente serão solicitados quando indispensáveis para a conclusão médico-pericial. Os Sistemas PRISMA/SABI não permitem a solicitação de exames/pareceres na perícia inicial. Entendendo-se que, cabe ao segurado o ônus da prova de sua doença, o qual no momento da solicitação do requerimento inicial deverá ter um diagnóstico e tratamento devidamente instituído com os exames complementares que comprovam sua causa mórbida, fica a Perícia Médica dispensada das solicitações dos respectivos exames. Nos exames subseqüentes, no estrito objetivo de dirimir dúvidas quanto a manutenção do benefício, poderão ser solicitados os exames complementares indispensáveis.

A normativa médica define que o ônus da prova é exclusiva do segurado e há uma clara limitação das possibilidades administrativas que o médico dispõe para apurar a realidade dos fatos. Em outras palavras, o INSS orienta os médicos peritos a não requisitarem exames complementares para verificar a existência de incapacidade (e conseqüente concessão do benefício), mas somente quando for o caso de apurar embasamento para a cessação do benefício em manutenção.

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O segurado é geralmente hipossuficiente, não possuindo condições de providenciar os exames médicos que não são cobertos pelo SUS e, quando são levam para meses serem realizados. A doença vem acompanhada de muito sofrimento e uma quebra no orçamento familiar que altera a rotina de toda família. Eventualmente pode haver o extravio dos primeiros documentos médicos, o que dificulta a fixação da DII.

A comprovação da incapacidade, bem como da DII, pelos motivos expostos, não pode ser ônus apenas do segurado, mas também do INSS. E, nos casos de processos judiciais, deve ser papel a ser assumido pelo próprio juiz, que deve requisitar os documentos médicos de ofício, o que já é feito por alguns magistrados.

O INSS tem a sua disposição todo aparato estatal, inclusive pode dispor aos seus médicos peritos todo banco de dados do SUS para apuração da incapacidade laborativa dos segurados. Além de outros meios de verificação dessas informações, como o CNIS, o SUB, o SABI e outros sistemas disponíveis.

Nos casos de doença com desenvolvimento progressivo, o segurado deve comprovar a data de início da doença (DID) e a incapacidade atual, sendo que a data de inicio da incapacidade (DII), que se situa entre as aquelas, é impossível de se verificar.

É mais plausível e justo que seja fixada a DII através de simples declaração do segurado, cabendo ao INSS apurar os fatos e provas e, se for o caso, contraditar a sua alegação com base em provas idôneas, não cabendo a simples negativa por "falta de comprovação ou convencimento".

Não olvidamos que a finalidade social da previdência está prescrita no art. 201, I a V, da Constituição Federal, que determina a cobertura de eventos doença, invalidez e morte, entre outros. Ressaltado também o caráter contributivo, que não permite a concessão de benefícios sem respectiva fonte de custeio e adoção de critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Ocorre que o critério de fixação da DII em doenças com desenvolvimento gradativo é atualmente impossível de se verificar com precisão pela ciência médica e perdura um espaço de inafastável dúvida. Há que se fazer valer a interpretação finalística da previdência social para que seja fixada a DII no interesse do autor, na forma que o autor declarou o início de sua incapacidade, inclusive em observação ao princípio da boa fé, garantindo a proteção nos casos de necessidade.

Ressaltamos que aqui não se trata de conceder benefício algum sem respectiva fonte de custeio ou sem contribuição, pois se trata do deferimento dos benefícios por incapacidade aos segurados que tem contribuição e cumpriram a carência exigida por lei.


4.Conclusão

O Principio in dubio pró misere deve ser restritamente utilizado nas ações previdenciárias tendo em vista o interesse social maior de preservação da saúde financeira da Previdência. Porém, deve ser aplicado no caso concreto em que, comprovado parcialmente o direito surja dúvida insuperável e que impeça o segurado da obtenção do direito, como no caso da fixação da DII nos casos de doença de desenvolvimento progressivo.

Comprovada a incapacidade atual e a Data de Inicio da Doença, a DII deve ser fixada no melhor interesse do segurado, respeitando a documentação médica apresentada e limitando ao máximo o intervalo de tempo em que perdura a dúvida. Com isso, se estará adotando um critério jurídico justo para a superação da margem de dúvida que persiste na ciência médica.


5.Anexo: Fixação da DID e DII e o direito ao benefício por incapacidade (fonte: Manual de Perícia Médica da Previdência Socia).

SITUAÇÃO

PARECER MEDICO PERICIAL

DECISÃO ADMINISTRATIVA

A

DID – antes da 1a

contribuição

DII – antes da 12a

Contribuição

Doença pré-existente.

Indeferimento do benefício. Incapacidade

laborativa anterior à carência.

B

DID – antes ou depois

da 1a contribuição

DII – depois da 12a

Contribuição

Procedimento cabível se houver agravamento da

patologia anterior à filiação (concessão)

C

DID – depois da 1a

contribuição

DII – antes da 12a

contribuição

não caberá a concessão do benefício, ressalvadas as hipóteses a seguir:

- se é doença que isenta de carência;

- se é acidente de qualquer natureza ou causa;

Obs: 1 - se a DII recaiu no 2º dia do 12º mês de carência, tendo em vista que um dia trabalhado no mês, vale como contribuição para aquele mês, para qualquer categoria de segurado

2 - se a doença for isenta de carência, a DID e DII devem recair no 2º dia do 1º mês da filiação


Notas

  1. Exemplo: um segurado empregado com mais de 12 meses de contribuição no passado, que havia perdido a qualidade de segurado, que foi admitido em Janeiro de 2011 e ficou incapaz em Abril de 2011. Se a DII for fixada no dia 01/04/2011 ele contará apenas com 3 contribuições (jan/fev/mar), entretanto, se a DII for fixada em 02/04/2011 ele contará com 4 contribuições (jan/fev/mar/abril), cumprindo o 1/3 de carência necessário e terá direito ao benefício.
  2. De acordo com Wladimir Novaes Martinez, "A proteção é absolutamente coerente, porque, concretizada a contingência protegida, presente o risco social, o trabalhador tem que ser mantido, sob pena de perecimento (de toda a sociedade). A previdência social é técnica criada por homens reunidos em sociedade para substituir os meios habituais de subsistência, quando da ocorrência de eventos obstacularizadores da aquisição desses recursos".
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Sobre o autor
Eduardo Koetz

Professor e Advogado. Especialista em Direito Previdenciário e Gestão e Marketing Jurídico Digital. Pós-graduado em Direito Trabalhista pela UFRGS e em Direito Tributário ESMAFE/RS. CEO da ADVBOX.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOETZ, Eduardo. Fixação da Data de Início da Incapacidade (DII) nas doenças de desenvolvimento progressivo e o princípio "in dubio pro misere". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3046, 3 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20344. Acesso em: 19 abr. 2024.

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