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O Federalismo e a posição do Município no Estado federal brasileiro

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O caminho para o aperfeiçoamento do Estado Federal, em qualquer de suas modalidades e tipos, é sempre o da descentralização, o da repartição de poderes e de competências entre os entes, pois a centralização só serve a regimes ditatoriais e antidemocráticos.

Sumário

: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 2.1. Formas de Estado 2.2. O federalismo e suas características básicas 2.3. Tipos de federação 2.4 O federalismo no Brasil 2.5. A posição do Município no Federalismo brasileiro 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas.

1. Introdução

Desde o fim do século XIX, o Brasil adota o federalismo como forma de Estado, baseando seu sistema de organização do poder político no modelo norte-americano, consolidado com a Constituição de 1787.

Até 1988, época da promulgação da atual Constituição da República, a Federação Brasileira sempre se pautou no modelo dual de repartição de poderes – União e Estados-membros – pendendo sua concepção de Estado, em razão, principalmente, da história de formação da nação, para a ótica da centralização de competências.

Contudo, com a Carta Constitucional de 1988 evidenciou-se uma manifesta intenção do constituinte originário de institucionalizar um federalismo tridimensional ou de três níveis, por meio da outorga de uma parcela de autonomia, até então inconcebível, aos Municípios, que passaram, formalmente, a fazer parte integrante da República Federativa do Brasil. Essa inovação, contudo, não encontrou aceitação plena da doutrina, dando margem a um intenso debate acerca do posicionamento do Município na Federação Brasileira.

Busca-se, pois, no presente trabalho, a partir de uma análise do próprio conceito de Federação, de suas características principais e suas hipóteses de conformação prática, avaliar as peculiaridades do Estado Federal Brasileiro e discutir, enfim, se o Município deve ser considerado ente federativo, como um terceiro nível de governo, ou simplesmente uma divisão político-administrativa do Estado-membro.


2. Desenvolvimento

2.1. Formas de Estado

Os diversos formatos com que o Estado Moderno organiza a estrutura do seu poder político, estabelecendo as relações entre esse poder – também chamado de soberania – e os seus demais elementos clássicos (povo e território), dão origem às formas de Estado.

Se há uma centralização de poder nas mãos de determinado órgão, que o exerce de forma concentrada sobre a totalidade do território e das pessoas dele integrantes, ter-se-á a forma típica de Estado Unitário. No Brasil, esse modelo de organização estatal foi adotado logo em sua primeira Constituição de 1824, como mecanismo para resguardar o regime Imperial e o poder centralizador do soberano [01], mas só perdurou até 1891, quando a Constituição institucionalizou a República Federativa como a "união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil" (art. 1º).

Atualmente, adotam a forma de Estado Unitário países como França, Chile, Uruguai e Paraguai, nos quais só há um centro de poder, muito embora haja processos de descentralização ou desconcentração política-administrativa em todas essas nações.

Por outro lado, quando um mesmo território comporta mais de uma espécie de exercício do poder estatal, de tal modo que entre elas haja uma relação de coordenação ou, mesmo, de subordinação, mas desde que haja uma carga mínima de autonomia política, tem-se o Estado Composto, também conhecido como Estado Federal ou Federação de Estados. Nessa hipótese, há uma descentralização vertical de competências entre União e Estados-membros.

Além dessas formas mais tradicionais de Estado, há registros, ainda, de Estados Regionais e Autônomos, que embora não sejam baseados em poderes exclusivamente centrais, também não são dotados da autonomia característica das Federações. São, pois, espécies intermediárias, com características de Estados Unitários e Compostos.

Tal classificação, ressalte-se, não encontra aceitação plena, podendo-se citar, como base do entendimento acima exposto, os ensinamentos de José Afonso da Silva:

"Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e bens, tem-se Estado Unitário. Se, ao contrário, o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado Federal ou Federação de Estados. (...) É certo, também, que, entre o Estado Federal e o unitário, vem-se desenvolvendo outra forma de Estado: o Estado regional ou Estado autônomo" (SILVA, 2004, p. 98/99)

Dentro desse contexto, pode-se concluir que o federalismo é forma de organização de Estado, que com base na união de determinadas entidades políticas dotadas de autonomia constitucional, dá origem à Federação ou Estado Federado.

2.2. O federalismo e suas características básicas

A origem do federalismo está na formação do republicanismo norte-americano, cujos ideais foram assegurados com a Revolução de 1776. Após tal movimento, as colônias, cada qual dotada de soberania e autonomia próprias, decidiram se unir e, por meio de um tratado internacional, formaram uma Confederação.

Todavia, como todos os Estados dessa Confederação preservaram sua soberania, as deliberações em grupo eram prejudicadas, gerando debates inconclusivos acerca de inúmeros temas, como a imposição de uma política tributária nacional e a formação de um Tribunal Supremo. Esses e outros problemas enfraqueceram a Confederação inicialmente pactuada e culminaram com a reformulação do pacto federativo e a consequência realização da Convenção da Filadélfia de 1787.

Com a refundação do federalismo norte-americano, os Estados abdicaram de sua soberania em favor da União, mas mantiveram sua autonomia, fazendo nascer o Estado Federal em sua concepção clássica.

Conforme destaca Paulo Gustavo Gonet Branco acerca desse movimento histórico: "Os antigos Estados soberanos confederados deixaram de ser soberanos, mas conservaram a sua autonomia, entregando a uma nova entidade, a União, poderes bastantes para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os Estados reunidos. Passaram, por outro lado, a compor a vontade da União, por meio de representantes do Senado." (BRANCO, 2009, p. 847/848)

Portanto, do ponto de vista da formação do Estado Federal norte-americano, vê-se que a sua concepção tem como base a união de Estados (Estados-membros) para a formação da União. Com isso, passa-se a ter só um ente dotado de soberania, que é o próprio Estado Federal, e não mais os Estados considerados isoladamente.

Disso resulta uma primeira e, talvez, mais marcante característica do federalismo: só o Estado Federal é dotado de soberania; os Estados-membros dispõem, tão somente, de autonomia.

Soberania, sob esse aspecto, entendida como poder não subordinado ou condicionado a qualquer outro, ou seja, "poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação" (SILVA, 2004, p. 100). Autonomia, por sua vez, vista como autodeterminação limitada pelo poder soberano, quer dizer, "governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal" (SILVA, 2004, p. 100).

A autonomia dos Estados-membros pode ser entendida, em síntese, como descentralização administrativa e política, de tal modo que a esses entes federados seja assegurada, pela própria Constituição, pois ela é o pressuposto do Estado Federal, competência para a organização plena de sua estrutura. Permite-se com tal autonomia que os Estados-membros sejam responsáveis diretos pela formação de órgãos próprios (autonomia administrativa) e pela elaboração e execução de suas leis (autonomia política), inclusive de sua própria Constituição, cuja origem é um poder constituinte derivado, pois não dotado de soberania.

No Estado Federal clássico há, portanto, duas fontes de poder normativo: a União e os Estados. Essas duas ordens legais incidem parcialmente sobre o mesmo território e sobre as mesmas pessoas. Logo, não podem, em princípio, anular-se ou entrar em conflito, devendo conviver da forma mais harmoniosa possível.

Para tanto, a Constituição do Estado Federal deve cuidar da repartição de competências exclusivas, que visa a distribuição, entre União e Estados, de atribuições atinentes a determinadas matérias, as quais devem ser regulamentadas e implementadas pelos entes constitucionalmente escolhidos para tanto. A forma como essas competências serão repartidas, se concentradas na União ou nos Estados, determinará o tipo de federalismo adotado por cada Estado, como adiante se verá.

Paralelamente a essas características, tem-se que, em um Estado Federal, deve ser assegurada aos Estados-membros não só autonomia, mas, também, forma de participação na vontade federal, já que o Estado clássico é concebido em razão da abdicação da soberania dos seus membros. Criou-se, pois, a figura do Senado Federal, que serve como forma de representação paritária dos Estados-membros, fundada no princípio da igualdade dos entes federados na formação da vontade da União.

Se os Estados abdicaram de uma parcela de autonomia para a formação de uma Federação, presume-se que inexista o direito de secessão, pois, do contrário, bastaria a formação de uma Confederação, em que se conserva a soberania e, pois, a autodeterminação do Estado. Portanto, é também característica do Estado Federal a indissolubilidade do vínculo federativo, só se admitindo a modificação territorial com a manifestação do povo e nos exatos termos previstos pela Constituição.

O fato de ser indissolúvel o laço federativo, aliado à autonomia dos entes federados, traz à tona a questão da resolução de eventuais conflitos (jurídicos, econômicos ou de qualquer natureza) entre os próprios Estados, ou entre esses e a União. Necessário, pois, que o Estado Federal crie um Tribunal Superior, com jurisdição nacional e competência constitucional para solucionar tais conflitos.

Por fim, como forma de manter o pacto federativo, há a possibilidade de intervenção de um ente federado em outro, o que só pode ocorrer, porém, em casos excepcionalíssimos, para resguardar a própria Federação e a autoridade da constitucional.

Com base nessas características gerais, tem-se um conceito básico de Estado Federal, bem sintetizado por Paulo Gustavo Gonet Branco:

"É correto afirmar que o Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na Constituição Federal, em que os Estados Federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de regra, há uma Suprema Corte com jurisdição nacional e é previsto um mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade física e da identidade jurídica da Federação." (BRANCO, 2009, p. 851)

Essas características, entretanto, não são unanimidade na doutrina, muito embora elas sejam predominantes na organização do federalismo ao redor do mundo. Conforme ressalta Raul Machado Horta, o Estado Federal tem sua construção normativa baseada em princípios, técnicas e instrumentos operacionais que podem ser resumidos na seguinte relação:

1.A decisão constituinte criadora do Estado Federal e de suas partes indissociáveis, a Federação ou União, e os Estados-Membros;

2.A repartição de competências entre a Federação e os Estados-Membros;

3.O poder de auto-organização constitucional dos Estados-Membros, atribuindo-lhes autonomia constitucional;

4.A intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo, em casos constitucionalmente definidos;

5.A Câmara dos Estados, como órgão do Legislativo Federal, para permitir a participação do Estado-Membro na formação da legislação federal;

6.A titularidade dos Estados-Membros, através de suas Assembleias Legislativas, em número qualificado, para propor emenda à Constituição Federal;

7.A criação de novo Estado ou modificação territorial de Estado existente dependendo da aquiescência da população do Estado afetado;

8.A existência no Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal ou Corte Suprema, para interpretar e proteger a Constituição Federal, e dirimir litígios ou conflitos entre a União, os Estados, outras pessoas jurídicas de direito interno, e as questões relativas à aplicação ou vigência da lei federal. (HORTA, 1995, p. 347/348)

Traçadas essas linhas gerais acerca do federalismo e de suas características fundamentais, pode-se passar ao estudo dos tipos de Federação.

2.3. Tipos de federação

Quando se estuda o federalismo, é imprescindível ter em mente que os fundamentos sobre os quais o mesmo se erige não se conformam, na prática, de maneira homogênea, pois cada Estado tem um processo histórico de constituição bastante peculiar, o que acaba por determinar o tipo de federação que se desenvolverá no seu território.

Conforme adverte Raul Machado Horta acerca dos pressupostos para a organização constitucional do federalismo (itens 1 a 8 acima transcritos), "a reunião desses requisitos não se realiza homogeneamente nas formas reais de Estados Federados. Há os casos em que a lista é integralmente atendida. Há casos de atendimento parcial, com ênfase em determinados requisitos e diluição de outros." (HORTA, 1995, p. 348)

Portanto, não é necessário que um Estado ostente todas as características elencadas pela doutrina para que seja considerado como uma Federação, mas é indispensável que, para tanto, haja uma autonomia mínima dos entes federados, o que se dá principalmente por meio da repartição de competências. É por meio da análise dessa repartição de competências que se verifica o grau de centralização ou descentralização de um Estado.

Considerando a predominância de atribuições nas mãos da União ou dos Estados-membros, ter-se-á um federalismo centrípeto, voltado para o centro, ou centrífugo, cuja característica é a outorga de maior parcela de autonomia administrativa e política aos Estados-membros.

Há, ainda, a classificação do federalismo segundo a relação estabelecida entre a União e os Estados. De acordo com a criação clássica norte-americana, ligada à noção de Confederação, o federalismo dualista consagra a repartição horizontal de competências constitucionais, pois considera a presença de duas esferas soberanas de poder. Tal concepção foi abandonada em razão de uma ideia de federalismo cooperativo, por meio do qual se busca uma harmonização entre as competências da União e a dos Estados, de modo vertical. Essa classificação ainda abrange o federalismo de integração, que submete a esfera estadual à federal e se apresenta, na prática, apenas como um federalismo nominal.

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Diz-se, lado outro, federalismo por agregação quando há a união de estados soberanos pré-existentes, os quais abdicam de sua soberania para a formação do Estado Federal, como no caso da formação dos Estados Unidos da América. Se, ao contrário, um Estado até então unitário se divide em vários Estados-membros, tem-se o federalismo por segregação, como ocorreu no caso do Brasil.

Tal classificação foi bem apresentada pelo constitucionalista Alexandre de Moraes:

"Em relação à formação do Estado Federal, podemos ter o federalismo por agregação, que resulta da reunião de estados preexistentes; e o federalismo por segregação, resultante da descentralização de um Estado Unitário, por razões políticas.

Pode-se, ainda, classificar os tipos de federalismo em: dualista, cooperativo, de integração, centrípeto e centrífugo.

O federalismo dualista, existente, principalmente, nos séculos XVIII e XIX, foi a criação clássica norte-america e consagrava a presença de duas esferas soberanas de poder, a da União de um lado, a do Estado-membro de outro. Sua grande característica, portanto – em face do paralelismo de poder –, foi a previsão de repartição horizontal de competências constitucionais.

(...)

O federalismo cooperativo, portanto, trouxe como ideia central a necessidade de coordenação entre o exercício das competências federais e estaduais, sob a tutela da União. Privilegia-se, portanto, a ideia de competências verticais. A Suprema Corte Americana – não sem antes pretender manter o federalismo dualista, como lembra Bernard Schwartz – decretou o abandono do federalismo duplo, em uma sequência de decisões, relacionadas, principalmente, à competência para legislar sobre comércio interestadual e trabalho infantil.

O federalismo de integração caracteriza-se pela sujeição da esfera estadual (Estados-membros) à federal (União federal). Como ressalta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ‘esse que acentuaria os traços do cooperativo mas que o resultaria, antes, num Estado Unitário constitucionalmente descentralizado do que num verdadeiro Estado Federal.

O federalismo centrípeto, por sua vez, também surgiu nos Estados Unidos em virtude, principalmente, do crescimento do poder de intervenção econômica federal, caracterizando-se pelo fortalecimento do poder central.

(...)

O federalismo centrífugo surge como reação ao exagero centralizador do novo federalismo, pois, como salienta Bernard Schwartz ‘a recente expansão da autoridade federal levou a apelos por mais um novo federalismo – desta vez para inverter a tendência centrípeta. Em particular, tem havido apelos para a diminuição da dependência dos estados em relação às subvenções federais, ou pelo menos, para eliminar algumas das condições que precisam ser satisfeitas antes que os recursos financeiros federais sejam concedidos’." (MORAES, 2006, p. 645/646)

Com base nesse breve panorama, passa-se à análise do federalismo no Brasil e suas peculiaridades, especialmente no que diz respeito à presença do Município como ente federado autônomo.

2.4. O federalismo no Brasil

No Brasil, o federalismo surgiu com a Proclamação da República em 1889 e, a partir da Constituição de 1891, sempre foi adotado como forma de Estado, ainda que em determinados períodos – como durante a ditadura militar dos anos 70 –, a centralização de poder tenha sido tão grande que se convencionou chamar de federalismo nominal o que se vivia nessa época.

Antes de se tornar uma Federação, o Brasil era um Estado Unitário, dividido em regiões administrativas não dotadas de autonomia, com centralização absoluta de poder nas mãos do Imperador. Com a decisão política de adoção da forma de governa federalista, o País percorre o caminho inverso daquele traçado pelos Estados Unidos da América para a formação da Federação.

Enquanto os Estados norte-americanos, originariamente soberanos, reuniram-se para a formação de uma Confederação e, posteriormente, de uma Federação, o movimento no Brasil partiu de um Estado Unitário, já consolidado e soberano, que se dividiu geograficamente em inúmeros territórios, e entregou a tais entes parcelas de autonomia, a fim de repartir o poder político (federalismo por desagregação).

O federalismo vigente nos Estados Unidos, portanto, é centrípeto, voltado para o centro, o que evidencia uma tendência de centralização de poder na União. Centralização essa, entretanto, que não pode ser considerada como uma característica marcante da forma de governo, pois os Estados norte-americanos detêm competências legislativas, administrativas, jurisdicionais e políticas extremamente amplas, advindas da antiga soberania que tais Estados detinham antes da formação de uma Confederação. Logo, embora haja uma tendência à centralização – por isso federalismo centrípeto – o grau de descentralização é enorme e predominante.

A inversão desse processo de formação do federalismo no Brasil explica, a princípio, o alto grau de centralização do seu modelo de governo. É que os Estados brasileiros nunca foram soberanos como os norte-americanos e só conquistaram autonomia ao longo de um lento e gradual processo histórico de desagregação. As competências constitucionais no Brasil foram historicamente entregues de forma predominante à União, relegando-se aos Estados uma competência suplementar, restrita e residual.

Logo, o federalismo no Brasil é centrífugo e, embora haja um ranço cultural centralizador, tende ao fortalecimento das competências dos Estados-membros, em um movimento manifestamente descentralizador.

O Federalismo no Brasil, portanto, não foi instituído com a Constituição da República de 1988, mas, sim, faz parte de um processo histórico oriundo da Proclamação da República e consolidado com a Carta Constitucional de 1891. A partir de então, embora em um processo avesso à formação do federalismo clássico (norte-americano), o país vem desenvolvendo sua forma de Estado em consonância com a evolução de suas próprias instituições.

Atualmente, a Constituição declara o Brasil como uma República Federativa e já em seu art. 1º, caput, lança a controvérsia acerca da natureza do vínculo federativo existente, ao prever que Federação é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal.

Realmente, o federalismo clássico é aquele formado por duas esferas de poder distintas, autônomas e hierarquicamente independentes, quais sejam, a União e o Estados. Nesse modelo, é por meio da junção dos Estados-membros que se forma a União (pessoa jurídica de direito público interno) e o Estado Federal (pessoa jurídica de direito público internacional). Eventuais divisões geográficas dentro desse federalismo clássico constituem, apenas, unidades administrativas, não dotadas de autonomia e competências exclusivas.

Tal padrão, entretanto, não foi adotado no Brasil pela Constituição da República de 1988, que de forma inovadora erigiu o Município à categoria, nominalmente expressa no texto constitucional, de ente federativo, atribuindo-lhe competências somente concebíveis, em um federalismo clássico, a Estados-membros. Instituiu-se, pois, um federalismo de três níveis – União, Estados e Municípios.

A posição do Município dentro da República Federativa do Brasil não é, entretanto, plenamente aceita pela doutrina.

2.5. A posição do Município no Federalismo brasileiro

Em uma breve incursão acerca da evolução constitucional do Município no Brasil, tem-se que a Constituição de 1824, primeira após a Independência do País, não tratou de forma expressa do assunto, prevendo, tão somente, que o território nacional ficaria dividido em Províncias, as quais poderiam se subdividir.

Com a Carta de 1981, já sob a forma de governo republicano, houve expressa previsão de que os Estados se organizariam de modo a assegurar a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeitasse ao seu peculiar interesse (art. 68). Tal autonomia, porém, não passou do plano teórico, pois, na prática, o centralismo político vigorou de forma inconteste.

Com o golpe de Estado da década de 30 e as Constituições de 1934 e 1937, manteve-se a autonomia constitucional do Município, pelo menos em nível teórico, firmando-se o conceito de "peculiar interesse", como forma de delimitar as competências municipais.

Em 1946, com a redemocratização do país, reacende-se o debate e, principalmente, o interesse pelo Município, mas ainda enquanto forma de descentralização estritamente administrativa. Todavia, não perdurou muito tempo tal tendência de estabilização do poder municipal como mecanismo autônomo de governo, pois com o Golpe Militar e a Constituição de 1967, bem como com a Emenda n.º 01/69, deu-se início a um dos períodos mais centralizadores da história nacional, com a convergência das competências quase que exclusivamente para a União, relegando-se aos Estados somente atribuições administrativas. O federalismo, nesse período, era meramente nominal, sem a presença das características que lhe são peculiares.

Com a Constituição de 1988, entretanto, retoma-se o prestígio do Município não só como entidade autônoma, dotada de competências constitucionais bem definidas, mas, essencialmente, como alternativa à tendência centralizadora historicamente vivenciada pelo País. O Município passa, então, de forma inédita, a integrar a categoria de organização político-administrativa da República Federativa do Brasil (art. 18), com a expressa qualificação de ente federado (art. 1º).

Dentro desse arcabouço constitucional, o Município forma a Federação – paralelamente à União e aos Estados-membros – contando com autonomia administrativa (competência para a auto-organização de seus órgãos e serviços), legislativa (competência para editar leis, inclusive sua Lei Orgânica) e política (competência para eleger os integrantes do Executivo e do Legislativo).

Inaugura-se com isso, porém, um intenso debate acerca da natureza federativa do Estado nacional, porquanto a regra constitucional se distancia do modelo clássico de Federação, em que há apenas dois níveis de distribuição de poder (União e Estados). Questiona-se, assim, se seria admissível um federalismo de três níveis ou se o Município, apesar da expressa previsão constitucional, continuaria sendo uma simples divisão administrativa dos Estados, sem o status de ente federativo.

Como fundamentos para a objeção à ideia de que o Município é ente federativo, a doutrina aponta inúmeras razões, conforme destaca Paulo Gustavo Gonet Branco:

"Veja-se que é típico do Estado Federal a participação das entidades federadas na formação da vontade federal, do que resulta a criação do Senado Federal, que, entre nós, não tem, na sua composição, representantes de Municípios. Os Municípios tampouco mantêm um Poder Judiciário, como ocorre com os Estados e coma União. Além disso, a intervenção nos Municípios situados em Estado-membro está a cargo deste. Afinal, a competência originária do STF para resolver pendências entre entidades componentes da Federação não inclui as hipóteses em que o Município compõe um dos polos da lide." (BRANCO, 2009, p. 865)

Também nesse sentido, José Afonso da Silva nega que o Município seja ente federado, conceituando-o como mera divisão política do Estado-membro. Como solução para a controvérsia inaugurada pela Constituição, defende referido autor que "o Município é um componente da federação, mas não entidade federativa" (SILVA, 2004, p. 101)

Para o municipalista José Nilo de Castro (CASTRO, 2010, p. 27), "é o Município entidade condômina de exercício de atribuições constitucionais", que não forma a Federação, embora seja dela parte integrante, sem autonomia federativa. E tal asserção tem fundamento na doutrina de Raul Machado Horta, para quem "a ausência do Município na composição da União Federal não constitui originalidade do Direito Constitucional Brasileiro. Trata-se de regra geral nas Constituições dos Estados Federais, o que confere singular eficácia a esse princípio universal da organização federativa" (HORTA, 1995, p. 622).

O que se percebe, enfim, da doutrina que nega a qualidade de ente federativo dos Municípios brasileiros é a tendência de generalização do conceito de Estado Federal. Ou seja, a partir da concepção do modelo de Federação inaugurado pela Constituição Norte-Americana de 1787, com suas peculiaridades (principalmente o fato de só prever dois níveis de poderes: União e Estados-membros), cria-se um marco para a conceituação do Estado Federal, de tal modo que se passa a crer que sem o atendimento das características clássicas do federalismo norte-americano, não se teria uma forma de governo típica do federalismo.

Embora não se possa negar a importância do modelo norte-americano de Federação, especialmente por ter sido o marco inaugural dessa forma de governo e por que dele partem todos os traços gerais de um Estado Federal, não se pode, lado outro, afastar-se da noção de que o sistema norte-americano nada mais é do que um modelo, um exemplo prático de organização estatal, e não uma imposição conceitual.

O fato de uma Federação não se constituir segundo os padrões norte-americanos não retira desse Estado, a priori, a caracterização de Estado Federal, pois é sabido que o processo de formação do Estados Modernos não é uniforme e está diretamente relacionado como o desenvolvimento social e político de que cada nação. A especificidade de cada país condiciona e determina a noção de federalismo que ali se aplica.

Definitivamente, não há um modelo exclusivo e mais correto de Estado Federal. Como pontuado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, "a ‘forma federativa de Estado’ - elevado a princípio intangível por todas as Constituições da República - não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição" [02].

Logo, se não há um modelo único de Estado Federal, concebido aprioristicamente a partir de concepções implementadas em outros países, deve-se buscar o seu fundamento no texto constitucional de cada Estado, como apontou o Supremo Tribunal Federal.

Realmente, o Estado Federal tem como pressuposto a Constituição Federal, único documento apto a lhe definir os contornos. Segundo Raul Machado Horta, "O Estado Federal é criação jurídico-política e pressupõe na sua origem a existência da Constituição Federal, para instituí-lo. Há uma relação de causalidade entre Constituição Federal e Estado Federal. Sempre que se cuidar de nova Constituição Federal, tema relevante é o que envolve a própria concepção do Estado Federal, que ano va Constituição deverá estabelecer." (HORTA, 1995, p. 345/346)

Sendo assim, não se pode simplesmente ignorar que a Constituição da República de 1988 incluiu os Municípios entre os entes federativos, prevendo que os mesmos não só integram, mas formam uma união indissolúvel, que é o próprio Estado Federal. Há que considerar, pois, que a hermenêutica constitucional hodierna não admite a ideia de existência de palavras inúteis no Texto Constitucional.

É esse, portanto, o primeiro fundamento para a aceitação do Município como ente federado. Com base nele, Hely Lopes Meirelles é categórico ao afirmar que "o Município Brasileiro sempre fez parte da Federação. E a Constituição de 1988 assim o declarou em seus arts. 1º e 18, corrigindo essa falha." (MEIRELLES, 2008, p. 47)

Contudo, não é somente a expressa declaração constitucional que evidencia o caráter federativo do Município Brasileiro. A autonomia que lhe confere a constituição, ainda que não seja completamente adequada aos anseios do poder local, acaba por delimitar a peculiaridade do federalismo brasileiro.

Como ressaltado anteriormente, o federalismo tem como marca principal a descentralização de poder, que se dá principalmente pela repartição de competências entre pessoas jurídicas de direito público interno, a fim de que essas, isoladamente e em conjunto com as demais, exerçam a direção política e administrativa do Estado Federal.

Na atual Constituição, os Municípios possuem, de fato, um rol de competências legislativas exclusivas bastante abrangente, que lhe permite atuar de forma relativamente ampla dentro da já consolidada noção de "interesse local". A autonomia desses entes, sob o ponto de vista constitucional, inclui a auto-organização de seus poderes Executivo e Legislativo, com a eleição de seus membros, a elaboração e execução de leis, a instituição e arrecadação de impostos, a organização e prestação de serviços públicos, a ordenação territorial, e tudo mais que seja relevante ao desenvolvimento local, desde que não conflita com as normas e regras constitucionais.

Mas, acima de tudo, os Municípios, assim como os Estados-membros, detêm capacidade de autoconstituição, o que lhes permite promulgar sua própria Constituição, denominada de Lei Orgânica (art. 29), sem qualquer intervenção da União ou dos Estados no processo de elaboração e aprovação da mesma. Acrescente-se, ainda, o fato de que a Lei Orgânica Municipal possui quorum para aprovação e reforma, o que dota o referido diploma de rigidez similar à do próprio Texto Constitucional.

O constituinte de 1988, portanto, dotou o Município brasileiro de tamanha autonomia que sua existência, como uma terceira esfera de poder, tornou-se indissociável da noção de federalismo em vigor no país.

Segundo lições de Paulo Bonavides, a compreensão da autonomia municipal albergada pela Constituição permite uma nova análise do Estado Federal, pois não há "uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da definição constitucional do novo modelo implantado no País com a Carta de 1988" (BONAVIDES, 1996, p. 314). Ainda segundo o Autor:

"Todavia, no Brasil, com a explicitação feita na Carta de 1988, a autonomia municipal alcança uma dignidade federativa jamais lograda no direito positivo das Constituições antecedentes. Traz o art. 29, por sua vez, um considerável acréscimo de institucionalização, em apoio à concretude do novo modelo federativo estabelecido pelo art. 18, visto que determina seja o município regido por lei orgânica, votada por quorum qualificado de dois terços dos membros da Câmara Municipal – requisito formal que faz daquele estatuto um diploma dotado de grau de rigidez análogo ao que possuem as cartas constitucionais.

Enfim, o art. 30, discriminando a matéria de competência dos municípios, tem uma latitude de reconhecimento constitucional desconhecida aos textos antecedentes de nosso constitucionalismo.

A combinação dos três artigos será doravante a pedra angular de compreensão da autonomia do município, que qualitativamente subiu de degrau com a adição política feita ao todo federativo, em cujo arcabouço se aloja." (BONAVIDES, 1996, p. 312/313)

E a Constituição Federal não só dota o Município de autonomia, como traz cláusulas de garantia institucional dessa autonomia, a fim de que um arcabouço mínimo de competências municipais seja preservado contra ingerência de outros entes federados.

Realmente, se o Texto Constitucional proclama como cláusula pétrea a forma federativa do Estado (art. 60, § 4º, inciso I), não se admite a reforma da Constituição com vistas a excluir o Município do rol de entes federados, tampouco se permite a redução de suas competências legislativas e administrativas a ponto de inviabilizar um governo local autônomo, pois tal medida consistiria em uma alteração indireta do sistema federativo concebido constitucionalmente.

Sendo assim, diante da autonomia concedida e assegurada aos Municípios Brasileiros, tem-se que a Constituição de 1988 institucionalizou um federalismo tridimensional ou federalismo de três níveis, do qual fazem parte não só os entes clássicos – União e Estados-membros – mas, também, de forma inovadora, os Municípios.

Para José Luiz Quadros de Magalhães:

"A partir da Constituição de 1988, os municípios brasileiros não só mantêm sua autonomia, como conquistam a posição de ente federado, podendo, portanto, elaborar suas Constituições municipais (chamadas pela Constituição Federal de leis orgânicas), auto-organizando os seus poderes executivos e Legislativo e promulgando sua Constituição sem que seja possível ou permitida a intervenção do Legislativo estadual ou federal para a respectiva aprovação. O que ocorrerá com as Constituições municipais será apenas o controle a posteriori de constitucionalidade, o mesmo que ocorre com os Estados-Membros.

Alguns autores têm rejeitado a ideia do município como ente federado (que caracteriza o federalismo de três níveis criado pela Constituição de 1988), por ser uma ideia nova, mas seus argumentos (ausência de representação no Senado, impossibilidade de falar-se em União histórica de municípios, ausência de poder judiciário no município) são frágeis ou inconsistentes diante da característica essencial do federalismo, que difere esta forma de Estado de outras formas descentralizadas, ou seja, a existência de um poder constituinte decorrente ou de competências legislativas constitucionais nos entes federados." (MAGALHÃES, 2011)

Só pelo grau de autonomia que atualmente gozam os Municípios já se poderia defender a posição dos mesmos como entes federativos dentro do arcabouço constitucional pátrio. De qualquer forma, analisando as características que dão embasamento à forma de estado federalista, tem-se o fortalecimento dessa tese.

Como dito anteriormente, parte da doutrina, sintetizada nas lições por Paulo Gustavo Gonet Branco (BRANCO, 2009), enumera os seguintes traços gerais característicos do Estado Federal: autonomia dos entes federados; existência de uma Constituição Federal; repartição de competências prevista constitucionalmente; participação dos Estados-membros na vontade federal; inexistência de direito de secessão e existência de uma Suprema Corte.

Como razão para negar a natureza federativa do Município, diz-se, por exemplo, que os poderes locais não têm participação na formação da vontade federal, pois não elegem representantes para o Senado Federal (composto por representantes dos Estados-membros). Argumenta-se, ainda, que os Municípios não detêm poder Judiciário, tampouco podem demandar diretamente junto à Suprema Corte.

Tais argumentos, contudo, são manifestamente frágeis e fundam-se em análises pontuais e em peculiaridades do sistema federativo brasileiro, que antes de descaracterizarem a forma de estado nacional, reforçam-na, pela excepcionalidade das regras.

Em primeiro lugar, não é possível caracterizar o Senado Federal Brasileiro como entidade legislativa de representação direta dos Estados-membros na formação da vontade federal, como ocorre em Estados Federais típicos. De fato, pelas regras constitucionais, tal Casa funciona apenas como órgão de composição do sistema bicameral, ora como revisor, ora como propositor de leis. Como o texto Constitucional não traz regras claras sobre a divisão de competência entre Senado e Câmara dos Deputados, a atuação de ambas as Casas acaba por se equiparar, resumindo-se em editor/revisor de textos legislativos.

Assim, se o Senado Federal do Brasil não cumpre sua função clássica de representação dos Estados na formação da vontade federal, a ausência de representantes dos Municípios nessa Casa não pode ser considerada para descaracterizar o Federalismo pátrio. Ademais, o bicameralismo, tal qual instituído na Constituição de 1988, não é exclusivo de Estados Federais, pois existe também em Estados Unitários, como é o caso da França.

Da mesma forma, não se pode dizer que o Supremo Tribunal Federal seja, tecnicamente, uma Corte Constitucional ou de resolução de conflitos entre Estados-membros, pois sua competência inclui também, como instância revisora, a resolução de conflitos individuais, sejam eles de natureza civil e penal. Ou seja, nossa Suprema Corte não desempenha as mesmas funções de órgãos semelhantes em Federações clássicas.

Além disso, as atribuições do Supremo em nível nacional podem ser equiparadas, guardadas suas óbvias dessemelhanças, com a atuação dos Tribunais de Justiça dos Estados, que são responsáveis pelo controle de constitucionalidade de leis municipais e resolução de conflitos entre entes locais.

Não se pode, pois, questionar a inclusão dos Municípios no Federalismo Brasileiro com base nas noções clássicas dessa forma de governo, pois nossas instituições não se amoldam perfeitamente à teoria geral do Estado Federal.

Logo, se a inclusão do Município no sistema federalista brasileiro gera incongruências teóricas (se comparado nosso modelo com o paradigma clássico norte-americano), a análise dessas contradições não pode se prestar somente para descaracterizar a forma de Estado adotada pela Constituição, mas, sim, para indicar as possíveis soluções para a harmonização da organização estatal.

E o caminho para o aperfeiçoamento do Estado Federal, em qualquer de suas modalidades e tipos, é sempre o da descentralização, o da repartição de poderes e de competências entre os Estados-membros e, no caso do Brasil, também entre os Municípios, pois a centralização só serve a regimes ditatoriais e antidemocráticos.

Por essas razões, não há dúvida de que a Constituição de 1988 instituiu um federalismo de três níveis, buscando a descentralização de poderes e competências, bem como a ampliação das atribuições legislativas e executivas municipais, pelo que não é possível conceituar o Município como mera divisão política do Estado-membro, sendo imprescindível considerá-lo como ente federativo integrante e formador do Estado Federal Brasileiro.

Todavia, o reconhecimento de que o Município é ente federado não importa na aceitação da autonomia municipal como algo idealizado constitucionalmente de forma imutável e perfeita. Ao revés, a divisão constitucional de competências legislativas e executivas no Brasil é manifestamente desequilibrada, com ranços notórios de centralização política, oriundos do processo histórico de formação da nação.

De uma breve análise do texto da Constituição, vislumbra-se a enorme gama de competências exclusivas da União, principalmente em matéria tributária e legislativa, relegando-se aos Estados e Municípios tarefas executivas, especialmente de prestação de serviços públicos. Ou seja, à União cabe regulamentar as matérias de maior repercussão social e importância econômica, bem como instituir e recolher os principais impostos, enquanto aos demais entes federados restam obrigações de caráter essencialmente positivo, ligadas à prestação de serviços públicos essenciais, sem que, contudo, seja-lhes asseguradas fontes próprias de recursos.

Exige-se, pois, um redesenho constitucional do pacto federativo, de caráter radicalmente descentralizador (de recursos, poderes e competências), levando-se em consideração que os Estados e, principalmente, os Municípios, devem gozar de autonomia administrativa, financeira e políticas efetivas, e não meramente nominais. Essa necessidade, porém, não descaracteriza a posição do Município como ente integrante e formador do Estado Federal Constitucional Brasileiro.


3. Conclusão

Embora o Estado brasileiro, considerado a partir de sua independência da Coroa Portuguesa, tenha surgido como um Estado Unitário (Constituição de 1824), logo foi transformado em Estado Federal (Constituição de 1891), mantendo tal modelo de organização até a atualidade. Portanto, o federalismo brasileiro é centrífugo e por desagregação, ou seja, parte de uma unidade soberana e centralizada para formar uma multiplicidade de entidades autônomas, tendente à descentralização.

Até a Constituição de 1988, esse federalismo sempre foi marcado pela presença de dois níveis de poder, o federal (União) e o estadual (Estados-membros), que repartiam entre si competências legislativas, administrativas e políticas. As administrações locais, nas constituições que precederam a atual, eram caracterizadas como meros organismos de administração descentralizada, dotados de atribuições específicas, mas sem autonomia constitucional bem definida.

A atual Constituição, entretanto, inaugurou enorme debate acerca do tema, ao prever em seu texto, expressamente, que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (art. 1º), incluindo os Municípios na organização político-administrativa da nação (art. 18). Questionou-se, pois, se seria possível uma Federação de três níveis, como sugeriria a Constituição, ou se o Município não passaria de divisão geográfica do Estado, dotado de competências próprias, mas não especificamente um ente federado.

O que se demonstrou, entretanto, é que o Estado nacional, apesar de não seguir os padrões norte-americanos, não deixa de ser uma Federação, porquanto as principais características dessa forma de Estado, que são a descentralização política por meio da repartição de competência e garantia da autonomia dos entes federados, são conservadas no modelo brasileiro.

Realmente, a Constituição de 1988 outorgou aos Municípios um grau de autonomia inédito, assegurando-lhes o exercício de competências próprias dos Estados-membros, como a edição e execução de leis, instituição e cobrança de impostos e, acima de tudo, o poder de autoconstituição, consagrado na prerrogativa de elaboração e aprovação, sem intervenção da União ou dos Estados, da Lei Orgânica.

Tal autonomia, aliada à expressa previsão constitucional e, também, às especificidades históricas da formação do Estado Federal Brasileiro, permitem concluir que os Municípios integram e formam a Federação, não podendo ser considerados como meras divisões político-administrativas dos Estados.

Impõe-se, pois, a aplicação de uma hermenêutica constitucional voltada para o reconhecimento e primazia dessa autonomia municipal, a fim de permitir e dar nova força à descentralização das funções estatais.


4. Referências bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 7 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. O Estado Federal Brasileiro Centrífugo, de Três Níveis e Formalmente Simétrico. Disponível em http://joseluizquadrosdemagalhaes.blogspot.com. Acesso em 19/04/2011.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.


Notas

  1. "Art. 1. O IMPÉRIO do Brazil é a associação Política de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independência. Art. 2. O seu território é dividido em Províncias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado."
  2. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24.htm. Acesso em 15/04/2011.

  3. STF. ADI 2024, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2007, DJe-042 DIVULG 21-06-2007 PUBLIC 22-06-2007 DJ 22-06-2007 PP-00016 EMENT VOL-02281-01 PP-00128 RDDT n. 143, 2007, p. 230-231.
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Sobre o autor
Marcos de Oliveira Vasconcelos Júnior

Advogado em Belo Horizonte (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS JÚNIOR, Marcos Oliveira. O Federalismo e a posição do Município no Estado federal brasileiro . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3107, 3 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20774. Acesso em: 20 abr. 2024.

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