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Vigência de benefícios previdenciários supostamente extintos: auxílio-funeral e auxílio-natalidade

17/01/2012 às 15:32
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Antes da Lei 8.213, essas prestações tinham cunho previdenciário: sua concessão condicionava-se à qualidade de segurado. O intuito da remessa desses benefícios ao regime de extinção não era suprimi-los, mas ampliar seu alcance.

Os outros benefícios da Seguridade Social que jamais foram extintos de direito – e que, portanto, são devidos a quem preencha os requisitos legais para sua concessão – são o auxílio funeral e o auxílio-natalidade.


1.O escopo protetivo da Constituição e da Lei 8.213

Na sistemática anterior à Lei 8.213, essas prestações tinham cunho previdenciário. Sua concessão condicionava-se à existência de vínculo entre o beneficiário e a Previdência Social (qualidade de segurado) e, no caso do auxílio-natalidade, também ao cumprimento de uma carência.

Quando da elaboração da referida lei, buscou-se, em consonância com o conceito de Seguridade Social adotado na Constituição de 1988, estender o alcance do arcabouço de proteção social a cargo do Estado mediante a ampliação do acesso a algumas prestações, até então condicionadas aos requisitos contributivos e securitários que ainda regem a Previdência. Nas disposições transitórias da Lei 8.213, determinou-se o trespasse de três benefícios para a esfera de outra peça do macrossistema de Seguridade: a Assistência Social, prestada, nos termos do art. 203 da Carta da República, "a quem dela necessitar, independentemente de contribuição". Esses benefícios eram o auxílio-natalidade, o auxílio-funeral e a renda mensal vitalícia (RMV) destinada a idosos e inválidos em situação de miséria, depois sucedida pelo benefício de prestação continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

O intuito da remessa desses benefícios ao regime de extinção fixado na Lei 8.213, como nitidamente se vê, não era suprimi-los, mas ampliar seu alcance. Ao fim da transição iniciada com a referida lei, as situações que ensejavam o direito a eles (nascimento, morte, idade avançada, invalidez) passariam a bastar, conjugadas tão-só com a necessidade econômica presumida conforme parâmetros legais [01], à sua concessão, independente de qualquer elemento atuarial.


2.A transição inconclusa: da Lei 8.213 à LOAS

Para tanto, constavam, entre as disposições transitórias da Lei 8.213, as seguintes.

Com relação à RMV, estipulou-se que ela "continuará integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que seja regulamentado o inciso V do art. 203 da Constituição" (art. 139) e que, enquanto isso não ocorresse, seria devida ao "maior de 70 (setenta) anos ou inválido que não exercer atividade remunerada, não auferir qualquer rendimento superior ao valor de sua renda mensal, não for mantido por pessoa de quem dependa obrigatoriamente e não tiver outro meio de prover o próprio sustento" (§ 1º), desde que comprovasse 12 meses consecutivos de filiação à Previdência Social (inciso I), 5 anos de exercício de atividade por ela coberta no momento da publicação da lei (II) ou filiação à antiga Previdência Social Urbana após os 60 anos de idade (III).

Quanto ao auxílio-natalidade, o art. 140 dispôs que seria devido, por ocasião do parto, à segurada ou ao segurado cuja esposa ou companheira não detivesse essa condição, desde que tivessem remuneração mensal não superior a Cr$ 51.000,00 (hoje, R$ 915,05 [02]). O valor do benefício seria de Cr$ 5.000,00 (hoje, R$ 89,72), pagos em parcela única (§ 2º) e sua concessão dependeria de uma carência de 12 contribuições (caput), exceto para os segurados especiais (§ 1º). O § 6° determinava que "o pagamento do auxílio-natalidade ficará sob a responsabilidade da Previdência Social até que entre em vigor lei que disponha sobre os benefícios e serviços da Assistência Social".

No que diz respeito ao auxílio-funeral, o regramento era semelhante. Nos termos do art. 141, ele seria devido por ocasião da morte do segurado cuja renda não ultrapassasse o mesmo limite fixado para concessão do auxílio-natalidade (hoje, R$ 915,05). Se o destinatário do benefício fosse dependente previdenciário do segurado falecido, o valor da prestação (única) seria de Cr$ 17.000,00, hoje, R$ 305,02 (§ 1º); se não fosse, o benefício corresponderia ao real valor dispendido, tendo o valor pago aos dependentes como limite máximo. Nos termos do § 2º, a concessão do auxílio-funeral também ficaria "sob a responsabilidade da Previdência Social até que entre em vigor lei que disponha sobre os benefícios e serviços da Assistência Social".

A lei de regência dos benefícios e serviços assistenciais, aludida nesses dispositivos transitórios, é, como se sabe, a 8.742, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que entrou em vigor em 08.12.1993. A LOAS – como é também amplamente sabido – fixou condições suficientes para a transferência, do âmbito previdenciário para o assistencial, da proteção aos idosos e inválidos em estado de miséria (com a substituição da RMV pelo BPC), mas não do auxílio-funeral, nem do auxílio-natalidade.

Com relação a estes, ficou estabelecido que integrariam o rol de benefícios da Assistência Social, sendo devidos a quem tivesse renda familiar mensal per capita inferior ao quarto do salário mínimo (art. 22, condição depois eliminada pela Lei 12.435 de 2011), e que sua concessão e seu valor "serão regulamentados pelos Conselhos de Assistência Social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)" (§ 1º, competência depois transferida pela Lei 12.435 aos próprios entes federativos). Isso teria levado à extinção dos referidos benefícios, já que, bem ou mal, se cumprira a condição fixada nos arts. 140 e 141 da Lei 8.213 para que a Previdência se eximisse da responsabilidade por eles, que era a entrada em vigor da lei que regulamentasse os benefícios e serviços assistenciais.

Teria levado, mas não levou, já que, nas disposições transitórias da própria LOAS, fixou-se outro dies ad quem para a obrigação da Previdência Social de concedê-los: conforme o art. 40, ainda hoje em vigor, o termo final dessa responsabilidade recairia na efetiva implantação dos benefícios assistenciais de prestação única por nascimento e morte, sucedâneos dos auxílios em questão. Por causa disso – e também por força do parágrafo então único (depois renumerado para 1º pela Lei 9.711) do mesmo art. 40 da LOAS, a cujo teor "a transferência dos benefíciários do sistema previdenciário para a assistência social deve ser estabelecida de forma que o atendimento à população não sofra solução de continuidade" – , os auxílios natalidade e funeral continuaram sob responsabilidade da Previdência, e tanto é assim que continuaram a ser concedidos pelo INSS.


3.Extinção de facto, sobrevivência de jure

Em 11.12.1995, o Poder Executivo (governo FHC) regulamentou o BPC – e apenas ele – mediante o Decreto 1.744, nos termos de cujo art. 39 ficavam "extintos o auxílio-natalidade, o auxílio-funeral e a renda mensal vitalícia" a partir de 1º de janeiro de 1996.

No que tange à RMV, esse dispositivo dava cumprimento ao art. 40 da LOAS; no que se refere aos dois benefícios ora em tela, porém, infringia-a acintosamente, visto que a condição por ela imposta para que fossem extintos não se verificara.

Ultrapassa o escopo deste artigo tentar compreender que fatores psicossociais possibilitaram ao governo de então, em ambiente de normalidade institucional [03], determinar que dois benefícios da Seguridade Social seriam extintos dali a vinte dias e substituídos por nada, sem que se verificasse reação alguma por parte da comunidade política e jurídica ou da chamada sociedade civil. Mas o fato é que, ainda que os auxílios natalidade e funeral continuassem devidos de jure, sua extinção se operou de facto, deixando o INSS de concedê-los a partir da data fixada no decreto [04].

Poucos meses depois (14.10.1996), o Executivo fez publicar a Medida Provisória 1.523, reeditada até ser convertida na Lei 9.528, de 11.12.1997. A referida MP determinou (art. 15) a revogação dos arts. 140 e 141 da Lei 8.213, confirmada no art. 14 da lei resultante da conversão. Estariam os auxílios natalidade e funeral extintos agora também de direito?

A resposta é um rotundo e convicto não.

É que, em meio a tudo isso, permaneceu intacto – e encontra-se em vigor ainda hoje – o art. 40 da LOAS, que impõe, para a extinção desses benefícios, uma condição que ainda não se cumpriu: a implantação deles no âmbito da Assistência conforme determinado no art. 22, também incólume para o que aqui importa. Igualmente intacto está o parágrafo único (hoje renumerado para 1º) do art. 40, que veda qualquer solução de continuidade na transferência de beneficiários da Previdência para a Assistência.

Vale a pena transcrever novamente os arts. 22 e 40:

Art. 22 (redação original) – Entendem-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Art. 22 (redação dada pela Lei 12.435) – Entendem-se por benefícios eventuais as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.

Art. 40 – Com a implantação dos benefícios previstos nos arts. 20 e 22 desta lei, extinguem-se a renda mensal vitalícia, o auxílio-natalidade e o auxílio-funeral existentes no âmbito da Previdência Social.

Ora: é certo que os auxílios em questão e a obrigação imposta à Previdência Social com relação a eles não necessitam de previsão em duas leis para existir. Revogada uma das leis que os instituíam e mantida intacta a outra – ainda mais tendo em mente que são da mesma hierarquia – , eles continuam devidos e a responsabilidade por sua concessão permanece a cargo da Previdência.

Para terminar de demonstrá-lo, talvez seja interessante prestar atenção também no atual § 1º do art.40 da LOAS, a cujo teor "a transferência dos benefíciários do sistema previdenciário para a assistência social deve ser estabelecida de forma que o atendimento à população não sofra solução de continuidade". Tal disposição nem seria, a rigor, necessária; uma vez, porém inserta no texto legal, reforça o até aqui exposto.

Para compreender como se dá tal reforço, é preciso esclarecer antes o que se deve entender por "beneficiários do sistema previdenciário" a serem transferidos sem solução de continuidade para a Assistência. O conceito expresso nessa locução está dado pela Lei 8.213, à qual a LOAS, ao usá-la, remete.

Conforme depreende-se do Título III, Capítulo I (arts. 10 a 17) da Lei 8.213, consideram-se beneficiários da Previdência Social todas as pessoas por ela cobertas, quer seja na condição de segurado ou na de dependente – e não apenas aquelas que estejam recebendo alguma prestação pecuniária. Compreendido à luz desse conceito, o art. 40 § 1º da LOAS determina que não pode haver solução de continuidade na cobertura das situações de nascimento e morte pela Seguridade Social, e não apenas no pagamento de benefícios de prestação continuada já concedidos. Até porque fosse a mens legis esta última, o dispositivo em questão careceria de sentido, já que seria impossível sua aplicação a benefícios de prestação única.

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4. Normatização atual dos benefícios em questão

Dificuldade maior – mas não intransponível – existe em determinar em que condições os auxílios natalidade e funeral são devidos já que, se é certo, por um lado, que o art. 40 da LOAS e seu § 1º impõem a continuidade de seu pagamento pela Previdência Social, igualmente verdadeiro é, por outro, que a Lei 9.528 revogou os dispositivos legais que definiam os destinatários, o valor e as condições de acesso a eles.

Não é propósito deste artigo encerrar tal discussão: pretende-se, antes, iniciá-la. Cabe, porém, assinalar que qualquer solução é mais razoável que permitir ao Executivo que ignore a existência da determinação legal de pagamento desses benefícios, como acontece há 16 anos. E que, fixada esta premissa, ao menos quatro soluções afiguram-se, desde logo, plenamente harmônicas com a ordem jurídica, sendo, assim, aplicáveis com o mesmo grau de razoabilidade no território daqueles entes federativos (a grande maioria) que ainda não cumpriram o disposto no art. 22 da LOAS.

A primeira consistiria em reconhecer eficácia ultrativa ao regramento revogado (arts. 140 e 141 da Lei 8.213). Essa solução teria suporte normativo nos já citados art. 40 e § 1º da LOAS, na medida em que, se tais dispositivos obrigam a Previdência ao pagamento dos auxílios em questão, sem solução de continuidade, até sua efetiva transferência para o âmbito assistencial, pouco importa que os dispositivos legais que estabeleciam os critérios para seu pagamento na fase de transição tenham sido revogados: a dicção dos referidos artigos da lei assistencial imporia a continuidade dessa obrigação nos exatos termos em que ela vinha sendo cumprida, até que se verifique a condição resolutiva (ou, caso assim se queira, termo final) neles imposta – principalmente tendo em vista que a lei revogadora dos arts. 140 e 141 (a 9.528) não determina, em nenhuma parte, a cessação do pagamento dos auxílios em discussão nem a mudança de critérios, limitando-se a declarar revogados esses dispositivos. Nesta hipótese, não seria necessário fazer mais que atualizar os valores indicados nos artigos revogados, sendo devidos os benefícios conforme descrito no tópico 2 deste artigo.

A segunda levaria ao mesmo lugar que a primeira, embora por caminho diverso. Partindo do pressuposto de que se extinguira a previsão legal de concessão dos auxílios em tela pelo INSS, o Poder Executivo, mediante o Decreto 2.172/97 (art. 3º), extirpou-os do regulamento da Previdência Social deixando de tratar deles e declarando revogado o regulamento anterior (Decreto 611/92), que os regrava. O pressuposto que embasava essa omissão é, todavia, falso, como já se demonstrou. Ora: existindo determinação legal de pagamento dos dois auxílios em exame sem solução de continuidade até o implemento de condição (ou termo) também fixada em lei, o decreto que declara revogada a regulamentação deles sem instituir outra – criando, portanto, um vazio normativo que inviabiliza o cumprimento de tal determinação – está em contradição com a lei que a veicula, contradição que só se resolve pela prevalência da lei. Nessa perspectiva, o Decreto 2.172 teria revogado os artigos do 611 relativos a matérias às quais deu nova regulamentação, mas não aqueles que tratavam de temas quanto aos quais é omisso; subsistem, assim, os arts 278 a 280 do regulamento de 1992.

Não se ignora que, nos termos do Decreto-Lei 4.657/42 ( Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare" (art. 2º, § 1º). Mas decreto não é lei – não sendo, portanto, instrumento apto a criar ou extinguir direitos ou obrigações, nem mesmo pela omissão ou silêncio. Ora: aceitar que o Decreto 2.172 tenha revogado os arts. 278 a 280 do 611 sem tratar das matérias por eles regidas equivaleria a considerar que ele extinguiu os auxílios ali regrados contra expressa determinação legal. A declarada revogação dos arts. 278 a 280 do Decreto 611 pelo 2.172, portanto, choca-se com o art. 40 e § 1º da LOAS, sendo, pois, insubsistente. Como os artigos em questão reproduziam os parâmetros dos arts. 140 e 141 da Lei 8.213, os auxílios em questão seriam devidos nos mesmos termos da solução anterior, porém por outro fundamento.

A terceira seria aplicar as disposições do regime previdenciário dos servidores federais atinentes a tais benefícios (arts. 196 e 226 a 228 da Lei 8.112/90). Essa solução se legitimaria em vista da postura do STF face ao tema aposentadoria especial de servidores públicos. Ante a ausência de normatização do benefício por parte do Executivo (a quem caberia regulamentá-lo, definindo as condições para sua concessão), aquela corte, numa pluralidade de autos de mandados de injunção [05], determinou que fossem aplicadas as regras do Regime Geral de Previdência Social.

Esses precedentes reforçam a possibilidade de solução do caso em exame (similar) pelo caminho inverso, hipótese na qual o auxílio-natalidade seria devido no valor do menor salário-de-contribuição do RGPS (um salário mínimo) à segurada parturiente ou ao segurado cuja cônjuge ou companheira [06] não-segurada der à luz, sem carência ou limite de renda, e inclusive no caso de filho natimorto (Lei 8.112, art. 196); e o auxílio-funeral deverá ser pago, em 48 horas (art. 226, § 3º), a quem arcar com o sepultamento do segurado (seja qual for sua renda) que vier a óbito, no valor de seu salário-de-contribuição ou do provento que porventura receba em substituição aos rendimentos do trabalho, caso o destinatário seja dependente do segurado (art. 226); ou no valor do funeral, limitado a esta cifra, caso não o seja (art. 227), cabendo, ainda, ao INSS o ressarcimento das despesas de traslado no caso de morte em serviço (art. 228).

A quarta solução consistiria em determinar o pagamento dos dois benefícios em exame já em caráter assistencial (portanto, prescindindo-se da condição de segurado do RGPS) não pelo INSS, mas pelos estados, municípios e DF, aplicando-se aos entes federativos que ainda não normatizaram sua concessão as regras definidas por aqueles (poucos) que já o fizeram como, por exemplo, o município de Vitória (ES), cujos parâmetros constam de seu saite oficial (http://www.vitoria.es.gov.br/semas.php?pagina=auxilionatalidade e http://www.vitoria.es.gov.br/semas.php?pagina=auxiliofuneral) [07].


5. Inocorrência de prescrição quanto ao auxílio-natalidade

Cabe, por fim, assinalar a inocorrência de prescrição quanto aos auxílios-natalidade indeferidos ou não-solicitados desde a data em que cessada sua concessão pelo INSS.

A doutrina e a jurisprudência são unânimes em afirmar que todos os direitos e obrigações estatais ou privadas relativos à natalidade, à infância e à adolescência, situem-se em que ramo do direito se situarem, seja seu titular quem for, existem no interesse da criança ou adolescente. Isto aplica-se desde a licença maternidade até as prerrogativas inerentes ao poder familiar.

No caso do auxílio-natalidade, a demonstração desse dado é particularmente fácil, já que, em todos os seus regramentos previdenciários, sua titularidade é variável: cabe à mãe, mas, se esta não cumprir os requisitos de filiação ao regime previdenciário e/ou carência, passa a caber ao pai, se este os atender. Ora: em condições tais, está claro que o benefício não existe no interesse de uma nem do outro, mas no do neonato, a quem a lei só não conferiu a titularidade do benefício por razões operacionais.

Fixada tal premissa, e tendo em vista o disposto no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro no sentido de que a finalidade da lei se sobrepõe a seu texto, incide o art. 198, I, c/c art. 3º, I do Código Civil, em cujos termos não corre prescrição contra pessoas com idade inferior a 16 anos. Esse entendimento se reforça face à proteção especial que a Constituição garante às crianças e adolescentes e impõe como dever ao Estado (art. 227, § 3º) – proteção que abrange, de forma expressa, a garantia de direitos previdenciários (inciso II).

Não há, portanto, entre os auxílios-natalidade não-solicitados ou ilegalmente indeferidos desde o advento do Decreto 1.744/95, um único que esteja prescrito, devendo o Estado brasileiro responder em juízo por todos os benefícios dessa espécie que deixou de pagar ao longo dos últimos dezesseis anos.


Notas

  1. Não se discutirá aqui se o parâmetro de ¼ de salário mínimo per capita adotado na LOAS atende ou não a esse propósito e à disciplina constitucional da Assistência.
  2. Os valores aqui mencionados resultam da aplicação dos índices de reajuste utilizados pela Previdência.
  3. Chamar isso que existe no Brasil de plena democracia seria exagero.
  4. O saite da Dataprev (http://www.dataprev.gov.br/servicos/salmat/salmat_def.htm), todavia, informa que o auxílio-natalidade deixou de ser concedido em 29.04.1995. Ignora-se se essa informação é correta e, em caso positivo, com que suporte legal.
  5. Por exemplo, os de número 721, 758, 788, 795, 796, 797, 808, 809, 815, 825, 828, 841, 850, 857, 879, 905, 927, 938, 962 e 998.
  6. Na realidade, a negativa do auxílio-natalidade ao servidor ou segurado homem quando a mãe de seu filho não detenha uma dessas duas condições afigura-se inconstitucional, num regime ou noutro. Mas essa é outra discussão.
  7. Também é duvidosa – em vista da do art. 203 da Carta da República, a cujo teor a Assistência Social será prestada "a quem dela necessitar" – a constitucionalidade de um dos critérios adotados pela referida municipalidade (residência mínima de um ano em seu território); mas essa questão tampouco será tratada aqui.
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Sobre o autor
Henrique Júdice Magalhães

Advogado (OAB/RS 72.676), ex-pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e ex-consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Cursa atualmente o doutorado em Direito na Universidad de Buenos Aires.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Henrique Júdice. Vigência de benefícios previdenciários supostamente extintos: auxílio-funeral e auxílio-natalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3121, 17 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20880. Acesso em: 18 dez. 2024.

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