Nos EUA, os partidos Democrático e Republicano – oponentes políticos – uniram-se para elaborar projeto de lei para o ano fiscal de 2012, que foi aprovado quase por unanimidade pelo Congresso.
O Executivo norte-americano ameaçou vetar algumas disposições, contendo, assim, a opinião pública, mas, à véspera do primeiro dia do ano de 2012, o presidente Barack Obama sancionou o National Defense Authorization Act.
A lei é a maior aberração legislativa do país por destoar dos ideais de liberdade que sempre ali foram pregados. A lei autoriza a intervenção militar, sob fundamento de suposta defesa nacional, possibilitando a prisão de qualquer pessoa por tempo indeterminado, sem acusação formal e sem observância do due process of law.
Este ato legislativo é parcialmente marcial por abolir parte das liberdades públicas e garantias constitucionais, e por limitar o poder jurisdicional, desarmonizando a tripartição dos poderes enunciada por Charles-Louis de Secondatt, Montesquieu, acolhida pelos chamados países civilizados.
O presidente norte-americano sustentou verbalmente que os cidadãos americanos poderiam ficar despreocupados porque a lei não seria aplicada contra cidadãos norte-americanos, e que durante o governo dele não haveria prisão por tempo indeterminado, nem prisão arbitrária.
Ocorre que a letra da lei não diz bem assim; ela apenas determina a inaplicabilidade, aos cidadãos norte-americanos – descurando dos demais seres humanos, ofendendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos –, das disposições do Sec. 1031, Subtitle D, Title X, que tratam dos requisitos para custódia militar.
Aplicáveis aos cidadãos norte-americanos são as disposições do Sec. 1032, Subtitle D, Title X, que versam sobre a autorização para as Forças Armadas deterem, por tempo indeterminado, sem acusação formal, sem devido processo legal, qualquer pessoa que tenha praticado certas ‘atividades subversivas’, para usar um termo conhecido por nós brasileiros.
Impressionante foi verificar o descaso dos meios de comunicação pela escassez de discussões sobre um tema tão relevante, que não é novidade para a política daquele país, mas está agora em um patamar gritante. O voice of Russia, entretanto, não ficou apático e se manifestou comparando a lei com a legislação introdutória do Terceiro Reich.
Ora, este fato serve para relembrar a teoria de Ferdinand Lassalle, que afirmou ser a Constituição formal um pedaço de papel que não subsiste ao chocar-se com os interesses dos fatores reais de poder. Necessariamente enfraquecem-se as suas antíteses, de Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho.
Com esta lei, o Estado norte-americano instaura nova ordem jurídica contrária à vontade geral, tornando-se ilegítima, limitando as liberdades públicas sem qualquer justificativa positivada. A ausência de tais justificativas legais remete a ausência de qualquer noção de limite, o que Giorgio Del Vecchio associa a impossibilidade de afirmação dos direitos humanos e fundamentais.
Importante estender o texto para indicar que entraram em vigor, neste ano de 2012, no país do sistema common law, mais de 40.000 leis, dentre as estaduais e federais. Ademais, o ato legislativo aqui aludido é extenso, com mais de 500 páginas. É este panorama que se inviabiliza o conhecimento do povo acerca da lei, e, consequentemente, qualquer reação popular, notadamente pela desorganização deste maior fator real de poder, o que se agrava numa sociedade altamente pluralista, em que os interesses são diversos e dispersos.
Há absoluto contraste entre o que a lei diz e o que é certo e verdadeiro, conforme a razão linear jusnaturalista, identificada desde Cícero. Agora há uma lei aparente, mas não substancial – non legis essent, sed monstra legum.
Como Francesco Carnelutti sustentou, a diferença entre o criminoso e o militar é o uniforme, representando o direito justo, o que se perde em um regime totalitário ou marcial, que é o caso dos Novos Estados Unidos da América do Norte.