RESUMO
Este artigo visa discutir e analisar as formas diretas de influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Serão objeto de estudo os aspectos formais e materiais em que a Lei mudou para se adequar à declaração. A Constituição Federal de 1988, a legislação especial de Saúde e Assistência Social e demais aspectos relevantes no Direito Brasileiro serão abordados, de forma a estabelecer uma relação estreita entre a Lei Brasileira e a DUDH da ONU de 1949.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos, Humanos, Brasil, Legislação, Mudanças.
INTRODUÇÃO
O presente estudo esclarece a relação dos Direitos Humanos, consagrados pela ONU na Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), de 1949, com a legislação brasileira, seu espírito garantidor e os casos práticos de aplicação e garantia de tais direitos.
A organização da sociedade é escrita, positivada. É a essa organização que damos o nome de Constituição. É nela que encontramos os Direitos e Deveres, tanto dos cidadãos, quanto do Poder Público; por consequência, nela estão registrados, também, os Direitos Humanos. Entretanto, o Direito Escrito não surgiu juntamente com os Direitos Humanos; estes foram sendo gradativamente inseridos naquele, num processo que possui uma explicação histórica, científica e social. Tal situação tornou-se um problema a partir da constatação de que, a depender do momento social ou do regime político vigente, os Direitos Humanos possuem garantias diferenciadas. O Brasil, desde que a garantia plena dos Direitos Humanos passou a figurar como elemento importante em todo o mundo, atravessou fases políticas distintas e momentos diversos; experimentou momentos de supressão quase total destes direitos, bem como também experimentou, e ainda experimenta, momentos de maior liberalidade e maior garantia de Direitos Humanos. Qual a relação, então, existente entre o momento social e a garantia dos direitos inerentes à pessoa humana? Como se dá tal relação e como, no Brasil, as constituições foram evoluindo no sentido de garantir, paulatinamente, a plenitude dos Direitos Humanos no país?
Precisa-se, portanto, analisar, de forma científica, como o legislador vem tratando esse tema, se de fato corresponde aos anseios da sociedade e se, nos casos concretos, as leis são aplicadas com o rigor necessário, observando, nestes mesmos casos concretos, as peculiaridades. Faz-se necessário esclarecer, por meio de investigação científica, que princípios da DUDH foram absorvidos pelo legislador brasileiro e como esta declaração, por si só, rendeu influência nas leis e na Cultura do Brasil. É preciso, também:
a) Analisar influências de ordem teórica da DUDH na Legislação Brasileira;
b) Investigar os momentos sociopolíticos que conduziram tais alterações;
c) Buscar efeitos e casos práticos da DUDH na correta aplicação da lei, e não só na sua elaboração.
Por meio de pesquisa bibliográfica, e utilização do método dedutivo, que parte do geral para o específico, e do histórico, que fará uma análise do que foi alterado e em que contexto histórico estava, procurar-se-á dirimir essas questões a fim de esclarecer e pontuar as principais alterações teóricas e práticas dos Direitos Humanos na legislação brasileira e na sua aplicação. Analisar-se-á não só a influência na criação das leis, nos seus textos positivados ou nas suas intenções, como também os efeitos desta lei, a efetiva garantia do Estado ao cumprimento dos direitos da pessoa humana.
DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICOS: EVOLUÇÃO OBSERVADA NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS
O Brasil atravessou momentos políticos distintos desde 1949 até os dias atuais. Antes daquele ano, o país viveu regimes imperiais, democráticos e ditatoriais; todos eles, de forma consoante com o seu modo de governar, deram tratamento distinto à temática dos Direitos Humanos. As conquistas sociais e políticas da população refletem uma luta gradativa, conquistada passo a passo, direito a direito, até chegar no que os brasileiros consideram hoje o ápice das garantias individuais e coletivas da sua história: Os Direitos Humanos garantidos pela Constituição Cidadã, a Constituição Federal de 1988; o direito ao voto, as políticas públicas, a garantia da liberdade e até mesmo a restrição da pena de morte e de penas cruéis romperam com algumas heranças deixadas pelo governo militar antes da Constituição de 1988.
O regime ditatorial dos militares, implantado em 1964, após a deposição do Presidente João Goulart, não demorou até fazer valer plenamente a sua força; três anos depois da sua instalação, o governo militar outorgou a sua Constituição, que não trazia garantias de Direitos Humanos suficientes para a instituição de uma sociedade harmônica e humanitária, garantidora da dignidade e até mesmo da integridade física das pessoas. Além disso, permitia o ordenamento jurídico, àquela época, determinações que excluíssem ainda mais os direitos inerentes aos cidadãos, os chamados Atos Normativos.
Sobre a questão, Herkenhoff (1999, p.81), registra que “a Constituição de 1967 não se harmonizou com a doutrina dos Direitos Humanos, pelas seguintes razões: restringiu a liberdade de opinião e expressão; deixou o direito de reunião a descoberto de garantias plenas; estendeu o foro militar aos civis, nas hipóteses de crimes contra a segurança interna (ou seta, segurança do próprio regime imperante); fez recuos no campo dos direitos sociais; manteve as punições, exclusões e marginalizações políticas decretadas sob a égide dos Atos Institucionais.” (HERKENHOFF, João Batista. Gênese dos Direitos Humanos. Aparecida, SP. Editora Santuário, 2002. p. 81.).
Fala o autor que a Constituição de 1967, votada pelo Congresso mas não discutida amplamente, como a de 1988, era uma arma contra os Direitos Humanos, e não a favor deles. A restrição da liberdade, um dos bens mais preciosos do ser humano, é tida nos dias atuais como inadmissível em todo o mundo, sendo este o principal motivo para a intervenção das Nações Unidas em países que não garantem, ou violam, os Direitos de seu povo. A referida Constituição, entretanto, mesmo com a orientação da DUDH para a manutenção dos direitos inerentes à pessoa humana como regra, não respeitou a declaração e trouxe ao Brasil uma experiência que não tinha sido vista nem na Ditadura de Getúlio Vargas, no período de 1937 a 1945.
Durante 21 anos, de 1964 a 1985, o Brasil viveu uma era de clara violação aos Direitos Humanos. Decerto que não era uma violação geral, que atingia a todos ao mesmo tempo, e que não ocorreu no Brasil um período de extermínio em massa ou de Guerra Civil, mas os artistas, os políticos, os sindicalistas e outros membros mais ativos da sociedade não poderiam, sequer, expressar a sua opinião sem que tivessem de passar pela censura do Regime Militar.
Aquela Constituição (1967), não foi, entretanto, a grande sustentação do governo ditatorial. A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, alterou o texto Constitucional constituindo-se, na prática, numa nova Constituição. Essa emenda, que para fins didáticos é denominada Constituição de 1969, restringiu ainda mais os Direitos que a carta anterior, a de 1967, já restringia. A limitação à liberdade de reunião foi uma tentativa de barrar os movimentos sociais, sobretudo os grevistas. Tal limitação, entretanto, não chegou a se constituir numa extinção total dos movimentos de reivindicações dos Direitos Trabalhistas.
A maior violação, porém, ocorreu contra os Direitos Políticos. Mesmo tal segmentação de Direitos não seja, às vezes, considerada como parte integrante dos Direitos Humanos, os direitos políticos - que compreendem não só a possibilidade jurídica de votar e ser votado, como também a proposição de leis por parte da população, etc. – são fundamentais para que haja um pleno respeito à humanidade numa sociedade. Sem os direitos políticos garantidores, que trazem ao povo a possibilidade de participação ativa, ou representativa, nas decisões sociais, não teríamos uma sociedade plena de Direitos Humanos.
Em 1984, como resposta à repressão imposta pela Constituição de 1967 aos Direitos Políticos, surgiu o movimento das “Diretas Já”, que reivindicava a volta das eleições diretas no Brasil para eleger o Presidente da República. No primeiro momento, o movimento não logrou êxito plenamente, pois a primeira eleição após o regime militar foi indireta, realizada pelo Congresso. Entretanto, conseguiu um bom resultado quando, nestas eleições, conseguiu devolver o governo à sociedade civil.
A Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, é a que melhor representa a harmonia do Brasil com os Direitos Humanos nos dias atuais, pelo menos em tese. Pela própria estrutura da Constituição, como ela é escrita e como seus artigos estão organizados, percebemos que há um maior destaque para os Direitos Humanos: Estes aparecem logo nas primeiras linhas do texto constitucional, sendo uma forma de demonstrar que o constituinte quis garanti-los e fazer deles a base para a nova sociedade que nascia a partir daquele momento.
Logo no primeiro artigo, encontramos como fundamento da República Federativa do Brasil a “dignidade da pessoa humana”, os “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” e o “pluralismo político”. Isto prova que a nova ordem social, acolhida e inaugurada pela nova Constituição, rompia com aquela criada em 1967, e valorizava os Direitos Sociais, Trabalhistas e Políticos. É, porém, no Art. 5º da carta de 1988 que encontramos o maior leque de direitos garantidos; vão desde direitos individuais e coletivos, passando por direitos civis, até instrumentos de controle judiciário da vida social e de limitações ao direito estatal de punir. É um grande avanço comparado à constituição anterior.
Sobre a questão, fala Herkenhoff (1999, p.97.):
“A Constituição do Brasil avança, no seu preâmbulo, em relação à Declaração Universal dos Direitos Humanos, quando realça, mais que esta, os direitos sociais e quando faz expressa referência ao desenvolvimento. Embora não fazendo parte do preâmbulo, os artigos 1º, 3º e 4º da Constituição Brasileira também agasalham princípios orientadores, esposam valores fundamentais. Esses princípios e valores completam e explicitam a tábua de opções ético-jurídicas do preâmbulo. Se considerarmos esses artigos, como é metodologicamente correto, complemento do preâmbulo, concluiremos que a enunciação de valores humanos e democráticos da Constituição do Brasil avantaja-se ao código de valores inscrito no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos.” (HEKENHOFF, João Batista. Direitos Humanos: Uma ideia, muitas vozes. Aparecida, SP. Editora Santuário, 1998, p. 97).
É, sobretudo, um grande avanço trazido pela Constituição de 1988. A análise comparativa, como bem feita pelo autor, prova que a Constituição Cidadã trouxe ao convívio social dos brasileiros preceitos fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1949.
DIREITOS HUMANOS NO BRASIL E O DIREITO À SAÚDE
A declaração dos direitos humanos trouxe expressamente em seu texto o direito à saúde, como pode ser constatado em seu Art. 25: “Art. 25 - Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis...”(ONU, 1948). Ao ler a Constituição do Brasil nota-se logo a influência que este artigo da DUDH trouxe para ela; no Art. 6º a Constituição também fala expressamente que a saúde é um direito social. Este direito a saúde não está consagrado apenas neste artigo, mas, pelo contrário - há uma seção própria no texto constitucional, no capítulo de Seguridade Social, que trata exclusivamente da saúde (Artigos 196 a 200 da Constituição de 1988). Antes da atual Carta Magna a saúde era citada apenas de forma vaga, como competência da União, dos Estados e dos Municípios, por exemplo.
Esse destaque dado ao Direito à Saúde trouxe diversos avanços, como o Sistema Único de Saúde (SUS) que, segundo estimativa atual do Ministério da Saúde, é utilizado por cerca de 80% dos brasileiros (BRASIL, 2008, p.135). Outros números que demonstram os resultados positivos são, por exemplo, o da redução de 50% da desnutrição das crianças de até 5 anos e a diminuição da taxa de mortalidade infantil de 35,2 por mil para 24,3 por mil entre 1997 e 2007, segundo a Pesquisa nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher de 2006 (BRASIL, 2008, p. 135).
Mesmo com todos os avanços, a saúde pública no Brasil ainda é deficiente, principalmente quando se observa separadamente as regiões do país. Neste caso, pode-se perceber com clareza as desigualdades regionais. No Nordeste, a mortalidade infantil chega a ser mais do dobro da do Sul, por exemplo.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) em 2008 constatou que os brasileiros consideram a saúde como o direito mais importante; 22% das pessoas entrevistadas colocaram este direito em 1º lugar (BRASIL, 2010, p.219). Percebe-se então a importância para o brasileiro dada ao Direito à Saúde e a vontade de que ele seja respeitado.
A DUDH de 1949 introduziu em âmbito internacional o conceito do direito à saúde, porém este só passou a ser efetivamente aplicado no Brasil com a Constituição Federal de 1988. Esta traçou princípios para garantir esse direito.
Avançou-se muito em termos de saúde no Brasil, porém, muitas falhas ainda existem em nosso sistema, devido à recente aplicação efetiva deste direito, mas estas falhas estão sendo solucionadas para a garantia do direito mais importante dos brasileiros.
A INFLUÊNCIA DA DUDH NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
A DUDH traz em seu texto diversos princípios penais. Estes princípios foram trazidos para a Constituição de 1988 e para o Código Penal brasileiro, como, por exemplo, o disposto do Art. 5º da DUDH, que diz: “.ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”, que é muito semelhante ao Art. 5º, III da Constituição Federal de 1988; a tortura também é tratada como crime inafiançável pelo inciso XLIII do mesmo artigo e possui até uma lei especial, a Lei 9.455/97, ou Lei dos Crimes de Tortura. Além disso, a tortura no Código Penal Brasileiro é uma circunstância agravante do crime e uma causa qualificadora do crime de homicídio. As penas cruéis também são expressamente proibidas pela atual constituição, isso está disposto no Art. 5º, XLVII, alínea e, da mesma.
O Art. 9 da DUDH dispõe sobre a prisão, detenção ou exilamento arbitrário, o que foi trazido para o direito penal brasileiro através do inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal, “... ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”.
A o direito penal, através da Constituição e do Código Penal, traz também, influenciado pela DUDH o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a relação de causalidade, em que o crime só é imputado a quem lhe deu causa e o princípio da irretroatividade, em que ninguém é culpado de algo que no momento da execução não era considerado crime.
Esses princípios nem sempre estiveram aí, no ordenamento jurídico brasileiro. É de conhecimento geral, por exemplo, os momentos em que os brasileiros sofreram forte repressão dos governantes, e em que a maioria destes direitos não era respeitada. O período mais marcante neste sentido foi a ditadura militar em que os direitos dos cidadãos foram cerceados, em que ocorriam torturas e mortes provocadas pelo governo por razões políticas.
Mesmo hoje, com toda a legislação protegendo e garantindo estes direitos, os mesmos continuam a ser desrespeitados, com menos grau de incidência, mas continuam. A violência policial é um dos exemplos do desrespeito a estes direitos, segundo uma matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo, em 9/07/2008, entre janeiro e maio de 2008, 221 mortes foram causadas pela polícia militar em São Paulo e 502 pela polícia militar no Rio de Janeiro entre janeiro e abril, quase 20% das mortes ocasionadas neste período (BRASIL, 2008).
Apesar do claro desrespeito aos direitos humanos deste tipo de ação policial, percebe-se que grande parte da população é favorável a isto. A pesquisa de opinião pública realizada pela SDH/PR em 2008 revelou que 43% dos entrevistados concordam com a frase “bandido bom é bandido morto” e 45% são favoráveis à pena de morte, MAGALHÃES E MOURA (2010, p.77) dizem a respeito dos dados: “Referidos dados obrigam a concluir que a população brasileira [...] não possui a compreensão da extensão do conceito e das características dos direitos humanos.”.
É realmente o que se constata, hoje, apesar do foco dado pela legislação brasileira ao tema, os direitos humanos não são plenamente respeitados pelo sistema penal. O motivo é a conivência dos cidadãos, e isso não se constata apenas no caso da violência policial, muitas pessoas perdem seu direito à liberdade hoje em dia por falta de uma defesa digna, que o próprio estado deveria oferecer.