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A eficácia vinculante do precedente judicial no Direito brasileiro e sua importância para atuação do Poder Judiciário

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22/04/2012 às 14:02
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O Projeto de Lei n. 166/2010 apenas confirma uma tendência legislativo-reformista do país no sentido de emprestar cada vez mais efeitos vinculativos aos precedentes judiciais como forma de viabilizar uma prestação jurídica mais célere e efetiva.

Resumo: Este artigo dedica-se ao estudo da evolução do precedente judicial no direito brasileiro e seus efeitos para a atuação do Poder Judiciário. O precedente é a decisão judicial construída no caso concreto, cuja norma jurídica geral pode servir de diretriz para o julgamento de casos análogos. No direito brasileiro, é possível verificar um gradual reconhecimento pelo próprio legislador da força do precedente judicial. Em relação à sua eficácia persuasiva, destaca-se a possibilidade de julgamento “super-antecipado” das causas repetitivas; em relação ao efeito de impedir a apreciação de recursos e dispensar as remessas necessárias, cita-se como principal exemplo a ampliação dos poderes dos relatores de recursos interpostos junto aos tribunais, permitindo-lhe negar seguimento aquele que contrariar súmula ou jurisprudência dominante do tribunal, do STF ou do STJ. Por fim, destacam-se as inúmeras alterações legislativas e jurisprudências que atribuem eficácia “extraprocessual” às demandas, ultrapassando os interesses subjetivos nele deduzidos e gerando, sobretudo, a objetivação dos recursos extraordinários. O Direito Brasileiro, portanto, não permaneceu imune à influência da teoria do precedente, pois em um sistema que se depara com a realidade inafastável de que a lei é interpretada de diversos modos e com a rápida multiplicação de demandas, não há outra alternativa para se preservar a igualdade, a segurança jurídica e proporcionar uma atuação mais efetiva do Poder Judiciário.

Palavras-chave: Precedente judicial. Força persuasiva. Efeito vinculante. Evolução legislativa. Poder Judiciário. Efetividade. Segurança jurídica.


1. Introdução

O precedente é a decisão judicial construída no caso concreto, cuja ratio decidendi pode servir de diretriz para o julgamento de casos análogos. A ratio decidendi são os fundamentos que sustentam a decisão, a tese jurídica adotada naquele caso, norma geral exposta na fundamentação do julgado[1]. O precedente existe em todos os ordenamentos jurídicos, alterando-se apenas a força que lhe é atribuída em cada um deles.

A origem do direito brasileiro remonta à tradição romano-germânica da civil law, que tem como primazia o direito posto e as leis escritas. De acordo com esse sistema, a segurança jurídica seria alcançada por meio da estrita aplicação da lei pelos juízes, que não podiam interpretar ou criar o direito.

De outro lado, o sistema da common law é informado pela teoria do stare decisis, segundo a qual o precedente é dotado de eficácia vinculante – tal eficácia apresentava-se como o único instrumento capaz de garantir a segurança jurídica e a previsibilidade do Direito[2]. Essa concepção, de que existem dois sistemas dicotômicos em termos absolutos, contudo, encontra-se superada atualmente[3].

Embora os sistemas da civil law e da common law tenham surgido em circunstâncias políticas e culturais completamente distintas – e, por isso, possuam tradições jurídicas diferentes e institutos próprios –, o contato entre esses dois sistemas vem se estreitando cada vez mais[4]. Uma das mais importantes aproximações entre eles refere-se à atribuição, cada vez maior, de autoridade ao precedente judicial, nos países filiados à tradição da civil law[5].

Partindo-se dessas premissas, este artigo propõe uma análise acerca da evolução da força vinculante dos precedentes no Direito Brasileiro e sua importância para a atuação do Poder Judiciário.

Antes, contudo, far-se-á uma rápida incursão pelas razões por que o legislador vem se deixando influenciar pela importação da tradição anglo-saxônica, a privilegiar a aplicação de determinados institutos da common law ao sistema pátrio, emprestando uma relevância cada vez maior à jurisprudência.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os cidadãos tomaram mais consciência dos direitos de que são titulares, o que resultou em um significativo aumento de litígios individuais e coletivos; “cada vez mais a sociedade aflui aos tribunais para obter a satisfação de pretensões que, há pelo menos duas décadas, não se pensava serem tuteláveis (por ex.: no âmbito dos direitos do consumidor)”[6]. Sucede que as estruturas judiciárias não acompanharam com a mesma presteza o aumento desenfreado do número de processos, tornando-se necessário adaptar o sistema a essa nova realidade. Por essa primeira – e talvez a mais forte – razão, a teoria dos precedentes ganhou força por ser mecanismo apto a ensejar a celeridade processual[7].

Ademais, o Direito brasileiro é marcado por um alto grau de instabilidade, seja no plano legal – em razão, por exemplo, das medidas provisórias e das inúmeras constituições promulgadas ao longo de sua curta existência como país independente –, seja no plano jurisprudencial, porque “a sorte dos litigantes fica muito ao sabor das freqüentes mudanças das composições dos tribunais e das mudanças de entendimento decorrentes disso”[8]. Como a constante reformulação de regras e a aplicação da lei de formas distintas geram instabilidade, prejudicando muito a confiabilidade no sistema, a adoção de uma teoria dos precedentes poderia contribuir bastante para conferir estabilidade ao direito.

A atual situação do judiciário brasileiro, caracterizada, dentre tantos outros problemas, pelo crescimento desmedido do número de processos repetitivos, pelo estímulo ao litígio[9] e pelo alto grau de instabilidade coloca na ordem do dia discussões acerca de quais medidas podem ser tomadas para evitar que esse quadro inviabilize o próprio acesso à justiça, como já tem acontecido. A curto prazo, a adoção de uma teoria do precedente parece ser a melhor solução para minimizar a grave crise provocada pela “justiça intempestiva”[10], razão por que essa tem sido a tendência das últimas reformas legislativas do sistema processual brasileiro[11].


2. Noções importantes acerca da aplicação do precedente

A correta aplicação prática do precedente judicial, contudo, pressupõe a utilização de técnicas de confronto, interpretação e aplicação (distinguish) e de técnicas de superação (overruling e overriding), as quais merecem algumas considerações.

Antes de aplicar o precedente, o magistrado deve verificar se o caso concreto se aproxima do caso paradigma, confrontando os elementos objetivos de ambas as ações. Como, via de regra, não há identidade absoluta entre elas, a tese jurídica exposta na fundamentação do julgado anterior deverá ser interpretada para verificar se ela se aplica adequadamente aos fatos concretos do novo caso. Haverá distinguish[12] se o caso concreto for distinto do paradigma, o que pode ocorrer por dois motivos: i) quando não há semelhança entre os fatos que deram suporte ao paradigma e aqueles objeto do caso concreto; ii) apesar da semelhança, “a corte vinculada se defrontar diante de situações que claramente a corte vinculante não queria abranger quando fixou a regra”[13].

Portanto, somente se, após o confronto entre os casos, o magistrado verificar que a hipótese em julgamento se amolda a hipótese normativa do precedente – seja porque há perfeita identidade entre elas, seja porque, apesar de haver alguma distinção, a tese jurídica anterior merece interpretação extensiva –, ele poderá aplicar o entendimento consagrado no precedente judicial. Adotar postura distinta implicará na equivocada aplicação da teoria do precedente judicial, razão por que é de extrema importância a compreensão das técnicas de confronto, interpretação e aplicação dos precedentes.


3. Efeito persuasivo do precedente e sua evolução nos tribunais superiores

No ordenamento jurídico brasileiro, é possível verificar um gradual reconhecimento pelo próprio legislador da força persuasiva do precedente, como fator de orientação para a resolução de casos futuros.

As súmulas da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal foram uma das primeiras manifestações do reconhecimento dos precedentes no direito brasileiro. No ano de 1964, elas ingressaram no ordenamento, por meio de emenda ao regimento interno do Supremo Tribunal Federal, com os seguintes objetivos: i) criar um sistema oficial de referências dos precedentes judiciais, mediante a citação de um número convencional; ii) distinguir a jurisprudência firme daquela que ainda se encontrava em fase de sedimentação; iii) atribuir a jurisprudência efeitos processuais para que os processos repetitivos fossem decididos com mais celeridade; iv) evitar um quadro de “loteria judiciária”, de modo que, dentro de um mesmo contexto histórico e cultural, os casos iguais tivessem as mesmas soluções[14].

Os efeitos jurídicos processuais oriundos das súmulas não eram propriamente vinculantes, pois se restringiam a conferir aos relatores duas faculdades – basicamente, o não recebimento de recursos ou o seu indeferimento monocrático quando em confronto com a jurisprudência nela compreendida –, não vinculando os demais órgãos do judiciário, tampouco a administração pública[15]. Dessa forma, “as súmulas tinham mais uma força persuasiva no julgamento de casos idênticos ou, melhor dizendo, uma obrigatoriedade indireta”[16]. O próprio regulamento interno previa o procedimento pelo qual elas poderiam ser modificadas, o que lhes atribuía “capacidade de adaptação às mutações sociais e econômicas do país, de modo a extrair dos textos constitucionais e legais a norma que no momento atenda aos reclamos axiológicos da sociedade”[17].

Posteriormente, o Código de Processo Civil de 1973 introduziu, no ordenamento jurídico brasileiro, o incidente de “uniformização da jurisprudência” (art. 476 a 479, CPC), cuja finalidade é a de provocar o prévio pronunciamento do tribunal de segundo grau sobre a interpretação de determinada norma jurídica. Nesse passo, reconhecida a divergência a seu respeito, a maioria absoluta dos membros que integram o tribunal declara a interpretação a ser observada, a qual se torna objeto de súmula. O incidente pode ser suscitado por membro da turma julgadora ou por uma das partes[18] e tem natureza preventiva, voltada à manutenção da unidade da jurisprudência interna do tribunal[19].

Inovando nessa matéria, a Lei 10.352, de dezembro de 2001, introduziu o §1º à redação do art. 555 do Código de Processo Civil, estabelecendo que, se ocorrer relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre as câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar. O recurso somente será julgado por tal órgão, se ele reconhecer a existência de interesse público[20].

O advento do instituto tratado no §1º do art. 555 do Código de Processo Civil gerou distintas reações na doutrina. José Rogério Cruz e Tucci entende que essa novidade revela o patente desconhecimento da realidade dos tribunais regionais brasileiros quanto a disposição dos seus integrantes em unificar os precedentes judiciais. Afirma também que, enquanto o incidente de uniformização de que trata o art. 476 conduz à pacificação do entendimento sobre a tese jurídica que integra a competência material de determinado órgão – pois o julgamento se dá em duas fases subsequentes, uma delas voltada apenas à fixação da tese jurídica pelo órgão especial –, o novo mecanismo preocupa-se apenas com a solução de um caso isolado[21]. Candido Rangel Dinamarco, por sua vez, vê com otimismo o novo instituto[22].

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Atenta a pouca aplicabilidade prática dessas técnicas junto aos tribunais de justiça regionais e estaduais, a comissão de elaboração do novo código de processo civil propõe, no projeto de lei n. 166/2010, a extinção do instituto de uniformização de jurisprudência.

Outro importante exemplo do reconhecimento pelo legislador da eficácia persuasiva do precedente é a possibilidade de julgamento “super-antecipado” das causas repetitivas. O novel art. 285-A, cuja redação foi incluída pela Lei n.. 11.277/2006, estabeleceu nova hipótese de improcedência prima facie, autorizando o juiz a julgar improcedente o pedido quando a matéria for unicamente de direito e já houver precedentes sobre o tema naquele mesmo juízo. Nesse caso, a fundamentação da sentença desborda os limites do processo no qual foi proferida para influenciar o resultado de demandas distintas.

O art. 285-A pode ainda ser aplicado conjuntamente com os arts. 518, §1º e 557, §1º-A do Código de Processo Civil. Nesse passo, se na “sentença de improcedência padrão”[23] foi aplicada súmula ou jurisprudência dominante dos tribunais superiores, o juiz poderá, além de julgar logo a inicial, negar seguimento à apelação do autor que vier a ser interposta daquela decisão super-antecipada – ou, caso o magistrado não negue seguimento ao recurso, remetendo-o ao tribunal, o relator poderá, de logo, fazê-lo –, reduzindo significativamente as chances da ação prosseguir nas instâncias superiores.

O Código de Processo Civil, no art. 546, cuja redação foi acrescentada pela Lei n. 8.950/94, prevê ainda outra medida que tem por finalidade a uniformização dos julgados dos tribunais superiores, atribuindo mais força persuasiva aos precedentes – são os embargos de divergência. Trata-se de espécie de recurso cabível do julgamento proferido por uma turma, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, quando esse julgado[24] divergir de decisão atual já proferida por outro órgão do mesmo tribunal[25]-[26].

A Constituição Federal de 1988 também reconheceu a força persuasiva da jurisprudência, estabelecendo que o recurso especial será cabível, dentre outras hipóteses, quando houver divergência de interpretação atual entre o acórdão recorrido e um precedente de outro tribunal, inclusive do próprio Superior Tribunal de Justiça (art. 105, III, “c”, CF). Esse é mais um instrumento que visa dar força a teoria do precedente e cuja importância é ressaltada por contribuir também para que a aludida corte concretize sua função de unificar a interpretação da lei federal em todo país[27].

Por fim, registre-se que o projeto de Lei n. 166/2010, do Novo Código de Processo Civil, sugere a criação de uma nova hipótese de embargos de declaração. Se for aprovado, os embargos passarão a ser cabíveis, no âmbito dos recursos especial e extraordinário, também quando a decisão divergir do julgamento proferido por outra turma, pela seção ou pelo órgão especial. É mais uma medida que atende ao espírito das últimas reformas do sistema processual civil brasileiro.


4. Efeito obstativo dos precedentes à revisão de decisões

Atualmente, o sistema recursal brasileiro “padece de mal grave e de difícil solução”[28]. Compatibilizar a busca por decisões mais perfeitas com o direito a uma prestação jurisdicional célere não é meta fácil e tem ocupado a atenção do legislador nos últimos anos. Na busca do ponto de equilíbrio entre esses interesses colidentes, são constantes as inovações legislativas que atribuem aos precedentes judiciais, em especial aqueles proferidos pelos tribunais superiores, o efeito de impedir a apreciação de recursos e de dispensar as remessas necessárias. São os chamados “precedentes obstativos da revisão de decisões”[29].

4.1 O julgamento monocrático pelo relator (arts. 557, caput e §1º-A, 527, I e 544, §3º, CPC)

Uma das primeiras atuações do legislador pátrio no sentido de atribuir aos precedentes judiciais efeito obstativo da impugnação de decisões ocorreu com a edição da Lei n. 8.038, de maio de 1990, que, em seu art. 38, atribuiu poderes ao relator dos recursos ajuizados perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça para negar seguimento aqueles que contrariassem a jurisprudência desses mesmos tribunais.

Em seguida, o legislador pátrio editou a Lei n. 9.756/98, que deu nova redação ao § 3º do art. 544 e ao art. 557 do Código de Processo Civil. Os referidos dispositivos legais ampliaram os poderes dos relatores de recursos interpostos junto aos demais tribunais, permitindo-lhes negar seguimento a recurso que contrariar não apenas súmula do tribunal do qual faz parte, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, mas também jurisprudência dominante – não sumulada – desses tribunais. Autorizaram-lhes ainda a prover, desde logo, o próprio recurso, caso a decisão impugnada tenha contrariado súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

4.2 A súmula de tribunal superior e jurisprudência do plenário do STF impeditivas de reexame necessário (art. 475, § 3°, CPC)

Em 2001, foi editada a Lei n. 10.352/01 que inseriu no sistema a súmula de tribunal superior e jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal impeditivas de reexame necessário, conforme dispõe o § 3º do art. 475 do Código de Processo Civil:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

[...]

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em Súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente.

A necessidade de imprimir celeridade ao sistema e reduzir o número de processos no judiciário justificou a atuação do legislador no sentido de imprimir à tese jurídica exposta na fundamentação de alguns julgados o efeito de influir até em processos nos quais os interesses da própria Fazenda Pública, objeto de maior proteção pela legislação processual, estejam em jogo. Trata-se de mais uma medida que prioriza a solução da chamada “crise do judiciário”, inclusive dos Tribunais Superiores, ainda que, sob certo ponto de vista, sacrificando interesses do Estado.

Registre-se que o enunciado da súmula n. 253 do Superior Tribunal de Justiça estendeu ao relator do reexame necessário a prerrogativa prevista pelo §2º do art. 557 do Código de Processo Civil, facultando-lhe também a reformar, desde logo, a decisão objeto do reexame quando ela destoar da jurisprudência dominante. Esse entendimento atende tanto ao objetivo de proporcionar maior efetividade e brevidade à prestação jurisdicional, quanto aos interesses materiais da Fazenda Pública.

4.3. A “súmula impeditiva de recurso” (art. 518, §1º, CPC)

Para manter a unidade e coerência sistemática com o dispositivo legal que autoriza ao juiz dispensar a remessa necessária, quando a sentença estiver em conformidade com súmula dos tribunais superiores, foi introduzido pela Lei n. 11.276/2006 o §1º do art. 518 ao Código de Processo Civil. Este dispositivo conferiu também aos juízes de primeira instância os poderes já atribuídos aos relatores dos recursos, autorizando-lhes a não processar o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. É a chamada “súmula impeditiva de recurso”.

A aludida norma conferiu ao juiz competência para julgar, pela segunda vez, o mérito da apelação. Quando verifica se a sentença foi proferida em conformidade com súmula dos tribunais superiores e nega seguimento ao recurso, o magistrado o faz por razões de mérito; ele, na verdade, nega provimento ao recurso[30]. “Isso ressalta ainda mais a importância das decisões dos tribunais superiores, principalmente as do STF e do STJ, porque devem ser proferidas com a visão exata de seu conteúdo de mérito e com a dimensão correta de sua eficácia temporal: serão paradigmas.”[31] Trata-se de regra que atende ao princípio da economia processual, pois impede o gasto inútil de tempo com a remessa dos autos ao tribunal nos casos em que o improvimento da apelação será certo, irremediável, pois fundado em posicionamento consolidado dos tribunais superiores.

Analisadas algumas das alterações realizadas na legislação processual cível nos últimos anos, cujo objetivo foi a diminuição do tempo de litispendência e do número de processo em tramitação nas instâncias excepcionais, por meio da atribuição de efeitos obstativos aos recursos, resta evidenciar o resultado prático desse esforço legislativo.

Os dados obtidos junto ao Supremo Tribunal Federal demonstram que os resultados práticos das alterações empreendidas pela Lei 9.756/98 – que atribui poderes aos relatores dos recursos para frear os processos ainda nas instâncias ordinárias – não foram, de logo, tão satisfatórios. Isso porque, antes da entrada em vigor da lei, em 1998, foram distribuídos 20.595 recursos extraordinários, tendo havido 18.205 julgamentos; em 1999, diante da nova disciplina, foram distribuídos 22.280 recursos extraordinários, tendo havido 19.730 julgamentos; e, em 2000, foram 29.196 recursos extraordinários distribuídos e 28.898 julgamentos[32].

Todavia, nos últimos anos, os resultados se tornaram mais satisfatórios, diante das novas medidas adotadas para reduzir o número de processos em trâmite nas instâncias superiores. Em 2008, o total de recursos extraordinários distribuídos no Supremo Tribunal Federal já foi para 21.531 e o número de julgamentos foi de 45.136 e, em 2009, foi reduzido para apenas 8.348. Esses resultados demonstram que a atribuição de eficácia, em grau cada vez maior, ao precedente, ao que parece, está começando a desafogar as instâncias superiores, atuando, por conseguinte, como um importante instrumento de aprimoramento na prestação da tutela jurisdicional. O tempo ainda há de responder se essas medidas atenderão também a outras demandas do judiciário brasileiro.

Atenta aos resultados práticos da atribuição de efeitos obstativos aos recursos, a comissão responsável pela elaboração do novo Código de Processo Civil incluiu, no projeto de lei n. 166/2010, a previsão de uma sucumbência recursal, nas hipóteses de recursos manifestamente infundados, como aqueles que contrariem teses firmadas em súmulas dos tribunais superiores, teses fixadas em decisão de mérito de recursos com repercussão geral, recursos repetitivos ou incidente de resolução de demandas repetitivas, bem como jurisprudência dominante dos tribunais superiores, ainda não sumuladas[33].

Trata-se de mais um instrumento que imprime força aos precedentes judiciais como meio de reduzir o número de processos nas instâncias superiores e solucionar a “crise do judiciário brasileiro”; resta acompanhar se os magistrados brasileiros vão saber aproveitá-lo.

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Sobre a autora
Gabriela Macedo Ferreira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Direito Processual Civil pelo Jus Podivm, Juíza Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gabriela Macedo. A eficácia vinculante do precedente judicial no Direito brasileiro e sua importância para atuação do Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3217, 22 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21528. Acesso em: 8 nov. 2024.

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