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Regime jurídico das sociedades empresárias estatais

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30/04/2012 às 14:07

Resumo:


  • As empresas estatais, que incluem empresas públicas e sociedades de economia mista, operam sob um regime jurídico híbrido, sujeitando-se tanto a normas de direito privado quanto a determinados preceitos de direito público, conforme estabelecido pela Constituição Federal.

  • A diferenciação do regime jurídico aplicável às empresas estatais depende da natureza da atividade desempenhada, sendo que aquelas que exercem atividades econômicas em sentido estrito devem seguir predominantemente o regime jurídico das empresas privadas, salvo disposições constitucionais em contrário.

  • A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem restringido a extensão de privilégios próprios da Fazenda Pública às empresas estatais que operam em regime de concorrência ou que visam à distribuição de lucros, mesmo no caso de prestação de serviços públicos, exigindo uma análise casuística para determinar a aplicabilidade de tais privilégios.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Mesmo no caso de empresas estatais dedicadas à prestação de serviços públicos, não podem ser-lhes concedidas prerrogativas próprias da Fazenda Pública quando a atividade for desempenhada em regime concorrencial ou com o objetivo de distribuição de lucros aos sócios.

RESUMO

Na condição de entidades integrantes da administração pública indireta, mas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, as empresas estatais se sujeitam a um regime jurídico híbrido. Porém, o regime jurídico constitucional das sociedades empresárias controladas pelo Estado pode variar conforme a natureza da atividade a que se destinem. As sociedades estatais que exploram atividades econômicas em sentido estrito devem necessariamente submeter-se ao regime próprio das empresas privadas, ressalvado apenas naquilo em que houver sido derrogado por norma de hierarquia constitucional. No caso das empresas estatais prestadoras de serviços públicos, por não estarem submetidas aos ditames do art. 173 da Constituição, o regime jurídico próprio das empresas privadas também pode ser excepcionado por lei específica. Contudo, de acordo com a jurisprudência que vem sendo firmada pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo no caso de empresas estatais dedicadas à prestação de serviços públicos, não podem ser-lhes concedidas prerrogativas próprias da fazenda pública, a exemplo do regime de precatórios e da imunidade tributária recíproca, quando a atividade for desempenhada em regime concorrencial ou com o objetivo de distribuição de lucros aos sócios.

Palavras-chave: Empresa estatal. Atividade econômica. Serviço público. Regime jurídico.


1. INTRODUÇÃO

  As empresas estatais são sociedades empresárias sob controle direto ou indireto da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Integram a Administração Pública indireta. Contudo, são dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Disso decorre a sua sujeição a um regime jurídico híbrido, pois ao mesmo tempo em que devem se submeter a certos postulados de direito público também precisam observar o regime próprio das empresas privadas.

  Essa dualidade de regimes jurídicos tem originado certa insegurança jurídica quanto à aplicação de determinadas normas às sociedades empresárias estatais. Nos termos do art. 173 da Constituição de 1988, essas empresas devem sujeitar-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Mas essa regra vem sendo interpretada pelo Supremo Tribunal Federal com moderação.

  Diversos dispositivos constitucionais determinam a incidência de certas regras à administração pública direta e indireta, sem excluir as empresas controladas pelo Estado. Portanto, firmou-se o entendimento de que a necessidade de submissão das empresas estatais ao regime jurídico próprio das empresas privadas não pode resultar na inobservância de normas que a própria Carta Política imputou às entidades integrantes da Administração Pública.

  Além disso, o Supremo Tribunal Federal[1] já se manifestou, em reiteradas oportunidades, no sentido de que apenas as empresas estatais destinadas à exploração de atividade econômica em sentido estrito é que estariam submetidas ao comando contido no art. 173 da Constituição. Isso significa que, de acordo com a natureza das atividades a que se dediquem, as empresas estatais podem estar submetidas a regimes jurídico-constitucionais diferenciados.

  Também existem decisões do Excelso Pretório[2] pela aplicação a determinadas empresas estatais, em situações excepcionais, de certas prerrogativas próprias da fazenda pública, como o regime de precatórios e a imunidade tributária recíproca.

  Em seguida, abordaremos a questão relativa ao regime jurídico a que as sociedades empresárias estatais devem se submeter.


2. SERVIÇO PÚBLICO E ATIVIDADE ECONÔMICA

  O período durante o qual predominou o liberalismo econômico foi caracterizado pela concepção do Estado mínimo e pelo absenteísmo estatal. As Constituições liberais dos Séculos XVIII e XIX enfatizaram a proteção ao direito de propriedade e à liberdade de iniciativa. Segundo essa visão, o Estado deveria limitar-se a exercer atividades que não pudessem ser realizadas por particulares, como a defesa contra inimigos estrangeiros, a segurança interna e a administração da justiça. Paulatinamente, pressões sociais fizeram com que o Estado passasse a prestar outros serviços à população, como educação, saúde, seguridade social, transporte, geração e distribuição de energia, fornecimento de água, saneamento básico, entre outros. Assim, numerosas atividades foram incorporadas aos serviços que deveriam ser providos pelo Estado.

  Portanto, as atividades que integram o rol dos serviços públicos variam no tempo e no espaço, refletindo as concepções políticas de cada povo[3]. Na medida em que foram sendo afastados os ideais do liberalismo econômico, o elenco de atividades desempenhadas pelo Estado e qualificadas como serviços públicos passou a abranger, inclusive, atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada, os quais podem ser denominados serviços comerciais e industriais do Estado[4].

  Neste ponto, é pertinente citar a seguinte passagem do voto do Ministro Nelson Jobim por ocasião do julgamento do RE 220.906:

É conceito histórico-político ser, certo tipo de atividade, a prestação, ou não, de um serviço público. As sociedades organizadas, nos seus instrumentos básicos, reservam para a atuação do Estado um maior ou menor número de atividades. É a discussão do tamanho do Estado. Para uns, o Estado deve tudo prestar, sem reservar espaços para a iniciativa privada. A posição radical foi a do estado soviético, com a coletivização dos fatores de produção. Outros, no lado oposto, sustentam o Estado-mínimo, proibindo qualquer atividade fora daquilo que chama de ‘ações típicas de Estado’. E outros, circulam entre esses dois extremos.[5]

  Por isso, é impossível indicar uma relação universal das atividades que sejam consideradas serviços públicos. A classificação de determinada atividade como serviço público depende de avaliação quanto aos seus pressupostos e características, considerando a legislação de cada país.

  Em geral, a definição de serviço público envolve três elementos: (i) o material (atividades de interesse coletivo); (ii) o subjetivo (presença do Estado); e (iii) o formal (procedimento de direito público)[6]. Sobre o tema, assim explica Marçal Justen Filho:

Sob o ângulo material ou objetivo, o serviço público consiste numa atividade de satisfação de necessidades individuais ou transindividuais, de cunho essencial. Sob o ângulo subjetivo, trata-se de atuação desenvolvida pelo Estado (ou por quem lhe faça as vezes). Sob o ângulo formal, configura-se o serviço público pela aplicação do regime jurídico de direito público.

(...)

O aspecto material ou objetivo é mais relevante do que os outros dois, sob o ponto de vista lógico. Os outros dois aspectos dão identidade ao serviço público, mas são decorrência do aspecto material. Certa atividade é qualificada como serviço público em virtude de dirigir-se à satisfação direta e imediata de direitos fundamentais. Como consequência, essa atividade é submetida ao regime de direito público e, na maior parte dos casos, sua titularidade é atribuída ao Estado.[7]

  Diante de tais elementos, em particular o material ou objetivo, as definições de serviço público acentuam a sua finalidade como instrumento de promoção de direitos assegurados pelo ordenamento jurídico. A esse respeito, transcrevo alguns dos conceitos de serviço público encontrados na doutrina:

Considera-se serviço público toda a atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidade essenciais e secundárias da coletividade.[8]

Serviço público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob regime de direito público[9].

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, em que Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.[10]

Serviço público é a atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.[11]

  A Constituição estabeleceu alguns serviços públicos, arrolados como competência dos entes federativos[12]. Por conseguinte, são serviços públicos por determinação constitucional. Todavia, conforme o entendimento majoritário, não se trata de enumeração taxativa[13]. A lei pode estabelecer outras atividades como serviços públicos. Mas o legislador não dispõe de ampla discricionariedade para criar serviços públicos. Se por um lado é certo que a Constituição assegurou uma série de direitos à população, boa parte deles dependentes de uma efetiva prestação estatal[14], por outro também garantiu o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, parágrafo único, CRFB[15]), ressalvados os casos nela previstos.

  Obviamente, a ampliação de serviços públicos reduz o campo reservado à livre iniciativa. Quanto mais dilatado o universo dos serviços públicos, menor é o campo das atividades de direito privado[16]. Por isso, caso fosse admitido que a lei pudesse livremente qualificar qualquer atividade como serviço público, restaria esvaziado o direito de livre iniciativa assegurado pela Carta constitucional[17]. Cabe aqui destacar que, excetuados os casos expressamente previstos na própria Constituição, o Estado só pode desempenhar atividades econômicas quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei (art. 173, CRFB[18]).

  Diante disso, a criação de serviços públicos por lei deve necessariamente obedecer a parâmetros bastante rígidos, sob pena de restar maculado o direito à livre iniciativa[19]. Em linhas gerais, pode-se dizer que os serviços públicos devem decorrer expressa ou implicitamente da Constituição, não sendo lícito ao legislador infraconstitucional, ao seu alvedrio, retirar atividades econômicas do âmbito privado para sujeitá-las ao regime jurídico próprio dos serviços públicos.

  Em apoio a essa afirmação, cito Mario Engler Pinto Junior:

O enquadramento de determinada prestação estatal como serviço público, para efeito de subordiná-la, ao regime próprio de direito público, constitui uma opção política de cada nível de governo. No entanto, tal decisão não pode mascarar a criação de novas hipóteses de monopólios legais, de modo a afastar a competição de outros agentes privados. A liberdade do Estado não é ilimitada nessa área, mas está sujeita à lógica da razoabilidade e da proporcionalidade. Sob o ponto de vista econômico, justifica-se excluir do regime de concorrência de mercado as atividades com fortes externalidades sociais, ou seja, quando o interesse público transcende ao interesse meramente individual do empreendedor. Nesse caso, o mercado não pode ser considerado elemento organizador eficaz, pois não é capaz de recompensar os benefícios ou malefícios.[20]

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  Conforme leciona Marçal Justen Filho, “há um vínculo de natureza direta e imediata entre o serviço público e a satisfação de direitos fundamentais. Se esse vínculo não existir, será impossível reconhecer a existência de um serviço público”[21]. Em seguida, conclui o mesmo autor que “a instituição de um serviço público depende do reconhecimento jurídico de sua pertinência para a satisfação de direitos fundamentais”[22]. Portanto, podem ser criados serviços públicos por lei, desde que se trate de atividade vinculada diretamente à satisfação de direitos assegurados pelo texto constitucional.

  Por outro lado, isso não significa que todas as atividades que proporcionem a satisfação de direitos fundamentais sejam necessariamente serviços públicos. Para isso é necessário que a atividade tenha sido retirada da órbita privada mediante ato normativo adequado. Para que seja caracterizado o serviço público, é essencial que a lei atribua essa atividade ao Estado e a submeta ao regime de direito público[23]. Nesses termos, a ampliação do rol de serviços públicos a serem prestados pelo Estado depende da avaliação quanto à conveniência de submetê-las ao regime jurídico de direito público, retirando-as do âmbito privado. Neste ponto, cito mais uma vez Marçal Justen Filho, segundo o qual “a incidência do regime de direito público depende de uma qualificação normativa e diferencial”[24]. Não há serviço público sem que ato formal assim o reconheça.


3. A EXPLORAÇÃO DIRETA DE ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO

  O Estado pode intervir sobre o domínio econômico de forma direta ou indireta. O poder público intervém indiretamente sobre a atividade econômica como agente normativo e regulador, exercendo funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174, CRFB[25]). A intervenção direta pode ocorrer por meio de diversos mecanismos, entre os quais é possível citar: (i) a exploração direta de atividade econômica por entes estatais; (ii) a participação minoritária em empreendimentos econômicos privados; (iii) a intervenção em empresas privadas; e (iv) a regulação de estoques mediante operações de compra, estocagem e venda de determinadas mercadorias. Por sua vez, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado pode se dar mediante: (i) a constituição de monopólio; ou (ii) através da participação de empresa governamental em setor econômico reservado à livre iniciativa dos particulares[26]. Em relação ao monopólio, pode-se dizer que se trata de uma forma híbrida de ingerência estatal sobre a economia. Como ensina Américo Luís Martins da Silva, o monopólio consiste tanto em intervenção como em participação na ordem econômica, pois de um lado o Estado explora diretamente a atividade monopolizada e, de outro, impede que seja explorada livremente pela iniciativa privada[27].

  De acordo com o art. 1º, inciso IV, da Constituição de 1988, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a livre iniciativa. Coerente com esse preceito, o inciso XIII do art. 5º da Carta Magna assegura, como direito fundamental, a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A Constituição dispõe ainda que a livre iniciativa é um dos fundamentos da ordem econômica nacional, estabelece a livre concorrência como um de seus princípios e assegura o livre exercício de qualquer atividade econômica (art. 170, CRFB[28]).

  Em sintonia com esses preceitos, o caput do art. 173 da Constituição dispõe que, ressalvados os casos nela previstos, “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Portanto, o exercício das atividades econômicas em sentido estrito cabe primordialmente à iniciativa privada, salvo nos casos expressamente previstos na Constituição, que constituem as hipóteses de monopólio estatal descritas no art. 177 da Carta Política[29].

  Cabe citar a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Com efeito, ressalvados os monopólios estatais já constitucionalmente designados (petróleo, gás, minérios e minerais nucleares, nos termos configurados no art. 177, I-IV), as atividades da alçada dos particulares - vale dizer, atividades econômicas - só podem ser desempenhadas pelo Estado em caráter absolutamente excepcional, isto é, em dois casos: quando isto for necessário por um imperativo da segurança nacional ou quando demandado por relevante interesse público, conforme definidos em lei (art. 173).[30]

  Disso se conclui que o Estado só deve atuar exercendo diretamente atividades econômicas em circunstâncias excepcionais, mediante permissão legal específica, ressalvadas as atividades que a Carta de 1988 atribuiu à União em regime de monopólio. A esse respeito, reproduzo trecho da obra de Raquel Melo Urbano de Carvalho:

Assim sendo, tem-se o domínio econômico como espaço reservado ao particular. A intervenção do Estado nesta seara afigura-se medida excepcional, cabível apenas diante da satisfação dos pressupostos de admissibilidade constitucional: segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme estabelecido em diploma legislativo.[31]

  Como visto, a exploração, diretamente pelo Estado, de atividade econômica reservada à livre iniciativa, encontra-se limitada pelo art. 173 da Constituição[32], que só autoriza essa espécie de intervenção estatal quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. Ademais, o referido comando constitucional também exige que as entidades estatais que explorem tais atividades se sujeitem ao mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, inciso II, CRFB). O fundamento dessa exigência é óbvio: garantir a preservação do princípio da livre concorrência (art. 170, inciso IV, CRFB).

  Transcrevo passagem da obra de João Bosco Leopoldino da Fonseca:

O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas, de sociedades de economia mista e suas subsidiárias (E.C. n. 19/98). Nestes casos, a Constituição lhes impõe a adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explícita sua sujeição aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejam extensivos àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 173, têm por finalidade precípua impedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competição.[33]

  Em reforço, reproduzo trecho do Voto do Ministro Nelson Jobim no RE 220.906:

É evidente que a atividade econômica a que se referia o texto de 1967/1969, como também o de 1988, é aquela sujeita às regras, no mercado, da livre concorrência. Digo, com EROS ROBERTO GRAU, que se tratava, como se trata para 1988, ‘ de atuação do Estado ... como agente econômico, em área de titularidade do setor privado’. A razão da equiparação da empresa pública que participasse de exploração de atividade econômica, com o setor privado é óbvia. O princípio da livre concorrência, expressamente assumido em 1988 (art. 170, V), não se coaduna com a atribuição de benefícios diferenciados à empresa estatal. A empresa estatal não poderia gozar, em relação ao setor privado, de vantagem comparativa. Tudo porque repercutiria, como repercute, nos custos e, por consequência, na fixação dos preços. A regra da livre concorrência seria lesada, com um desequilíbrio de mercado. Se é para atuar no mercado, que seja de forma igual. Essa é a regra. Lembro que 1988 acabou com a vantagem do regime tributário diverso e a EC 19/98 a explicitou. A equiparação de 1988 foi mais longe. Somente admite a concessão de benefícios fiscais às estatais se forem extensivos ao setor privado (art. 173, § 2º). Tudo isso para a preservação da livre concorrência e das regras de uma economia de mercado. Essa foi a opção de 1967/1969, fortalecida em 1988. No tratamento aos direitos econômicos, o texto de 1988 reforçou a opção por uma ‘constituição do Estado de Direito Liberal’. Essa constatação choca-se com alguns que, condicionados por perspectivas políticas não positivadas, insistem em ver, no texto original de 1988, quanto aos direitos econômicos, uma ‘constituição do Estado de Direito Social’.[34]

  É importante destacar que, embora excluídos do universo de atividades reservadas à livre iniciativa, os monopólios estatais não se confundem com serviços públicos. Novamente, lembro Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim afirma:

Tais atividades monopolizadas não se confundem com serviços públicos. Constituem-se, também elas, em ‘serviços governamentais’, sujeitos, pois, às regras de Direito Privado. Correspondem, pura e simplesmente, a atividades econômicas subtraídas do âmbito da livre iniciativa. Portanto, as pessoas que o Estado criar para desenvolver estas atividades não serão prestadoras de serviço público.[35]

  Os monopólios estatais e os serviços públicos se identificam apenas quanto à sua titularidade. Distinguem-se quanto ao escopo, posto que os serviços públicos são destinados precipuamente à satisfação de direitos fundamentais mediante a prestação direta e imediata de utilidades aos administrados. Em outros termos, o serviço público é um meio de assegurar uma existência digna ao ser humano[36], afirmação essa que não se aplica às atividades econômicas monopolizadas.

  Portanto, em face do art. 173 da Carta Política, deve ser tida por inconstitucional a concessão de qualquer privilégio em favor de empresas estatais que explorem atividades econômicas em sentido estrito.

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Sobre o autor
Felipe Nogueira Fernandes

Advogado da União, ocupa o cargo de Coordenador-Geral Jurídico de Atos Normativos da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e é professor licenciado do Centro Universitário de Brasília - UNICEUB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Felipe Nogueira. Regime jurídico das sociedades empresárias estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3225, 30 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21627. Acesso em: 18 dez. 2024.

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