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O início de prova material e a concessão de benefícios previdenciários ao segurado especial

15/05/2012 às 11:10
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A exigência do início de prova material para a comprovação do tempo de serviço de atividade rural em regime de economia familiar é uma exceção ao sistema do livre convencimento motivado que, no Brasil, constitui regra geral.

Introdução

Segundo a Lei n. 8.213/91, também chamada de Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS –, o segurado especial tem o direito à percepção dos benefícios de aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão e de pensão por morte, no valor de um salário mínimo, independentemente do recolhimento de contribuições.

Tal fato aproxima, em muito, o regime previdenciário desses segurados dos benefícios assistenciais, que também são pagos a determinados indivíduos – idosos e deficientes físicos – no valor de um salário mínimo, sem que se exija contraprestação do beneficiário.

Tais prestações da seguridade social, sem dúvida, caracterizam a manifestação do princípio da isonomia, haja vista garantirem a pessoas que estão em condição diferenciada de risco social – idosos, deficientes físicos, trabalhadores que desenvolvem atividade agrária em regime de economia familiar – uma renda mensal mínima, tendente a lhes garantir a subsistência.

Essa situação excepcional, entretanto, também ensejou a previsão legal de um ônus probatório aos segurados especiais que pretendam a concessão das prestações previdenciárias. Com efeito, não será possível o deferimento do benefício se não houver ao menos início de prova material da atividade agrária em regime de economia familiar.

Destaque-se, entretanto, que ainda há grande divergência na doutrina e nos órgãos judiciários acerca do que pode ser considerado início de prova material. Em razão disso, o presente artigo analisará precedentes jurisprudenciais, em especial da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU – que tratam do tema, examinando os meios de prova admitidos.


Desenvolvimento

De forma geral, existem, no Direito Processual, três grandes sistemas de valoração da prova pelo órgão julgador.

O primeiro, regra geral no Brasil[i], é o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional. Neste, o magistrado tem ampla liberdade na valoração das provas (todas as provas têm valor relativo), mas deve fundamentar seu convencimento.

 O segundo é o sistema da certeza moral ou da íntima convicção do juiz, o qual permite que o magistrado avalie a prova com ampla liberdade e decida, ao final, de acordo com a sua livre convicção, não precisando fundamentar a sua decisão. No Brasil, observa-se esse sistema nas decisões tomadas pelo Tribunal do Júri.

Por fim, tem-se o sistema da verdade legal ou da prova tarifada, no qual o legislador atribui um determinado valor a cada prova, exigindo, por exemplo, que determinada categoria de fatos apenas possa ser comprovada por um meio de prova específico.

Tal sistema é o que norteia a produção probatória quando se trata de tempo de serviço, para fins de concessão de benefícios previdenciários, conforme previsão do art. 55, § 3º, da LBPS. Veja-se:

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

(...)

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Especificamente sobre o exercício de atividade rural, assim dispõe o art. 106 da LBPS:

Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:

I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;

II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;

III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;

IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;

V – bloco de notas do produtor rural;

VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;

VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;

IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou

X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.

A jurisprudência, da mesma forma, construiu-se no sentido de não admitir a prova exclusivamente testemunhal para fins de comprovação do período em que se alega o exercício de atividade rural, conforme se infere do enunciado da súmula n. 149 do STJ:

Súmula n. 149/STJ - A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.

Sobre o conceito da expressão início de prova material, este é encontrado por exclusão. Assim, toda prova não testemunhal é considerada prova material.

Quanto à utilização para os fins a que se destina, apenas é necessário o início de prova material. Desse modo, não há qualquer óbice à utilização da prova testemunhal para complementar o acervo probatório constituído por uma ou mais provas materiais.

A exemplo de todos os conceitos jurídicos indeterminados, a integração será realizada pelo intérprete. No presente trabalho, por questões de metodologia, será abordada a jurisprudência da TNU acerca do assunto, haja vista ser o órgão judiciário competente para a uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Federais que, atualmente, processam a maioria das ações previdenciárias.

Antes de analisar os precedentes, é importante destacar que o início de prova material precisa ser contemporâneo à época dos fatos a comprovar, mas não precisa abranger todo o período que se pretende ver reconhecido. Nesses termos são as súmulas n. 14 e n. 34 da TNU:

Súmula n. 14/TNU – Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício.

Súmula n. 34/TNU – Para fins de comprovação de tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar.

Assim, se um segurado especial pretender comprovar que exerceu labor rural no período de 1997 a 2012 não precisará apresentar documentos que abarquem todos os 15 anos, mas os documentos apresentados deverão ser contemporâneos a esse interstício.

No caso posto, por exemplo, poderiam ser apresentadas certidões de casamento ocorrido em 1998 e de nascimento de filho ocorrido em 2007, em que constasse a profissão do interessado como trabalhador rural, porque tais documentos serão aceitos como início de prova material.

O início de prova material não precisa, necessariamente, referir-se à pessoa do segurado, podendo se relacionar a terceiro, membro ou não do grupo familiar.

Nesse sentido, a TNU já entendeu constituir início de prova material:

a)                  Certidão do Incra[ii] e guia de recolhimento de ITR[iii] em nome do pai do requerente;

b)                 Matrícula[iv], certidão de registro imobiliário[v], escritura[vi] e documento comprobatório de posse[vii] de imóvel rural;

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c)                  Certidões de nascimento[viii] e casamento[ix] da parte interessada;

d)                 Certidão da Justiça Eleitoral[x] ou título de eleitor[xi] com indicação do exercício de atividade rural.

Por outro lado, a TNU já se posicionou no sentido de que os seguintes documentos não caracterizam início de prova material:

a)                  Declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais não homologada pelo Ministério Público ou pelo INSS[xii];

b)                 Declaração fornecida por suposto vizinho[xiii] ou por suposto parceiro rural[xiv], sem base em nenhum documento específico (como contrato de parceria escrito), por consubstanciar mera prova testemunhal reduzida a escrito;

c)                  Certidão do INCRA com data posterior ao óbito do pai da parte autora[xv].

Da leitura da síntese acima exposta, verifica-se que a jurisprudência tem a percepção da dificuldade de o segurado especial produzir provas materiais de sua atividade rural e, por isso, flexibiliza as exigências e o rol de documentos exigido pelo art. 106 da LBPS.

Todavia, infelizmente a Previdência Social ainda é alvo de inúmeras fraudes que desfalcam seus já combalidos cofres, motivo pelo qual se mantém hígida a exigência da apresentação de provas documentais e não apenas documentadas (a exemplo das meras declarações de vizinhos), excetuando-se aquelas produzidas unilateralmente pelo interessado.


Conclusão

A exigência do início de prova material para a comprovação do tempo de serviço de atividade rural em regime de economia familiar é uma exceção ao sistema do livre convencimento motivado que, no Brasil, constitui regra geral.

A previsão de pagamento de alguns benefícios previdenciários ao segurado especial independentemente do prévio recolhimento de contribuições torna necessária a existência de um maior rigor na verificação do cumprimento dos requisitos. Por esse motivo, não se aceita a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação da atividade rurícola.

Atenta a esse fato, mas também à dificuldade que os segurados especiais têm em documentar a atividade agrária em regime de economia familiar, percebe-se que a jurisprudência da TNU, conquanto não afaste a necessidade de se apresentar início de prova material, tem entendimento flexível e amplo quanto ao rol de provas que podem ser assim enquadrado.


Notas

[i] Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

[ii] PEDILEF nº 2008.72.55.007778-3/SC, Rel. Juiz Fed. José Eduardo do Nascimento, DJ 15.12.2010.

[iii] PEDILEF nº 2008.72.55.007778-3/SC, Rel. Juiz Fed. José Eduardo do Nascimento, DJ 15.12.2010.

[iv]  PEDILEF nº 2004.83.20.00.3767-0/PE, Rel. Juiz Fed. Otávio Henrique Martins Port, DJ 13.10.2009

[v]  PEDILEF nº 2006.70.95.014573-0/PR, Rel. Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 28.07.2009

[vi]  PEDILEF nº 2004.83.20.003767-0/PE, Rel. Juiz Fed. Otávio Henrique Martins Port, DJ 13.10.2009.

[vii] PEDILEF nº 2005.80.13.500614-7/AL, Rel. Juiz Fed. Élio Wanderley Filho, DJ 24.12.2007.

[viii] PEDILEF nº 2004.70.95.009761-1/PR, Rel. Juiz Fed. Mauro Luís Rocha Lopes, DJ 06.07.2005.

[ix] PEDILEF nº 2003.70.01.002333-4/PR, Rel. Juiz Fed. Guilherme Bollorini Pereira, DJ 14.11.2005.

[x] PEDILEF nº 2002.82.10.001357-6/PB, Rel. Juiz Fed. Guilherme Bollorini Pereira, DJ 11.02.2005.

[xi] PEDILEF nº 2004.43.00.901645-6/TO, Rel. Juiz Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior, DJ 07.11.2007.

[xii] PEDILEF nº 2006.83.03.501599-0/PE, Rel. Juiz Fed. Otávio Henrique Martins Port, DJ 26.11.2008.

[xiii] PEDILEF nº 2006.83.02.503892-0/PE, Rel. Juiz Fed. Otávio Henrique Martins Port, DJ 29.05.2009.

[xiv] PEDILEF nº 2006.70.95.014573-0/PR, Rel. Juíza Fed. Jacqueline Michels Bilhalva, DJ 28.07.2009.

[xv] PEDILEF nº 2002.61.84.002017-8/SP, Rel. Juiz Fed. Otávio Henrique Martins Port, DJ 25.03.2009

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Sobre o autor
Marcos Antonio Maciel Saraiva

Juiz Federal Substituto, pós-graduado em Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAIVA, Marcos Antonio Maciel. O início de prova material e a concessão de benefícios previdenciários ao segurado especial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3240, 15 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21770. Acesso em: 21 nov. 2024.

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