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Processo judicial eletrônico: uma análise principiológica

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07/06/2012 às 18:36
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A aplicação do processo judicial eletrônico é plenamente viável diante dos princípios constitucionais e infraconstitucionais analisados. Ele alcança com louvor o fim a que se propõe: tornar o processo mais célere, seguro, econômico, transparente e confiável.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO. 3. DOS PRINCÍPIOS DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO. 3.1. Considerações Iniciais. 3.2. Princípios Processuais Constitucionais. 3.2.1. Do princípio da igualdade de tratamento. 3.2.2. Do princípio do devido processo legal. 3.2.3. Do princípio do contraditório e da ampla defesa. 3.2.4. Do princípio da publicidade. 3.2.5. Do princípio do acesso à justiça. 3.2.6 Do princípio da razoável duração do processo – direito a um processo sem dilações indevidas. 3.3. Princípios Processuais Infraconstitucionais. 3.3.1. Do princípio da oralidade . 3.3.2. Do princípio da imediação. 3.3.3. Do princípio da instrumentalidade processual. 3.3.4. Do princípio da economia processual.3.3.5. Do princípio da lealdade processual ou da boa-fé. 4. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

No presente estudo, focaremos o exame do processo judicial eletrônico com ênfase na análise principiológica. Não nos prenderemos a comentar a Lei 11.419/2006 – que oficialmente instaurou o processo judicial eletrônico como novo método de se entregar a prestação jurisdicional.

O processo judicial eletrônico tem recebido várias denominações, entre elas: processo digital, processo virtual e, até mesmo, e-process (estrangeirismo).

O processo judicial eletrônico pode ser conceituado em dois sentidos:

Num sentido amplo,[1] trata-se do uso do computador e softwares específicos para as referidas atividades nos processos, sejam judiciais, administrativos ou legislativos. Já num sentido estrito,[2] diz-se da modalidade de administração processual em que a mídia ou objeto material do próprio processo (chamado autos) tem seu armazenamento principal sob o formato de arquivos em computador, ou seja, eletrônicos, incluindo texto, figuras e elementos audiovisuais.

Nas profícuas palavras de CARLOS HENRIQUE ABRÃO, “a principal virtude do processo eletrônico é a de permitir não apenas o acompanhamento de etapas e fases procedimentais, mas, sobretudo, priorizar velocidade compatível com a natureza do litígio.”[3]

Esta pesquisa tem o objetivo de discorrer sobre os princípios que fundamentam o processo eletrônico. Princípios que não são somente desse processo, mas são aqueles que, historicamente, valiam para o processo civil tradicional e que passam a ser a base para se adotar o modelo em epígrafe. Não há princípio novo em relação ao processo judicial eletrônico. As garantias processuais permanecem incólumes. O que muda é a forma de se fazer, de “se processar”. Existe um novo modo de proceder, como bem esclarece GEORGE MARMELSTEIN LIMA.[4] Para esse juiz federal:

O novo direito processual que surge (verbo colocado propositadamente no presente, mas que também poderia ser colocado no passado ou no futuro que o sentido permaneceria o mesmo), com o uso da tecnologia da informação, é totalmente diferente do que imaginaram os grandes processualistas do século passado. Não há papel. Não há documentos físicos. Não há carimbos. Tudo é digital. Tudo é novo. Tudo é diferente.[5]

Para alcançar o seu objetivo, este trabalho monográfico apresenta as várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais manifestadas, sobretudo, após a vigência da Lei 11.419/2006.

O direito deve acompanhar a realidade dos tempos, e a vida digital é um fato. Estamos, de forma direta ou indireta, submetidos a um recente modo de agir processual. Mesmo os “desplugados” – os que não têm acesso a computadores, notebooks, tablets, celulares e smartphones – sentem as influências da tecnologia, pois os serviços públicos que a eles são prestados, por exemplo, dependem dos recursos tecnológicos.

Ademais, este experimento objetiva, de passagem, esclarecer tecnicamente eventuais equívocos na nomenclatura utilizada para os termos da literatura tecnológica, de modo a não confundi-los.

Buscamos, sob a forma de pesquisa bibliográfica, a opinião de juristas a respeito do tema, registrando também o que vem sendo publicado, concernente ao assunto, na mídia escrita.

Tudo, para, ao fim, responder se o processo judicial eletrônico (mesmo já sendo ele uma realidade) tem base constitucional sólida, diante da confrontação com princípios processuais constitucionais e infraconstitucionais expressos e implícitos no ordenamento jurídico brasileiro.

Convém repetir que não nos aventuraremos em fazer comentários sobre a Lei 11.419/2006, nem abordaremos aspectos da logística tecnológica pela qual se desenvolve o processo judicial eletrônico quando não forem necessários ao nosso objetivo. De forma específica, limitaremo-nos, como deixa claro o tema desse trabalho, a uma abordagem estritamente principiológica do processo virtual frente aos princípios selecionados.

Mister se faz registrar a impropriedade terminológica do termo “processo” eletrônico, mais adequado seria falar em “procedimento” eletrônico, pois é o modus operandi que se altera com a implantação da tecnologia em prol do processo. É, nesse sentido, a opinião de SÉRGIO RENATO BATISTELLA, para quem:

É importante registrar, que pouco importa neste momento a distinção entre processo e procedimento eletrônico, já que a conceituação de processo se mistura com a de procedimento. Muitos processualistas não admitem mais a distinção entre os termos, uma vez que não se poderia conceber o processo sem uma sequência de atos procedimentais. Entretanto, vale registrar que, pela análise do texto legal, não resta dúvida tratar-se de procedimento à norma ali disposta. Para concluir esta questão, registre-se, igualmente, que o Brasil adota, ainda que sob a terminologia equivocada, o procedimento eletrônico como sendo processo eletrônico.[6]

Esta monografia foi sistematicamente capitulada da seguinte forma:

No Capítulo 1, que ora se ultima, traçamos uma breve introdução, apresentando a delimitação e as bases sobre as quais o tema e seus objetivos serão desenvolvidos.

Depois, no Capítulo 2, pretendemos situar o processo judicial eletrônico num estudo mais amplo (já que a matéria está incluída no Direito Digital), sem, contudo, descer a minúcias, haja vista que o foco estará voltado para a análise dos princípios.

O Capítulo 3 é o núcleo desta monografia. Nele, pretendemos analisar os princípios processuais que mais diretamente fundamentam a aplicação do processo eletrônico. Como esta pesquisa volta-se a um levantamento qualitativo bibliográfico, não é difícil presumir que os róis de princípios adotados pelos diversos autores são variados, de modo que um princípio incluído por um jurista pode ser preterido na obra de outro. Desta forma, após a leitura dos principais autores que tratam sobre processo judicial eletrônico, fizemos um resumo daqueles princípios que são comuns no discurso da maioria deles. Para tanto, o esqueleto deste capítulo seguirá a sistematização adotada por EDILBERTO BARBOSA CLEMENTINO[7] – que, didaticamente, separa os princípios em constitucionais e infraconstitucionais.

Por fim, no Capítulo 4, buscaremos dar um desfecho à pesquisa, respondendo ao questionamento que a motivou: o processo judicial eletrônico é viável diante de uma análise principiológica? Logo, nesse momento, apresentaremos as conclusões a que chegamos, resumindo todas as ideias absorvidas no estudo dessa nova forma de instrumentalizar o direito. Esse é o nosso desafio.


 

2 DA CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

O processo eletrônico está inserido no abrangente estudo de um ramo relativamente recente das Ciências Jurídicas – o Direito Eletrônico.

Também conhecido por outras denominações: Direito Digital, Direito Cibernético e Direito da Informática, a verdade é que este neófito ramo jurídico tem ganhado forte autonomia. Sua aplicação já se encontra difundida nos diversos ramos do Direito, a exemplo do Direito Empresarial – nos títulos de crédito; do Direito do Consumidor – nas compras pela internet; e do Direito Tributário – na expedição de notas fiscais eletrônicas e na apresentação de declaração de imposto de renda.

Conceitualmente, o Direito Eletrônico:

É o conjunto de normas e conceitos doutrinários, destinados ao estudo e normatização de toda e qualquer relação onde a informática seja o fator primário, gerando direitos e deveres secundários. É, ainda, o estudo abrangente com o auxílio de todas as normas codificadas de direito, a regular as relações dos mais diversos meios de comunicação, dentre eles os próprios da Informática.[8]

Apesar de inúmeras leis já terem previsto alguma forma de processamento eletrônico, a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, foi a que, especificamente, veio regular o processo judicial eletrônico.

Nas palavras de CARLOS HENRIQUE ABRÃO:

Merece encômios a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, criando uma nova mentalidade no processo e desafiando todos os operadores do direito à modernidade – daí por que é construtivo o modelo e, mais do que isso, indissociável da tecnologia divisada na realidade.

Lei enxuta, contendo regras gerais, encerrando a formação do pro­cesso, a constituição, o desenvolvimento válido, preocupando-se com os incidentes e a regulamentação junto aos Tribunais, tem-se que a legislação atende ao clamor de desafogar a Justiça, mas não pode ser apenas um paliativo isolado de todos os aspectos consolidados na prática.[9]

J. E. CARREIRA ALVIM e SILVÉRIO LUIZ NERY CABRAL JUNIOR, ressaltam:

A Lei 11. 419/2006 de 19.12.2006, inaugura, oficialmente, no Brasil o processo eletrônico, impropriamente chamado “virtual”, que, há algum tempo, vem rateando, com tentativas, aqui e acolá, de agilizar o processo ortodoxo, com a utilização da informática do século XX.[10]

Os objetivos da Lei são os mais valiosos possíveis:

Enfim, a verdadeira revolução aplicada ao campo jurídico tem seu nascedouro por intermédio da Lei 11.419/2006, cujo escopo é materializar a intenção de disciplinar o Processo eletrônico, com profundas alterações no Código de Processo Civil (CPC), e na perspectiva de agilizar, dinamizar, encurtando os entraves causados pela burocracia e pelo distanciamento sempre comum no encaminhamento da causa.[11]

A Lei 11.419/2009 tem ampla abrangência, de modo que “todos os Judiciários do país estão sob a disciplina do processo eletrônico, cada um com determinada especificidade e curial instrumento, diante do aspecto processual inerente.”[12]

A título histórico, cabe ressaltar que, no Brasil, o pioneirismo do processamento eletrônico pertence à Justiça Eleitoral, pois “o voto eletrônico representou importante mecanismo que espalhou seus efeitos para as inserções digitais relativas às demandas.”[13]

A agilização permite maior compatibilidade entre o meio eletrônico e a própria realidade, resultando disso que a Justiça Eleitoral foi pioneira na implantação do sistema de urnas eletrônicas com facilidade plural, não apenas na votação como no resultado apuratório, em tempo recorde.[14]

A Lei 11.419/2006 é resultado da celebração de Pacto[15] entre os três Poderes da República com o fim de aniquilar o mal da morosidade – que não necessariamente é do Judiciário, mas do ordenamento jurídico, cuja última palavra cabe ao terceiro Poder e, por isso, a ele é atribuída a maior parte da culpa.

Por decorrência desse Pacto, o CNJ

traçou um conjunto de 10 metas para o ano de 2009 e seguintes com intuito de tornar mais ágil a prestação jurisdicional. [...] A meta 10 estabelece especificamente a implantação do processo eletrônico nas unidades judiciárias como objetivo: Implantar o processo eletrônico em parcela de suas unidades judiciárias.[16]

O processo judicial eletrônico é mais um entre vários instrumentos de combate à criticada lentidão na resposta judiciária, como bem lembrou recentemente o Min. César Peluzo, no seu discurso de abertura dos trabalhos de 2012, in litteris:

Seguiram-se-lhes os Pactos.

O primeiro, assinado em 2004, teve por objetivo fundante a construção de um Judiciário mais rápido e mais sensível às demandas da cidadania. Dele advieram, para combater a morosidade dos processos judiciais, prevenir a multiplicação de demandas em torno do mesmo tema e aperfeiçoar procedimentos, as seguintes inovações e alterações legislativas: a previsão de racionalização de processos repetitivos no STJ; a regulamentação dos institutos da súmula vinculante e da repercussão geral; a vedação aos órgãos da Justiça do Trabalho para conhecer de questões já decididas, salvos os casos expressamente previstos na CLT e a ação rescisória, e a regulamentação do uso do meio eletrônico na tramitação de processos [nosso grifo].[17]

Perceba que as palavras do Ministro já refletem um olhar para trás – prova de que o processo judicial eletrônico já não pode ser visto como perspectiva, mas como retrospectiva.

Com críticas e elogios, o processo judicial eletrônico é um caminho sem volta. Resta aperfeiçoá-lo, não só como ferramenta de trabalho, mas, sobretudo, como ideologia nas cabeças de seus operadores, pois o processo virtual não significa uma mudança qualquer, é também a instauração de uma nova forma de ver o processo – que certamente incomodará os que lucravam com uma “justiça” lenta e satisfará os que desejam a justiça plena, se é que ela existe.


3.DOS PRINCÍPIOS DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

3.1 Considerações Iniciais

Como justificamos nas notas introdutórias, a implantação do processo judicial eletrônico não trouxe consigo princípios seus específicos. Pelo contrário, os princípios processuais “antigos”, que historicamente foram se agregando ao processo civil tradicional – de papel – são os mesmos que fundamentaram o processo eletrônico e continuam justificando a gradativa adoção deste, de acordo com a reserva do possível – conforme os recursos financeiros e humanos do Poder Público.

Com isso, é preciso dizer que o processo judicial eletrônico – previsto pela Lei 11.419/2006, bem como previsto em outras normas – não positivou princípio novo, mas reforçou os já existentes.

A adoção do Processo Eletrônico apenas confere nova roupagem ao Processo Judicial. O Processo Judicial Eletrônico deverá estar sujeito às mesmas formalidades essenciais que o Pro­cesso tradicional, no tocante a ser obedecido o procedimento le­galmente previsto para a apuração da verdade, em uma sucessão concatenada de atos Processuais, em que seja assegurado o contra­ditório e a ampla defesa, umbilicalmente ligados ao Princípio do Devido Processo Legal.[18]

São inúmeros os princípios que continuam valendo para o processo judicial eletrônico, sem falar, como bem leciona CLEMENTINO: cada doutrinador (muitas vezes por vaidade) inventa o seu rol de princípios aplicáveis a certo instituto processual, de forma a não haver uniformidade nas seleções.[19]

Destarte, apesar de não haver uma convergência doutrinária, também não se pode falar em divergência. Constatamos que certos autores simplesmente incluem alguns dos princípios que analisamos, outros não. Isso não significa, necessariamente, que o princípio descartado por aquele autor não esteja vinculado ao processo judicial eletrônico.

Resolvemos, por bem, fazer um apanhado dos princípios tratados por esses autores, seguindo a sequência adotada por EDILBERTO BARBOSA CLEMENTINO – autor que julgamos ter melhor sistematizado a matéria.

Percebemos que, a despeito das disparidades, a maioria dos princípios são coincidentes nas várias classificações dos processualistas, principalmente, daqueles que se dedicam especificamente ao assunto. São princípios imediatamente associados ao processo judicial eletrônico como fundamentadores de sua aplicação.[20]

Desta forma, colacionamos abaixo os princípios sobre os quais debruçamos a nossa pesquisa, dividindo-os, como fizera nosso paradigma, em princípios constitucionais e princípios infraconstitucionais:

Princípios Constitucionais[21]:

 1. Princípio da igualdade de tratamento;

2. Princípio do devido Processo legal;

3. Princípio do Contraditório e Ampla Defesa;

4. Princípio da Publicidade;

5. Princípio do Acesso à Justiça;

6. Princípio da Razoável Duração do Processo – Direito a um Processo sem Dilações Indevidas.

  Princípios Infraconstitucionais[22]:

7. Princípio da Oralidade;

8. Princípio da Imediação;

9. Princípio da Instrumentalidade das Formas;

10. Princípio da Economia Processual;

11. Princípio da Lealdade Processual ou da Boa-fé.

Esses selecionados são os que saltam aos olhos como acobertadores incontinenti do processo judicial eletrônico.[23] Deixaremos de analisar princípios, como o da legalidade, já que se trata de um preceito de extensa projeção; em seu exame, acaba-se por fundamentar princípios processuais mais específicos como esses que compõem a nossa lista.

Esses princípios relacionados são consentâneos com as características do processo judicial eletrônico apontadas por MARMELSTEIN:

Esse novo processo, que, na onda dos modismos cibernéticos, pode ser chamado de e-processo (processo eletrônico), tem as seguintes características: a) máxima publicidade; b) máxima velocidade; c) máxima comodidade; d) máxima informação (democratização das informações jurídicas); e) diminuição do contato pessoal; f) automação das rotinas e decisões judiciais; g) digitalização dos autos; h) expansão do conceito espacial de jurisdição; i) substituição do foco decisório de questões processuais para técnicos de informática; j) preocupação com a segurança e autenticidade dos dados processuais; k) crescimento dos poderes processuais cibernéticos do juiz; l) reconhecimento da validade das provas digitais; k) surgimento de uma nova categoria de excluídos processuais: os desplugados.[24]

Passemos, então, a detalhar cada um deles em face do processo judicial eletrônico.

3.1              Dos Princípios Processuais Constitucionais

3.1.1        Do Princípio da igualdade de tratamento

O princípio da igualdade (ou isonomia) é direito fundamental com múltipla previsão constitucional: no preâmbulo[25]; no caput do art. 5º[26] e no seu inciso I[27][28]:

Processualmente falando, a igualdade de tratamento é um dever imposto ao juiz, conforme prevê o art. 125, inciso I, do CPC:

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;[29]

O Projeto do Novo Código de Processo Civil é ainda mais categórico. Caso fosse aprovado hoje (março de 2012), a redação sugeriria uma nova nomenclatura – princípio da paridade de tratamento processual:

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.[30]

Apresentando o princípio da igualdade – ou isonomia – processual, FREDIE DIDIER JUNIOR registra:

Os litigantes devem receber tratamento processual idêntico; devem estar em combate com as mesmas armas, de modo a que possam lutar em pé de igualdade. Chama-se a isso de paridade de armas: o procedimento deve pro­porcionar às partes as mesmas armas para a luta.

O processo é uma luta. Significa dar as mesmas oportunidades e os mes­mos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta etc.[31].

Por decorrência de sua evolução histórica, o princípio da igualdade possui três acepções:[32]

a)                  Igualdade formal – consiste na prevalência da lei, mediante um sentido absoluto de tratamento perante ela. Esse sentido despreza as características individuais de cada ser humano, já que diante da lei o tratamento dispensado é uniforme para todos.[33]

b)                 Igualdade material – a igualdade formal continua a prevalecer, todavia, desvestida do caráter absoluto anterior. Ela agora passa a considerar as relatividades de cada ser humano, a efetivar discriminações e a conceder privilégios, de modo a concretizar essa igualdade relativa.[34] Nessa concepção material, coexistem duas dimensões da igualdade.

Na acepção material, encontra-se a máxima aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, não simplesmente na lei, mas fora do papel, na vida real.

Sob a ótica do princípio do contraditório, o princípio da isonomia tem o sentido apresentado por DIDIER:

O processo não pode ensejar apenas o contraditório formal, mas, sim, o materi­al. ‘O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em mani­festação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigan­tes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestação do princípio do contraditório.’[35]

O princípio da igualdade, atualmente, é regido pela concepção de dignidade da pessoa humana – vetor de todo Estado Democrático de Direito. A igualdade – segundo valor da trilogia revolucionária francesa – é vista não isoladamente em si, mas atrelada aos dois outros valores: liberdade e fraternidade. Nesse ínterim, são apropriadas as colocações do Min. GILMAR FERREIRA MENDES:[36]

No limiar deste século XXI, liberdade e igualdade devem ser (re)pensadas segundo o valor fundamental da fraternidade. Com isso quero dizer que a fraternidade pode constituir a chave por meio da qual podemos abrir várias portas para a solução dos principais problemas hoje vividos pela humanidade em tema de liberdade e igualdade.

No mesmo sentido, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[37] assevera:

O princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, é próprio da lei, sua função precípua, reside exata e precisamente em dispensar tratamentos desiguais. Isto é, as normas legais nada mais fazem que discriminar situações, de modo que as pessoas compreendidas em uma ou em outras vêm a ser colhidas por regimes diferentes. Donde, a algumas são deferidos determinados direitos e obrigações que não assistem a outras, por abrigadas em diversa categoria, regulada por diferente plexo de obrigações e direitos.

DIDIER pontua ainda o princípio da igualdade como proporcionalidade-igualdade, com os seguintes dizeres:

Neste sentido substancial, o princípio da igualdade confunde-se com o devido processo legal substancial.[38]

"É através do princípio da proporcionalidade-igualdade que se garante a igualdade da pessoa no ordenamento jurídico vigente e daquele que haverá de vir a ser promulgado. É pela boa aplicação do princípio da proporcionalidade-igualdade que o magistrado irá realizar a interpretação da Constituição, ponderando os princípios e os direitos fundamentais que estejam em conflito aplicando-os aos interesses postos em causa. Através dessa ponderação e da pesagem dos direitos e interesses, verificará o magistrado para que lado deverá pender a balança e decidir qual dos interesses do caso concreto que, embora legitimamente tuteláveis, deverá ceder ao outro, sempre observando o meio menos gravoso à parte, quando por diversos modos poder ser outorgado direito à outra.”[39][40]

Nesse diapasão, HUMBERTO THEODORO JÚNIOR afirma:

o principal consectário do tratamento igualitário das partes se realiza através do contraditório [grifo do autor] que consiste na necessidade de ouvir a pessoa perante a qual será proferida a decisão, garantindo-lhe o pleno direito de defesa e de pronunciamento durante todo o curso do processo. Não há privilégios, de qualquer sorte.[41]

Especificamente, no que se refere ao tema deste trabalho, cabe-nos indagar: o processo judicial eletrônico é uma ferramenta democrática, acessível a todos?

Respondendo a esse questionamento, CLEMENTINO ressalta:

O êxito na implantação do Processo Judicial Eletrônico está diretamente associado a políticas públicas de inclusão social digital, para que esta não se torne uma via de uso exclusivo das classes economicamente mais favorecidas da população, criando-se uma duplicidade de Justiça: a dos ricos (informatizada e, consequentemente, mais rápida) e a dos pobres (tradicionalmente mais lenta), maculando de vez o Princípio em discussão.[42]

E continua:

A hipossuficiência econômica é um fator que atualmente determina a inacessibilidade aos Computadores e, consequentemente, à Internet para a grande maioria da população. É o que hoje se convencionou chamar de “exclusão social” [grifo do autor]. Mesmo entre os que têm acesso à internet, boa parte não tem o necessário domínio do seu uso e conteúdo.[43]

Na linha do que preconiza o art. 10, §3º da Lei 11.419/2006[44], discorre CARLOS HENRIQUE ABRÃO:

(...) os profissionais com menos recurso, ou qualidade técnica (...) terão a mesma oportunidade, porém com uma ressalva: os documentos redigidos deverão, quando em papel, ser digitalizados e confiados à rede, para que tenham número próprio, facilitando a leitura digital e a própria tramitação.[45]

GIOVANI BIGOLIN, analisando o processo judicial eletrônico sob o aspecto de serviço público, visualiza o princípio da igualdade como consectário do princípio da generalidade:

O princípio da generalidade possui duas principais acepções, as quais se relacionam: a primeira baseia-se no atendimento do maior número possível de usuários (generalidade-universalidade); enquanto que a segunda funda-se na imposição de um tratamento isonômico em relação aos usuários a quem estiver incumbido da prestação do serviço.

Em se tratando de processo eletrônico, o princípio generalidade-universalidade implica a adoção, pelos administradores judiciários, de políticas que promovam a ‘inclusão digital’.[46]

BIGOLIN afirma ainda:

Outrossim, uma adequada aplicação do princípio da igualdade imporá um tratamento isonômico entre as partes com igualdade de condições que litigarem no Processo Eletrônico, bem como um tratamento diferenciado e distinto, com ônus diferenciado para partes que dispõem de privilegiada estrutura de informática. [47]

Sob o enfoque do princípio da igualdade, CLEMENTINO suscita a problemática da obrigatoriedade de cadastramento de endereços eletrônicos para o recebimento de comunicações judiciais para os litigantes, ressaltando:

Deve-se conferir tratamento privilegiado de não obrigato­riedade somente àqueles que não detiverem condições técnicas e econômicas para ingressar de plano no novo modelo processual que se pretende estabelecer.[48]

Ao mesmo tempo, diz:

poderá ser conferido tratamento distinto entre as partes no Processo Eletrônico, no sentido de se impor às pessoas jurídicas de Direito Público, bem como, às pessoas jurídicas de Direito Privado de razoável ex­pressão econômica, a obrigação de criar facilidades para a efetivação do Processo Eletrônico, como, exemplificativamente, para o recebimento de citações e in­timações pela Via Eletrônica.[49]

O princípio da igualdade é talvez aquele que provoque, de início, mais preocupações à instalação do processo virtual, tendo em vista a desigualdade social brasileira. Não apenas observada quanto ao aspecto econômico, mas quanto ao de conhecimento tecnológico, que, se desconsiderada (a desigualdade social), mais desigualdades podem ocorrer:

O processo judicial é, tradicionalmente, um ambiente pouco propício à participação popular. É célebre a frase irônica atribuída a um juiz inglês da época vitoriana, segundo a qual, “a Justiça está aberta a todos, como o Hotel Ritz”.[50]

Apesar de todos os benefícios trazidos com a informatização do processo, sem uma política social séria de inclusão digital, aumentará ainda mais o abismo entre o povo e a Justiça. A população de menor renda, que já sente dificuldade de compreender o funcionamento da Justiça tradicional, ficará totalmente excluída da Justiça “virtual”.

A Justiça “on-line” será uma justiça de elites, totalmente inacessível para o chamado “proletariado off line”.

Os “desplugados”, que seriam aqueles que não possuem conhecimentos em informática (analfabetos tecnológicos), não possuem computadores, linhas telefônicas ou nem mesmo são alfabetizados, ficarão isolados, “em ilhas perdidas no oceano informacional. Não navegam. Não interagem. São náufragos do futuro” (ARAS, Vladimir. Governo tem obrigação de promover a inclusão digital).[51]

Enfim, desde que respeitadas as questões econômico-sociais, não há razão para reprovar a adoção do processo judicial eletrônico à luz do princípio da igualdade. Obviamente, ainda não se pode conceber, decerto, igualdade quando há diferenças. Desde que essas sejam levadas em conta, como exteriorização de justiça, atendendo ao sentido material do princípio, nada obsta afirmar que o processo judicial eletrônico, sim, ultrapassa com êxito o confrontamento com o princípio da isonomia.

3.2.2 Do Princípio do devido processo legal

As bases do devido processo legal estão assentadas constitucionalmente em três incisos do art. 5º: LIII, LIV e LV, in verbis:

Art. 5º (...)

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;[52]

Assevera EDILBERTO BARBOSA CLEMENTINO: “tratar-se de uma garantia que assegura o desenvolvimen­to processual de acordo com regras previamente estabelecidas.”[53]

Historicamente,

a instituição dessa série de atos de observância obrigatória teve origem em erros do passado nos quais a pressa do julgamento, a falta de oportunidade de o Réu esclarecer a verdade dos fatos, ou mesmo a corrupção do julgador, levaram ao cometimento de graves erros cuja repetição não se pretende.[54]

Urge afirmar que “a obediência ao Princípio do Devido Processo Legal impõe que seja mantida a obediência a um conjunto de nor­mas que disciplinam a função jurisdicional do Estado, no que em nada se inova em relação ao tradicional Processo.” [55]

O devido processo legal é um supraprincípio, um princípio-base, norteador de todos os demais que devem ser observados no processo. Ele tem abrangência extensa, de modo a incluir em seu conceito aberto diversos outros princípios – que, gradativamente, vão se desmembrando para existência autônoma. Foi o que ocorreu com o caçula deles – o princípio da razoável duração do processo –, destacado que foi pela EC 45, em 2004.

De acordo com CRUZ e TUCCI, não só esse, mas tantos outros princípios são tentáculos do devido processo legal:[56]

Desdobram-se estas [formalidades e exigências em lei previstas] nas garantias: a) de acesso à justiça; b) do juiz natural ou pré-constituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR atribui ao devido processo legal o significado de processo justo, que corresponde:

ao meio concreto de praticar o processo judicial delineado pela Constituição para assegurar o pleno acesso à Justiça e a realização das garantias fundamentais traduzidas nos princípios da legalidade, liberdade e igualdade.[57]

DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES faz pertinente observação relacionada à amplitude do princípio do devido processo legal:

Tratando-se de um princípio-base, com conceito indeterminado, bastaria ao legislador constituinte, no tocante aos princípios processuais, se limitar a prever o devido processo legal, que na prática os valores essenciais à sociedade e ao ideal do justo dariam elementos suficientes para o juiz no caso concreto perceber outros princípios derivados do devido processo legal. Não foi essa, entretanto, a opção do direito pátrio, que, além da previsão do devido processo legal, contém previsão de diversos outros princípios que dele naturalmente decorrem, tais como o contraditório, a motivação das decisões, a publicidade, a isonomia etc. A opção deve ser louvada em razão da evidente dificuldade de definir concretamente o sig­nificado e o alcance do princípio do devido processo legal, mas deve ser registrado que, apesar de o art. 5.°, LIV, da CF ser encarado como norma de encerramento, a amplitude indeterminada permite a conclusão de que mesmo as exigências não tipificadas podem ser associadas ao ideal de devido processo legal.[58]

Contudo, essa acepção do princípio do devido processo legal limita-se ao seu aspecto formal – conhecida pelo estrangeirismo procedural due process.

De acordo com o magistério de FREDIE DIDIER JUNIOR, há outras duas acepções a serem consideradas:

Princípio do devido processo legal negocial;

Princípio do devido processo legal material ou substancial – substantive due process.

A concepção de negocial diz respeito à aplicação do princípio do devido processo legal nas relações privadas, de modo que há três teorias que divergem quanto ao alcance do princípio:

No direito comparado, a questão é bastante controvertida. Existem, basica­mente, três teorias que tentam explicar o assunto: a) a teoria do state action [grifo do autor], que nega a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, por enten­der que o único sujeito passivo daqueles direitos seria o Estado (é a que preva­lece no direito norte-americano e no direito suíço); b) a teoria da eficácia indireta e mediata [grifo do autor] dos direitos fundamentais na esfera privada, pela qual a Constituição não investe os particulares em direitos subjetivos privados, mas tão-somente serve de baliza para o legislador infraconstitucional, que deve to­mar como parâmetro os valores constitucionais na elaboração das leis de direi­to privado (predominante na Alemanha, Áustria e, de certo modo, na França); c) a teoria da eficácia direta e imediata [grifo do autor] dos direitos fundamentais na esfera privada, pela qual aqueles direitos têm plena aplicação nas relações privadas, podendo ser invocados diretamente, independentemente de qualquer mediação do legislador infraconstitucional, privilegiando-se, com isso, a atuação do ma­gistrado em cada caso concreto (prevalece no Brasil, Espanha e Portugal).[59]

No sentido substan­cial – substantive due process –, o devido processo legal, nas palavras de DANIEL ASSUMPÇÃO, “diz respeito ao campo de elaboração e interpretação das normas jurídicas, ditando que estas devem ser interpretadas de maneira ra­zoável, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável.[60]

É campo para a aplicação dos princípios – ou como prefere parcela da doutrina, das regras – da razoabilidade e da proporcionalidade, funcionando sempre como controle das arbitrariedades do Poder Público.[61]

Nesse diapasão, preceitua HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

No plano substancial, o processo justo deverá proporcionar a efetividade da tutela àquele a quem corresponda a situação jurídica amparada pelo direito, aplicado à base de critérios valorizados pela equidade concebida, sobretudo, à luz das garantias e dos princípios constitucionais.[62]

Em relação ao processo judicial eletrônico, vale ainda registrar que o princípio do devido processo legal permanece intacto em qualquer das concepções doutrinárias apresentadas.

Ora, diante das novas regras de processamento virtual – originárias da Lei 11.419/2006 – nada se altera. No aspecto procedimental, continuarão sendo exigidas todas as formalidades e garantias processuais que esse superprincípio determina.[63] No tocante ao aspecto material, o processamento digital exigirá igualmente dos sujeitos da relação processual a mesma ética objetiva que se exigiu até então.

Apesar da mudança na forma de processar, a lógica segundo a qual o processo deve ser justo continua vigente, e agora, fortalecida pelo processo judicial eletrônico, haja vista que este neologismo processual surge senão para robustecer essa preciosa garantia do Estado Democrático de Direito.[64]

3.2.3 Dos princípios do contraditório e da ampla defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão previstos no inciso LV do art. 5º da CRFB/88, in verbis:

Art. 5º, LV aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.[65]

DANIEL NEVES lembra que, “também na Lei de Arbitragem (art. 21, § 2º, da Lei 9.307/1996), existe expressa previsão para que se cumpra o contraditório no processo arbitral.”[66][67], in literis:

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.

(...)

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

O contraditório possui três dimensões, historicamente adquiridas:

A primeira é a concepção tradicional na qual o contraditório corresponde ao binômio: informação mais possibilidade de reação.[68] Materializa-se na exigência, segundo a qual, o Pro­cesso deve respeitar a necessidade de se oferecer ao acusado, em qualquer situação, a oportunidade de defender-se contra as acusações sofridas e garantir-lhe o acesso a todos os instrumentos que possam propiciar-lhe a sua defesa.[69]

A segunda consiste no poder de influência das partes na formação do convencimento do juiz.

Essa nova visão do princípio do contraditório reconhece a importância da efetiva participação das partes na formação do convencimento do juiz, mas a sua real aplicação depende essencialmente de se convencerem os juízes de que assim deve ser no caso concreto. Posturas como a do juiz que recebe a defesa escrita em audiência nos Juizados Especiais e sem sequer folhear a peça passa a sentenciar certamente não vai ao encontro da nova visão do contraditório. O mesmo ocorre quando desembargadores conversam, lêem, ou excepcionalmente se ausentam enquanto o advogado faz sustentação oral perante o Tribunal.[70]

A terceira acepção consiste no contraditório como forma de evitar surpresas às partes, sobretudo em causas que veiculam matéria de ordem pública, nas quais o juiz pode decidir de ofício, tendo em vista que, “em matérias que o juiz só possa conhecer mediante a alegação das partes – dispositivas –, realmente, parece não haver possibilidade de a decisão surpreender as partes.” [71]

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NEVES chama a atenção para uma distinção muito importante:

Infelizmente não se percebe a diferença basilar entre decidir de ofício e decidir sem a oitiva das partes[72] [grifo do autor]. Determinadas matérias e questões devem ser conhecidas de ofício, significando que, independentemente de serem levadas ao conhecimento do juiz pelas partes, elas devem ser conhecidas, enfrentadas e decididas no processo. Mas o que isso tem a ver com a ausência de oitiva das partes? Continua a ser providência de ofício o juiz levar a matéria ao processo, ouvir as partes e decidir a respeito dela. Como a surpresa das partes deve ser evitada em homenagem ao princípio do contraditório, parece que mesmo nas matérias e questões que deva conhecer de ofício o juiz deve intimar as partes para manifestação prévia antes de proferir sua decisão, conforme inclusive consagrado legislação francesa e portuguesa.[73]

Nesse sentido, também, THEODORO JUNIOR, ao lecionar sobre o princípio do contraditório, preceitua:

A ele se submetem tanto as partes como o próprio juiz, que haverá de respeitá-lo mesmo naquelas hipóteses em que procede a exame e deliberação de ofício acerca de certas questões que envolvem matéria de ordem pública. Em hipótese alguma se deve tolerar a decisão "de surpresa", ou seja, a solução de questões não previamente debatidas perante as partes.[74]

Vale ressaltar que essa terceira dimensão do princípio do contraditório seria expressamente adotada com o advento do Novo Código de Processo Civil, considerado o ponto em que se encontra. Nele, está positivada a necessidade de contraditório, mesmo diante de matérias de ordem pública, cujas explicações são de clareza solar na Exposição de Motivos do Projeto, in literis:

Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório [grifo do autor].[75]

Urge não esquecer, como supraenfatizado quando do exame do princípio da igualdade, que o contraditório é exigência que se aplica a ambos os polos parciais, e não somente como garantia de proteção ao réu.

E Processo também é uma via de duas mãos, haja vista que ao seu provocador (Autor) também são impostos deveres que dizem respeito à marcha do Processo, além de submetê-lo aos ônus processuais relativos à obrigação de produzir provas, bem como de curvar-se à decisão judicial final que eventualmente lhe negue a titularidade do direito cujo reconhecimento buscava.[76]

Quanto ao princípio da ampla defesa, citando DELOSMAR MENDONÇA, DIDIER adverte que, embora correlatos e previstos no mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, LV, CRFB/88), contraditório e ampla defesa distinguem-se:

‘... são figuras conexas, sendo que a ampla defesa qualifica o contraditório. Não há contraditório sem defesa. Igualmente é lícito dizer que não há defesa sem contraditório. (...) O contraditório é o instrumento de atuação do direito de defesa, ou seja, esta se realiza através do contraditório’.[77]

O princípio do contraditório possui enorme importância. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR afirma: “Embora os princípios processuais possam admitir exceções, o do contraditório é abso­luto [nosso grifo] e deve sempre ser observado, sob pena de nulidade do processo.”[78]

E justifica tal afirmativa da seguinte forma:

Enfim, quando se afirma o caráter absoluto do princípio do contraditório, o que se pretende dizer é que nenhum processo ou procedimento pode ser disciplinado sem assegu­rar às partes a regra de isonomia no exercício das faculdades processuais. Isso não decorre, porém, da supremacia absoluta e plena do contraditório sobre todos os demais princípios. O devido processo legal, síntese geral da principiologia da tutela jurisdicional, exige que o con­traditório, às vezes, tenha de ceder momentaneamente a medidas indispensáveis à eficácia e efetividade da garantia de acesso ao processo justo.[79]

As mesmas observações tecidas ao princípio do contraditório se aplicam ao da ampla defesa. Igualmente, é "direito fundamental de ambas as partes", consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do contraditório. [80]

No que diz respeito ao processo judicial eletrônico, valem as mesmas observações registradas que reiteradamente repetimos: os princípios se adaptam às novas formas, de modo que:

verifica-se que a adoção do modelo Virtual de Processo amolda-se ao primado da Ampla Defesa e Contraditório, haja vista que a migração do atual sistema para o Processo Eletrônico é a utilização da velha e conhecida fórmula com nova roupagem, agora em Bits.[81]

Ponto de extrema importância a ser destacado (ensejaria conteúdo suficiente para outra monografia), que julgamos ser este o melhor momento para trazê-lo à baila, refere-se ao regramento das comunicações processuais no processo judicial eletrônico, pois são elas que instigam a atuação das partes, sob pena de preclusão para o titular inerte.

De início, como bem o faz DANIEL AMORIM, de maneira extremamente didática, convém apresentar as formas de comunicação de atos processuais:

Existem duas formas de comunicação de atos processuais reconhecidas pelo Código de Processo Civil: citação e intimação. A citação se presta a integrar o demandado à relação jurídica processual e a informá-lo da existência de demanda judicial contra ele proposta pelo demandante, enquanto a intimação é responsável por dar ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (art. 234 do CPC). A citação pode se dar por meio do correio, oficial de justiça, edital e meios eletrônicos (art. 221 do CPC), o mesmo ocorrendo com a intimação na pessoa da parte, porque a regra é que a intimação ocorra na pessoa de seu advogado, por meio de publicação na imprensa oficial, sendo excepcional a intimação pessoal do advogado (por exemplo, art. 527, V, CPC). A notificação não se encontra entre essas espécies de comunicação, limitando-se atualmente a ser uma espécie de processo cautelar de jurisdição voluntária (arts. 867 a 873 do CPC) [...].[82]

As modificações nos meios de comunicar às partes para que venham a juízo ou para que se manifestem por meio do processo judicial eletrônico consistem talvez na mudança mais radical trazida pelo novo modelo. Em face da difundida utilização de e-mails para a comunicação em geral, as tradicionais formas de citar ou intimar já podem ser consideradas ultrapassadas.[83]

Diversos órgãos já têm portarias publicadas determinando a utilização de correio eletrônico como a ferramenta oficial de envio e recebimento de mensagens internas entre os servidores. E mesmo, externamente, em caso de pequenas aquisições mediante licitação na modalidade convite. Hoje, já são enviadas cotações por e-mails nas negociações entre a instituição adquirente e seus fornecedores.

Visionariamente, GEORGE MARMELSTEIN LIMA, em artigo escrito em 2002 (antes da Lei 11.419/2006), já previra o que agora está sendo difusamente instalado nos tribunais de todo o país. Registrara ele:

Se atualmente a patológica morosidade processual é o calcanhar de Aquiles do Judiciário brasileiro, em breve, com o e-processo, essa doença estará curada, pelo menos em parte.

A comunicação dos atos processuais ocorrerá em tempo real. Tão logo uma decisão judicial seja proferida, na mesma hora ela será disponibilizada na Internet, e as partes interessadas receberão um e-mail comunicando a existência da decisão.

Assim que a contestação for apresentada, o autor já será, no mesmo momento, informado e poderá, se for o caso, apresentar réplica.

Não haverá, em regra, citações, intimações e notificações no mundo “real”. Tudo será pela internet. O correio eletrônico (e-mail) é infinitamente mais eficiente para comunicação dos atos processuais do que o correio convencional.[84]

O que previra o citado Juiz Federal já é uma realidade homologada pela jurisprudência, em julgado cuja ementa colacionamos:

INFORMAÇÕES PROCESSUAIS. MEIO ELETRÔNICO.

A Lei n. 11.419/2006 disciplinou o uso de meio eletrônico na tramitação dos processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais. Assim, a Turma entendeu que não deve prevalecer a jurisprudência que afirmava terem as informações processuais fornecidas pelos tribunais de justiça e/ou tribunais federais apenas cunho informativo, pois vige legislação necessária para que as informações veiculadas pelos sites dos tribunais sejam consideradas oficiais. Daí, a disponibilização pelo tribunal de serviço eletrônico de acompanhamento dos atos processuais para consulta das partes e advogados deve realizar-se eficazmente, pois se presumem confiáveis as informações ali divulgadas. Caso haja algum problema técnico, erro ou omissão do serventuário da Justiça responsável pelo registro dos andamentos que traga prejuízo a uma das partes, poderá ser configurada a justa causa prevista no art. 183, § 1º, do CPC, salvo impugnação fundamentada da parte contrária. Logo, a Turma negou provimento ao recurso.[85]

Enfim, a imposição legal da comunicação de atos processuais por meio de correio eletrônico não seria nada irrazoável. CLEMENTINO acredita que as comunicações judiciais poderiam-se dar pela utilização de correio eletrônico, a despeito de eventuais falhas (que ocorrem, inclusive, no sistema tradicional), com a mesma eficiência já apurada na recepção de declarações de imposto de renda pela Receita Federal:

Poder-se-ia alegar que a remessa e recepção de mensagens eletrônicas estão sujeitas a falhas e que uma mensagem expedida não significa necessariamente uma men­sagem recebida. Entretanto, consoante demonstra a experiência, exis­tem sistemas aperfeiçoados de remessa/recebimento de mensagens que reduziram significativamente os problemas dessa natureza. Bas­ta destacar a experiência de sucesso da Receita Federal no tocante à opção de recebimento eletrônico das Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda, que há anos tem sido coroada de êxito, re­sultando praticamente no abandono da fórmula arcaica de declara­ção via formulário de papel. Eventuais falhas deverão ser tratadas como exceção e não como regra. Como toda mudança que se pre­tende eficaz, deverá ser feita gradualmente, com muito bom senso.[86]

Todavia, deve haver a preocupação de que, com a nova forma, a citação percorra “o caminho de exibir integralmente o espelho da inicial e os documentos apresentados, para que a parte contrária possa ter acesso, elaborar a resposta, ou eventualmente impugnar os documentos.”[87]

Não sendo factível a citação eletrônica, o ato processual será realizado por intermédio da regra ordinária, digitalizando-se o documento físico, que deverá ser, no futuro, destruído.[88]

Os diários de justiça eletrônicos também já são uma realidade em muitos fóruns do país:

O diário oficial impresso em papel ainda existe, mas sua morte já foi anunciada. Em São Paulo, a imprensa oficial do Estado já lançou o diário oficial virtual (e-diáriooficial e e-justitia), cujas informações são digitalmente certificadas e valem como documentos originais.

A propósito das informações on-line prestadas pelos tribunais, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que elas são “oficiais e merecem confiança”. Tratava-se, na hipótese, de um caso em que o advogado perdeu um determinado prazo em razão de um erro contido no sistema de informação on-line oferecido pelo tribunal.[89]

As cartas precatórias e as de ordem também serão influenciadas por essa nova realidade processual:

No tocante à utilização da Via Virtual para a tramitação de Cartas Precatórias, independentemente de falta de previsão norma­tiva, essa prática já vem sendo adotada, ao menos entre varas que integrem a estrutura do mesmo Tribunal. O objetivo é estender essa utilização a toda a estrutura do Judiciário, preferencialmente com a disponibilização dos Endereços Eletrônicos de todas as Varas nas páginas dos respectivos Tribunais.[90]

Outra discussão de grande relevo – que merece ser levantada dentro do contraditório e da ampla defesa – diz respeito à definição de um dos alicerces do processo civil: a competência. O que até hoje era hermeticamente definido por divisas físicas passará também a ser virtual.

A Internet é um ambiente sem fronteiras. Não possui limite territorial. Não possui espaço geograficamente delimitado. Por isso, o conceito processual de Jurisdição vai sofrer sérias modificações.

Atualmente, o Código de Processo Civil informa que os atos processuais realizam-se de ordinário na sede do juízo (art. 176). Com a internet, inúmeros atos processuais serão realizados neste ambiente “digital”, que não tem fronteira. Um juiz no Rio Grande do Sul poderá ouvir, pessoalmente, uma testemunha na Amazônia ou até mesmo em outro lugar do mundo.

As regras de competência territorial e internacional serão revistas. As relações jurídicas praticadas na Internet não terão nacionalidade.

Muitos problemas surgirão com essa expansão do conceito espacial de jurisdição, sobretudo se permanecer a mentalidade tradicional de espaço físico.[91]

A jurisprudência já tem-se posicionado diante de questões de cunho processual penal, no sentido de que os “Crimes contra a honra praticados por meio de reportagens veiculadas na Internet ensejam a competência do Juízo do local onde foi concluída a ação delituosa, ou seja, onde se encontrava o responsável pela veiculação e divulgação de tais notícias.” Mutatis mutandis, no processo civil, eventual lide que surja em decorrência de dúvida a se apurar quanto ao envio de mensagens mediante correio eletrônico tende a ter a competência fixada no juízo do remetente. [92]

Perceba que, com a modernidade tecnológica, o juiz será unipresente em face dos processos de sua comarca:

Assim, o juízo, mesmo não estando fisicamente presente, poderá se utilizar do acesso ao sistema, mediante senha, proferir despachos e sentenças, lançando sua assinatura digital, em qualquer parte do planeta. Consequentemente, a distância física não causará solução de continuidade ao procedimento.[93]

Com esse novo panorama processual, surge uma figura de extrema importância como auxiliar dos juízes: os “técnicos de informática” – como generalizadamente são conhecidos todos os que lidam com o processamento de dados e outras ciências computacionais.

Já se disse que, em questão de informática, os engenheiros são melhores juízes do que os profissionais do direito. Não sei se chegará o dia em que os juízes deverão ter, além da formação jurídica, um conhecimento amplo e técnico em informática. O certo, porém, é que aumentará a importância dos técnicos de informática para solução de problemas processuais.

Por exemplo, se uma parte alegar que houve falha no envio de um email, será um expert em informática quem irá informar ao juiz se houve ou não a alegada falha. Se a parte alegar que a página em que foi publicado um dado expediente estava fora do ar, será um técnico em informática quem confirmará ou não o fato ao juiz. Se a parte alegar que uma determinada petição foi adulterada durante a transmissão, somente diante de um conhecimento técnico o juiz poderá solucionar o problema.

Desse modo, as decisões sobre questões processuais serão resolvidas, em regra, com auxílio de um técnico em informática.[94]

Diante de todas as questões resumidamente lembradas nesta explanação, é cediço concluir que o processo judicial eletrônico deve continuar garantindo às partes o sagrado direito de contraditório e de máxima amplitude de defesa.

Não vislumbramos qualquer impossibilidade de abalo a esses preceitos com o uso das novas técnicas. Pelo contrário, a inovação vem proporcionando meios adicionais de manifestação, abandonando técnicas obsoletas que prezavam muito mais pela presunção – em prol da segurança jurídica – do que mesmo pela certeza da comunicação, a exemplo da citação por edital.

O novo sistema é, sem sombra de dúvidas, mais confiável. Até porque as modernas técnicas de segurança da informação, como a utilização de criptografia,[95] assinaturas eletrônicas,[96] certificados digitais[97] e uso de chaves públicas e privadas[98] permitem constatar que o destinatário recebeu efetivamente a comunicação judicial.

Ademais, se já havia previsão, no art. 332 do CPC,[99] de que são aceitos todos os meios de prova admissíveis em direito, esse número se expandiu significativamente com o processo virtual.

Assim, pode-se concluir que processo judicial eletrônico é perfeitamente viável quando submetido ao crivo do princípio do contraditório e da ampla defesa. Por ele é possível:

a) garantir, com eficiência[100] e eficácia[101], a comunicação dos atos processuais;

b) assegurar às partes o conhecimento das alegações contrárias;

c) ensejar oportunidade para produção de todas as provas que sejam aptas à demonstração dos direitos alegados em Juízo.[102]

3.2.4 Do princípio da publicidade

A publicidade tem sede constitucional no art. 93, inciso IX:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

A publicidade é incontestavelmente um dos princípios que alicerçam a adoção do processo judicial eletrônico. Segundo EDILBERTO BARBOSA CLEMENTINO:

Pelo Princípio da Publicidade os atos e termos do Processo devem, via de regra, ser acessíveis ao conhecimento de todos. A publicidade do ato tem como principal objetivo oferecer a oportu­nidade de se fiscalizar a boa atuação do julgador.[103]

Para MARMELSTEIN:

Com o desenvolvimento da tecnologia da informação, a publicidade processual atingirá patamares universais. Qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo, por exemplo, poderá acompanhar uma determinada audiência judicial, desde que tenha acesso à Internet.

(...)

A publicidade, enfim, será plena. Isso permitirá não apenas o acompanhamento do processo por qualquer interessado, mas uma maior fiscalização pública dos atos judiciais e administrativos praticados pelos membros do Poder Judiciário.[104]

O objetivo da publicidade geral (extra partes):

[...] é levar ao conhecimento das partes o conteúdo das decisões proferidas no Processo, para que tomem as providências que lhe dizem respeito, bem como para que tenham conhecimento das manifestações da parte adversa. Eventual determinação de que alguma providência seja tomada pela parte somente se torna exigível a partir do seu conhecimento pela desti­natária.[105]

O princípio da publicidade consiste em exigência constitucional. Nesse ínterim:

Esse Princípio em especial é amplamente atingido no novo modelo que surge, mormente pela ampliação do acesso ao conteúdo das decisões judiciais, mantidas as devidas ressalvas (como não poderia deixar de ser) em relação aos casos em que há segredo de Justiça.[106]

Dentro da análise do princípio da publicidade, convém tratar do polêmico tema relativo ao segredo de justiça.

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR assevera:

A regra constitucional que tolera o processo "em segredo de Justiça", ressalva que a pre­servação do direito à intimidade do interessado no sigilo prevalece enquanto não prejudicar o interesse público à informação (CF, art 93, IX, com a redação da Emenda Constitucional n° 45, de 08.12 2004). Estando em jogo interesses de ordem pública (repressão penal, risco para a saúde pública, dano ao Erário, ofensa à moralidade pública, perigo à segurança pública etc.), os atos processuais praticados nos moldes do "segredo de Justiça" podem ser investiga­dos e conhecidos por outros, além das partes e advogados, por autorização do juiz.[107]

DANIEL NEVES também faz ponderáveis observações ao afirmar:

[...] evidente que nenhum processo corre em ‘segredo de justiça’, porque isso equivaleria à não-aplicação do princípio da publicidade, sendo que a lei nesses casos somente mitiga a publicidade, restringindo-a às partes e a seus patronos.[108]

Segue o processualista dizendo que certas restrições à publicidade dos atos processuais, “quando assim exigirem a intimidade e o interesse social”, não a anulam, mas simplesmente a limitam no caso concreto – quanto às partes ou ao objeto da demanda.[109]

Em outros casos, é possível que, por uma questão pragmática, se façam certas limitações à publicidade em razão de dificuldades operacionais; com nítido prejuízo ao processo se admitida a publicidade ampla[110].

A preocupação quanto ao segredo de justiça está registrada em recente artigo da lavra do ministro do TST, Almir Pazzianotto Pinto, para quem:

Salvo excepcionais casos em que deve prevalecer o segredo de justiça, a ação judicial é de natureza pública. Não significa, contudo, que deve ser exposta ao conhecimento de quem nela não tem interesse. O TST, aliás, veda a divulgação dos nomes de reclamantes, receando causar-lhes dificuldades de obtenção de novo emprego.[111]

Recentemente, o TJ/SP passou por um episódio que gerou certos inconvenientes, levando as partes e advogados a questionarem a restrição a informações de processos no novo site do Tribunal. Diante do fato, foi necessária nota de esclarecimento, por seu Presidente, para aclarar o sentido da norma.[112]

É preciso efetiva fiscalização sobre o uso indevido da máxima publicidade. Ao mesmo tempo em que exterioriza a democracia, propicia conhecimento sobre pessoas e coisas. E quando as informações forem mal interpretadas, isso pode gerar situações discriminatórias, ferindo direitos fundamentais, a exemplo de ocorrências no âmbito da Justiça do Trabalho, em que empregadores deixam de contratar empregados que tenham um histórico de litigiosidade naquela Justiça.[113]

A despeito de tais malversações, não há dúvidas de que o processo judicial eletrônico é viável sob a ótica da publicidade, sobretudo, quando comparado à forma tradicional, tendo em vista inconvenientes gerados por esta, como:

a) elevado preço das publicações;

b) dificuldade de consulta (haja vista serem bastante vo­lumosos os Diários Oficiais);

c) a possibilidade sempre presente de deixar-se passar despercebida uma importante publicação, por conta da fa­libilidade humana;

d) possibilidade de greve no serviço de Correios e Telé­grafos, que eventualmente poderia embaraçar o trabalho das empresas que hoje prestam serviços de pesqui­sa e recorte de publicações do Diário Oficial, dentre outros.[114]

Não podemos deixar de ressaltar o fato de que a falta de centralização nas informações ainda acarreta o entrave ao desenvolvimento de uma comunicação eficiente no Poder Judiciário. Como assevera CLEMENTINO:

[...] se sabe que nosso sistema Judiciário é composto por dezenas de diferentes tribunais, denota-se de pronto a extrema dificuldade que surgiria para as partes (especialmente para seus Advogados), no sentido de terem que fazer um acompanha­mento diuturno das publicações em inúmeros sítios da Internet, o que seria uma atividade especialmente árdua, quando se imagina um escritório de advocacia com uma carteira grande de clientes e com variada gama de atuação.[115]

Um paliativo à falta de um sistema central de consulta é o que já vem sendo adotado por alguns tribunais: o serviço conhecido como push[116]', cujo conceito pode ser encontrado na página do STF, e que exige o cadastramento do endere­ço eletrônico do interessado.[117]

Acreditamos que a solução definitiva para a necessária centralização esteja no Sistema homônimo deste nosso trabalho – Processo Judicial Eletrônico (PJe): sistema de informática desenvolvido pelo CNJ em parceria com os tribunais para a automação do Judiciário. Ele foi lançado oficialmente em 21 de junho de 2011 pelo ministro Cezar Peluso, Presidente do CNJ.[118] Com esse instrumento:

O objetivo principal do CNJ é manter um sistema de processo judicial eletrônico capaz de permitir a prática de atos processuais pelos magistrados, servidores e demais participantes da relação processual diretamente no sistema, assim como o acompanhamento desse processo judicial, independentemente de o processo tramitar na Justiça Federal, na Justiça dos Estados, na Justiça Militar dos Estados e na Justiça do Trabalho.[119]

O PJe tende a ser o sucessor do Sistema CNJ PROJUDI – abreviação de processo judicial digital – já implantado em 19 estados e que permite o acompanhamento eletrônico do processo, isoladamente, no âmbito de cada tribunal.[120]

O PROJUDI tem origem muito interessante:

Em 12 de setembro de 2006, o PROJUDI foi doado por seus desenvolvedores, André Luis Cavalcanti Moreira e Leandro de Lima Lira, ao CNJ, inclusive com a cessão dos direitos de Propriedade do software, que já se encontrava registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com o nome de PRODIGICON e sob o registro de número 66552, de 20 de abril de 2005. Coincidência ou não, a Lei nº 11.419 foi promulgada em 19 de dezembro de 2006, dois meses antes da referida doação do software, embora tenha entrado em vigor apenas no ano seguinte, em razão da sua vacatio legis de 90 dias.[121]

Em prol da publicidade atrelada à celeridade, convém citar ainda uma iniciativa de sucesso, nascida no TRE-SE, e que já está sendo importada para diversos outros tribunais do país, e despertou a atenção, inclusive, do CNJ. Trata-se do Ipleno – uma ferramenta de acompanhamento das sessões plenárias do Tribunal via Internet. Em tempo real, as decisões vão sendo registradas, de modo que o interessado fica sabendo do julgamento, automaticamente, no momento em que o último voto é proferido.[122]

Todos esses aspectos suscitados, contidos no princípio da publicidade, levam-nos a concluir ser ele mais um preceito a justificar a implantação do processo judicial eletrônico, tendo em vista que atende aos seguintes critérios:

a) assegura e amplia o conhecimento pelas partes de to­das as suas etapas, propiciando-lhes manifestação opor­tuna;

b) enseja e amplia o conhecimento público do Processo Judicial, bem como do conteúdo das decisões ali pro­feridas, para plena fiscalização da sua adequação pe­las partes e pela coletividade.[123]

3.2.5 Do princípio do acesso à justiça

O princípio do acesso à justiça encontra-se positivado constitucionalmente no inciso LXXIV do art. 5º da CRFB/88, in verbis:

Art. 5º [...]

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.[124]

O princípio do acesso à justiça não significa apenas dar condições de a ação ingressar no Judiciário, mas também permitir a saída ou resolução, com resposta justa. É, em outras palavras, o que diz CARLOS HENRIQUE ABRÃO, de forma quase poética: “Afirmamos, convictamente, e não de forma simplista, que existem várias portas conduzindo à entrada, para efeito de acesso ao poder Judiciá­rio, amplas e largas, porém única saída, depois de um extenso labirinto.”[125]

Dentro da análise do princípio do acesso à justiça, CLEMENTINO preconiza que o “Acesso à Justiça envolve não apenas a garan­tia de acesso ao ‘Judiciário’, mas à Justiça em todas as suas mani­festações.”[126]

Reforçando essa afirmativa, CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO. registram:

acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingresso em juízo [...] para que haja o efetivo acesso à justiça, é indispensável que o maior número possí­vel de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequa­damente (inclusive em Processo criminal), sendo também conde­náveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos) mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais.[127]

No ordenamento jurídico brasileiro, podem ser listadas várias formas de incentivo ao pleno acesso ao Judiciário. Um desses estímulos está no exercício do jus postulandi pela própria parte – a possibilidade de dispensa de advogado para se fazer representar em juízo. Isso acontece perante a Justiça do Trabalho (CLT, art. 797, §1º[128]); nos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099, art. 9º[129]); nos Juizados Especiais Federais (Lei 10.259, art. 10[130]); e, reflexamente, nos Juizados da Fazenda Pública (Lei 12.153/2009), apesar do silêncio da Lei, nas causas de valor até vinte salários mínimos, no caso desses três últimos. Diga-se de passagem, para todos, somente nos trâmites de primeiro grau. Em grau de recurso, tal dispensa deixa de existir.[131]

O patrocínio por causídico é uma garantia processual, sobretudo em causas de complexidade, que exigem conhecimentos técnicos que reclamam a postulação representada. As supracitadas exceções ao exercício do jus postulandi consistem, na verdade, em regras de compensação com princípios que balanceiam a ausência de tecnicidade, como o da hipossuficiência presumida do trabalhador (na Justiça do Trabalho) e outros como o da oralidade e da concentração dos atos processuais, nos Juizados Especiais.[132]

Outra forma de estímulo ao pleno acesso à justiça se dá por meio da assistência judiciária gratuita aos mais carentes.

Deve-se destacar que, dado o desequilíbrio econômico e social em nosso país [...], há uma imensa quantidade de pessoas que necessitam dos préstimos da assistência judiciária gratuita. Aliando-se a isso o fato de que a re­muneração paga pelos cofres públicos nem sempre é suficiente­mente atrativa para os profissionais da advocacia, o Poder Público não vem sendo convenientemente eficaz em atender aos reclamos da Sociedade sob o aspecto de ensejar pleno acesso à Justiça, tam­bém pelo fato da deficiente estrutura da Defensoria Pública.[133]

Diante da exigência de ampla inserção em prol da defesa dos direitos de cada cidadão, o processo judicial eletrônico se justifica com vistas à:

1. garantia de pleno acesso ao Judiciário, sem criação de quaisquer obstáculos que o dificultem;

2. ampliação das facilidades para concretização dos inte­resses judicialmente buscados;

3. diminuição dos custos do Processo, facilitando o acesso à Justiça por um número maior de indivíduos sem condições econômicas de litigar em juízo.[134]

3.2.6 Do princípio da duração razoável do processo – direito a um processo sem dilações indevidas (princípio da celeridade processual)

O princípio da razoável duração do processo, desde a EC 45/2004 – que positivou a Reforma do Judiciário – tem previsão constitucional residente no art. 5º, inciso LXXVIII:

Art. 5º. [...]

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asse­gurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.[135]

Antes mesmo da mencionada reforma constitucional, o art. 125, inciso II, do CPC,[136] já impunha tal dever ao juiz:

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

(...)

II – velar pela rápida solução do litígio;

E continuará tendo guarida no novo Código de Processo Civil, se mantida a redação atual do projeto, no capítulo I – Dos Princípios e das Garantias Fundamentais do Processo Civil. Senão, vejamos:

Art. 4º As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.[137]

CLEMENTINO, discorrendo sobre esse tema, prefere a expressão já consagrada de “princípio da celeridade”. Para ele:

O Princípio da Celeridade dita que o Processo, para al­cançar um resultado útil, deve ser concluído em um lapso temporal razoável, suficiente para o fim almejado e rápido o bastante para que atinja eficazmente os seus três objetivos:

a) o de solução do conflito, de modo a restabelecer a paz social;

b) a sanção de ordem civil ou penal a ser imposta ao vencido na demanda, com força corretiva;

c) de prevenir a ocorrência de novas situações da mesmanatureza, mediante a demonstração a todos das conse­quências a que se sujeitam os que intentam reproduzir a situação que gerou manifestação corretiva do jul­gador.[138]

O princípio da celeridade pode ser também evidenciado nas diretrizes que impõem sanções aos magistrados, membros do Ministério Público e funcionários, pelo retardamento dos atos que devem praticar, a exemplo: nos arts. 193 ao 199 do CPC; em dispositivos que preveem a tutela antecipada; nas ações mandamentais; (Lei do Mandado de Segurança – Lei 12.016/2009); etc.[139]

Defendemos que a principal finalidade das reformas processuais e leis processuais extravagantes, desde a entrada em vigor do CPC, que data de 1973, sempre foi atribuir maior celeridade ao processo.[140]

Nesse mesmo contexto, o primeiro objetivo a se alcançar, quando se pensa em processo judicial eletrônico, é, sem sombra de dúvidas, imprimir rapidez à prestação jurisdicional, de maneira que:

O nascimento do processo virtual on line participa da ideia de atender ao preceito do tempo razoável de duração do procedimento, eliminando por completo o uso do papel, permitindo completamente o acesso, desde o início até a coisa julgada, do caminho on line.[141]

O processo judicial eletrônico combate o que Ruy Barbosa, em 1921, já criticava: “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.”[142]

E por ser, senão, uma injustiça, cabe outra reflexão do “Águia de Haia”, proferida em um discurso no Senado Federal, em 1914, e que parece que foi dita hoje pela manhã:

A injustiça, senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade [...] promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.[143]

Como bem lembra NEVES,[144] há pouco tempo, não havia na Constituição Federal previsão de que o processo precisaria ser rápido. Todavia, isso não significava dizer que o processo teria de ser demorado. Tal preceito era implicitamente decorrência lógica do princípio do devido processo legal. Preconiza NEVES:

Com a Emenda Constitucional 45/2004, o direito a um processo sem dilações indevidas foi expressamente alçado à qualidade de direito fundamental, ainda que para parcela da doutrina o art. 5.°, LXXVIII, da CF só tenha vindo a consagrar realidade plenamente identificável no princípio do devido processo legal.[145] A expressa previsão constitucional, que trata do tema como o direito à "razoável duração do processo", deve ser saudada, ainda que com reservas, porque atualmente não resta dúvida quanto à condição de garantia fundamental do direito a um processo sem dilações indevidas.[146]

DIDIER, por sua vez, explica que, além de ser o princípio da razoável duração do processo corolário do devido processo legal, decorre ele ainda de princípios como o da inafastabilidade e do superprincípio de proteção à dignidade da pessoa humana.[147]

Numa análise de direito comparado, as disposições constitucionais da Espanha e de Portugal, muito antes da nossa, já manifestavam a importância do princípio da vedação de dilações indevidas. Vejamos:

Previsto expressamente na Constituição Espanhola, art. 24.2: "Todos têm di­reito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo públi­co sem dilações indevidas e com todas as garantias...". E também no CPC Por­tuguês, art. 2°, 2: "A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar" (Texto alterado pelo DL 329-A/95, de 12 de dezembro).

A discussão sobre a existência ou não deste direito fundamental acabou tendo utilidade meramente histórica.[148]

DIDIER preconiza que o princípio da razoável duração do processo também tem previsão no ordenamento humanitário internacional, de modo que:

A Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Cos­ta Rica, no art. 8, l, prevê:

"Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza."[149]

Ressalta ainda o douto processualista baiano:

A República Federativa do Brasil é signatária desse Pacto, que adquiriu eficácia no plano internacional em 18 de julho de 1978. O Congresso Nacional editou o Decreto 27, de 26 de maio de 1992, aprovando o seu texto. O Governo Federal depositou, em 25 de setembro do mesmo ano, a Carta de Adesão ao mencionado pacto. Com a ulterior publicação do Decreto 678 (09.11.1992), o Pacto de San José da Costa Rica foi promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. O procedimento de incorporação do tratado foi respeitado em seus mínimos detalhes.[150]

Flávia Piovesan, com base nesse dispositivo do âmbito do direito internacional, referente a direitos humanos, antes mesmo da EC 45, de 2004, já afirmava:

‘A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais, de que o Brasil é parte, conferindo-lhes hierarquia de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previsto, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais’.[151]

A respeito do que já dispusemos nas “Considerações Iniciais”, o princípio da razoável duração do processo é mais um galho que brota do tronco forte do princípio do devido processo legal.

NEVES ressalta que, como o processo tem que ser célere, se houve por bem destacá-lo do devido processo legal.[152]

É notório que o processo brasileiro – e nisso ele está acompanhado de vários outros países ricos e pobres – demora muito, o que não só sacrifica o direito das partes, como enfraquece politicamente o Estado. Há tentativas constantes de modificação legislativa infraconstitucional, como se pode notar por todas as reformas por que passou nosso Código de Processo Civil, que em sua maioria foram feitas com o ideal de prestigiar a celeridade processual [grifo do autor]. O próprio art. 5.°, LXXVIII, da CF aponta que a razoável duração do processo será obtida com os meios que admitam a celeridade de sua tramitação.[153]

Na mesma linha, registra CLEMENTINO:

A tardança na solução da lide implica duas consequências extremamente deletérias: o desprestígio do Estado como ente apto a dirimir as controvérsias de direito e de fato, bem como o aumento da possibilidade de chegar-se a uma solução injusta, como decorrên­cia do afastamento temporal dos fatos que deram origem ao Proces­so, com o consequente esmaecimento dos elementos probatórios.

NEVES pondera, contudo, que a pressa na solução da demanda não pode gerar insegurança jurídica:

Deve ser lembrado que a celeridade nem sempre é possível, como também nem sempre é saudável para a qualidade da prestação jurisdicional. O legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes [grifo do autor] visando somente à obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e extremamente injustas.[154]É natural que a excessiva demora gere um sentimento de frustração em todos os que trabalham com o processo civil, fazendo com que o valor celeridade tenha atualmente posição de destaque. Essa preocupação com a demora excessiva do processo é excelente, desde que se note que, a depender do caso concreto, a celeridade prejudicará direitos fundamentais das partes, bem como poderá sacrificar a qualidade do resultado da prestação jurisdicional. Demandas mais complexas exigem mais atividades dos advogados, mais estudo dos juízes e, bem por isso, tendem naturalmente a ser mais demoradas, sem que com isso se possa imaginar ofensa ao princípio constitucional ora analisado.[155]

É interessante apontar os critérios que são levados em conta pela Corte Europeia dos Direitos do Homem para se medir a velocidade do andamento de determinado processo:

A Corte Europeia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critéri­os para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus procurado­res ou da acusação e da defesa no processo; c) a atuação do órgão jurisdicional.

O reconhecimento destes critérios traz como imediata consequência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados. [156]

Outrossim, NEVES, em pertinente observação, afirma que a duração razoável do processo só poderá ser invocada caso não seja decorrência de inércia das partes:

Por outro lado, a doutrina especializada no tema defende corretamente que, além da complexidade da demanda, o comportamento dos litigantes é essencial para a verificação da dilação indevida do processo, não se podendo apontar ofensa ao princípio ora analisado por atrasos imputados à atuação dolosa das partes. Caberá ao juiz punir severamente tal comportamento, sob pena de compactuar, com a sua omissão, para a dilação indevida do processo.[157]

Na mesma linha de raciocínio, JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI:

‘Por outro lado, não poderão ser taxadas de 'indevidas' as dilações proporcionadas pela atuação dolosa da defesa, que, em algumas ocasiões, dá azo a incidentes processuais totalmente impertinentes e irrelevantes’.[158]

E acrescenta:

‘E, ademais, é necessário que a demora, para ser reputada realmente inaceitável, decorra da inércia, pura e simples, do órgão jurisdicional encarregado de dirigir as diversas etapas do processo. É claro que a pletora de causas, o excesso de trabalho, não pode ser considerada, nesse particular, justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional’.[159]

Nesse diapasão, CLEMENTINO faz profícua associação do princípio da celeridade ao princípio da concentração dos atos processuais, não incluído no rol de nossa análise, pelas já justificadas razões, mas de importante instrumentalização para uma projeção mais célere do processo. Preconiza o autor:

O Princípio da Celeridade encontra-se indissociavelmente ligado à ideia de concentração dos Atos Processuais. As modernas relações sociais não admitem tardança nas prestações de serviços de qualquer natureza. Diz o velho adágio que tempo é dinheiro e, sendo assim, o ônus econômico de dilatar-se desnecessariamente a instrução e julgamento do Processo, partilhando-os em diversas etapas vai de encontro às necessidades que as exigências contem­porâneas impõem.[160]

Consentâneo com as respostas que buscamos na presente monografia, é de indispensável valia trazer à baila mais do que uma análise principiológico-jurídica do processo judicial eletrônico, mas realizar uma abordagem também social. Nesse ínterim, percebemos que os autores não se furtam a um exame crítico das causas e consequências da morosidade judiciária.

Para CLEMENTINO:

É de pública sabença que o Judiciário não vem obtendo êxito em oferecer uma pronta resposta à população que bate às suas portas em busca da solução para seus problemas jurídicos.[161] Con­tudo, nem todas as mazelas da Justiça se devem creditar ao Judiciá­rio no tocante à sua morosidade na solução das causas que lhe são submetidas. Em uma estrutura de Estado na qual o Judiciário não vem atendendo às necessidades da população, resta evidente que não é somente este que sofre de problemas. Um Legislativo e um Executivo deficientes são elementos que agravam sobremodo as dificuldades na distribuição da Justiça. Na verdade o Poder Judiciário que deveria ser o último bastião, a última esperança do cidadão, acaba se tornando o destinatário da primeira manifestação de busca do Direito pelo cidadão, muitas vezes, contra o próprio Estado.[162]

Do mesmo modo, NEVES encerra acirradas críticas ao sistema processual e à falta de vontade política para mudança:[163]

Os processualistas fazem o que podem sugerindo modificações na lei pro­cessual – nem todas de qualidade, diga-se de passagem – e o processo continua moroso. Não se querendo desprezar esse trabalho exaustivo daqueles que pensam em inovações para a melhora da qualidade da prestação jurisdicional, em especial no tocante à celeridade, será mesmo procedimental nosso problema? Será mesmo que nosso Código de Processo Civil é o grande responsável pela demora excessiva na duração dos processos?

Enquanto o Estado brasileiro, por meio do Poder Executivo e seu lacaio, o Poder Legislativo, continuarem a ver o Poder Judiciário como um estorvo, este Poder não terá condições materiais para enfrentar o cada vez maior número de processos. O que falta é dinheiro, estrutura e organização profissional, temas estranhos ao processo civil. Sem isso, continuará somente como promessa vazia o direito a um processo com duração razoável. Triste é constatar que o Estado brasileiro, em especial o Poder Executivo, não deseja um Poder Judiciário ágil e eficaz, porque, sendo um dos clientes preferenciais do Poder Judiciário, em regra como demandado, para o Poder Executivo quanto mais tempo demorar o processo melhor será, afinal, o governante de plantão provavelmente não mais estará no cargo ao final do processo; logo, o problema já não será mais dele. Enquanto nossos governantes tiverem essa tacanha e imediatista visão, dificilmente as coisas melhorarão [grifo do autor] em termos de celeridade processual, apesar do esforço elogiável dos responsáveis pelas constantes mudanças procedimentais do processo civil. [164]

Mesmo diante de tal quadro, já são visíveis as tentativas de tornar o processo mais rápido. São iniciativas legislativas, presentes em recentes reformas processuais, que demonstram a pretensão de maior celeridade ao processo:

De qualquer forma, é inegável o esforço do legislador em criar institutos processuais voltados a um processo mais rápido:

1. julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC);

2. procedimento sumário (art. 275 do CPC) e sumaríssimo (Lei 9.099/1995);

3. procedimento monitório (arts. 1.102-A a 1.102-C do CPC);

4. julgamento de improcedência liminar (art. 285-A do CPC);

5. súmula impeditiva de recursos (art. 518, § 1.°, do CPC);

6. julgamentos monocráticos do relator de recurso (art. 557 do CPC);

7. prova emprestada;

8. processo sincrético;

9. comunicação dos atos processuais por via eletrônica (art. 154, § 2°, do CPC);

10. repressão à chicana processual (art. 14, parágrafo único, do CPC), etc.

Sob o crivo de tais inovações legais, medidas de redução do tempo do processo já são uma realidade em muitos tribunais do país. Há, notoriamente, uma dificuldade maior nas justiças dos Estados, por questões, muitas vezes, orçamentárias. Mas, gradativamente, essas dificuldades estão sendo vencidas. Como bem assinala CARLOS HENRIQUE ABRÃO:

É certo que os Tribunais Estaduais percorrerão longo caminho na adaptação do diploma legal, enfrentando problemas orçamentários, de autonomia financeira, custo, e toda uma estrutura voltada para atender à previsão da Lei 11.419/2006.[165]

E conclui:

Evidentemente, não sejamos tão ingênuos a ponto de dissipar os entraves: o estabelecimento total e pleno dessa legislação acarretará alto grau de investimento e, mais do que isso, a percepção contínua e constante da autonomia financeira, que vem sendo anualmente destratada pelo Executivo, com o crescimento geométrico dos processos e meramente aritmético das receitas orçamentárias que dotam as previsões de funcio­namento, notadamente, dos Poderes Judiciários Estaduais.[166]

Por tudo o que até agora expusemos quanto ao princípio da celeridade, cabe afirmar que o processo judicial eletrônico tem o seu coroamento no princípio da celeridade – como propulsor de maior rapidez no desenrolar processual, pois com ele se

a) reduz o tempo de tramitação do Processo;

b) abrevia a concretização do comando contido na sen­tença;

c) restitui as partes mais rapidamente à paz social.[167]

3.3 Princípios Processuais Infraconstitucionais

3.3.1 Do princípio da oralidade

A concretização do princípio da oralidade expressa um relativo retorno às origens do processo.

A substituição da forma oral pela forma escrita deu-se em ra­zão de diversos fatores, mas principalmente por motivo da necessi­dade de registro das soluções dadas às demandas, para obstar-se a sua repetição sobre o mesmo objeto litigioso. O aumento expressi­vo da população somente ampliou essa necessidade, haja vista que hodiernamente a quantidade de feitos julgados supera a capacidade de memória de qualquer ser humano, diante do grande aumento populacional e do elevado grau de especialização das funções judicantes que se alcançou com o tempo.[168]

Diferentemente do que ocorria no passado, diante do avanço dos recursos tecnológicos, a observância da oralidade não implica a mesma falta de registros.[169]

Enquanto que a oralidade resultava na dependência da memória do julgador e do grupo social que presenciava o julgamento público, ou que dele tivesse notícia, hoje a oralidade já não mais se associa à intangibilidade posterior dessa forma de instrução probatória. Des­necessários se fazem os registros escritos das provas produzidas em audiência, quando a instância recursal pode-se valer da mesma pro­va coletada pelo Juízo singular, pela simples gravação das audiên­cias de instrução [...], inclusive com imagens [...], se preciso, sem necessidade de transcrições ou de outros meios que, "filtrando" a prova, muitas vezes, podem fazer perderem-se sutilezas impossíveis de transcrição. Tudo isso se necessitando de um mínimo de espaço físico para armazenamento.[170]

Propugna JOSÉ CARLOS DE ARAÚJO ALMEIDA FILHO:

O uso dos meios eletrônicos em audiência, como a gravação de voz e vídeo, podem contribuir para inibir uma série de desgastes. E, neste ponto, identificamos, pelo menos, por enquanto:

a) com a adoção das audiências gravadas, o procedimento eletrônico refletirá, para o julgador de 2º grau, a exata noção do ocorrido na audiência. [...]

b) a gravação impedirá abuso de poder por parte do magistrado ou órgão do Ministério Público;

c) impedirá atitudes antiéticas por parte de advogados, inclusive, evitando pedidos protelatórios em recursos, no que tange ao cerceamento de defesa.[171]

THEODORO JÚNIOR apresenta como elementos que caracterizam o processo oral em sua pureza de conceito:

a) a identidade da pessoa física do juiz, de modo que este dirija o processo desde o seu início até o julgamento;

b) a concentração, isto é, que em uma ou em poucas audiências próximas se realize a produção das provas e o julgamento da causa;

c) a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, evitando a cisão do processo ou a sua in­terrupção contínua, mediante recursos, que devolvem ao tribunal o julgamento impugnado.[172]

E acrescenta:

A oralidade, em nosso Código, foi adotada com mitigação, em face das peculiarida­des da realidade brasileira e das restrições doutrinárias feitas ao rigorismo do princípio. Há, destarte, no Código, limitações à obrigatoriedade da identidade física do juiz (art. 132) e à obrigatoriedade do julgamento da causa em audiência, pois muitos são os casos em que, por economia processual, o julgamento se faz antecipadamente, sem necessidade da audiência de instrução e julgamento, mesmo no rito ordinário (art. 330).[173]

A reforma pela lei 11.419/2006 veio reforçar o princípio da oralidade, atribuindo ao processo celeridade e economia. O §2º do art. 169, do CPC, com redação dada pela citada lei, é cristalino nesse sentido:

Art. 169. Os atos e termos do processo serão datilografados ou escritos com tinta escura e indelével, assinando-os as pessoas que neles intervieram. Quando estas não puderem ou não quiserem firmá-los, o escrivão certificará, nos autos, a ocorrência.

(...)

§ 2º Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).[174]

O processo judicial eletrônico é, portanto, corolário do princípio da oralidade, na medida em que

a) reduz o número de documentos escritos que instruem o processo;

b) simplifica o ritual processual;

c) garante a perenidade da prova oral na sua integralidade, por intermédio de gravação em arquivo eletrônico de fácil armazenamento.[175]

3.3.2 Do princípio da imediação

O princípio da imediação é previsto no art. 132 do CPC, in verbis:

Art. 132. O Juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.[176]

Comentando este dispositivo, Marinoni e Arenhart preceituam:

1. Identidade Física do Juiz. Ao pre­sidir e concluir a audiência de instrução e julgamento, o juiz vincula-se à causa, tendo de julgar a lide.Trata-se de norma que impõe a identidade física do juiz e que, ao lado da prevalência da palavra falada sobre a escrita, da publicidade, da imediação, da concen­tração e da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, dá lugar à organização de um processo regido pela oralidade. Salvo as exceções legais, é nula a decisão prolatada com ofensa à identidade física do juiz (STJ, 3a Turma, Resp. 93.838/CE, rel. Min. Ari Pargendler, j. em 04.12.2003, DJ 01.03.2004, p. 180). Não havendo prejuízo na prolação da decisão por outro órgão jurisdicional, toda­via, não é de ser reconhecida a invalidade da sentença (STJ, lªTurma, REsp 786.150/RJ, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 21.03.2006, DJ 10.04.2006, p. 150). Já se decidiu que não viola o art. 132, CPC, eventual regime de "mutirão" judiciário, organizado pelo respec­tivo Tribunal, para agilização da prestação jurisdicional (STJ, 1ª Turma, AgRg no Ag654.298/RS, rei. Min. José Delgado, j. Em 24.05.2005, DJ 27.06.2005, p. 242).

2. Exceções. Se o juiz que colheu a prova oral em audiência de instrução e julgamento estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, for promovido ou aposentado, não tem o dever de decidir a causa, casos em que passará os autos ao seu sucessor legal. São exceções à necessidade de identidade física do juiz, não havendo nulidade no jul­gamento do sucessor (STJ, 3ª Turma, REsp 721.743/RS, rei. Min. Nancy Andrighi, j. em 19.09.2006, DJ 02.10.2006, p. 266).

3. Repetição da Prova. Não tem o juiz sucessor o dever de determinar a repetição da prova colhida em audiência de instrução e julgamento. Trata-se de mera faculdade, caso o órgão jurisdicional entenda necessária nova colheita de prova (STJ, 5a Turma, Resp. 406.517/MG, rel. Min. Edson Vidigal, j. em 02.04.2002, DJ 29.04.2002, p. 317).[177]

É cediço concluir que a tecnologia aplicada na forma eletrônica de se processar é, na verdade, uma aliada do princípio da imediação, tendo em vista que ela vem justamente para se evitar a forma escrita no papel. Ademais:

Sob tal aspecto, as novéis tecnologias vêm trazendo a oportunidade de obedecer-se à necessidade de o Juiz participar di­retamente da produção das provas sem que haja excessivo dispên­dio de recursos.[178]

O princípio da imediação chama à baila a aplicação de uma ferramenta que encontra defensores e críticos: a teleconferência aplicada à realização de audiências de instrução.

Trata-se das chamadas "teleaudiências" em que o Juiz preside a Audiência de Instrução mesmo à distância, valendo-se para isso dos atuais recursos de transmissão de som e imagem.[179]

Os detratadores criticam-na sob os seguintes argumentos, conforme aponta CLEMENTINO:[180]

Primeiro, “a suspeita de que, à distância, as pessoas ouvidas pode­riam estar submetidas a alguma espécie de coação, sem conheci­mento do Juiz da instrução”, encontra seus defensores críticos, entre eles, Dotti,[181] para quem:

com efeito, as representações estereotipadas das audiências e a liturgia de certos procedimentos conduzem à alienação dos parti­cipantes e à perda de substância do próprio objeto que os reúne em torno de uma mesa ou de um balcão. E daí surge, inevitável, a triste conclusão de que "também o tribunal, surpreendido pela massificação da justiça, teve de se sacrificar no altar da eficiência e de se converter à lógica da quantidade e à racionalidade burocrática."

A segunda objeção consiste em alegar que são perdidos detalhes preciosos em uma audiência indireta, “como a apreciação da postura do depoente, estado de ânimo, tiques nervosos etc.”, sob o argumento de haver muito mais do que simplesmente depoimentos ou testemunhos verbais de quem é ouvido. Luiz Flávio D'Urso, um desses objetores, discorre:

Vozes de todos os cantos do país levantam-se contra essa expe­riência, pois sob o manto da modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana, afastando o acusado da única oportunida­de que tem para falar ao seu julgador, trazendo frieza e impessoa­lidade a um interrogatório. A ausência da voz viva, do corpo e do "olho no olho", redunda em prejuízo para a defesa e para a pró­pria Justiça, que terá de confiar em terceiros, que farão a ponte tecnológica com o julgador. [182]

Algumas entidades seguem a crítica (OAB, Associação Juízes para a Democracia, AASP, dentre outras), invocando o direito constitucional à ampla defesa. Defendem que o interrogatório é o único momento que o réu tem para falar diretamente com o juiz e que o contato “virtual” é frio e desumano, não permitindo uma correta verificação do “calor humano” presente no interrogatório tradicional.[183]

Ora, é incontestável que há detalhes valiosos a serem observados numa audiência e não somente as palavras proferidas. O que é contestável é a conclusão de que as teleaudiências excluam a possibilidade de observar tais minú­cias. Por isso, há quem veja, nesse novo aparato, uma forma inteligente e segura de se extrair provas que vão integrar o processo.[184]

O interrogatório não deixa de ser oral, mantendo-se o contato visual, que inclusive é ampliado pelas tecnologias de captação, amplificação e aproxima­ção de som e imagem.[185]

É bom que se frise que a discussão já foi mais acalorada; hoje, diminuída em face da superveniência da Lei 11.900/2009[186] – conhecida como lei da videoconferência –, que regulou a aplicação dos recursos de videoconferência para produção de prova.

A pá de cal será definitivamente jogada sobre o assunto com o advento do Novo Código de Processo Civil, tendo em vista que, já no ponto em que se encontra, prevê a oitiva de partes e testemunhas por videoconferência, de acordo com o art. 151, §3º do Anteprojeto:

 Art. 151. Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

[...]

§ 3º Os processos podem ser, total ou parcialmente, eletrônicos, de modo que todos os atos e os termos do processo sejam produzidos, transmitidos [nosso grifo], armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei, cumprindo aos interessados obter a tecnologia necessária para acessar os dados, sem prejuízo da disponibilização nos foros judiciários e nos tribunais dos meios necessários para o acesso às informações eletrônicas e da porta de entrada para carregar o sistema com as informações.[187]

Ademais, tais divergências ocorrem normalmente no âmbito do processo penal, no qual o objeto da prova, normalmente, visa à proteção de um bem extremamente valioso – a liberdade – em comparação com as demandas no processo civil.

Nesse âmbito, fatores relevantes são levados em consideração, como segurança dos juízes e servidores, velocidade e economia. Mesmo no processo penal, se, por um lado, as audiências por videoconferência acarretam a diminuição do contato pessoal do juiz com os réus, já que eles são ouvidos e vistos (do ambiente onde estiverem – presídio, etc.) pelo juiz, sem a necessidade de deslocamento ao foro,[188] por outro, aumenta-se o contato do juiz com a prova. O juiz deixa de ter intermediários, ainda que fosse um colega, juiz, por meio de carta precatória.[189]

Percebe-se, assim, que o Princípio da Imediação resta atendido na utilização do Processo Eletrônico porque

a) mantém e, em alguns casos, amplia o contato do Juiz com a produção da prova;

b) suprime intermediários na produção da prova;

c) enseja a concentração dos Atos Processuais, com eco­nomia de custos e de tempo, aproximando temporalmente a produção da prova e a decisão judicial decorrente.[190]

3.3.3 Do princípio da instrumentalidade processual

O Princípio da Instrumentalidade processual encontra-se previsto, ainda que não nominativamente, no Código de Processo Civil, nos artigos 154, 244 e 249, §2º:[191]

Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputan­do-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencheram a finalidade essencial.[192]

Art. 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem comi­nação de nulidade, o juiz considerará válido o ato, se realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.[193]

Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados.

(...)

§ 2º Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.[194]

O princípio da instrumentalidade, fundamentalmente, corresponde ao aproveitamento do ato viciado, com as exigências descritas, de estreita ligação com o princípio da economia processual. [195]

NEVES explica:

Pelo princípio da instrumentalidade das formas, ainda que a formalidade para prática de ato processual seja importante em termos de segurança jurídica, visto que garante à parte que a respeita a geração dos efeitos programados por lei, não é conveniente considerar o ato nulo somente porque praticado em desconformidade com a forma legal. O essencial é verificar se o desrespeito à forma legal para a prática do ato afastou-o de sua finalidade [grifo do autor], além de verificar se o descompasso entre o ato nulo foi praticado e como deveria ser praticado segundo a forma legal que causou algum prejuízo [grifo do autor]. Não havendo prejuízo para a parte contrária, tampouco ao próprio processo, percebendo-se que o ato atingiu sua finalidade, é excessivo e indesejável apego ao formalismo declarar o ato nulo, impedindo a geração dos efeitos jurídico-processuais programados pela lei. [196]

Urge, todavia, não confundir formalidade com formalismo. “Em matéria de procedimento eletrônico, o formalismo é a decretação da inviabilidade do processo.”[197]

No ponto, registra BATISTELLA:

Faz-se necessário diferenciar a formalidade do formalismo. Aquela advém da lei e é salutar para o bom andamento do processo; este último é oriundo da mentalidade do aplicador do direito, decorrente do culto exacerbado à formalidade, cujo conservadorismo, não raras vezes, encontra-se tão equivocada e expressivamente presente nas decisões do judiciário, como se estas fossem resolver o processo e atender os anseios da sociedade.[198]

Preconiza ainda:

Na verdade, o processo civil moderno tem na instrumentalidade das formas, um grande aliado para que o formalismo seja paulatinamente execrado do campo processual, cabendo aos magistrados a aplicação deste princípio que serve de auxílio à tutela dos direitos individuais e transindividuais, o que faz o processo ser um instrumento eficaz à realização do direito material.[199]

Com base naqueles dispositivos do CPC, a maioria dos autores afirma que houve, por parte do legislador infraconstitucional, a adoção do princípio da liberdade das formas, que está em plena sintonia com o princípio do devido processo legal. [200]

Para RUY PORTANOVA:

Adotando o princípio da liberdade das formas, o processo civil brasileiro afastou a incidência do princípio da legalidade da forma. Dessa maneira, a exigência de determinada forma para determinados atos está restrita às hipóteses taxativas e expressamente previstas em lei.[201]

Em sentido contrário, de modo a adotar a tese da rigidez das formas, estão CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO, para quem:

O Código de Processo Civil dá a impressão de adotar o princípio da liberdade das formas, ao proclamar que ‘os atos e termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente exigir’ (art. 154). Na disciplina dos atos procedimentais em particular, situa-se decididamente na linha da legalidade formal.[202]

Há autores, ainda, a exemplo do saudoso processualista baiano, CALMON DE PASSOS, que verdadeiramente não aceitam sequer a existência do princípio da instrumentalidade do processo como princípio autônomo. Para ele:

‘[...] separar o direito, enquanto pensado, do processo comunicativo que o estrutura como linguagem, possibilitando sua concreção como ato decisório, será dissociar-se o que é indissociável. Em resumo, não há um direito independente do processo de sua enunciação, o que equivale a dizer-se que o direito pensado e o processo do seu enunciar fazem um. Falar-se, pois, em instrumentalidade do processo é incorrer-se, mesmo que inconsciente e involuntariamente, em um equívoco de graves consequências, porque indutor do falso e perigoso entendimento de que é possível dissociar-se o ser do direito do dizer sobre o direito, o ser do direito do processo de sua produção, o direito material do direito processual. Uma e outra coisa fazem um’.77

Concorda o professor FREDIE DIDIER JUNIOR:

Calmon de Passos está certíssimo. O direito só é após ser produzido. E o Direito se produz processualmente. Quando se fala em instrumentalidade do processo, não se quer minimizar o papel do processo na construção do direito, visto que é absolutamente indispensável, porquanto método de con­trole do exercício do poder. Trata-se, em verdade, de dar-lhe a sua exata função, que é a de co-protagonista. Forçar o operador jurídico a perceber que as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com a sua função, que é a de emprestar efetividade às regras do direito material.

Em se tratando de processo judicial eletrônico, cabem, mais uma vez, as advertências de CLEMENTINO:

Os objetivos do Processo continuam sendo os mesmos, mas as formas de sua consecução estão mudando em velocidade que jamais se experimentou. Cabe ao operador do Direito adaptar-se à nova realidade, trazendo essas inovações para o bojo do Pro­cesso, aparando-lhe as arestas que se mostrarem inadequadas ao sistema e sobrepujar as dificuldades iniciais.[203]

A utilização do Processo Virtual amplia a efetividade desse Princípio, haja vista que toda e qualquer forma de melhoria na con­dução da via processual vem ao encontro do objetivo maior do Pro­cesso que é estabelecer a melhor forma de buscar a solução da lide dentro de um espaço de tempo razoável.[204]

Destarte, é preciso reservas, mesmo diante das maravilhas proporcionadas pelo processo judicial eletrônico. Nesse sentido, é bem ilustrativa a situação trazida por ABRÃO, com o fim de demonstrar que o modelo eletrônico, certamente, encontrará limites de aplicação, sobretudo materiais:

Imaginemos uma demanda na qual seja realizada uma prova pericial técnica, com inúmeras plantas juntadas pelo perito – para digitalizar esses documentos é preciso aparato e equipamento correspondente à qualidade e natureza da prova. [205]

A solução, todavia, é apresentada pelo mesmo Autor, de forma plenamente factível em casos de impossibilidade de juntada de certos documentos, por sua dimensão ou outra dificuldade. Ele sugere a retenção dos originais, ou cópias au­tenticadas pelo o juízo, cuja restituição será feita depois de a coisa julgada se formar.[206]

Visão extremamente tenaz a de SEBASTIÃO TAVARES PEREIRA ao apresentar a tese da dupla instrumentalidade do processo eletrônico:

3. As duas instrumentalidades: da natureza jurídico-instrumental do processo e da natureza instrumental da tecnologia

O processo eletrônico, mesmo realizado por meio físico especial, tem a natureza jurídica de processo e qualifica-se como instrumento. À luz da teoria do processo, o processo eletrônico é instrumental. Daí decorre a primeira das instrumentalidades mencionadas na ideia de dupla instrumentalidade a que se refere o princípio aqui proposto.

Considerando-se, por outro lado, que tecnologia vem de técnica e que técnica é "maneira, jeito ou habilidade especial de executar ou fazer algo", deve-se considerar o processo eletrônico como um modo especial de fazer o processo. Disso decorre que, sob o aspecto tecnológico, esse modo de processo caracteriza-se também essencialmente pela instrumentalidade. [207]

O mesmo autor encerra sua explicação de forma extremamente criativa com o seguinte trocadilho:

A tecnologia é instrumento a serviço do instrumento – o processo – e, portanto, sua incorporação deve ser feita resguardando-se os princípios do instrumento e os objetivos a serviço dos quais está posto o instrumento.[208]

Na jurisprudência, o princípio da instrumentalidade, no caso do processo eletrônico, já está sendo concretizado mediante decisões como esta, cuja ementa colacionamos:

PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO NO JULGADO. AUSÊNCIA. PROCESSO DIGITAL. ASSINATURA ELETRÔNICA. ORIGINAL PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS. DESNECESSIDADE DE SUBSCRIÇÃO CORPÓREA. CONHECIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. RAZOABILIDADE E INSTRUMENTALIDADE.

1. Não há omissão no jugado, uma vez que o Tribunal a quo se manifestou acerca da presença de assinatura eletrônica no recurso de apelação, entendendo, todavia, que este precisa estar grafado fisicamente.

2. No caso em exame, verifica-se que os processos em curso na vara de origem são digitalizados, ao passo que os que tramitam na segunda instância são físicos. Nesse contexto, as apelações, interpostas no juízo de origem, seguem o formato inerente a este.

3. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma da lei, são considerados originais para todos os efeitos, nos termos do artigo 11 da Lei nº 11.419/2006.

4. Em homenagem à instrumentalidade do processo [nosso grifo], o vício correspondente à ausência de assinatura em petição pode ser sanado, na instância ordinária, concedendo prazo à parte para que regularize a subscrição. Precedentes.

5. Recurso especial provido em parte.[209]

É curial frisar que, no processo eletrônico, os atos processuais exigirão a obediência estrita a requisitos de autenticidade, integridade e segurança, “sob pena de verem-se adulterados os atos já praticados.”[210]

A autenticidade do documento representa a certeza de que o objeto provém das fontes informadas e que não sofreu alterações ao longo do processo. A integridade refere-se à confiabilidade dos documentos, da disposição correta e em formato compatível com as informações apresentadas. A segurança é a proteção contra o acesso não autorizado.[211]

Diante do princípio da instrumentalidade, o processo judicial eletrônico se justifica em razão da

a) necessidade da adoção de um procedimento mais eficaz e eficiente como instrumento de prestação jurisdicional, diante da pletora processual em tramitação nos Juizados Especiais Federais;

b) importância de uma nova postura dos Juízes, partes e seus procuradores para a viabilização da Justiça;

c) adequação da Resolução aos primados da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade que devem orientar os Juizados Especiais;

d) garantia de acesso aos equipamentos e meios eletrônicos às partes que deles não disponham afasta ale­gações relativas à oposição de obstáculos ao livre acesso à Justiça ou ao exercício da advocacia.[212]

3.3.4 Do princípio da economia processual

A respeito do princípio da economia processual, NEVES ressalta que esse deve ser examinado sob duas óticas:

Do ponto de vista sistêmico, observando-se o sistema como um todo, significa que, quanto menos demandas existirem para se chegar aos mesmos resultados, melhor será em termos de qualidade da prestação jurisdicional como um todo.”[213]

Por outro lado, o princípio da economia também pode ser entendido como a tentativa de ser o processo o mais barato possível, gerando o menor valor de gastos.[214]

Para THEODORO, o princípio da economia processual é manifestação do devido processo legal:

O princípio da economia processual vincula-se diretamente com a garantia do devido processo legal, porquanto o desvio da atividade processual para os atos onerosos, inúteis e desnecessários gera embaraço à rápida solução do litígio, tornando demorada a prestação jurisdicional. Justiça tardia é, segundo a consciência geral, justiça denegada. Não é justo, portanto, uma causa que se arrasta penosamente pelo foro, desanimando a parte e desacredi­tando o aparelho judiciário perante a sociedade.[215]

Preconiza CLEMENTINO, no mesmo sentido:

O Princípio da Economicidade está ligado à ideia de que o Processo Judicial deve ser barato, sem deixar de lado a exigência da celeridade e, principalmente, o ideal da Justiça.[216]

A economia processual, diante da instalação do processo judicial eletrônico, é propiciada por vários instrumentos. Já existem hoje várias ferramentas que têm tornado o processo muito mais viável economicamente.

Definindo esse desenho na sua arquitetura prática, cria-se a assinatura digital, implanta-se o Diário de Justiça Eletrônico, de fácil acesso pelos interessados, e, para efeito de contagem de prazo, estabelece-se o pri­meiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no caderno eletrônico, o que resulta em instrumento seguro para minorar falhas e imprecisões existentes no papel, além de inúmeras conferências, gasto inútil e supérfluo, sem retorno compatível.[217]

Uma série de parâmetros deve servir como critérios de avaliação da economia processual, não sem antes afirmar que “não se deve encarar a Economicidade Pro­cessual tão-somente sob o aspecto relativo aos custos:[218]

a) economia de custos;

b) economia de tempo;

c) economia de atos;

d) eficiência na administração da Justiça.

Destarte, os mais importantes aspectos serão, evidentemente, a celeridade e a economia de custos.[219]

Perceba que “não existirá mais a necessidade de se fazer a autuação do processo, capa, anotações e outras observações, que se tornarão dispensáveis me­diante processo eletrônico.”[220]

Dentro do que é considerado “custos do processo”, devem-se incluir não só as custas processuais e emolumentos, mas também “passagens para que o causídico possa, eventualmente, deslocar-se a variáveis distâncias, na busca dos interesses do seu cliente, além do pagamento de honorários periciais etc.”[221]

ABRÃO lembra que a economia não se dará apenas com recursos materiais diretamente, mas em face do controle da situação atual do processo. Evitar-se-á a apuração tardia de institutos como a perempção, a coisa julgada e a litispendência. Enfatiza ainda:

Bem importante assinalar que o sistema também deverá propiciar campo fértil à descoberta de qualquer prevenção, litispendência ou coisa julgada. Consequentemente, os informes constantes dos bancos de dados alimentarão as informações, dando noções exatas e precisas a respeito do litígio, verdadeira revolução digital emprestando eficácia ao comando do processo e à solução do litígio em tempo real.

Ademais, assegura-se aos cadastrados intimação sem a necessidade de publicação no órgão oficial, mesmo eletrônico. Inclusive, contempla-se hoje a grande vantagem da realização de alienações judiciais por meio de leilão eletrônico.[222]

Sem dúvidas, as vantagens do processo judicial eletrônico sobre o processo tradicional são imensas. “A dis­tância entre a residência do titular do direito ofendido e o escritório do causídico, e o Réu, e o Fórum, e o Tribunal e os Tribunais Supe­riores é a mesma: um clique do mouse.”[223]

Todavia, é preciso que o profissional que lida com o Direito esteja inserido no processo tecnológico. É mister abandonar práticas antigas, já enraizadas pela rotina, diante da qual o advogado mantém uma vaidade: segui-las na contramão de novos métodos. E mesmo que haja, no escritório, empregados “antenados” com a nova era, quem contrata precisa saber a nova face do processo.

Os advogados, sobretudo os mais experientes na profissão, devem estar atentos à necessidade de se reciclarem; aceitarem, com humildade, que os novos tempos exigem novas posturas. Mais ainda, precisam investir em si e em equipamentos e técnicas para assim estarem atualizados com a nova realidade.[224]

Requisito essencial para quem pretende se firmar como profissional do Direito na era da Informática é a absorção das práti­cas mais modernas. O profissional do Direito encontra-se sempre premido pelos prazos que se encontram em permanente marcha. Além disso, em um mundo que se encontra unido pelas linhas telefônicas, cabos, ondas eletromagnéticas, tecnologia wireless.[225][226]

Discorre ainda:

Advogado que precisar colher uma assinatura in loco, ou que preci­sa tomar um avião para atender a um cliente em outro Estado da Federação, ou mesmo em outro país, estará fadado a ser preterido por outro que disponibilize facilidades a seus clientes, também pelo fato de poder oferecer um serviço com custo bem inferior, sem per­da de qualidade.[227]

Em desfecho aos comentários tecidos sobre o princípio da economia processual, CLEMENTINO lembra, ainda, que “a Lei 11.419, de 19.12.2006, trou­xe mais um elemento relativo de garantia à economicidade: o estímulo à utilização de programas com código aberto, consoante seu art. 14.”[228]

Diante disso, é inegável que a adoção do Processo Eletrônico se reforça principiologicamente também sob o prisma da economicidade, sobretudo, porque:

a) a sua adoção implica redução de custos em relação ao modelo anterior;

b) sua implementação resulta em maior celeridade na obtenção da prestação jurisdicional, o que, por via de consequência, diminui sensivelmente o custo da pres­tação jurisdicional;

c) pelo fato de tornar mais barato o acesso à Justiça, con­tribui para ensejar aos hipossuficientes a plena realiza­ção de seus direitos.[229]

3.3.5 Do princípio da lealdade processual ou boa-fé.

O princípio da boa-fé processual impõe comportamento leal, ético das partes. É ele, sem dúvida, um dos princípios mais importantes do processo civil moderno.

DIDIER JUNIOR afirma que todo comportamento processual tem que ser examinado a partir do princípio da boa-fé, senão será comportamento ilícito. Assevera também:

O princípio da boa-fé processual decorre de uma cláusula geral. As consequências normativas para o desrespeito ao princípio da boa-fé não precisam ser típicas: pode-se construir o efeito jurídico mais adequado ao caso concreto. A infração ao princípio da boa-fé pode gerar invalidade do ato processual, preclusão de um poder processual (talvez até mesmo uma supressio), dever de indenizar (se a infração vier acompanhada de um dano), direito a tutela inibitória, sanção disciplinar etc.[230]

THEODORO JUNIOR, em artigo dedicado especificamente ao princípio da boa-fé processual, afirma:

4. A BOA-FÉ NO ÂMBITO DO PROCESSO CIVIL

Na garantia do devido processo legal, que a Carta brasileira arrola entre os direitos fundamentais, resta ínsita a função atribuída ao Legislativo e ao Poder Judiciário de proporcionar às partes um remédio apto a proteger as liberdades compatíveis com as conquistas do humanismo solidarista do Estado Democrático de Direito.

Inspirada nos valores éticos consagrados pela Constituição, a ideia de devido processo legal veicula a noção de instrumento apto a proporcionar o verdadeiro acesso à justiça, ou seja, a de um processo aparelhado para assegurar "a obtenção dos resultados justos que dele é lícito esperar".

Nesse compasso, o Código de Processo Civil reprime, de várias maneiras, a má-fé processual, de forma a valorizar o comportamento ético dos sujeitos do processo e a eliminar a pior mácula moral que uma atividade de pacificação social comprometida com a justiça poderia apresentar: a mentira e, consequentemente, a injustiça.[231]

No ponto concernente ao princípio da lealdade ou boa-fé, o processo judicial eletrônico conduz a uma discussão extremamente intrigante:

Os Documentos relativos aos Atos Processuais, produzi­dos [grifo do autor] mediante a utilização da Assinatura Digital, são efetivamente dignos de fé. Entretanto, os Documentos relativos às provas do direito em discussão, pelo fato de se tratarem de Documentos no sentido tradicional do termo (lavrados em papel), a sua digitalização [grifo do autor] está sujeita a todas as mazelas de que sofre esse meio probató­rio. Nesse caso, a Assinatura Eletrônica apenas garante que após a digitalização não houve qualquer alteração documental, mas não garante que tal não tenha ocorrido em momento anterior.[232]

Exposta a problemática, segundo CLEMENTINO, a solução passa por uma entre duas alternativas: a) ou se aceita tão-somente os documentos eletronicamente produzidos em Cartório como prova no bojo do processo judicial eletrônico; b) ou se transfere a responsabilidade por eventual falsificação digitalizada àquele que a apresentou em Juízo.[233]

O autor CLEMENTINO lembra que a segunda hipótese foi contemplada na Lei 11.419, de 19.12.2006, art. 11, § 1°:[234]

Todavia, a aceitação dos Documentos meramente digitalizados como idôneos a receberem fé no bojo de um Processo Judicial é bastante discutível, haja vista que é difícil de se justificar a aceita­ção de Documentos de Autenticidade duvidosa na Via Eletrônica, quando o mesmo não se dá no Processo judicial tradicional, em que a Autenticação é legalmente exigida.[235]

CLEMENTINO certifica, ainda, que a opção juridicamente mais segura seria justamente a que a lei 11.419/2006 desprezou: a aceitação tão-só dos documentos digitalizados autenticados por um cartório extrajudi­cial que dispusesse da tecnologia adequada.

Somente com a expedição ou autenticação eletrônica [grifos do autor] de tais Documentos por cartórios que adotem a tecnologia da Assina­tura Digital, esses Documentos terão as mesmas garantias estuda­das no capítulo referente aos Documentos eletronicamente produzi­dos. Se assim não for, não passam de cópias sem garantia de Auten­ticidade.[236]

Apesar da discordância com a opção do legislador, reconhece o mesmo Autor que “a responsa­bilização objetiva daquele que apresenta judicialmente o Documen­to é uma solução que aparenta ser mais condizente com o ideal de simplicidade, celeridade (informalidade, no caso dos Juizados Espe­ciais), que inspira o Processo eletrônico.” [237]

Como decorrência da previsão de responsabilidade civil objetiva, “todo aquele que macular o Princípio da Boa-Fé, apresentando documentos dissonantes com a realidade, deve [sic] responder pelo ato, nas esferas civil e penal.”[238]

Em face da possibilidade de falsificações, GEORGE MARMELSTEIN mostra-se extremamente crédulo de que o sistema eletrônico se apresentará muito menos suscetível a fraudes do que o tradicional processo de papel, tendo em vista que,

Com os autos tradicionais, em papel, não são muito comuns os casos de falsificação de documentos processuais.

Falsificar um documento em papel é bem mais fácil do que falsificar um documento digital protegido com mecanismos de segurança (assinatura digital, criptografia, senha, biometria etc). Sobretudo com os modernos escaners (scanners) e impressoras, qualquer criança é capaz de reproduzir com fidelidade impressionante documentos em papel, inclusive dinheiro.

A princípio, portanto, toda essa preocupação em torno da segurança e autenticidade dos dados na comunicação virtual dos atos processuais seria sem sentido, já que são raros os casos de falsificação dos autos em papel e, portanto, seriam também raros os casos de falsificação/adulteração de documentos digitais.

Porém, no mundo virtual, há um submundo em que vivem pessoas cuja maior diversão é violar sistemas de segurança. Os processos digitais seriam um prato cheio para esses malfeitores cibernéticos, sobretudo se houver possibilidade de lucro com essa atividade. Haverá tentativa de destruição de autos digitais, de adulteração de documentos ou simplesmente violação do sigilo dos processos que tramitam em segredo de justiça.

A preocupação com a segurança, portanto, deverá estar sempre na pauta de discussões dos processualistas.[239]

Lembra-se que a lealdade é atitude que parte dos sujeitos envolvidos no processo e não da técnica.

Assim, o princípio da boa fé processual encerra nossa análise principiológica do processo judicial eletrônico.

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Sobre o autor
Junior Gonçalves Lima

Técnico Judiciário - Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Junior Gonçalves. Processo judicial eletrônico: uma análise principiológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3263, 7 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21933. Acesso em: 18 abr. 2024.

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