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ISS: controvérsia sobre a tributação da franquia

13/06/2012 às 14:42
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A franquia, por envolver prestação de serviço de treinamento de pessoal e transferência de know-how, expressa uma obrigação de fazer como sendo objeto do contrato, sendo que a entrega de máquinas e equipamentos ao franqueado não é objeto principal do contrato.

No regime do Decreto-lei nº 406/68 a franquia (franchising) não figurava na lista de serviços. Apenas os serviços de agenciamento, corretagem e faturação (factoring) constava no item 48 da lista anexa.Daí, a jurisprudência pacífica do STJ no sentido da não incidência do ISS nos serviços prestados no âmbito do contrato de franquia conforme ementas abaixo:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ISS. FRANCHISING. DECRETO-LEI Nº 406/68. LC Nº 56/87. LEI Nº 8.955/94. PRECEDENTES.

1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento.

2. O acórdão a quo considerou indevida a tributação, por meio de ISSQN, sobre serviços postais que prestam os recorridos como franqueados da ECT, uma vez que o contrato de franquia não está previsto na lista de serviços da LC nº 56/87.

3. O art. 2º da Lei nº 8.955/94 define o contrato de franquia do modo seguinte: “Franquia empresarial é o sistema pelo qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços, e eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”.

4. O “franchising”, em sua natureza jurídica, é “contrato típico, misto, bilateral, de prestações recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou comercialização de produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos em contrato de adesão”. (Adalberto Simão Filho, "Franchising", São Paulo, 3a ed., Atlas, 1998, págs. 36/42) 

5. O conceito constitucional de serviço tributável somente abrange: ‘a) as obrigações de fazer e nenhuma outra; b) os serviços submetidos ao regime de direito privado não incluindo, portanto, o serviço público (porque este, além de sujeito ao regime de direito público, é imune a imposto, conforme o art. 150, VI, "a", da Constituição); c) que revelam conteúdo econômico, realizados em caráter negocial - o que afasta, desde logo, aqueles prestados a si mesmo, ou em regime familiar ou desinteressadamente (afetivo, caritativo, etc.); d) prestados sem relação de emprego – como definida pela legislação própria - excluído, pois, o trabalho efetuado em regime de subordinação (funcional ou empregatício) por não estar in comércio.’ (Aires F. Barreto, "ISS - Não incidência sobre Franquia", in Rev. Direito Tributário, Malheiros Editores, vol. nº 64, págs. 216/221)

6. O contrato de franquia é de natureza híbrida, em face de ser formado por vários elementos circunstanciais, pelo que não caracteriza para o mundo jurídico uma simples prestação de serviço, não incidindo sobre ele o ISS. Por não ser serviço, não consta, de modo identificado, no rol das atividades especificadas pela Lei nº 8.955/94, para fins de tributação do ISS.

7. Precedentes desta Corte Superior.

8. Agravo regimental não-provido.” (AgRg no Ag n° 746597/RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ de 08/06/2006, p. 134).

“TRIBUTÁRIO. ISS. FRANQUIA. EBCT. PRÁTICA DE AGENCIAMENTO. INCIDÊNCIA.

1. Não merece reparo o acórdão hostilizado, eis que ausentes as hipóteses do art. 535 do Código de Ritos.

2. Esta Corte perfilha o entendimento de que não deve incidir ISS sobre serviços prestados no âmbito do contrato de franquia. Contudo, faz-se a exceção no que se refere à prática de serviços de agenciamento, corretagem e faturação (factoring), eis que expressamente previstos no art. 48 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68.

3. Recurso especial provido” (Resp n° 705243/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 12/09/2005).

No mesmo sentido: Resp  nº 221.577, Resp  nº 403.799, Resp nº 189.225 e Resp nº 222.246.

Com o advento da Lei Complementar nº 116/03 houve a expressa inclusão da franquia no item 17.08 da lista anexa.

Contudo, o STJ, apegado ao posicionamento pela não tributação da franquia, passou a declinar de sua competência para julgar o recurso especial porque sustentar a sua intributabilidade equivaleria a proclamar a inconstitucionalidade do item 17.08 da lista de serviço, matéria que estaria fora de sua alçada.

Outrossim, os Recursos Extraordinários interpostos contra decisões de tribunais declarando a legitimidade da cobrança do ISS sobre a atividade de franquia pelo prisma infraconstitucional, com fundamento na LC n° 116/2003, Lei n°   8.995/94 e  na lei local do ISS, também, vinham sendo desprovidos pela Corte Suprema, afastando a alegação de inconstitucionalidade da tributação, porque eventual ofensa à Constituição dar-se-ia de forma indireta, circunstância que impede a admissão do extraordinário.

Transcrevamos, para melhor compreensão, a ementa de um desses acórdãos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISS. CONTRATO DE FRANQUIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. LEGISLAÇÃO LOCAL. OFENSA REFLEXA. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

A controvérsia foi decidida com fundamento em legislação infraconstitucional – Lei complementar n. 116/03 e Lei n. 8.955/94 – bem como na legislação local que disciplina a espécie – Lei municipal n. 8.725/03 (Súmula n. 280 do Supremo Tribunal Federal). Ofensa indireta à Constituição do Brasil.

Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no RE n° 603.015/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJe n° 45 de 11/3/10).

No mesmo sentido, RE n° 148.512, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 2-8-96; AI n° 157.906-AgR, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 9-12-94, AI n° 145.680-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30-4-93, e o AI n° 583.632-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 17-8-07 e RE n° 571.256-AgR, Rel. Min. Cármen Lucia, DJe de 9-10-09.

Ultimamente o STJ passou a entender que no regime da Lei Complementar nº 116/03 é devido o ISS sobre as operações de franquia porque expressamente prevista na lista de serviços tributáveis, conforme ementas abaixo:

“Tributário e Processual Civil. ISS. LC n° 116/2003. Contrato de Franquia. Incidência tributária. Previsão expressa.

1. Com a edição da Lei Complementar nº 116/03, em vigor a partir de 01-01-2004, a operação de franquia passou a ser expressamente prevista no item 17.08 da lista de serviços anexa à norma, ficando, portanto, sujeita à incidência tributária. Precedentes: AgRg no REsp 982.171/RJ, Rel. Min.  Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29-04-10; AgRg no REsp 1.151.492/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10-03-2011; AgRg no REsp 1.140.028/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 14-02-2011; EDcl no REsp 1.066.071/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 05-03-2010.

2. Agravo regimental provido.” (AgRg no REsp 1191839/DF, Rel. Min. Castro Meira, DJe 27-04-2011).

“Tributário. Processual Civil. Embargos de declaração no recurso especial recebidos como agravo regimental. ISSQN. Contrato de franquia. Incidência. Precedentes do STJ. Agravo não provido.

1. Em razão do manifesto caráter infringente dos presentes embargos declaratórios, recebo-os como agravo regimental, aplicando-se-lhes o princípio da fungibilidade recursal.

2. Em relação ao ISSQN, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, com a superveniência da "Lei Complementar n. 116/03 – que entrou em vigor apenas em 1.1.2004 -, as franquias (franchising), de forma geral, foram expressamente incluídas na lista de serviços que tornam exigível o tributo" (AgRg no REsp 1151492/SP, Rel. Min. Mauro Campbell, Segunda Turma, DJe 10-03-11).

3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.” (EDcl no REsp 1121098/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 26-08-2011).

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Outrossim, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral na questão constitucional suscitada, conforme ementa abaixo:

“Recurso Extraordinário. Tributário. ISS. Franquia. Fato gerador. Lei Complementar 116/2003. Repercussão geral reconhecida” (RE nº 603136 RG/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 1-10-2010).

Cabe, pois, ao Supremo Tribunal Federal colocar um ponto final nessa discussão que se arrasta por quase uma década, criando um clima de insegurança jurídica aos contribuintes do ISS.

No nosso entender, como se pode constatar do conceito expresso na Lei 8.955/94, a franquia, por envolver prestação de serviço de treinamento de pessoal e transferência de know-how, caracteriza-se como produto de esforço humano que resulta em um bem de natureza imaterial. Expressa, pois, uma obrigação de fazer como sendo objeto do contrato, sendo que a entrega de máquinas e equipamentos ao franqueado não é objeto principal do contrato. Porém, essa controvérsia cabe ao Supremo Tribunal Federal dirimir em definitivo sendo certo que a franquia está contemplada na lista de serviços vigente.

Por fim, assinale-se que não cabe ao órgão fracionário de Tribunal decidir pela não tributação do serviço previsto no item 17.08 da lista anexa à LC nº 116/03, sem enfrentar a questão da inconstitucionalidade desse item, como tem feito o TJESP, [1] porque é matéria afeta ao Órgão Especial. Isso só era possível no regime anterior ao da Lei Complementar nº 116/03.


Nota

[1] Ap. Civ. em MS nº 9125440-77.2005.8.26.0000, Rel. Des. Geraldo Xavier, j. 8-3-2012).

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. ISS: controvérsia sobre a tributação da franquia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3269, 13 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21995. Acesso em: 14 dez. 2024.

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